Biografia
Em 1879 seu estado de saúde obriga-o a deixar o posto de professor. Sua
voz, inaudível, afasta os alunos. Começa então uma vida errante em busca de um
clima favorável tanto para sua saúde como para seu pensamento (Veneza, Gênova,
Turim, Nice, Sils-Maria…): "Não somos como aqueles que chegam a formar
pensamentos senão no meio dos livros - o nosso hábito é pensar ao ar livre,
andando, saltando, escalando, dançando (… )." Em 1882 ele encontraPaul Rée
e Lou Andreas-Salomé, a quem pede em casamento. Ela recusa, após ter-lhe feito
esperar sentimentos recíprocos. No mesmo ano, começa a escrever o Assim Falou
Zaratustra, quando de uma estada em Nice. Nietzsche não cessa de escrever com
um ritmo crescente. Este período termina brutalmente em 3 de Janeiro de 1889
com uma "crise de loucura" que, durando até a sua morte, coloca-o sob
a tutela da sua mãe e sua irmã. No início desta loucura, Nietzsche encarna
alternativamente as figuras de Dionísio e Cristo, expressa em bizarras cartas,
afundando depois em um silêncio quase completo até a sua morte. Uma lenda dizia
que contraiu sífilis. Estudos recentes se inclinam antes para um cancro no
cérebro, que eventualmente pode ter origem sifilítica. Após sua morte, sua
irmã, Elisabeth Förster-Nietzsche e Peter Gast, dileto amigo do filósofo,
segundo um plano de Nietzsche, datado de 17 de março de 1887, efetuaram uma
coletânea de fragmentos póstumos para compor a obra conhecida como Vontade de
Poder[3]. Essa obra foi, amiúde, acusada de ser uma deturpação nazista; tal
afirmação mostrou-se inverídica, frente as comparações com a edição crítica
alemã, como denotaram os tradutores da nova tradução para o português[4], e
especialmente o filósofo Gilvan Fogel, que afirmou que é preciso que se enfatize:
os textos são autênticos. Todos são da cunhagem, da lavra de Nietzsche. Não
foram, como já se disse e se insinuou, distorcidos ou adulterados pelos
organizadores.[5].
Durante toda a vida sempre tentou explicar o insucesso de sua literatura,
chegando a conclusão de que nascera póstumo, para os leitores do porvir. O
sucesso de Nietzsche, entretanto, sobreveio quando um professor dinamarquês leu
a sua obra Assim Falou Zaratustra e, por conseguinte, tratou de difundi-la, em
1888.
Muitos estudiosos da época tentaram localizar os momentos que Nietzsche
escrevia sob crises nervosas ou sob efeito de drogas (Nietzsche estudou
biologia e tentava descobrir sua própria maneira de minimizar os efeitos da sua
doença).
Obras
A cultura ocidental e suas religiões assim como a moral judaico-cristã
foram temas comuns em suas obras. Nietzsche se apresenta como alvo de muitas
críticas na história da filosofia moderna, isto porque, primariamente, há
certas dificuldades de entendimento na forma de apresentação das figuras e/ou
categorias ao leitor ou estudioso, causando confusões devido principalmente aos
paradoxos dos conceitos de realidade ou verdade.
Nietzsche, sem dúvida considera o Cristianismo e o Budismo como "as
duas religiões da decadência", embora ele afirme haver uma grande
diferença nessas duas concepções. O budismo para Nietzsche "é cem vezes
mais realista que o cristianismo". Religiões que aspiram ao Nada, cujos
valores dissolveram a mesquinhez histórica. Não obstante, também se
auto-intitula ateu:
"Para mim o ateísmo não é nem uma consequência, nem mesmo um fato
novo: existe comigo por instinto" (Ecce Homo, pt.II, af.1)
A crítica que Nietzsche faz do idealismo metafísico focaliza as
categorias do idealismo e os valores morais que o condicionam, propondo uma
outra abordagem: a genealogia dos valores.
Friedrich Nietzsche pretendeu ser o grande "desmascarador" de
todos os preconceitos e ilusões do gênero humano, aquele que ousa olhar, sem
temor, aquilo que se esconde por trás de valores universalmente aceitos, por
trás das grandes e pequenas verdades melhor assentadas, por trás dos ideais que
serviram de base para a civilização e nortearam o rumo dos acontecimentos históricos.
E assim a moral tradicional, e principalmente esboçada por Kant, a religião e a
política não são para ele nada mais que máscaras que escondem uma realidade
inquietante e ameaçadora, cuja visão é difícil de suportar. A moral, seja ela
kantiana ou hegeliana, e até a catharsis aristotélica são caminhos mais fáceis
de serem trilhados para se subtrair à plena visão autêntica da vida.
Nietzsche criticou essa moral que leva à revolta dos indivíduos
inferiores, das classes subalternas e escravas contra a classe superior e
aristocrática que, por um lado, pela adoção dessa mesma moral, sofre de má
consciência e cria a ilusão de que mandar é por si mesmo é adotar essa moral.
A vida só se pode conservar e manter-se através de imbricações
incessantes entre os seres vivos, através da luta entre vencidos que gostariam
de sair vencedores e vencedores que podem a cada instante ser vencidos e por
vezes já se consideram como tais. Neste sentido a vida é vontade de poder ou de
domínio ou de potência. Vontade essa que não conhece pausas, e por isso está
sempre criando novas máscaras para se esconder do apelo constante e sempre
renovado da vida; pois, para Nietzsche, a vida é tudo e tudo se esvai diante da
vida humana. Porém as máscaras, segundo ele, tornam a vida mais suportável, ao
mesmo tempo em que a deformam, mortificando-a à base de cicuta e, finalmente,
ameaçam destruí-la.
Não existe vida média, segundo Nietzsche, entre aceitação da vida e
renúncia. Para salvá-la, é mister arrancar-lhe as máscaras e reconhecê-la tal
como é: não para sofrê-la ou aceitá-la com resignação, mas para restituir-lhe o
seu ritmo exaltante, o seu merismático júbilo.
O homem é um filho do "húmus" e é, portanto, corpo e vontade
não somente de sobreviver, mas de vencer. Suas verdadeiras "virtudes"
são: o orgulho, a alegria, a saúde, o amor sexual, a inimizade, a veneração, os
bons hábitos, a vontade inabalável, a disciplina da intelectualidade superior,
a vontade de poder. Mas essas virtudes são privilégios de poucos, e é para
esses poucos que a vida é feita. De fato, Nietzsche é contrário a qualquer tipo
de igualitarismo e principalmente ao disfarçado legalismo kantiano, que atenta
o bom senso através de uma lei inflexível, ou seja, o imperativo categórico:
"Proceda em todas as suas ações de modo que a norma de seu proceder possa
tornar-se uma lei universal".
Essas críticas se deveram à hostilidade de Nietzsche em face do
racionalismo que logo refutou como pura irracionalidade. Para ele, Kant nada
mais é do que um fanático da moral, uma tarântula catastrófica.
Para Nietzsche o homem é individualidade irredutível, à qual os limites e
imposições de uma razão que tolhe a vida permanecem estranhos a ela mesma, à
semelhança de máscaras de que pode e deve libertar-se. Em Nietzsche,
diferentemente de Kant, o mundo não tem ordem, estrutura, forma e inteligência.
Nele as coisas "dançam nos pés do acaso" e somente a arte pode
transfigurar a desordem do mundo em beleza e fazer aceitável tudo aquilo que há
de problemático e terrível na vida.
Mesmo assim, apesar de todas as diferenças e oposições, deve-se
reconhecer uma matriz comum entre Kant e Nietzsche, como que um substrato
tácito mas atuante. Essa matriz comum é a alma do romantismo do século XIX com
sua ânsia de infinito, com sua revolta contra os limites e condicionamentos do
homem. À semelhança de Platão, Nietzsche queria que o governo da humanidade
fosse confiado aos filósofos, mas não a filósofos como Platão ou Kant, que ele
considerava simples "operários da filosofia".
Na obra nietzschiana, a proclamação de uma nova moral contrapõe-se
radicalmente ao anúncio utópico de uma nova humanidade, livre pelo imperativo
categórico, como esperançosamente acreditava Kant. Para Nietzsche a liberdade
não é mais que a aceitação consciente de um destino necessitante. O homem
libertado de qualquer vínculo, senhor de si mesmo e dos outros, o homem
desprezador de qualquer verdade estabelecida ou por estabelecer e estar apto para
se exprimir a vida, em todos os seus atos - era este não apenas o ideal
apontado por Nietzsche para o futuro, mas a realidade que ele mesmo tentava
personificar.
Aqui, necessário se faz perceber que, ao que superficialmente se parece,
Nietzsche cria e cai em seu próprio Imperativo Categórico, por certo,
imperativo este baseado na completa liberdade do ser e ausência de normas.
Porém, a liberdade de Nietzsche está entre a aceitação consciente
(livre-escolha) de um objetivo moral superior (que transcende a racionalidade
do ser humano) e a matéria, a razão material Kantiana. Portanto, a realidade
está na escolha consciente entre a moral superior (instinto, vontade do
coração) e a moral racional (somatório de valores criados pelo homem). O que
reside não nas palavras mas nos sentimentos (amor, musica, etc).
Para Kant a razão que se movimenta no seu âmbito, nos seus limites, faz o
homem compreender-se a si mesmo e o dispõe para a libertação. Mas, segundo
Nietzsche, trata-se de uma libertação escravizada pela razão, que só faz
apertar-lhe os grilhões, enclaustrando a vida humana digna e livre.
Em Nietzsche encontra-se uma filosofia antiteorética à procura de um novo
filosofar de caráter libertário, superando as formas limitadoras da tradição
que só galgou uma "liberdade humana" baseada no ressentimento e na
culpa. Portanto toda a teleologia de Kant de nada serve a Nietzsche: a idéia do
sujeito racional, condicionado e limitado é rejeitada violentamente em favor de
uma visão filosófica muito mais complexa do homem e da moral.
Nietzsche acreditava que a base racional da moral era uma ilusão e por
isso, descartou a noção de homem racional, impregnada pela utópica promessa -
mais uma máscara que a razão não-autêntica impôs à vida humana. O mundo para
Nietzsche não é ordem e racionalidade, mas desordem e irracionalidade. Seu
princípio filosófico não era portanto Deus e razão, mas a vida que atua sem
objetivo definido, ao acaso, e por isso se está dissolvendo e transformando-se
em um constante devir. A única e verdadeira realidade sem máscaras, para
Nietzsche, é a vida humana tomada e corroborada pela vivência do instante.
Nietzsche era um crítico das "idéias modernas", da vida e da
cultura moderna, do neo-nacionalismo alemão. Para ele os ideais modernos como
democracia, socialismo, igualitarismo,emancipação feminina não eram senão
expressões da decadência do "tipo homem". Por estas razões, é por
vezes apontado como um precursor da pós-modernidade.
A figura de Nietzsche foi particularmente promovida na Alemanha Nazi,
tendo sua irmã, simpatizante do regime hitleriano, fomentado esta associação.
Como dizia Heidegger, ele próprio nietzschiano, "na Alemanha se era contra
ou a favor de Nietzsche".
Todavia, Nietzsche era explicitamente contra o movimento anti-semita,
posteriormente promovido por Adolf Hitler e seus partidários. A este respeito
pode-se ler a posição do filósofo:
Antes direi no ouvido dos psicólogos, supondo que desejem algum dia estudar
de perto o ressentimento: hoje esta planta floresce do modo mais esplêndido
entre os anarquistas e anti-semitas, aliás onde sempre floresceu, na sombra,
como a violeta, embora com outro cheiro.[6]
… tampouco me agradam esses novos especuladores em idealismo, os
anti-semitas, que hoje reviram os olhos de modo cristão-ariano-homem-de-bem, e,
através do abuso exasperante do mais barato meio de agitação, a afetação moral,
buscam incitar o gado de chifres que há no povo…
Sem dúvida, a obra de Nietzsche sobreviveu muito além da apropriação
feita pelo regime nazista. Ainda hoje é um dos filósofos mais estudados e
fecundos. Por vários momentos, inclusive, Nietzsche tentou juntar seus amigos e
pensadores para que um fosse professor do outro, uma espécie deconfraria.
Contudo, esta idéia fracassou, e Nietzsche continuou sozinho seus estudos e
desenvolvimento de idéias, ajudado apenas por poucos amigos que liam em voz
alta seus textos que, nos momentos de crise profunda, ele não conseguia ler.
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