sábado, 4 de janeiro de 2014

A Fascinante Construção do Eu



Introdução
Você teria coragem de subir num avião e fazer uma longa viagem sabendo que o piloto não tem experiência, que tem poucas horas de voo? Relaxaria se soubesse que ele desconhece os instrumentos de navegação? Dormiria se ele não tivesse habilidade para desviar de rotas turbulentas, com alta concentração de nuvens e descargas elétricas?
Fiz essas perguntas simples numa conferência que dei sobre A Educação do Século XXI para cerca de 300 coordenadores de faculdade, reitores e pró-reitores do país, que representam um universo de mais de 100 mil alunos universitários. É óbvio* que todos responderam que se sentiriam completamente desconfortáveis. Muitos nem sequer ousariam pisar nessa aeronave. Mas os abalei ao afirmar que embarcamos diariamente na mais complexa das aeronaves, comandada por um piloto frequentemente despreparado, mal equipado e mal-educado e, portanto, sujeito a causar inúmeros acidentes. Essa aeronave é a mente humana, e o piloto é o próprio Eu.



augusto cury
Se você entrar num avião de última geração, ficará perplexo com a quantidade de instrumentos de apoio à navegação. Mas de que adianta haver tais instrumentos se o piloto não sabe usá-los? De que adianta o Eu ter recursos para dirigir o psiquismo ou o intelecto humano se durante o processo de formação da personalidade não aprende os conhecimentos básicos desses instrumentos nem desenvolve as mínimas habilidades para operá-los?
Ninguém é tão importante quanto os professores no teatro social, embora a débil sociedade não lhes dê o status que merecem. Mas o sistema em que eles estão inseridos é ingénuo e estressante. A educação moderna não forma coletivamente seres humanos que têm consciência de que possuem um Eu, de que esse Eu é construído através de mecanismos sofisti-cadíssimos, de que esses mecanismos deveriam desenvolver funções vitais nobilíssimas, e de que, sem o desenvolvimento dessas funções, ele poderá estar completamente desprepara-do para pilotar o aparelho mental. E, por estar despreparado, será conduzido pelas tempestades sociais e pelas crises psíquicas como um barco à deriva, sem leme.
Um Eu malformado terá grandes chances de ser imaturo, ainda que seja um gigante na ciência; sem brilho, ainda que seja socialmente aplaudido; de viver de migalhas de prazer, ainda que tenha dinheiro para comprar o que bem desejar; engessado, ainda que tenha grande potencial criativo.
O que o seu Eu faz com as turbulências emocionais? Deixa-as passar, desvia-se delas ou as enfrenta? Se fôssemos um piloto de avião, a melhor conduta talvez fosse fugir das formações densas de nuvens, mas, como pilotos men-
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tais, essa seria a pior atitude, embora seja a decisão mais frequentemente tomada.
Em primeiro lugar, porque é impossível o Eu fugir de si mesmo. Em segundo, porque, se o Eu exercitar a paciência para deixar as emoções angustiantes se dissiparem espontaneamente e seguir em frente, ele cairá na armadilha da au-toilusão. A paciência, tão importante nas relações sociais, é péssima se significar a omissão do Eu em atuar nas crises psíquicas. Apenas aparentemente, elas se dissiparão. Serão arquivadas no córtex cerebral e farão parte das matrizes de nossa personalidade. Em terceiro lugar, porque poderão formar janelas traumáticas com alto poder de atração e agregação. Estudaremos esse assunto com mais calma, mas vale dizer que tais janelas encarceram o Eu e o desestabi-lizam como gerente da mente humana.
O Eu deveria saber usar instrumentos para o enfren-tamento e a reciclagem de suas mazelas emocionais. Mas que tipo de ferramentas ele usa diante dos medos que lhe furtam a tranquilidade? Os medos, ou fobias, vêm e aparentemente vão embora, mas, no fundo, ficam, vão sendo depositados nos bastidores da memória e pouco a pouco vão desertificando o território da emoção. E que tipo de atitude o Eu toma diante do humor depressivo que esmaga o encanto pela existência? E dos estímulos estressantes que nos tira do ponto de equilíbrio? E dos pensamentos anteci-patórios, da ansiedade e irritabilidade?
Infelizmente, o Eu é treinado a ficar calado no único lugar em que não se admite ficar quieto. É adestrado para ser submisso no único lugar em que não se admite ser um servo. É aprisionado no único ambiente em que só se é inteligente, saudável e feliz se se for livre.
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CAPITULO I
O eu deveria ficar assombrado com a mente humana
EjETADOS PARA O MUNDO EXTERNO
A educação moderna nos ejeta para o mundo externo. Como já expressei e reafirmo, conhecemos átomos que nunca veremos e planetas em que nunca pisaremos, mas não conhecemos minimamente o planeta onde todos os dias andamos, respiramos, existimos e nos acidentamos, o planeta psíquico. Não reflete isso um paradoxo inaceitável? Que tipo de educação é essa e que tipo de Eu queremos formar? Se quisermos formar um Eu lúcido, dosado, coerente, generoso, ousado, precisamos questionar para onde caminha a educação.



augusto cury
O ranking dos países que possuem a melhor educação clássica tem estreita relação com o ranking da eficiência profissional, mas não tem grande relação com a maturidade do Eu e com o desenvolvimento das suas funções vitais.
Não temos ideia de que, no aparelho mental, um pensamento, por mais tolo que seja, é construído com maior engenhosidade do que um edifício com milhões de tijolos e que demora anos para ser acabado. Exagero? Não. Engenheiros sabem quais tijolos usar para uma construção física, mas o Eu, como engenheiro da psique, não sabe sequer como entrar no córtex cerebral e utilizar os materiais disponíveis para a construção de cadeias de pensamentos.
Um Eu imaturo não perceberá que cor de pele, religião, sexo, cultura e raça jamais servirão de parâmetros para discriminar dois seres humanos com a mesma complexidade psíquica. Um Eu maduro e, portanto, profundo, deveria ficar no mínimo embasbacado com o processo de construção de pensamentos. Mas quem fica? Produzimos pensamentos como se tal tarefa fosse uma banalidade.
Einstein produziu uma das teorias mais complexas da ciência, mas, se vivêssemos em seu tempo e tivéssemos a oportunidade de lhe perguntar como os fenómenos nos bastidores da sua mente conseguiram varrer milhares de vezes as janelas do seu córtex cerebral e costurar as informações para produzir as suas imagens mentais que deram luz aos pressupostos de sua teoria, ele provavelmente não saberia responder. Usamos o pensamento para pensar o mundo, mas se o usarmos para pensar como pensamos, entenderemos que todos somos meninos diante de tão insofismável complexidade.
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Entre um paciente portador de uma psicose e Einstein, ou mesmo Freud, há diferenças na rapidez, coerência, síntese, esquema e originalidade do raciocínio. Mas todas essas diferenças estão na superfície da inteligência. Nas profundezas, somos iguais. Como autor de uma teoria sobre essa área, assombro-me diante dessa complexidade e diante da relutância que temos em conhecer nossa essência. Quando estudarmos aqui os mecanismos de formação do Eu, não teremos dúvidas sobre isso.
Agrónomos discutem microelementos para nutrir as plantas, médicos debatem sobre moléculas medicamentosas, economistas discorrem sobre medidas para controlar o fluxo de capitais internacionais, mas não discutimos quase nada sobre como formar o Eu como diretor psíquico. O sistema académico nos prepara para exercer uma profissão e para conhecer e dirigir empresas, cidades ou estados, mas não a nós mesmos. Essa lacuna gerou deficits gritantes na formação do Eu, que, por sua vez, se tornou um dos importantes fatores que fomentaram as falhas históricas do Homo sapiens.
Não é loucura um mortal produzir guerras e homicídios? O caos dramático da morte perpetrado na solidão de um túmulo deveria produzir um aporte mínimo de sabedoria para o Eu controlar sua violência, mas não é suficiente. Um Eu infantil, pouco dado a interiorização, postula-se como deus. Não é estupidez um ser humano que morre um pouco a cada dia ter a necessidade neurótica de poder como se fosse eterno? Não é estupidez um homem que não sabe como gerenciar seus próprios pensamentos ter a necessidade ansiosa de controlar os outros?
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Não é uma barbaridade querer ser o mais rico, o mais famoso ou o mais eficiente profissional no leito de um hospital? Ninguém quer isso. Mas por que muitos que têm espetacular sucesso social e financeiro, em vez de relaxar e se deleitar, continuam num ritmo alucinado, procurando atingir metas inalcançáveis? Um Eu competente não quer dizer um Eu bem formado. Um Eu malformado pode ser eficientíssimo para o sistema social, mas, simultaneamente, ter uma péssima relação consigo mesmo.
Há pessoas que tiveram pais fascinantes, uma infância maravilhosa e privada de traumas, mas tornaram-se tímidas, pessimistas, mal-humoradas, ansiosas. A base de sua personalidade não justifica sua miserabilidade. Para entendê-las, temos de observar os mecanismos de formação do Eu. E, para que elas superem essa miserabilidade, não adianta tratar uma doença, mas o Eu doente, o Eu como gerente da psique.
A EDUCAÇÃO E OS MECANISMOS DE FORMAÇÃO DO Eu
No livro O Código da Inteligência, comento sucintamente os papéis do Eu como gestor da emoção e do intelecto. Nesta obra, vamos expandir muito mais essa exposição e, em destaque, vou discorrer sobre os sofisticadíssimos mecanismos conscientes e inconscientes de formação do Eu.
Qualquer motorista tem de passar por um treinamento educacional para se habilitar a dirigir um veículo. A educação do século XXI e do próximo milénio deveria contem-
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piar sistematicamente a educação do Eu como diretor do script do nosso psiquismo e como autor de nossa história. Estou falando de muito mais que valores, como ética, cidadania, respeito pelos direitos humanos. Estou enfatizando uma educação que procura formar pensadores.
Podemos não ter doenças clássicas catalogadas pela psiquiatria, como depressão maior, depressão bipolar, TOC (transtornos obsessivos compulsivos), síndrome do pânico, anorexia, bulimia, psicoses, doenças psicossomáticas, ansiedade, mas raramente não desenvolvemos defeitos na estrutura do Eu.
Não é sem razão que 27% dos jovens estão apresentando sintomas depressivos;1 mais de dois terço deles, 66%, têm sintomas de timidez;2 50% das pessoas cedo ou tarde desenvolverão um transtorno psíquico;3 90% dos educadores estão com três ou mais sintomas de estresse profissional;4 80% das demissões dos executivos não ocorrem por problemas técnicos, mas por dificuldades em lidar com perdas, pressões, desafios e conflitos nas relações com colegas de trabalho;5 50% dos pais não dialogam com seus filhos sobre eles mesmos.6 A maioria dos pais não consegue transferir a eles seu capital intelectual, suas experiências; eles transferem bens e dinheiro. Por isso, não poucos jovens se tornam torradores de herança, vivem à sombra desses pais, não são capazes de construir uma bela história sociopro-fissional. Também não é sem razão que estamos diante da geração mais frágil.
l Organização Mundial da Saúde (OMS). 2 Instituto Academia da Inteligência. 3 Insti-tute of Social Research da Universidade de Michigan. 4 Instituto Academia da Inteligência. 5 Consultoria Catho. 6 Instituto Academia da Inteligência.
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As escolas de ensino fundamental e médio, bem como as universidades, deveriam funcionar como academias de inteligência para o desenvolvimento das habilidades do Eu. Sei que há diversas exceções, mas o pensamento corrente do sistema educacional é: transmita milhões de dados para os alunos sobre o mundo exterior, estimule-os a assimilá--los, incorporá-los e ter bom rendimento intelectual que lána ponta, quando saírem com um diploma nas mãos, serão atores sociais e profissionais que saberão dirigir bem o aparelho psíquico.
Acreditar nisso equivale a acreditar que é possível pegar vários tipos de tinta e pincel, colocá-los numa máquina e esperar que do outro lado saiam obras-primas, como a Mona Lisa, de Da Vinci, Guernica, de Picasso, O Filho Pródigo, de Rembrandt. Não é possível. Então, como esperar que milhões de informações de matemática, química, física, biologia, história, línguas e das áreas específicas dos cursos universitários, incorporadas durante dez, 15 ou 20 anos no cérebro humano, sejam suficientes para que lá mais adiante o Eu expresse espontaneamente obras-primas da inteligência? Não é possível, pelo menos não de forma coletiva.
As obras-primas da mente humana, como proativi-dade, flexibilidade, generosidade, solidariedade, adaptabilidade, ousadia, capacidade de libertar o imaginário, raciocínio esquemático, abstração intuitiva, pensar como espécie, colocar-se no lugar dos outros, trabalhar frustrações, desenvolver resiliência, filtrar o estresse, debater ideias e gerenciar a ansiedade, não são apenas sofisticadas, mas também difíceis de ser incorporadas, assimiladas e reproduzidas pelo Eu.
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Será que é possível colocar farinha, açúcar, ovos e inúmeros outros ingredientes numa máquina e esperar que do outro lado saiam os mais elaborados pratos franceses, alemães, italianos, brasileiros, japoneses, chineses? É uma afronta a qualquer chefde cozinha essa crença. Essa metáfora deveria igualmente chocar os educadores.
A inteligência multifocal
A reação dos diretores de faculdade e dos reitores após ouvirem essa explanação foi como uma poesia para mim, deixou-me animado. Eles aplaudiram de pé. Mas não aplaudiram a mim, pois sou apenas um ser humano em construção, aplaudiram a possibilidade de reciclarem seu Eu e de reverem os currículos académicos.
Os currículos que nos ensinam a conhecer o relevo, mas não a geografia de nossas mentes, que nos revelam os segredos das minúsculas células, mas não o processo de desenvolvimento do Eu e as armadilhas psíquicas que podem nos traumatizar e nos encarcerar, precisam ser reinventados. Claro que é fundamental estudar e entender bem o cosmo exterior, mas jamais deveríamos deixar em segundo plano o cosmo psíquico.
Todos os assuntos relativos ao Eu que descreverei nesta obra são pertinentes à teoria da Inteligência Multifocal, que engloba a psicologia multifocal (o funcionamento da mente, o desenvolvimento da personalidade, a construção de pensamentos, a formação do Eu), a sociologia multifocal (o processo de construção das relações sociais), a psi-
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copedagogia multifocal (o processo de aprendizagem e de formação de pensadores), a filosofia multifocal (o processo de interpretação e a lógica do conhecimento). Já há mais de três décadas desenvolvo essa teoria, e a cada dia fico mais fascinado com a mente humana.
Embora seja um eterno aprendiz, alegro-me que a Inteligência Multifocal esteja adentrando os muros das universidades e hoje seja objeto de máster internacional, chancelado por uma universidade americana, e especialização lato sen-su em universidades brasileiras. Agora deverá haver doutorado, chancelado por universidade espanhola1. É bom saber que alguns alunos estão cursando a pós-graduação não apenas pelo interesse profissional, mas também para investir em sua saúde psíquica e inteligência. Cuidar de nosso futuro emocional e interpessoal é de capital relevância.
É muito mais fácil desenvolver um Eu com "defeitos" estruturais: radical, extremista, robotizado, fóbico, obsessivo, tímido, inseguro, omisso, dissimulador, intolerante, impulsivo, ansioso, hipersensível, insensível, controlador, punitivo, autopunitivo, com necessidade neurótica de poder, de evidência social, de estar sempre certo. Quem não tem alguns desses defeitos, ainda que minimamente? Que psiquiatra, psicólogo, médico não tem avarias em seu arcabouço psíquico? O problema não é tê-las, mas reconhe-
Para maiores informações, acesse: www.psicologiamultifocal.com.hr www.brigtitminds.nct.br www.projectbrightmmds.com
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cê-las. A questão não é só reconhecê-las, mas saber o que fazer com elas.
Só se acha perfeito quem nunca se arriscou a sair da superfície. Temos a possibilidade de ficar na superfície ou de entrar em camadas mais profundas da nossa mente. É uma escolha fascinante. Uma coisa é possível afirmar: quem procurar conhecer os mecanismos básicos da formação do Eu terá grande chance de nunca mais ser ou pensar da mesma maneira...
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Caso voce deseje ler o restante dessa obra, entre em contato com a Speedebooks digitalização expressa de livros no seguinte endereço:

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