respeito da natureza do desejo sexual, falando do amor como uma ‘intoxicação’ e crendo que o apaixonarse
é
causado por filtros de amor — embora aqui o agente atuante esteja, em certa medida, externalizado. E para
nós esta seria a ocasião de relembrar as zonas erógenas e nossa afirmação de que a excitação sexual pode
ser gerada nos mais variados órgãos [ver em [1]]. Mas, para o restante, a expressão ‘metabolismo sexual’ ou
‘química da sexualidade’ é um termo sem conteúdo; não sabemos nada a esse respeito, nem podemos dedicar
se devemos supor a existência de duas substâncias sexuais, se seriam então denominadas ‘masculina’ e
‘feminina’, ou se poderíamos nos contentar com uma toxina sexual que deveríamos reconhecer como veículo
de todos os efeitos estimulantes da libido. A estrutura teórica da psicanálise, que criamos, é, com efeito, uma
superestrutura, que um dia terá de se erguer sobre seus fundamentos essenciais. Acerca disso, porém, nada
sabemos ainda.O que caracteriza a psicanálise como ciência não é o material de que trata, mas sim a técnica
com a qual trabalha. Pode ser aplicada à história da civilização, à ciência da religião e da mitologia não em
menor medida do que à teoria das neuroses, sem forçar sua natureza essencial. Aquilo a que ela visa, aquilo
que realiza, não é senão descobrir o que é inconsciente na vida mental. Os problemas das neuroses ‘atuais’,
cujos sintomas provavelmente são gerados por uma lesão tóxica direta, não oferecem à psicanálise qualquer
ponto de ataque. Ela pouco pode fazer para esclarecêlos
e deve deixar a tarefa para a pesquisa biológicamédica.
E então, talvez os senhores entendam melhor por que decidi não ordenar meu material de outro modo.
Se lhes tivesse prometido uma ‘Introdução à Teoria das Neuroses’, o caminho correto certamente teria levado
desde as formas simples das neuroses ‘atuais’ às doenças psíquicas mais complicadas, devidas à perturbação
da libido. No que concerne às primeiras, deveria ter coligido de fontes várias aquilo que temos aprendido ou
pensamos saber e, com relação às psiconeuroses, a psicanálise surgiria na discussão, como o recurso técnico
mais importante para esclarecer esses estados. No entanto, o que eu pretendi dar, e anunciei, foi uma
‘Introdução à Psicanálise’. Para mim, era mais importante os senhores formarem uma idéia sobre a psicanálise,
do que obterem algum conhecimento das neuroses; e, por essa razão, as neuroses ‘atuais’, improdutivas no
que concerne à psicanálise, não podiam mais ocupar um lugar em primeiro plano. Penso também que fiz a
melhor escolha para os senhores. Isso porque, devido à profundidade de suas hipóteses e ao alcance de duas
conexões, a psicanálise merece um lugar no âmbito dos interesses de toda pessoa culta, ao passo que a teoria
das neuroses é um capítulo da medicina como outro qualquer.
Ainda assim, os senhores acertadamente esperarão que devamos dedicar também algum interesse às
neuroses ‘atuais’. A íntima conexão clínica dessas neuroses com as psiconeuroses nos compeliria a fazêlo.
Posso informarlhes,
pois, que distinguimos três formas puras de neuroses ‘atuais’: neurastenia, neurose de
angústia e hipocondria. Mesmo essa assertiva não é isenta de contradições. Todos os nomes estão em uso, é
verdade; porém, seu conteúdo é impreciso e instável. Aliás, existem médicos que se opõem a qualquer linha
divisória no mundo católico dos fenômenos neuróticos, a qualquer separação das entidades clínicas ou das
doenças individualizadas, e que nem sequer reconhecem a distinção entre as neuroses ‘atuais’ e as
psiconeuroses. Penso que nisto se excedem e não escolheram o caminho que conduz ao progresso. As formas
de neurose, que mencionei, ocasionalmente ocorrem em sua forma pura; mais freqüentemente, porém, estão
mescladas umas com as outras e com algum distúrbio psiconeurótico. Isto não deve levarnos
a abandonar a
diferença entre elas. Pensem na diferença entre o estudo dos minerais e o das rochas, na mineralogia. Os
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
87
minerais são descritos como substâncias individualizadas, sem dúvida com base no fato de que amiúde
ocorrem na forma de cristais, nitidamente separadas de seu ambiente. As rochas consistem em um agregado
de minerais, que, podemos ter certeza, não vieram a se juntar por acaso, mas em conseqüência daquilo que
determinou sua origem. Na teoria das neuroses, ainda sabemos muito pouco sobre o curso de seu
desenvolvimento para apresentar algo semelhante à petrologia. Estaremos, contudo, certamente agindo de
forma correta, se começarmos por isolar do conjunto as entidades clínicas individuais que reconhecemos e que
se podem comparar aos minerais.Uma notável relação entre os sintomas das neuroses atuais e os das
psiconeuroses oferece mais uma importante contribuição ao nosso conhecimento da formação dos sintomas
nestas últimas. Pois um sintoma de uma neurose ‘atual’ é freqüentemente o núcleo e o primeiro estádio de um
sintoma psiconeurótico. Uma relação dessa espécie pode ser observada com muita nitidez entre a neurastenia
e a neurose de transferência, conhecida como ‘histeria de conversão’, entre a neurose de angústia e a histeria
de angústia, contudo também entre a hipocondria e as formas de distúrbio que serão mencionadas
posteriormente [ver em [1] e segs.] sob o nome de parafrenia (demência precoce e paranóia). Tomemos como
exemplo um caso de dor de cabeça ou dor lombar histérica. A análise nos mostra que, pela condensação e pelo
deslocamento, o sintoma tornouse
satisfação substitutiva de toda uma série de fantasias e recordações
libidinais. Mas essa dor, em determinada época, era também uma dor real e era, então, um sintoma sexualtóxico
direto, expressão somática de uma excitação libidinal. Longe estamos de afirmar que todos os sintomas
histéricos contém um núcleo dessa espécie. Mas persiste o fato de que este é, com especial freqüência, o caso,
e que quaisquer influências somáticas (normais ou patológicas) causadas por excitações libidinais são
preferidas na construção dos sintomas histéricos. Em tais casos, desempenham o papel do grão de areia que
um molusco cobre de camadas de madrepérola. Da mesma forma, as transitórias indicações de excitação
sexual que acompanham o ato sexual não utilizadas pela psiconeurose como o material mais conveniente e
apropriado para a construção dos sintomas.Semelhante sucessão de fatos revestese
de especial interesse
diagnóstico e terapêutico. Não é absolutamente raro acontecer, no caso de uma pessoa que está predisposta a
uma neurose sem realmente sofrer de uma neurose manifesta, que uma modificação somática patológica
(talvez por inflamação ou lesão) põe em marcha a atividade da formação do sintoma; assim, essa atividade
prontamente transforma o sintoma, que lhe foi apresentado pela realidade, em representante de todas as
fantasias inconscientes que estavam apenas aguardando a ocasião de lançar mão de algum meio de
expressão. Num caso destes, o médico adotará ora uma, ora outra linha de tratamento. Ou se esforçará por
abolir a base orgânica, sem importarse
com a ruidosa elaboração neurótica; ou atacará a neurose que
aproveitou essa oportunidade favorável para surgir, e prestará pouca atenção à sua causa precipitante
orgânica. O resultado mostrará que uma ou outra linha de conduta está certa ou errada; é impossível fazer
recomendações gerais para abordar esses casos mistos.
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
88
CONFERÊNCIA XXV
A ANSIEDADE
SENHORAS E SENHORES:
O que lhes disse em minha última conferência a respeito do estado neurótico geral deve têlos
surpreendido, sem dúvida, como o mais incompleto e inadequado de todos os meus pronunciamentos. Sei que
é verdade, e nada deve têlos
surpreendido mais, segundo espero, do que não haver nessa conferência nada a
respeito da ansiedade, da qual todos os neuróticos se queixam, e descrevem como sendo seu pior sofrimento e
que, de fato, neles atinge enorme intensidade, e pode resultar nas atitudes mais loucas. Entretanto, ali, pelo
menos, não tive a intenção de oferecerlhes
resumos. Ao contrário, foi minha intenção abordar o problema da
ansiedade nos neuróticos de forma especialmente acurada e discutilo
em profundidade com os senhores.A
ansiedade, como tal, não há por que apresentála
Aos senhores. Cada um de nós experimentou essa
sensação, ou, para expressar com maior correção, esse estado afetivo, numa ou noutra época, por nossa
própria conta. Penso, porém, que jamais com seriedade suficiente levantouse
a questão de saber por que os
neuróticos, em particular, sofrem de ansiedade tanto mais e tão mais intensamente do que outras pessoas.
Talvez tenha sido considerado como algo evidente poR si mesmo: as palavras ‘nervös’ e ‘angstlich‘ são usadas
comumente de modo intercambiável, como se significassem a mesma coisa. Mas não temos o direito de fazêlo:
existem pessoas ‘ängstliche‘ que, de outro modo, não são absolutamente ‘nervös‘, e ademais, não inclui
pessoas ‘nervöse‘ que padecem de muitos sintomas, entre os quais uma tendência à ‘Angst‘.Qualquer que seja
o caso, não há dúvida de que o problema da ansiedade é um ponto nodal para o qual convergem as mais
diversas e importantes questões, um enigma cuja solução deverá inundar de luz toda nossa existência mental.
Não afirmarei que lhes possa dar essa solução completa; certamente, porém, os senhores esperarão que a
psicanálise empreenda, em relação a esse tema, uma abordagem muito diferente da realizada pela medicina
acadêmica. Parece que o interesse se manteve centrado em traçar as vias anatômicas ao longo das quais o
estado de ansiedade se concretiza. Foinos
dito que a medula ablonga é estimulada, e o paciente conhece que
está sofrendo de uma neurose de nervo vago. A medula oblonga é algo muito sério e atraente. Recordome,
muito vivamente, de quanto tempo e preocupação dediquei ao seu estudo, há muitos anos passados. Hoje em
dia, entretanto, devo observar que não conheço nada que possa ter menos interesse para mim, ao tratarse
da
compreensão psicológica da ansiedade, do que o conhecimento dos trajetos dos nervos, por cuja extensão
passam suas excitações.
É possível, no princípio, trabalhar o tema da ansiedade, por um tempo considerável, sem
absolutamente pensar nos estados neuróticos. De imediato, os senhores me entenderão, quando eu descrever
essa espécie de ansiedade como ansiedade ‘realística’, em contraste com ansiedade ‘neurótica’. A ansiedade
realística atrai nossa atenção como algo muito racional e inteligível. Podemos dizer que ela é uma reação à
percepção de um perigo externo — isto é, de um dano que é esperado e previsto. Está relacionada ao reflexo
de fuga e pode ser visualizada como manifestação do instinto de autopreservação. Saber em que ocasiões a
ansiedade aparece — isto é, em face de que objetos e de que situações — depende, naturalmente, em grande
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
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medida, do estado de conhecimento da pessoa e do seu senso de poder visàvis
com o mundo externo.
Podemos compreender muito bem como um selvagem tem medo de um canhão e fica temeroso de um eclipse
do sol, ao passo que o homem branco, que sabe como manejar a arma e pode prever o eclipse, permanece
sem ansiedade nessas circunstâncias. Em outras ocasiões, é realmente o conhecimento superior que promove
a ansiedade, porque possibilita um reconhecimento muito precoce do perigo. Assim, o selvagem ficará
aterrorizado com um rastro na floresta, porque este o avisa da proximidade de um animal bravio; o mesmo
rastro nada indica para uma pessoa desinformada dessas coisas; e um marinheiro experimentado sentirá temor
ao ver uma pequena nuvem no céu, porque ela lhe fala de um tufão aproximandose;
para um passageiro, a
nuvem parecerá algo banal.
Numa ponderação adicional, devemos dizer a nós mesmos que nosso julgamento, segundo o qual a
ansiedade realística é racional e vantajosa, requer uma revisão drástica. Isto porque o único comportamento
vantajoso, quando surge a ameaça de um perigo, seria uma fria avaliação da força da própria pessoa em
comparação com a magnitude da ameaça; e, com base nisto, a decisão de fugir, ou de se defender, ou mesmo,
possivelmente, de passar ao ataque, oferecem a melhor perspectiva de uma saída bem sucedida. Nessa
situação, contudo, não há absolutamente lugar para a ansiedade; tudo o que acontece seria conseguido tão
bem e provavelmente melhor, se não tivesse surgido a ansiedade. E os senhores podem verificar, realmente,
que, se a ansiedade for excessivamente grande, ela se revela inadequada no mais alto grau; paralisa toda
ação, inclusive, até mesmo, a fuga. Em geral, a reação ao perigo consiste numa mistura de afeto de ansiedade
e de ação defensiva. Um animal aterrorizado sente medo e foge; mas a parte adequada desse processo é a
‘fuga’ e não o ‘estar com medo’.
Assim, ése
tentado a afirmar que a geração da ansiedade nunca é uma coisa apropriada. Talvez nos
possa ajudar a vermos mais claramente essa questão, dissecar mais cuidadosamente a situação de ansiedade.
Nesta, a primeira coisa pertinente é o estudo de preparação para o perigo, que se manifesta por meio de um
aumento da atenção sensória e da tensão motora. Esse estado de preparação expectante pode ser
indubitavelmente reconhecido como uma vantagem; na realidade, sua ausência pode ser responsabilizada por
graves conseqüências. Dele decorrem, então, por um lado, a ação motora — fuga, num primeiro caso, e, em
nível mais elevado, defesa ativa — e, por outro lado, o que sentimos como um estado de ansiedade. Quanto
mais a geração de ansiedade limitarse
a um início meramente frustrado — a um sinal —, tanto mais o estado
de preparação para a ansiedade se transformará, sem distúrbio, em ação, e mais adequada será a forma
assumida pela totalidade da sucessão dos fatos. Por conseguinte, o estado de preparação para a ansiedade
pareceme
ser o elemento adequado daquilo que denominamos e a geração de ansiedade, o elemento
inadequado.Evitarei aprofundarme
na questão de saber se nosso uso idiomático quer significar a mesma coisa,
ou algo nitidamente diferente, com a palavra ‘Angst [ansiedade]’, ‘Furcht [medo]’ e ‘Schreck [susto]’. Apenas
direi que julgo ‘Angst‘ referirse
ao estado e não considera o objeto, ao passo que ‘Furcht‘ chama a atenção
precisamente para o objeto. Parece que ‘Schreck‘, por outro lado, tem sentido especial; isto é, põe ênfase no
efeito produzido por um perigo com o qual a pessoa se defronta sem qualquer estado de preparação para a
ansiedade. Portanto, poderíamos dizer que uma pessoa se protege do medo por meio da ansiedade.Não lhes
terá passado despercebida alguma ambigüidade e imprecisão no uso da palavra ‘Angst‘. Por ‘ansiedade’
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
90
geralmente entendemos o estado subjetivo de que somos tomados ao perceber o ‘surgimento da ansiedade’, e
a isto chamamos afeto. E o que é um afeto, no sentido dinâmico? Em todo caso, é algo muito complexo. Um
afeto inclui, em primeiro lugar, determinadas inervações ou descargas motoras e, em segundo lugar, certos
sentimentos; estes são de dois tipos: percepções das ações motoras que ocorreram e sensações diretas de
prazer e desprazer que, conforme dizemos, dão ao afeto seu traço predominante. Não penso, todavia, que com
essa enumeração tenhamos chegado à essência de um afeto. Parecemos ver em maior profundidade no caso
de alguns afetos e reconhecer que o cerne que reúne a combinação que descrevemos é a repetição de alguma
experiência significativa determinada. Essa experiência só poderia ser uma impressão recebida num período
muito inicial, de natureza muito genérica, situada na préhistória,
não do indivíduo, mas da espécie. Para fazerme
mais inteligível — um estado afetivo seria formado da mesma maneira que um ataque histérico, e, como
esse, seria o precipitado de uma reminiscência. Um ataque histérico pode, assim, ser equiparado a um afeto
individual recentemente formado, e um afeto normal pode ser comparado à expressão de uma histeria geral
que se tornou herança.Não suponham que as coisas que lhes disse aqui, a respeito de afetos, são propriedade
reconhecida da psicologia normal. Pelo contrário, são pontos de vista que cresceram em solo psicanalítico e
são originários apenas da psicanálise. Aquilo que, a partir da psicologia, os senhores podem reunir acerca dos
afetos — a teoria de JamesLange,
por exemplo — para nós, psicanalistas, está muito além do entendimento
ou do debate. Também não consideramos muito firmados nossos conhecimentos a respeito dos afetos; esta é
uma primeira tentativa de encontrar nossa orientação nessa região obscura. Entretanto prosseguirei.
Acreditamos que, no caso do afeto da ansiedade, sabemos qual é a vivência original que ele repete.
Acreditamos ser no ato do nascimento que ocorre a combinação de sensações desprazíveis, impulsos de
descarga e sensações corporais, a qual se tornou o protótipo dos efeitos de um perigo mortal, e que desde
então tem sido repetida por nós como rigor mortal, e que desde então tem sido repetida por nós como o estado
de ansiedade. O enorme aumento de estimulação devido à interrupção da renovação do sangue (respiração
interna) foi, na época, a causa da experiência da ansiedade; a primeira ansiedade foi, assim, uma ansiedade
tóxica. O substantivo ‘Angst’ — ‘angustiae‘, ‘Enge‘, — acentua a característica de limitação da respiração que
então se achava presente em conseqüência da situação real, e é, agora, quase invariavelmente recriada no
afeto. Do mesmo modo, reconhecemos como altamente significativo que esse primeiro estado de ansiedade
surgiu quando da separação da mãe. Naturalmente, estamos convencidos de que a tendência a repetir o
primeiro estado de ansiedade foi tão firmemente incorporada no organismo, através de incontáveis séries de
gerações, que um único indivíduo não pode escapar do afeto de ansiedade, mesmo que, como o legendário
Macduff, ele ‘tenha sido expulso do útero materno fora de tempo’ e, portanto, não tenha experimentado o ato do
nascimento. Não sabemos dizer o que é que se tornou o protótipo do estado de ansiedade no caso de outros
seres além dos mamíferos. E, do mesmo modo, não sabemos mesmo que complexo de sensação constitui,
nesses seres, o equivalente de nossa ansiedade.Talvez lhes interesse saber como pôde alguém formar essa
idéia de que o ato do nascimento é a origem e o protótipo do afeto de ansiedade. Nisto a especulação teve
muito escassa participação; antes, o que fiz foi tomála
emprestada da naïve mente popular. Há muitos anos
atrás, numa ocasião em que me encontrava em um restaurante com diversos outros jovens médicos do
hospital, para uma refeição do meiodia,
um médico assistente do departamento de obstetrícia contounos
um
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
91
episódio cômico, acontecido no último exame para parteiras. Perguntouse
a uma candidata o que significava o
aparecimento de mecônio (excrementos), no nascimento, quando da expulsão das águas, e ela prontamente
respondeu: ‘significa que a criança está com medo.’ Ela foi objeto de risos e foi reprovada no exame. Porém,
silenciosamente, tomei o partido dela e comecei a suspeitar de que essa mulher simples, proveniente das
classes mais humildes, tinha apontado com precisão para uma correlação importante.
Se agora passarmos a considerar a ansiedade neurótica, que novas formas e situações se manifestam
na ansiedade dos neuróticos? Aqui, há muita coisa a descrever. Em primeiro lugar, encontramos uma
apreensão generalizada, uma espécie de ansiedade livremente flutuante, que está pronta para se ligar a
alguma idéia que seja de algum modo apropriada a esse fim, que influencia o julgamento, seleciona aquilo que
é de se esperar, e está aguardando qualquer oportunidade que lhe permita justificarse.
A esse estado
denominamos ‘ansiedade expectante’ ou ‘expectativa ansiosa’. As pessoas atormentada por esse tipo de
ansiedade sempre prevêem as mais terríveis de todas as possibilidades, interpretam todos os eventos casuais
como presságio do mal e exploram todas as incertezas num mau sentido. Semelhante tendência a uma
expectativa do mal pode ser encontrada na forma de traço de caráter em muitas pessoas de quem não se pode,
de outro modo, dizer serem doentes; dizse
que são superansiosas ou pessimistas. Uma desmesurada
quantidade de ansiedade, porém, compõe um aspecto constante de um distúrbio nervoso ao qual dei o nome
de ‘neurose de angústia’ e que incluo entre as neuroses ‘atuais’.Uma segunda forma de ansiedade, em
oposição àquela que acabei de descrever, é psiquicamente ligada e vinculada a determinados objetos e
situações. Esta é a ansiedade das ‘fobias’, extremamente multiformes e freqüentemente muito estranhas.
Stanley Hall [1914], o respeitável psicólogo americano, recentemente deuse
ao trabalho de nos apresentar
uma série inteira dessas fobias em toda a magnificência dos seus nomes gregos. Tal soa como uma lista da
dez pragas do Egito, embora seu número vá bem além de dez.3 Ouçam todas as coisas que se podem tornar
objeto ou conteúdo de uma fobia: escuridão, ar livre, espaços abertos, gatos, aranhas, lagartas, cobras, ratos,
trovoadas, pontas agudas, sangue, espaços fechados, multidões, solidão, atravessar pontes, viagens
marítimas, viagens de trem, etc. etc. Uma primeira tentativa de orientação nessa balbúrdia sugere que se faça
uma divisão em três grupos. Alguns dos objetos de situações temidos têm em si algo de perigoso para as
pessoas normais também, alguma relação com perigo; e tais fobias, portanto, não nos parecem ininteligíveis,
embora sua intensidade seja muito exagerada. Assim, a maioria dentre nós tem uma sensação de repulsa ao
encontrar uma cobra. A fobia às cobras, poderíamos dizer, é uma característica humana generalizada; e Darwin
[1889, 40] descreveu, de modo muito impressionante, como não conseguiu evitar sentir medo de uma que o
atacou, embora soubesse que estava protegido dela por uma espessa lâmina de vidro. Podemos situar em um
segundo grupo os casos nos quais uma relação a uma situação de perigo ainda existe, embora estejamos
acostumados a minimizar o perigo e a não prevêlo.
A maioria das fobias de situação pertence a esse grupo.
Sabemos que existe maior possibilidade de acidente quando estamos viajando de trem, do que quando
estamos em casa — a possibilidade de uma colisão; também sabemos que um navio pode afundar, e, nesse
caso, existe a probabilidade de afogamento; mas não pensamos nesses perigos, e viajamos de trem e de navio
sem ansiedade. É indiscutível que cairíamos no rio, se a ponte ruísse no momento em que a estivéssemos
cruzando; isto, contudo, acontece tão raramente, que não parece constituir um perigo. A solidão também tem
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
92
seus perigos e, em determinadas circunstâncias, evitamola;
não se dá, porém, o caso de não sermos capazes
de suportála
em quaisquer condições, nem que seja por um momento. A mesma coisa procede com relação às
multidões, aos espaços fechados, às trovoadas, e assim por diante. Em geral, nessas fobias dos neuróticos, o
que nos parece estranho não é tanto o seu conteúdo, é mais a sua intensidade. A ansiedade das fobias é
efetivamente avassaladora. E às vezes temos a impressão de que aquilo que os neuróticos temem não são
absolutamente as mesmas coisas e situações, que, em determinadas circunstâncias, podem causar ansiedade
também a nós, e que eles descrevem com as mesmas palavras.
Restanos
um terceiro grupo de fobias, o qual está além de nossa compreensão. Quando um homem
adulto e forte é, por causa de sua ansiedade, incapaz de caminhar por uma rua ou de atravessar uma praça de
sua conhecida cidade natal; quando uma mulher sadia, bem desenvolvida, é tomada de irracional ansiedade
porque um gato roçou na fímbria do seu vestido ou porque um rato correu através do aposento — como
poderemos correlacionar essa coisas com o perigo que, evidentemente, constituem para a pessoa fóbica? No
caso dessas fobias a animais, não há dúvida de que se trata de um exagero de aversões humanas universais,
pois, como que para demonstrar o contrário, há numerosas pessoas que não podem passar por um gato sem
afagálo
e acariciálo.
O rato, de que essas mulheres têm tanto medo, também é [em alemão] um dos principais
termos de afeição; uma jovem que se delicia quando o namorado a chama de ratinho, muitas vezes haverá de
gritar aterrorizada quando enxergar a amável criatura que leva esse nome. No caso do homem com agorafobia,
a única explicação que podemos obter é ele comportarse
como uma criança pequena. Uma criança realmente
é ensinada, como parte de sua educação, a evitar essas situações por serem perigosas; e nossa agorafóbico
será, de fato, protegido de sua ansiedade se o acompanharmos através da praça.
As duas formas de ansiedade que acabei de descrever — a ansiedade expectante livremente flutuante
e o tipo que se liga às fobias — são independentes uma da outra. Uma não é, por assim dizer, um estádio mais
avançado da outra; e só aparecem simultaneamente em casos excepcionais e, diríamos, de modo casual. O
estado e apreensão geral mais intenso não necessita ser expresso em fobia; pessoas cuja existência inteira é
limitada por agorafobia podem ser inteiramente livres de ansiedade expectante pessimista. Algumas fobias —
por exemplo, agorafobia e fobia a trens — conforme se pode demonstrar, são adquiridas em idade bastante
madura, ao passo que outras — tais como medo de escuridão, de trovoadas e de animais — parecem ter
estado presentes desde o início. As do primeiro tipo têm a significação de doenças graves; as últimas surgem
mais como excentricidades ou esquisitices. Se uma pessoa mostra possuir uma destas últimas, podese
suspeitar, via de regra, que terá outras parecidas. Devo acrescentar que classificamos todas essas fobias como
histeria de angústia; ou seja, considerandoas
um distúrbio estreitamente relacionado com a conhecida histeria
de conversão [ver em [1]]. A terceira forma de ansiedade neurótica apresentanos
o fato enigmático de que,
aqui, a conexão entre a ansiedade e um perigo ameaçador foge completamente à nossa percepção. Por
exemplo, a ansiedade pode aparecer, na histeria, como acompanhamento dos sintomas histéricos, ou em
alguma situação fortuita de excitação, na qual certamente esperaríamos alguma manifestação de afeto, mas
jamais de ansiedade; ou pode surgir separada de quaisquer fatores determinantes e ser incompreensível tanto
para nós como para o paciente, na forma de acesso de ansiedade isolado. Aqui não há nenhum sinal de
qualquer perigo ou de qualquer causa que pudesse ser exagerada como perigo. E logo verificamos, a partir
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
93
desses ataques espontâneos, que o complexo que descrevemos como um estado de ansiedade é passível de
fracionamento. O ataque total pode ser representado por um único sintoma, intensamente desenvolvido, por um
tremor, uma vertigem, por palpitação ou por dispnéia; e a sensação geral, pela qual reconhecemos a
ansiedade, pode estar ausente ou haverse
tornado indistinta. Então, essas condições que descrevemos como
‘equivalentes da ansiedade’ devem ser igualadas à ansiedade para todos os fins clínicos e etiológicos.Surgem,
agora, duas questões. Podemos correlacionar a ansiedade neurótica, na qual o perigo desempenha um papel
mínimo ou nulo, com a ansiedade realística que, invariavelmente, é uma reação ao perigo? E como iremos
compreender a ansiedade neurótica? Certamente nos inclinaremos, no primeiro caso, a manter nossa
expectativa de que, onde existe ansiedade, deve haver algo que se teme.A observação clínica nos proporciona
certo número de indícios para a compreensão da ansiedade neurótica, e lhes indicarei o teor dos mesmos:(a)
Não é difícil comprovar a fato de que a ansiedade expectante, ou o estado de apreensão geral, depende
estreitamente de determinados acontecimentos da vida sexual ou, digamos, de certos empregos da libido. O
caso mais simples e mais instrutivo desse tipo ocorre em pessoas que se expõem àquilo que se conhece como
excitação nãoconsumada
— isto é, pessoa nas quais violentas excitações sexuais não encontram descarga
suficiente, não conseguem chegar a um final satisfatório —; homens, por exemplo, enquanto estão noivos,
aguardando o casamento, e mulheres , cujos maridos são insuficientemente potentes ou executam o ato
sexual, por precaução, de modo incompleto ou truncado. Em tais circunstâncias, a excitação libidinal
desaparece e a ansiedade aparece em seu lugar, seja na forma de ansiedade expectante, seja em ataques e
equivalentes da ansiedade. A interrupção do ato sexual, como preocupação, se praticado como regime sexual,
é causa tão freqüente de neurose de ansiedade em homens, mas mais especialmente em mulheres, que, na
prática médica, é aconselhável, nesses casos, começar por investigar essa etiologia. Então se verificará, em
inúmeras ocasiões, que a neurose de ansiedade desaparece quando a irregularidade sexual se interrompe.O
fato de haver uma interrelação
entre o refreamento sexual e os estados de ansiedade, pelo que sei, já não é
mais posto em dúvida, nem sequer por médicos que não têm contato algum com a psicanálise. Bem posso
acreditar, contudo, que se faça uma tentativa de inverter a relação e de apresentar o ponto de vista de que as
pessoas em questão são de tal modo, que já têm a tendência ao estado de apreensão, e, por esse motivo,
praticam o refreamento também nos assuntos sexuais. Isto, porém, é decisivamente contradito pela conduta
das mulheres, cuja atividade sexual é de natureza essencialmente passiva — ou seja, é determinada pela
maneira como são tratadas pelo homem. Quanto mais apaixonada é uma mulher — quanto mais, portanto, tiver
disposição para a relação sexual e mais capaz de ser satisfeita —, tanto mais certamente reagirá como
manifestações de ansiedade à impotência do homem ou ao coito interrompido, ao passo que, no caso de
mulheres frígidas ou sem muita libido, esse mau trato desempenha um papel muito menos
importante.Naturalmente, a abstinência sexual, atualmente recomendada com tanta ênfase pelos médicos,
apenas tem a mesma importância na geração dos estados de ansiedade quando a libido, impedida de
encontrar uma descarga satisfatória, é correspondentemente forte e não foi utilizada, em sua maior parte, pela
sublimação. Na verdade, sempre depende de fatores quantitativos decidir se o resultado haverá de ser ou não a
doença. Mesmo nos casos em que a questão não é a doença, mas sim a forma assumida pelo caráter da
pessoa, é fácil reconhecer que a restrição sexual caminha de mãos dadas com algum tipo de ansiosidade e
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
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indecisão, ao passo que a intrepidez e a ousadia atrevida trazem consigo um livre satisfação das necessidades
sexuais. Por mais que essas correspondências sejam modificadas e complicadas por numerosas influências
culturais, não obstante, para a média dos seres humanos, permanece a verdade de que a ansiedade tem
estreita vinculação com a limitação sexual.Estou longe de lhes haver transmitido todas as observações que
falam a favor da relação genética que afirmei existir entre a libido e a ansiedade. Entre outras, por exemplo,
está a influência, exercida sobre distúrbios ansiosos, de determinadas fases da vida, às quais, como no caso da
puberdade e na epóca a menopausa, se pode atribuir considerável aumento na produção da libido. Também
em alguns estados de excitação é possível observar diretamente uma mistura de libido e ansiedade e a
substituição final da libido pela ansiedade. A impressão que se tem de todos esses fatos é dupla: primeiro, o
que está em questão é um acúmulo de libido impedida de ser normalmente utilizada, e, em segundo lugar, que,
nesse ponto, nos situamos inteiramente na esfera dos processos somáticos. Não é possível, a princípio,
discernir como a ansiedade surge da libido; apenas podemos reconhecer que a libido está ausente e que a
ansiedade está em seu lugar.(b) Um segundo ponto de referência pode ser encontrado na análise das
psiconeuroses, e especialmente da histeria. Temos visto que, nessa doença, a ansiedade freqüentemente
aparece junto com os sintomas; que, porém, também surge ansiedade desvinculada, manifestada em forma de
ataque ou como uma condição crônica. Os pacientes não sabem dizer de que é que têm medo, e, com auxílio
de uma elaboração secundária inconfundível [ver em [1]], vinculamno
às primeiras fobias que lhes vêm à
mente — tais como medo de morrer, de enlouquecer ou de ter um ataque. Se a situação, a partir da qual a
ansiedade (ou os sintomas acompanhados de ansiedade) surgiu, é submetida à análise, podemos, quase
sempre, descobrir que o curso normal dos eventos psíquicos deixou de ocorrer e foi substituído por fenômenos
de ansiedade. Podemos expressar isto de outro modo: construímos o processo inconsciente, como ele teria
sido se não houvesse experimentado repressão alguma e tivesse prosseguido, sem ser tolhido, rumo à
consciência. [ver em [1]]. Esse processo terseia
acompanhado de um afeto específico e agora constatamos,
para nossa surpresa, que esse afeto que acompanha o curso normal dos acontecimentos, seja qual for sua
qualidade própria, invariavelmente é substituído por ansiedade, após a incidência da repressão. Assim, quando
temos diante de nós um estado de ansiedade histérico, seu correspondente inconsciente pode ser um impulso
de características semelhantes — ansiedade, vergonha, embaraço — ou, com a mesma facilidade, uma
definida excitação libidinal ou agressiva, hostil, como raiva ou irritação. Portanto, a ansiedade constitui moeda
corrente universal pela qual é ou pode ser trocado qualquer impulso, se o conteúdo ideativo vinculado a ele
estiver sujeito a repressão.(c) Fazemos uma terceira descoberta quando examinamos pacientes que sofrem de
atos obsessivos e que parecem notavelmente isentos de ansiedade. Se tentarmos impedirlhes
a execução de
seu ato obsessivo — o ato de lavarse
ou o ritual —, ou se eles próprios arriscamse
a uma tentativa de
abandonar uma de sua compulsões, vêemse
compelidos pela mais terrível ansiedade a submeterse
à
compulsão. Podemos ver que a ansiedade estava encoberta pelo ato obsessivo e que este só foi executado
com o fito de evitar a ansiedade. Numa neurose obsessiva, portanto, a ansiedade, que de outra forma se
instalaria inevitavelmente, é substituída pela formação de um sintoma; e, se voltarmos à histeria, encontraremos
uma relação semelhante: o resultado do processo de repressão é ou a geração da ansiedade pura e simples;
ou a ansiedade acompanhada pela formação de um sintoma, ou a formação mais completa de um sintoma sem
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
95
ansiedade. Assim, pareceria não ser errado, em sentido abstrato, afirmar que em geral os sintomas são
formados para fugir a uma geração de ansiedade, de outro modo inevitável. Se adotarmos esse ponto de vista,
a ansiedade se coloca, por assim dizer, no próprio centro de nosso interesse pelos problemas da
neurose.Nossas observações a respeito da neurose de angústia levaramnos
a concluir que a deflexão da libido
de seu emprego normal, que causa o desenvolvimento da ansiedade, se passa na região dos processo
somáticos [ver em [1]] e de histeria e de neurose obsessiva apresentaram a conclusão adicional de que uma
reflexão semelhante, com o mesmo efeito, também pode ser o resultado de uma rejeição por parte das
instâncias psíquicas. Portanto, isto é tudo o que sabemos acerca da origem da ansiedade neurótica. Parece
ainda muito indefinido tudo isso, mas, por agora, não vejo onde prosseguir. O segundo problema que nos
colocamos — o de estabelecer uma conexão entre a ansiedade realística, que corresponde a uma reação ao
perigo — parece ainda mais difícil de solucionar. Poderseia
supor que essas coisas fossem muito
dessemelhantes; e sequer temos meios de distinguir, em nossos sentimentos, entre ansiedade realística e
ansiedade neurótica.Finalmente chegamos à conexão que estamos procurando se tomamos como nosso ponto
de partida a oposição, que tantas vezes afirmamos existir, entre o ego e a libido. Conforme sabemos, a geração
de ansiedade é a reação do ego ao perigo e o sinal para empreender a fuga. [ver em [1].] Assim sendo, parece
plausível supor que, na ansiedade neurótica, o ego faz uma tentativa semelhante de fuga da exigência feita por
sua libido, que o ego trata este perigo interno como se fora um perigo externo. Portanto, isto corresponderia à
nossa expectativa [ver em [1] e [2]] de que, onde se manifesta ansiedade, aí existe algo que se teme. Ma a
analogia poderia ser ampliada ainda mais. Assim como a tentativa de fuga de um perigo externo é substituída
pela adoção de uma atitude firme e de medidas apropriadas de defesa, também a geração de ansiedade
neurótica dá lugar à formação de sintomas, e isto resulta em que a ansiedade seja vinculada.
A dificuldade de entender situase,
agora, em outra parte. A ansiedade, que significa uma fuga do ego
para longe de sua libido, segundo se supõe, derivase,
em última análise, dessa mesma libido. Isto é obscuro e
sugerenos
não esquecermos que, afinal de contas, a libido de uma pessoa é fundamentalmente algo seu e não
pode ser posta em contraste com a mesma pessoa, como se fosse algo externo. É a dinâmica topográfica da
geração da ansiedade que ainda é obscura para nós — a questão é saber que energias mentais são
produzidas nesse processo, e de que sistemas mentais elas derivam. Esta, mais uma vez, é uma questão que
não posso prometer responder: há, contudo duas outras pistas que não devemos deixar de seguir, e, assim
procedendo, mais uma vez estaremos fazendo uso da observação direta e da investigação analítica para
auxiliar nossas indagações. Voltaremos à gênese da ansiedade em crianças e à origem da ansiedade neurótica
que se vincula às fobias.
O estado de apreensão em crianças constituise
em algo muito freqüente, e parece muito difícil
distinguir se se trata de ansiedade neurótica ou realística. Na verdade, o valor de tal distinção é posto em
dúvida pela conduta das crianças. Pois, de um lado, não nos surpreendemos se uma criança se assusta com
todos os estranhos ou com situações e coisas novas; e muito facilmente justificamos essa reação como sendo
devido à sua fragilidade e ignorância. Assim, atribuímos às crianças uma forte tendência à ansiedade realística
e deveríamos considerála
um dispositivo muito adequado se esse estado de apreensão fosse, nelas, uma
herança inata. As crianças, com isso, estariam simplesmente repetindo o comportamento do homem préConferências
Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
96
histórico e dos povos primitivos atuais que, em conseqüência de sua ignorância e debilidade, receiam todas as
coisas novas e muitas coisas conhecidas que a nós não nos causam mais ansiedade, atualmente. E isto se
ajustaria perfeitamente à nossa expectativa, se as fobias de crianças, pelo menos em parte, fossem as mesmas
que aquelas que podemos atribuir aos períodos primitivos do desenvolvimento humano.
Por outro lado, não podemos menosprezar o fato de que nem todas a crianças são ansiosas em igual
intensidade, e de que é precisamente as crianças que mostram especial pusilanimidade para com objetos e em
situações de toda espécie, que posteriormente vêm a se tornar neuróticas. Assim, a tendência neurótica revelase
também por uma pronunciada tendência à ansiedade realística; o estado de apreensão parece ser a coisa
primária, e chegamos à conclusão de que a razão por que as crianças e, depois, os adolescentes e as
adolescentes em crescimento, temem a magnitude de sua libido reside em que, de fato, eles temem tudo.
Dessa forma, seria desmentida a origem da ansiedade na libido; e, se fossem examinadas as causas
determinantes da ansiedade realística, a coerência com os fatos conduziria ao ponto de vista segundo o qual a
consciência da própria fraqueza e desvalia — inferioridade, segundo a terminologia de Adler —, quando se
prolonga da infância à idade adulta, é a base final das neuroses.Isto soa tão simples e sedutor, que até exige
nossa atenção. É verdade que implicaria um deslocamento do enigma do estado neurótico. A existência
continuada do sentimento de inferioridade — e, portanto, daquilo que causa a ansiedade e a formação dos
sintomas — parece tão bem assegurada, que os itens que exigem uma explicação consistem, com efeito, em
saber o modo como, por exceção, pode advir aquilo que conhecemos como saúde. No entanto, que coisa se
revela a um exame cuidadoso do estado de apreensão das crianças? Bem no início, o que as crianças temem
são as pessoas estranhas; as situações só se tornam importantes porque nelas se incluem pessoas, e coisas
impessoais não entram em conta, em absoluto, a não ser posteriormente. Uma criança, contudo, não teme
esses estranhos porque lhes atribua más intenções e compare a sua fraqueza com a força deles, e, por
conseguinte, os considere um perigo para sua existência, sua segurança e sua isenção de sofrimento. Uma
criança assim desconfiada e amedrontada com o instinto agressivo que domina o mundo constitui uma
formulação teórica muito mal fundada. Uma criança tem medo de um rosto estranho porque está habituada à
vista de uma figura familiar e amada — basicamente sua mãe. É seu desapontamento e seu anelo pela mãe
que se transformam em ansiedade — sua libido, de fato, que se tornou inaplicável, não podendo, assim, ser
mantida em estado de suspensão, sendo descarregada sob forma de ansiedade. E dificilmente pode tratarse
de uma casualidade o fato de, nessa situação que constitui o protótipo da ansiedade de crianças, ocorrer uma
repetição do fator determinante do primeiro estado de ansiedade, durante o ato do nascimento — quer dizer, a
separação da mãe.
Em crianças, as primeiras fobias relativas a situações são aquelas provocadas pela escuridão e pela
solidão. A primeira destas freqüentemente persiste por toda a vida; ambas estão envolvidas quando a criança
sente a ausência de alguma pessoa amada, que cuida dela — ou seja, sua mãe. Enquanto encontravame
no
aposento ao lado, ouvi uma criança, com medo do escuro, dizer em voz alta: ‘Mas fala comigo, titia. Estou com
medo!’ ‘Por que? De que adianta isso? Tu nem estás me vendo.’ A isto a criança respondeu: ‘Se alguém fala,
fica mais claro.’ Assim, um anelo sentido no escuro se transforma em medo do escuro. Longe de tratarse
do
caso de a ansiedade neurótica ser apenas secundária e ser um caso especial de ansiedade realística, vemos,
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
97
pelo contrário, que, numa criancinha, algo que se comporta como ansiedade realística compartilha seu aspecto
essencial — a origem a partir da libido não empregada — com a ansiedade neurótica. Parece que as crianças
têm pouca ansiedade realística verdadeira inata. Em todas as situações que, posteriormente, podem tornarse
fatores determinantes de fobias (alturas, pontes estreitas sobre a água, viagens de trem, navios), as crianças
não demonstram ansiedade; e, para dizer a verdade, quanto maior sua ignorância, menos sua ansiedade. Teria
sido muito bom se tivessem herdado mais desses instintos de preservação da vida, porque tal circunstância
teria facilitado em muito a tarefa de se cuidar delas, de evitar que corram um perigo após outro. O fato consiste
em que as crianças inicialmente superestimam suas forças e se comportam sem medo, por ignorarem os
perigos. Correm à beira da água, sobem ao peitoril da janela, brincam com objetos cortantes e com fogo — em
suma, fazem tudo o que é capaz de ferilas
e de preocupar a quem delas está cuidando. Quando, por fim, nelas
desperta a ansiedade realística, tal resulta inteiramente da educação; isso porque não se pode permitirlhes
que
elas próprias realizem as experiências de instrução.Portanto, haver crianças que demoram um pouco para
encontrar essa educação para a ansiedade, e que continuam a ir ao encontro de perigos para os quais não
haviam sido alertados, são aspectos que se explicam suficientemente pelo fato de possuírem elas uma
quantidade maior de exigências libidinais inatas em sua constituição, ou de terem sido prematuramente
mimadas em excesso pela satisfação libidinal. Não é de admirar se tais crianças vierem a contarse,
também,
entre os futuros neuróticos: conforme sabemos, o que mais facilita o desenvolvimento de uma neurose é uma
incapacidade de tolerar um considerável represamento da libido, por um período maior de tempo. Os senhores
observarão que, aqui, mais uma vez, o fator constitucional mostra toda a sua influência — e esta, realmente,
jamais pensamos pôr em dúvida. Apenas ficamos de sobreaviso contra aqueles que, a favor do fator
constitucional, desprezam todos os demais requisitos, e introduzem o fator constitucional em pontos onde os
resultados combinados da observação e da análise mostram que ele não cabe, ou deve situarse
em último
lugar.
Permitamme
sumarizar o que nossas observações relativas ao estado de apreensão das crianças nos
têm ensinado. A ansiedade infantil tem escassa relação com a ansiedade realística, mas, por outro lado,
relacionase
estreitamente com a ansiedade neurótica dos adultos. Assim como esta, derivase
da libido nãoutilizada
e substitui o objeto de amor ausente por um objeto externo, ou por uma situação.
Os senhores ficarão satisfeitos ao ouvir que a análise de fobias não apresenta muitas novidades mais,
para ensinarnos.
Assim, com elas acontece a mesma coisa que com a ansiedade de crianças; a libido não
utilizável é constantemente transformada em uma ansiedade aparentemente realística; assim, um perigo
externo insignificante é introduzido para representar as exigências da libido. Não há nenhum motivo para
admiração nessa concordância [entre as fobias e a ansiedade de crianças], pois as fobias infantis não são
apenas o protótipo de fobias ulteriores, que classificamos como ‘histeria de angústia’, mas, na realidade, são a
sua precondição e seu prelúdio. Toda fobia histérica remonta a uma ansiedade infantil e é continuação da
mesma, ainda que tenha um conteúdo diferente e deva, pois, receber nome diverso. A diferença entre os dois
distúrbios reside em seu mecanismo. A fim de que a libido se transforme em ansiedade, já não basta, no caso
de adultos, que a libido se tenha tornado momentaneamente nãoutilizável
na forma de um anelo. Os adultos há
muito aprenderam a manter em suspenso essa libido ou a empregála
de algum outro modo. Se, entretanto, a
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
98
libido pertence a um impulso psíquico que esteve sujeito a repressão, então se restabelecem condições
semelhantes às que se observam numa criança em quem ainda não existe distinção entre consciente e
inconsciente; e, por meio da regressão à fobia infantil, abrese
uma passagem, por assim dizer, através da qual
pode realizarse
comodamente a transformação da libido em ansiedade.
Conforme os senhores se recordarão, lidamos extensamente com a regressão, mas, ao fazêlo,
sempre
seguimos apenas as vicissitudes da idéia a ser reprimida — de vez que isto, naturalmente, era mais fácil de
reconhecer e descrever. Sempre deixamos de lado a questão referente àquilo que acontece ao afeto que
estava vinculado à idéia reprimida; e apenas agora verificamos [ver em [1]] que a vicissitude imediata desse
afeto é ser ele transformado em ansiedade, qualquer que seja a qualidade que, fora disso, ele exibia no curso
normal dos acontecimentos. Essa transformação do afeto é, todavia, em grande escala a parte mais importante
do processo de repressão. Não é tão fácil falar a seu respeito, visto não poderemos afirmar a existência de
afetos inconscientes no mesmo sentido em que afirmamos a existência de idéias inconscientes. Uma idéia
permanece a mesma, exceto quanto a uma diferença, não importa que seja idéia consciente ou inconsciente;
podemos ajuizar que coisa corresponde a uma idéia inconsciente. Um afeto é, contudo, um processo de
descarga e deve ser julgado muito diferentemente de uma idéia; o que corresponde a ele, no inconsciente, não
pode ser dito sem uma reflexão mais profunda e sem esclarecimento de nossas hipóteses referentes aos
processos psíquicos. E isto não podemos empreender aqui. Entretanto, enfatizaremos a impressão, que agora
obtivemos, de que a geração da ansiedade está intimamente vinculada ao sistema do inconsciente.Tenho
afirmado que a transformação em ansiedade — seria melhor dizer, descarga sob a forma de ansiedade — é o
destino imediato da libido quando sujeita à repressão. Devo acrescentar que esse destino não é o único nem o
definitivo. Nas neuroses, estão em ação processos que se esforçam por vincular essa geração de ansiedade, e
até mesmo conseguem fazêlo
de diversas maneiras. Nas fobias, por exemplo, podem ser distinguidas
nitidamente duas fases do processo neurótico. A primeira diz respeito à repressão e à modificação da libido em
ansiedade, que então é vinculada a um perigo externo. A segunda consiste em tomar todas as precauções e
garantias, mediante as quais se possa evitar todo contato com esse perigo, que é tratado como a coisa externa
que é. A repressão corresponde a uma tentativa, feita pelo ego, de fugir da libido sentida como um perigo. Uma
fobia pode ser comparada a um entrincheiramento contra um perigo externo que agora representa a libido
temida. A fragilidade do sistema defensivo nas fobias reside, naturalmente, no fato de a fortaleza, que foi tão
fortificada em relação ao exterior, permanecer tão vulnerável a um ataque vindo de dentro. Uma projeção do
perigo da libido, para fora, jamais consegue realizarse
com segurança. Por essa razão, em outras neuroses
outros sistemas de defesa são usados contra a possível geração de ansiedade. Esta é uma parte muito
interessante da psicologia das neuroses; mas, infelizmente, levarnosia
muito longe e pressupõe um
conhecimento especialmente mais profundo. Acrescentei apenas mais uma coisa. Já lhes falei [ver em [1] e [2]]
a respeito da anticatexia utilizada pelo ego no processo de repressão, e que deve ser permanentemente
mantida, a fim de que a repressão possa ter estabilidade. Essa anticatexia tem a função de completar as
diversas formas de defesa contra a geração de ansiedade, após a repressão.Retornemos às fobias.
Seguramente posso dizer que agora os senhores vêem como é inadequado buscar simplesmente explicar seu
conteúdo, não interessarse
em outra coisa senão no modo como sucede esse ou aquele objeto, essa
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
99
determinada situação ou aquela outra, haverse
tornado o objeto da fobia. O conteúdo de uma fobia tem mais
ou menos tanta importância em relação à mesma, quanto a fisionomia manifesta de um sonho tem em relação
ao sonho. Devese
admitir, com as necessárias restrições, que, entre os conteúdos das fobias, há alguns que,
conforme insiste Stanley Hall [1914, ver pág. 399], são destinados a servir como objetos de ansiedade devido à
herança filogenética. Condiz com isto o fato de que, realmente, muitos desses objetos de ansiedade só podem
estabelecer sua conexão com o perigo por meio de uma ligação simbólica.Assim, achamonos
convencidos de
que o problema da ansiedade ocupa, na questão da psicologia das neuroses, um lugar que pode
justificadamente ser classificado como central. Impressionounos
intensamente a forma como a geração de
ansiedade se vincula às vicissitudes da libido e ao sistema do inconsciente. Existe apenas um ponto que
julgamos desconexo — uma lacuna em nossos pontos de vista: o fato único, praticamente inegável, de que a
ansiedade realística deve ser considerada manifestação dos instintos de autopreservação do ego.
CONFERÊNCIA XXVI
A TEORIA DA LIBIDO E O NARCISISMO
SENHORAS E SENHORES:
Repetidas vezes (e, bem recentemente, mais uma vez [ver em [1] e [2]]), tivemos de tratar da diferença
entre os instintos do ego e os instintos sexuais. Em primeiro lugar, a repressão nos mostrou que esses dois
instintos podem oporse
um ao outro, que os instintos sexuais são ostensivamente reprimidos e são obrigados a
encontrar satisfação por si mesmos, por vias regressivas e indiretas, e que, com isso, eles são capazes de
encontrar compensação por haverem sido frustrados em sua inflexibilidade. A seguir, verificamos que os dois
tipos de instintos, desde o início, relacionamse
diversamente com a Necessidade, a educadora [ver em [1]], de
modo que a sua trajetória evolutiva não é a mesma, e que não estabelecem a mesma relação com o princípio
de realidade. Por fim, pensamos haver reconhecido que os instintos sexuais, mais do que os instintos do ego,
têm estreitos laços a vinculálos
ao estado afetivo de ansiedade — e essa conclusão parece incompleta em
apenas um importante aspecto. A fim de estabelecêla
com mais firmeza, portanto, aduzo o fato ainda mais
significativo de que, se a fome e a sede (os dois instintos de autopreservação mais elementares) estão
insatisfeitas, o resultado nunca é a sua transformação em ansiedade, ao passo que a modificação da libido
insatisfeita em ansiedade é, conforme vimos, um dos fenômenos mais bem conhecidos e mais freqüentemente
observados.
Nosso direito de separar os instintos do ego dos instintos sexuais não pode, sem dúvida, ser abalado:
está implícito na existência da vida sexual como atividade distinta do indivíduo. A única questão é saber qual a
importância que atribuiremos a essa separação, e quão detalhadamente desejamos considerar a seu respeito.
A resposta a essa questão, todavia, se orientará pela medida em que podemos estabelecer o grau em que os
instintos sexuais se comportam, relativamente a suas manifestações somáticas e mentais, de modo diferente
dos outros instintos com os quais estamos comparandoos;
e pela importância de que se revestem as
conseqüências decorrentes dessas diferenças. Ademais, naturalmente, não temos motivo algum para afirmar
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
100
que existe entre os dois grupos de instintos uma diferença essencial que não seja plenamente perceptível.
Ambos se nos apresentam simplesmente como designações de fontes de energia operante no indivíduo; e as
discussões referentes a saber se são fundamentalmente um só, ou essencialmente diferentes, e saber quando,
no caso de serem um só, vieram a separarse
um do outro, não podem ser conduzidas com base na conotação
dos termos, devendose,
porém, aterse
aos fatos biológicos subjacentes aos instintos. No momento atual,
sabemos muito pouco a respeito deles, e, ainda que soubéssemos mais, isto teria pouca importância para
nosso trabalho analítico. É, também, óbvio que obteremos muito pouco proveito se, seguindo o exemplo de
Jung, insistirmos na unidade original de todos os instintos e dermos o nome de ‘libido’ à energia que se
manifesta em todos eles. De vez que artifício algum será capaz de eliminar da vida mental a função sexual, vernosemos
obrigados, nesse caso, a falar em libido sexual e assexual. O nome libido é, contudo, especialmente
reservado para designar as forças instintuais da vida sexual, conforme até aqui tem sido nosso costume. (Cf.
Jung. [191112].)
Em minha opinião não é, por conseguinte, de muita importância para a psicanálise saber até
onde levamos a diferença, indubitavelmente acertada, entre os instintos sexuais e os de autopreservação. E
não é a psicanálise que tem competência para responder à questão. A biologia, no entanto, oferece diversas
possibilidades sugestivas que falam em favor de alguma importância em se fazer a distinção. Na verdade, a
sexualidade é a única função do organismo vivo que se estende além do indivíduo e se refere à relação deste
com sua espécie. É fato inequívoco que ela nem sempre, como as demais funções do organismo
individualizado, lhe traz vantagens, mas, em compensação por um grau extraordinariamente elevado de prazer,
ocasiona perigos que ameaçam a vida do indivíduo e, amiúde, a destroem. Também é provável que sejam
necessários processos metabólicos muito especiais, diferentes de todos os outros, a fim de se manter uma
parte da vida individual à disposição de seus descendentes. E, finalmente, o organismo individualizado, que
propriamente se considera como a coisa principal, e sua sexualidade como um meio, igual a outro qualquer, de
obter sua própria satisfação, é, do ponto de vista da biologia, apenas um episódio numa sucessão de gerações,
um fugaz acréscimo a um plasma germinativo dotado de virtual imortalidade — como detentor temporário de um
legado que lhe sobreviverá.A explicação psicanalítica das neuroses, todavia, não requer essas considerações
de tão grande alcance. O rastreamento em separado dos instintos sexuais e dos instintos do ego auxiliounos
a
encontrar a chave para a compreensão do grupo das neuroses de transferências. Temos conseguido remetêlos
à situação básica na qual os instintos entraram em litígio com os instintos de autopreservação ou, para
expressálo
em termos biológicos (conquanto menos precisos), a uma situação em que um aspecto do ego,
como um organismo individualizado independente, entre em conflito com seu outro aspecto, como um membro
de um sucessão de gerações, Uma dissensão desse tipo talvez possa ocorrer apenas em seres humanos, e,
por esse motivo, falando genericamente, a neurose pode constituir sua prerrogativa sobre os animais. O
excessivo desenvolvimento da libido dos seres humanos e — o que, talvez, se torna possível precisamente em
virtude disso — seu desenvolvimento de uma vida mental ricamente complexa parecem haver criado os fatores
determinados do surgimento de um tal conflito. Tornase
logo evidente que estes são também os fatores
determinantes dos grandes progressos que os seres humanos fizeram para além daquilo que têm em comum
com os animais; de modo que sua susceptibilidade à neurose seria somente o reverso de suas outras dotações.
Estas são, contudo, também apenas especulações que nos estão afastando de nossa tarefa imediata.Até aqui
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
101
temse
constituído em premissa de nosso trabalho podermos distinguir os instintos do ego dos instintos sexuais,
por suas manifestações. Quanto às neuroses de transferência, isso poderseia
efetuar sem dificuldade. As
catexias de energia que o ego dirige aos objetos de seus desejos sexuais, nós as denominamos ‘libido’; todas
as outras catexias, emanadas dos instintos de autopreservação, denominamos ‘interesse’. Traçando a trajetória
das catexias libidinais, com suas taransformações e vicissitudes finais, podemos obter uma primeira
compreensão interna (insight) dos mecanismos das forças mentais. Para esse propósito, as neuroses de
transferência nos ofereceram o material mais adequado. O ego, sua composição originária de diferentes
organizações e a formação e modo de funcionamento destas permaneceram, contudo, ocultas para nós; e
fomos levados a supor que só a análise de outros distúrbios neuróticos seria capaz de nos proporcionar a
necessária compreensão interna (insight).Em épocas iniciais de nosso trabalho começamos a estender as
observações psicanalíticas a essas outras doenças. Já em 1908, Karl Abraham, após um intercâmbio de idéias
comigo, declarou que a principal característica da demência precoce (que se contava entre as psicoses) era
que nela a catexia libidinal de objetos estava ausente. No entanto, aí surgiu a questão que consistia em saber o
que acontecia à libido nos pacientes com demência precoce, retirada dos objetos. Abraham não hesitou em dar
a resposta: ela se volta novamente para o ego e esse retorno reflexivo é a fonte da megalomania na demência
precoce. A megalomania é, em todos os aspectos, comparável à conhecida supervalorização sexual do objeto
na vida erótica [normal]. Desse modo, pela primeira vez chegamos a compreender um traço de uma doença
psicótica relacionandoo
com a vida erótica normal.Posso dizerlhes,
de imediato, que essas primeiras
explicações de Abraham têm sido aceitas na psicanálise e se tornaram a base de nossa atitude relativa às
psicoses. Assim, aos poucos nos familiarizamos com a noção de que a libido, que encontramos ligada aos
objetos e que é expressão de um esforço para obter satisfação em conexão com esses objetos, também pode
deixar os objetos e colocar o próprio ego da pessoa em lugar deles: a essa noção foise
firmando
gradualmente, sempre com maior coerência. O nome para essa forma de distribuir a libido — narcisismo —, nós
o tomamos de empréstimo de uma perversão descrita por Paul Näcke [1899], na qual um adulto trata seu corpo
com todos os mimos que usualmente são dedicados a um objeto sexual externo.
A reflexão logo sugere que, se ocorre uma fixação da libido ao próprio corpo e à personalidade da
pessoa, em vez de se fazer a um objeto, ela não pode constituir um evento excepcional ou trivial. Pelo
contrário, é provável que esse narcisismo constitui a situação universal e original a partir da qual o amor objetal
só se desenvolve posteriormente, sem que, necessariamente, por esse motivo o narcisismo desapareça. Com
efeito, tivemos de recordar, a partir da história da evolução da libido objetal, que muitos instintos sexuais
começam encontrando satisfação no próprio corpo da pessoa autoeroticamente,
conforme dizemos [ver em [1]]
— e que essa capacidade para o autoerotismo
é a base do atraso da sexualidade no processo de educação no
princípio de realidade [ver em [1]]. O autoerotismo
seria, pois, a atividade sexual do estádio narcísico da
distribuição da libido.
Para resumir o assunto, configuramos a relação entre a libido do ego e a libido objetal numa forma tal
que me possibilita fazêla
compreensível para os senhores, usando de uma analogia extraída da zoologia.
Pensem nesses simplicíssimos organismos vivos [as amebas] que consistem em um glóbulo, muito pouco
diferenciado, de substância protoplásmica. Eles emitem protrusões, conhecidas como pseudópodos, para
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
102
dentro dos quais eles fazem fluir a substância de seu corpo. São capazes, no entanto, de retrair essas
protrusões, novamente, e de se transformar de novo em um glóbulo. Comparamos a emissão dessas
protrusões, portanto, à emissão de libido em direção aos objetos enquanto a massa principal de libido pode
permanecer no ego; e supomos que, em circunstâncias normais, a libido do ego pode ser transformada, sem
impedimento, em libido objetal, e que esta pode novamente ser devolvida ao ego.Com o auxílio dessas idéias,
agora podemos explicar numerosos estados mentais, ou, para expressálo
de modo mais modesto, descrevêlos
em termos da teoria da libido — estados que devemos considerar como pertencentes à vida normal, tal
como o comportamento psicológico de uma pessoa que está apaixonada, ou de outra pessoa que passa por
uma doença orgânica, ou, ainda, o de outra em estado de sono. No que concerne ao estado de sono,
supusemos que ele se baseava em um retrairse
do mundo externo e no aceder ao desejo de dormir [ver em
[1]]. A atividade mental durante a noite, que se manifesta em sonhos, realizase,
conforme verificamos, em
obediência a um desejo de dormir e é, sobretudo, regida por motivos puramente egoístas [ver em [1]]. Podemos
acrescentar, agora na linha da teoria da libido, que o sono é um estado no qual todas as catexias de objeto,
tanto as libidinais como as egoísticas, são abandonadas e retiradas para dentro do ego. Será que isto não lança
uma nova luz sobre o efeito restaurador do sono e sobre a natureza da fadiga em geral? O quadro do
isolamento bemaventurado
da vida intrauterina
que, no sono, toda pessoa mais uma vez evoca diante de nós,
a cada noite, completase,
assim, também em seu lado psíquico. Em uma pessoa que dorme, reconstituise
o
primitivo estado de distribuição da libido — narcisismo total, no qual a libido e o interesse do ego, ainda unidos
e indiferenciáveis, habitam o ego autosuficiente.Cabem, aqui, dois comentários. Primeiro, como distinguirmos
os conceitos de narcisismo e de egoísmo? Bem, o narcisismo, segundo penso, é o complemento libidinal do
egoísmo. Quando falamos em egoísmo, temos em vista apenas a vantagem do indivíduo; quando falamos em
narcisismo, também estamos levando em consideração sua satisfação libidinal. Enquando motivos práticos,
ambos podem ser mantidos separados por uma distância considerável. É possível ser absolutamente egoísta e,
mesmo assim, manter poderosas catexias de objeto, na medida em que a satisfação libidinal em relação ao
objeto faz parte das necessidades do ego. Nesse caso, o egoísmo procurará fazer com que o esforço por obter
um objeto não envolva prejuízo para o ego. É possível ser egoísta e, ao mesmo tempo, ser desmesuradamente
narcisista — isto é, ter muito pouca necessidade de um objeto, seja para o propósito de satisfação sexual
direta, seja com relação a aspirações mais elevadas, derivadas da necessidade sexual, que, às vezes,
costumamos, sob o nome de ‘amor’, fazer contrastar com ‘sensualidade’. Em todas essas correlações, o
egoísmo é aquilo que é evidente por si mesmo e constante, ao passos que o narcisismo é o elemento variável.
O contrário do egoísmo, altruísmo, não coincide, enquanto conceito, com catexia objetal libidinal, mas se
distingue desta pela ausência de desejos de satisfação sexual. Quando alguém está totalmente apaixonado,
entretanto, o altruísmo se superpõe à catexia objetal libidinal. Via de regra, o objeto sexual atrai para si uma
parte do narcisismo do ego, e isto se torna visível naquilo que se conhece por ‘supervalorização sexual’ do
objeto. [Ver acima, em [1].] Se, ademais disso, existe uma transposição altruísta do egoísmo para o objeto
sexual, o objeto se torna extremamente poderoso; é como se ele tivesse absorvido o ego.
Os senhores acharão reconfortante, segundo penso, se, depois daquilo que constitui imagem seca da
ciência, eu apresentarlhes
uma representação poética do contraste econômico entre o narcisismo e o estar
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
103
apaixonado. Eis uma citação do Westöstliche
Diwan, de Goethe:ZULEIKAO servo e o senhor vitorioso,Como o
povo, confessam, se indagados:Sorte suprema dos filhos da Terra,Só pode ser a personalidade.
A vida é p’ra viver, não se a recusa,Se em nós mesmos equívocos não há;Ninguém pode escapar de
algo à perda,Se seu ser se mantém sem mutação.HATEM
É um fato, pode ser; assim o dizem;Mas noutra senda, hoje, estão meus passos:A síntese da sorte e
plenitudeSó em Zuleika encontro, tãosomente.
De seu ser, em mim, o investimentoTorna meu eu crescido e valioso;Se a mim, então, sua face
recusasse,Num instante eu estarei perdido.
Hatem, assim, seu fim encontraria;Eu, no entanto, minha condição mudava;Me incorporava, veloz,
àquele amanteQue ela, desde agora, obsequiasse.
Meu segundo comentário é um suplemento à teoria dos sonhos. Não podemos explicar a origem dos
sonhos, a menos que adotemos a hipótese de que o inconsciente reprimido alcançou determinadno grau de
independência do ego, de modo que ele não concorda com o desejo de dormir e conserva suas catexias,
mesmo quando todas as catexias objetais dependentes do ego foram retiradas, a fim de facilitar o sono. Apenas
assim conseguiremos compreender como o inconsciente pode fazer uso da abolição ou da redução da censura,
que ocorre à noite, e consegue obter controle sobre os resíduos diurnos, de forma a expressar um desejo
onírico proibido a partir do material desses resíduos diurnos. Por outro lado, pode ser que esses resíduos
diurnos tenham de agradecer a uma já existente conexão com o inconsciente reprimido, por alguma resistência
dos mesmos à retirada da libido determinada pelo desejo de dormir. Portanto, a modo de suplemento,
acrescentaremos esse aspecto, dinamicamente importante, à nossa visão da formação dos sonhos.A doença
orgânica, a estimulação dolorosa ou a inflamação de um órgão criam a condição que resulta nitidamente em um
desligamento da libido, de seus objetos. A libido que é retirada, é encontrada novamente no ego, como catexia
aumentada da parte doente do corpo. Na realidade, é possível arriscar a assertiva de que a retirada da libido de
seus objetos, nessas circunstâncias, é mais visível do que o desvio do interesse egoísta em relação ao mundo
externo. Isto parece nos oferecer um caminho para ao compreensão da hipocondria, na qual um órgão, de
forma semelhante, atrai a atenção do ego, sem que, pelo menos na medida em que podemos perceber, esse
órgão esteja doente.Resistirei, contudo, à tentação de estenderme
mais nesse ponto, ou de discorrer sobre
outras situações que podem ser compreendidas ou descritas com a adoção da hipótese de que a libido objetal
pode retirarse
para dentro do ego — pois sou obrigado a refutar duas objeções que, conforme sei, atraem
agora sua atenção. Em primeiro lugar, os senhores desejam chamarme
a prestar contas, pois, ao falar em
sono, doença e situações parecidas, invariavelmente tento separar a libido do interesse, instintos sexuais de
instintos do ego, ali onde um exame pode mostrar ser inteiramente satisfatória a hipótese de uma energia única
e uniforme que, sendo livremente móvel, catexiza ora o objeto, ora o ego, em obediência a um ou a outro
instinto. E, em segundo lugar, os senhores desejam saber como posso aventurarme
a lidar com o
desligamento da libido de seu objeto como sendo a origem de um estado patológico, quando uma transposição
dessa categoria da libido objetal para libido do ego (ou, mais genericamente, para energia do ego) situase
entre os processos normais da dinâmica mental, que se repetem diariamente e a cada noite.Eis minha
respostas. Sua primeira objeção parece muito correta. Uma reflexão a respeito dos estados de sono, de doença
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
104
e de apaixonamento, provavelmente, em si, não nos teria levado jamais a distinguir uma libido objetal, ou a
distinguir libido de interesse. Mas, aí os senhores estão desprezando as investigações pelas quais começamos
e à luz das quais vemos agora as situações mentais em questão. A diferenciação entre libido e interesse — isto
é, entre instintos sexuais e instintos de autopreservação — se nos impôs através de nossa descoberta do
conflito, do qual se originam as neuroses de transferência. Desde então, não conseguimos abandonar tal
diferenciação. A hipótese de que a libido objetal se possa transformar em libido do ego e, portanto, que temos
de levar em conta uma libido do ego, parecenos,
pois, ser a única que pode resolver o enigma daquilo que se
denomina de neuroses narcísicas — demência precoce, por exemplo — e explicar as semelhanças e
dessemelhanças entre elas e a histeria ou as obsessões. Estamos agora aplicando à doença, ao sono e à
paixão o que alhures verificamos estar iniludivelmente estabelecido. Deveríamos prosseguir com aplicações
dessa natureza e verificar até onde elas nos conduzem. A única tese que não constitui um precipitado imediato
de nossa experiência analítica, é no sentido de que a libido permanece libido, seja ela orientada para objetos,
seja para o próprio ego da pessoa, e de que ela jamais se transforma em interese egoísta, sendo que o inverso
também procede. Essa tese, no entanto, é equivalente à separação entre instintos sexuais e instintos do ego,
que já avaliamos sob um ponto de vista crítico e a que continuaremos a aderir, por motivos heurísticos, até sua
possível falência.A segunda observação dos senhores também suscita uma questão justificável; porém, está
orientada para uma direção errônea. É verdade que uma retirada da libido objetal para dentro do ego não é
diretamente patogênica; na realidade, conforme sabemos, ela se realiza todas as vezes antes de
adormecermos, para inverterse
quando despertamos. A ameba retira suas protrusões, para, então, emitilas
novamente na primeira oportunidade. Tratase,
porém, de algo bem diferente quando determinado processo
muito vigoroso força uma retirada da libido, dos objetos. Aqui, a libido que se tornou narcísica não consegue
retornar aos objetos, e essa interferência na mobilidade da libido certamente se torna patogênica. Parece não
ser tolerada uma acumulação de libido narcísica além de um determinado nível. Podemos até supor ter sido por
essa mesma razão que se efetuaram originalmente essas catexias objetais, que o ego foi obrigado a emitir sua
libido, de forma a não adoecer em conseqüência do represamento da mesma. Se constasse de nosso plano
aprofundarmonos
mais na demência precoce, eu lhes demonstraria que o processo que desliga a libido de
seus objetos e bloqueia seu retorno a eles, é estreitamente relacionado ao processo de repressão, devendo,
assim, ser considerado a sua contrapartida. Os senhores, sem dúvida, poderão, contudo, situarse
em terreno
conhecido quando verificam que os fatores determinantes desse processo são quase idênticos — pelo que
sabemos, atualmente — aos da repressão. O conflito parece ser o mesmo e efetuarse
entre as mesmas forças.
Se o resultado é tão diferente, por exemplo, da histeria, o motivo só pode estar na dependência de uma
diferença na disposição inata. O ponto fraco no desenvolvimento libidinal desses pacientes situase
numa fase
diferente; a fixação determinante que, conforme os senhores se lembrarão [ver em [1]], permite a irrupção que
leva à formação dos sintomas, situase
em outro lugar, provavelmente na fase de narcisismo primitivo, ao qual a
demência precoce retorna em seu resultado final. É bem surpreendente que, no caso de todas as neuroses
narcísicas, temos de supor que os pontos de fixação da libido remontam a fases muito anteriores do
desenvolvimento, em comparação com o que se observa na histeria e na neurose obsessiva. Todavia,
conforme é de seu conhecimento, os conceitos a que chegamos em nosso estudo das neuroses de
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
105
transferência são adequados para ajudarnos
a nos orientarmos nas neuroses narcísicas, que, na prática, são
tão mais graves. As semelhanças vão muito longe; no fundo, o campo de fenômenos é o mesmo. E os
senhores podem imaginar quão reduzida é a perspectiva que tem alguém para examinar esses distúrbios (que
pertencem à esfera da psiquiatria), se não estiver preparado para essa tarefa por um conhecimento analítico
das neuroses de transferência.
O quadro clínico da demência precoce (que, aliás, é muito mutável) não é determinado exclusivamente
pelos sintomas que emergem da retração da libido para longe de seus objetos, e de sua acumulação no ego
sob forma de libido narcísica. Uma grande parte é, antes, desempenhada por outros fenômenos derivados dos
esforços da libido no sentido de, novamente, alcançar os objetos, portanto correspondendo a uma tentativa de
reintegração ou recuperação. Esses últimos sintomas são, na verdade, os mais notáveis e ruidosos; mostram
inequívoca similitude com a histeria ou, com menos freqüência, com os da neurose obsessiva; porém, ainda
assim diferem destas em todos os sentidos. É como se, na demência precoce, a libido, em seus esforços por
alcançar novamente os objetos (isto é, as representações dos objetos), de fato agarrase
alguma coisa desses
objetos, que, por assim dizer, seria, no entanto, apenas suas sombras — quero dizer, as representações
verbais pertencentes aos objetos. Não posso, agora, expressar mais coisas a esse respeito; acredito, todavia,
que esse comportamento da libido, a maneira como luta por encontrar seu caminho de volta, nos possibilitou
entender aquilo que realmente constitui a diferença entre idéia consciente e idéia inconsciente.Acabo de
conduzilos
à região em que se espera venham a realizarse
os próximos progressos no trabalho da análise [ver
em [1]]. Porque nos aventuramos a trabalhar com o conceito de libido do ego, as neuroses narcísicas se nos
tornaram acessíveis; a tarefa que nos espera é chegar a uma elucidação dinâmica desses distúrbios e, ao
mesmo tempo, completar nosso conhecimento da vida mental, conseguindo compreender o ego. A psicologia
do ego, que andamos investigando, não deve basearse
nos dados de nossas autopercepções, mas sim (como
no caso da libido) na análise dos distúrbios e nas rupturas do ego. É provável que, quando tivermos
conseguindo realizar essa tarefa maior, teremos uma opinião modesta de nosso presente conhecimento das
vicissitudes da libido, que adquirimos no estudo das neuroses de transferência. Até agora, contudo, não
fizemos muito progesso. As neuroses narcísicas dificilmente podem ser acometidas mediante a técnica que nos
foi de utilidade nas neuroses de transferência. Em breve os senhores saberão por quê. [ver em [1], adiante.]
Com elas, o que sempre acontece é, após avançarmos uma curta distância, depararmos com um muro que nos
força a parar. Nas neuroses de transferência, como sabem, também nos defrontamos com barreiras de
resistência, mas conseguimos demolilas,
parte por parte. Nas neuroses narcísicas, a resistência é
intransponível; quando muito, somos capazes de lançar um olhar perscrutador por cima do topo do muro e
divisar o que se está passando no outro lado. Nossos métodos técnicos, por conseguinte, devem ser
substituídos por outros; e nem sequer sabemos se seremos bem sucedidos na busca de um substituto. Ainda
assim, não nos falta material referente a tais pacientes. Eles fazem um grande número de observações, ainda
que não respondam às nossas perguntas; provisoriamente competenos
interpretar essas observações com
auxílio da compreensão que adquirimos com os sintomas das neuroses de transferência. A concordância é
suficientemente grande para nos garantir algum progresso inicial. Resta ver até onde essa técnica nos levará.
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
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Existem dificuldades adicionais que impedem nosso avanço. Os distúrbios narcísicos e as psicoses
relacionadas a eles só podem ser decifrados por observadores formados no estudo analítico das neuroses de
transferência. Nossos psiquiatras, porém, não são candidatos à formação psicanalítica, e nós, psicanalistas,
vemos muito poucos casos psíquiátricos. Primeiro será necessário que se forme uma geração de psiquiatras
que tenha passado pela escola da psicanálise como ciência preparatória. Um começo nesse sentido está
realizandose,
atualmente, na América, onde grande número de psiquiatras influentes lecionam aos estudantes
as teorias da psicanálise, e onde os donos de instituições e os diretores de hospitais psiquiátricos esforçamse
por observar seus pacientes em conformidade com essas teorias. Não obstante, também por aqui temos
logrado, vez e outra, lançar um olhar por sobre o muro narcísico, e, no que se segue, lhes falarei um pouco
daquilo que pensamos haver descoberto.A forma de doença conhecida como paranóida, loucura sistematizada
crônica, ocupa uma posição nãoestabelecida
nas tentativas de classificação feitas pela psiquiatria
contemporânea. Entretanto, não há dúvida quanto à sua grande afinidade com a demência precoce. Em certa
época, aventureime
a sugerir que se devesse agrupar a paranóia e a demência precoce sob a designação
comum de ‘parafrenia’. As formas de paranóia são descritas, segundo seus conteúdos, como megalomania,
mania de perseguição, erotomania, delírios de ciúme, e assim por diante. Da psiquiatria não haveremos de
esperar que ela nos venha a esclarecer muita coisa a esse respeito. Eis um exemplo de um desses casos,
embora seja, na realidade, um caso desatualizado e não de muita valia — uma tentativa de derivar um sintoma
de outro por meio de uma racionalização: sugerese
que o paciente, devido a uma disposição primária, acredita
estar sendo perseguido e conclui, a partir dessa sua perseguição, que ele deve ser alguém dotado de
importância muito especial, com isto desenvolvendo megalomania. Consoante nossa visão analítica, a
megalomania é o resultado direto de uma expansão do ego, devido à circunstância de se haverem recolhido a
ele as catexias objetais libidinais — um narcisismo secundário que é um retorno do narcisismo infantil, primitivo,
original. Entretanto, temos feito algumas observações sobre mania de perseguição, que nos induziram a seguir
um determinado rumo. A primeira coisa que nos chamou a atenção foi, na grande maioria dos casos, o
perseguidor ser então do mesmo sexo que o paciente perseguido. Isso ainda podia ser passível de uma
explanação inocente; mas, em alguns casos detidamente estudados, ficou claro que a pessoa do mesmo sexo
a quem o paciente mais amava, se tornara, a partir de sua doença, seu perseguidor. Isto possibilitou um novo
desenvolvimento, ou seja, a substituição da pessoa amada, segundo a linha de semelhanças familiares, por
alguma outra pessoa — por exemplo, um pai por um professor ou por algum superior. Experiências dessa
natureza, em casos sempre mais numerosos, nos levaram a concluir que a paranóia persecutória é a forma da
doença na qual uma pessoa se defende contra um impulso homossexual que se tornou por demais intenso. A
mudança de afeição em ódio, a qual, conforme já se sabe, pode tornarse
séria ameaça à vida do objeto amado
e odiado, corresponde, nesses casos, à transformação dos impulsos libidinais em ansiedade, que é o resultado
constante do processo de repressão. Ouçam, por exemplo, este que é, aliás, o caso mais recente de minhas
observações nessa área.Um jovem médico teve de ser expulso da cidade na qual vivia, porque ameaçara a
vida do filho de um professor universitário ali residente, o qual até então havia sido seu maior amigo. Atribuía
intenções realmente hostis e poderes demoníacos ao amigo de antes, a quem considerava responsável por
todas as desgraças que haviam atingido sua família nos últimos anos, por toda má sorte, seja em sua casa,
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
107
seja em sua vida social. Isto, porém, não era tudo. Acreditava que esse mau amigo e seu pai, o professor,
haviam causado a guerra, também, e introduzido os russos no país. Seu amigo havia merecido pagar com a
vida milhares de vezes, e nosso paciente se convencera de que a morte criminosa haveria de cessar com todos
os males. Assim mesmo, sua afeição por ele era ainda tão intensa, que lhe paralisou a mão quando, em uma
ocasião, teve a oportunidade de fulminar seu inimigo com um tiro à queimaroupa.
No decorrer das breves
conversações que tive com o paciente, constatouse
que sua amizade havia começado nos primeiros tempos
de escola. Uma vez, pelo menos, havia ultrapassado os limites da amizade: uma noite, que os dois passaram
juntos, tinha servido de ocasião para uma relação sexual completa. Nosso paciente jamais havia conseguido
estabelecer relação emocional com mulheres que correspondesse a sua idade e à sua atraente personalidade.
Em certa época, esteve noivo de uma formosa jovem de boa posição social; ela, contudo, rompera o noivado
por achar que seu fiancé não possuía qualquer afeição. Anos depois, sua doença irrompeu precisamente no
momento em que havia conseguido, pela primeira vez, satisfazer completamente uma mulher. Quando essa
mulher, numa atitude de gratidão e devoção, abraçouo,
ele, subitamente, sentiu uma dor misteriosa que se
situou no alto da cabeça como aguda cutilada. Daí em diante, interpretou essa sensação como se uma incisão
estivesse sendo feita numa autópsia para expor seu cérebro. E como seu amigo se havia tornado
anatomopatologista, lentamente se apossou dele a idéia de que só podia ter sido ele, o amigo, que lhe enviara
essa última mulher para seduzilo.
Desse ponto em diante, seus olhos se abriram às demais perseguições, das
quais acreditava terse
tornado vítima por meio das maquinações do amigo de outros tempos.
Mas, que dizer dos casos em que o perseguidor não é do mesmo sexo que o paciente, e que parecem,
portanto, contradizer nossa explicação de que são uma defesa contra a libido homossexual? Há pouco tempo,
tive oportunidade de examinar um caso assim, e pude derivar uma confirmação da aparente contradição. Uma
jovem, que acreditava estar sendo perseguida por um homem com o qual tinha tido encontros amorosos em
duas ocasiões, na realidade tivera, inicialmente, um delírio dirigido contra uma mulher que podia ser
considerada uma substituta de sua mãe. Apenas após seu segundo encontro é que ela deu o passo que
consistiu em desvincular o delírio da mulher e transferilo
para o homem. Em princípio, portanto, a precondição
de o perseguidor ser do mesmo sexo que o paciente foi preenchida também nesse caso. Ao fazer uma queixa a
um advogado e a um médico, a paciente não fez qualquer menção a esse estádio preliminar de seu delírio, e
assim deu origem à aparência de contradição de nossa explicação da paranóia. A escolha objetal homossexual
situase
originalmente mais próxima do narcisismo, do que ocorre com a escolha heterossexual. Quando se
trata, pois, de repelir um impulso homossexual indesejavelmente forte, tornase
sobremodo fácil o caminho de
regresso ao narcisismo. Até o momento, tive bem pouca oportunidade de falarlhes
acerca dos fundamentos da
vida erótica, até onde nós os descobrimos; e é muito tarde para reparar essa omissão. O que posso enfatizar
para os senhores, porém, é o seguinte. A escolha objetal, o passo adiante no desenvolvimento da libido, que se
faz após o estádio narcísico, pode realizarse
segundo dois tipos diferentes: um, segundo o tipo narcísico, no
qual o próprio ego da pessoa é substituído por um outro, que lhe é tão semelhante quanto possível; o outro,
segundo o tipo ligação, no qual as pessoas que se tornaram valiosas, porque satisfizeram as outras
necessidades vitais, são, também, escolhidas como objetos pela libido. Uma intensa fixação ao tipo narcísico
de escolha objetal deve ser incluída na predisposição ao homossexualismo manifesto.Os senhores estarão
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
108
lembrados de que, em nosso primeiro encontro do presente ano acadêmico, descrevilhes
o caso de uma
mulher que sofria de delírios de ciúme [ver em [1]]. Agora que estamos tão próximos do final do ano, os
senhores sem dúvida gostariam de saber como os delírios são explicados pela psicanálise. A esse respeito,
porém, eu tenho a lhes dizer menos do que esperam. O fato de que um delírio não pode ser abalado por
argumentos lógicos ou experiências reais explicase
do mesmo modo que no caso de uma obsessão — por sua
relação com o inconsciente, que é representado e mantido em sujeição pelo delírio ou pela obsessão. A
diferença entre os dois baseiase
na diferença entre os aspectos topográfico e dinâmico das duas
doenças.Como na paranóia, também na melancolia (da qual, aliás, têmse
descrito muitas formas clínicas
diferentes) encontramos um ponto no qual se tornou possível obter alguma compreensão interna (insight) da
estrutura interna da doença. Descobrimos que as autocensuras com que esses pacientes melancólicos se
atormentam a si mesmos da maneira mais impiedosa, aplicamse,
de fato, a outra pessoa, o objeto sexual que
perderam ou que se tornou sem valor para eles por sua própria falha. Daí podemos concluir que o melancólico,
na realidade, retirou do objeto sua libido, mas que, por um processo que devemos chamar de ‘identificação
narcísica’, o objeto se estabeleceu no ego, digamos, projetouse
sobre o ego. (Aqui posso apenas fazerlhes
uma descrição figurada e não uma exposição ordenada em linhas topográficas e dinâmicas.) o ego da pessoa
então é tratado à semelhança do objeto que foi abandonado e é submetido a todos os atos de agressão e
expressões de ódio vingativo, anteriormente dirigidos ao objeto. A tendência do melancólico para o suicídio
tornase
mais compreensível se considerarmos que o ressentimento do paciente atinge de um só golpe seu
próprio ego e o objeto amado e odiado. Na melancolia, bem como em outros distúrbios narcísicos, emerge, com
acento especial, um traço particular na vida emocional do paciente — aquilo que, de acordo com Bleuler, nos
acostumamos a descrever como ‘ambivalência’. Com isso queremos significar que estão sendo dirigidos à
mesma pessoa sentimentos contrários — amorosos e hostis. Infelizmente, não tive possibilidade, no decurso
destas conferências, de lhes falar mais coisas a respeito dessa ambivalência emocional. [ver em [1].]Além da
identificação narcísica, existe um tipo de identificação histérica que há conhecíamos há muito mais tempo.
Desejaria que houvesse possibilidade de ilustrar para os senhores as diferenças entre as duas formas mediante
algumas descrições minuciosas. Existe algo que posso lhes dizer a respeito das formas periódicas e cíclicas da
melancolia, que, tenho certeza, os senhores, gostarão de ouvir. Isto porque, em circunstâncias favoráveis —
tive experiência disso, por duas vezes —, é possível, pelo tratamento analítico, evitar nos intervalos lúcidos o
retorno da condição mórbida na mesma disposição emocional ou na disposição contrária. Com tais casos
verificamos que, na melancolia e na mania, nos defrontamos novamente com um método especial de abordar
um conflito cujos fatores determinantes subjacentes concordam precisamente com os de outras neuroses. Os
senhores podem imaginar quanto ainda a psicanálise tem a aprender nesse campo de conhecimento.Também
lhes disse [ver em [1] e [2]] que esperávamos dessenos
a análise dos distúrbios narcísicos uma compreensão
interna (insight) da forma em que nosso ego é construído a partir de diferentes instâncias. Já estabelecemos
um começo, em um ponto. Partindo da análise dos delírios de observação [‘Beobachtungswahn’], tiramos a
conclusão de que há realmente no ego uma instância que incessantemente observa, critica e compara, e desse
modo se contrapõe à outra parte do ego. Acreditamos, por conseguinte, que o paciente nos está revelando uma
verdade, ainda não suficientemente valorizada, quando se queixa de estar sendo espionado e observado em
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
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todos os seus passos e de que todos os seus pensamentos são denunciados e criticados. Seu único erro
consiste em considerar ele essa incômoda capacidade como algo alheio a si próprio e colocado fora dele.
Percebe uma instância que assume o domínio do seu ego e que mede seu ego real e cada uma de suas
atividades mediantes um ego ideal que ele, paciente, criou para si próprio no decorrer do seu desenvolvimento.
Cremos também que essa criação foi feita com a intenção de restabelecer a autosatisfação
que estava
vinculada ao narcisismo infantil primário, mas que, desde então, sofreu assim tantas perturbações e
mortificações. Conhecemos a instância autoobservadora
como o censor do ego, a consciência; é este que
exerce a censura de sonhos durante a noite, é dele que procedem as repressões aos inadmissíveis impulsos
plenos de desejos. Quando, nos delírios de referência, essa instância censora se decompõe em suas partes,
ela nos revela sua origem nas influências dos pais, dos educadores e do ambiente social numa identificação
com algumas dessas figurasmodelo.
Estas são algumas das descobertas que, até o momento, foram obtidas da
aplicação da psicanálise aos distúrbios narcísicos. Sem dúvida, ainda são poucas e faltalhes
aquela precisão
que só pode ser conseguida a partir de um conhecimento íntimo estabelecido nesse novo campo. Todas elas,
devemolas
um uso do conceito de libido do ego ou libido narcísica, com cujo auxílio podemos estender às
neuroses narcísicas os pontos de vista que se mostraram válidos para as neuroses de transferência. Todavia,
agora os senhores perguntarão se nos é possível conseguir subordinar todos os distúrbios das doenças
narcísicas e das psicoses à teoria da libido, considerar o fator libidinal na vida mental universalmente culpado
da causação da doença, e se não devemos jamais atribuir a responsabilidade pela mesma a modificações no
funcionamento do instinto de autopreservação. Bem, senhoras e senhores, pareceme
que essa questão não
requer uma resposta urgente e, principalmente, que não está madura para um julgamento. Podemos
confiantemente deixalá
para depois, na expectativa do progresso de nosso trabalho científico. Eu não me
surpreenderia se fosse verificado que o poder de produzir efeitos patogênicos de fato constituísse uma
prerrogativa dos instintos libidinais, de modo que a teoria da libido pudesse celebrar seu triunfo por toda uma
extensão que vai desde a mais simples neurose ‘atual’ até a mais grave alienação da personalidade. Afinal,
sabemos que é uma faceta característica da libido ela lutar contra uma sua submissão à realidade do universo
— à Ananke [ver em [1]]. No entanto, considero extremamente provável que os instintos do ego são arrastados
secundariamente pela instigação patogênica da libido e levados a perturbações funcionais. E não penso que
seria um desastre para o rumo de nossas pesquisas se aquilo que nos aguarda é a descoberta de que, nas
psicoses graves, os próprios instintos do ego perderam sua orientação, como fato principal. O futuro dará a
resposta — para os senhores, pelo menos.Entretanto, permitamme
novamente retornar, por um momento, à
ansiedade, para lançar uma luz sobre um último ponto obscuro que ali deixamos. Disse [ver em [1]] que existe
algo não harmonizável com a relação (tão amplamente reconhecida, aliás) entre ansiedade e libido: ou seja, o
fato de que a ansiedade realística em face de um perigo parece ser manifestação do instinto de
autopreservação — o que, afinal, dificilmente pode ser objeto de controvérsia. Como seria, então, se o
responsável pelo afeto de ansiedade não fossem os egoísticos instintos do ego, mas a libido do ego? Afinal, o
estado de ansiedade , em todos os casos, é inadequado para fins práticos e sua inadequação se torna evidente
quando atinge um grau muito elevado. Em tais casos, interfere na ação, quer se trate de fuga, ou de defesa,
ação que é a única adequada e a única que serve à causa da autopreservação. Portanto, se atribuímos a parte
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
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afetiva da ansiedade realística à libido do ego e a ação concomitante ao instinto de autopreservação, teremos
eliminado a dificuldade teórica. Enfim, não acreditam seriamente os senhores que alguém foge, porque sente
ansiedade? Não. Sentese
ansiedade e fogese
por um motivo comum, que é decorrente da percepção do
perigo. As pessoas que enfrentaram um grande perigo de morte, nos contam que não sentiram medo,
absolutamente, mas simplesmente agiram — por exemplo, que apontaram o rifle para o animal feroz —, e que
isso inquestionavelmente era o mais adequado.
CONFERÊNCIA XXVII
TRANSFERÊNCIA
SENHORAS E SENHORES:
De vez que agora nos aproximamos do final de nossas palestra, há uma expectativa especial que
estará na mente dos senhores, que não se permitiria frustrarse.
Sem dúvida, os senhores supõem que eu não
lhes teria mostrado todos os detalhes do tema da psicanálise apenas para os abandonar, no fim, sem dizer uma
palavra sobre terapia, na qual, em última análise, se fundamenta a possibilidade de se exercer a psicanálise.
Ademais, este é um assunto que não posso ocultar dos senhores, pois aquilo que aprenderem com relação a
ele os capacitará a conhecer um fato novo, cuja ausência faria com que a compreensão dos senhores acerca
das doenças por nós investigadas permanecesse muito incompleta.
Sei que não esperam eu iniciálos
na técnica, com a qual a análise, para fins terapêuticos, haverá de
ser efetuada. Os senhores apenas desejam conhecer, de modo muito genérico, o método com que opera o
tratamento psicanalítico e, em linhas gerais, o que este realiza. E têm o inquestionável direito de conhecer esse
aspecto. Todavia, não o direi aos senhores, mas insistirei em que o descubram por si mesmos.
Pensem nisto, senhores! Aprenderam tudo quanto é essencial a respeito dos fatores determinantes do
adoecer, bem como todos os fatores que entram em jogo após o paciente haver adoecido. Onde darão estes
lugar a alguma influência terapêutica? Em primeiro lugar, existe a disposição hereditária. Desta não falamos
com muita freqüência, de vez que é enfaticamente ressaltada a partir de outras direções, e não temos nada de
novo a dizer a respeito. Não suponham, porém, que a subestimamos; justamente como terapeutas, chegamos a
perceber com muita nitidez a sua força. De qualquer modo, nada podemos fazer para modificála;
também
devemos considerála
algo estabelecido, que põe um limite aos nossos esforços. Depois, existe a influência das
experiências do início da infância, às quais costumamos conferir importância na análise: elas pertencem ao
passado e não podemos anulálas.
Vem, a seguir, tudo aquilo que resumimos como ‘frustração real’ — os
infortúnios da vida dos quais se originam a falta de amor, pobreza, dissensões de família, escolha mal feita de
um companheiro no casamento, circunstâncias sociais desfavoráveis , e a rigidez dos padrões éticos a cuja
pressão o indivíduo está sujeito. Aqui, para dizer a verdade, deveria haver mãos bastante para uma terapia
muito diferente, mas isso teria de pertencer ao tipo que o folclore vienense atribuiu ao imperador José — a
interferência benévola de um personagem poderoso diante do qual as pessoas se inclinassem e as dificuldades
desaparecessem. Mas, quem somos nós, para adotar semelhante benevolência como instrumento de nossa
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
111
terapia? Pobres como somos, socialmente sem poderes, compelidos a ganhar a vida com nossa atividade
médica, não estamos sequer em condições de ampliar nossos esforços até as pessoas sem recursos, como
podem fazêlo,
afinal de contas, outros médicos com outros métodos de tratamento. Nosso tratamento consome
tempo demasiado e é por demais trabalhoso para que isso se torne possível. Entretanto, talvez os senhores
estejam agarrandose
a um dos fatores que mencionei, e acreditam que ali encontram o ponto no qual nossa
influência possa ser exercida. Se as restrições da ética, impostas pela sociedade, têm um papel na privação
imposta ao paciente, o tratamento pode, afinal, darlhe
a coragem, ou, quem sabe, a recomendação direta de
desprezar essas barreiras e de conseguir sua satisfação e a recuperação de sua saúde, embora, com isso,
desista de cumprir um ideal que a sociedade exalta, mas ao qual ela tão raramente adere. Assim, o paciente
tornarseá
sadio por ‘viver uma vida completa’, sexualmente. Isso, é verdade, projeta uma sombra por sobre o
tratamento analítico, porque esse não serviria à moralidade vigente. O que ele der ao indivíduo, haverá tirado
da comunidade.Mas, senhoras e senhores, quem lhes forneceu informações tão errôneas? Uma recomendação
ao paciente para ‘viver uma vida completa’ sexualmente por certo não poderia desempenhar um papel no
tratamento analítico — no mínimo porque nós próprios declaramos que um persistente conflito se realiza, no
paciente, entre um impulso libidinal e a repressão sexual, entre uma tendência sensual e uma tendência
ascética. Esse conflito não seria solucionado com ajudarmos uma dessas tendências a triunfar sobre sua
opositora. Vemos, na realidade, que nos neuróticos o ascetismo está no poder; e a conseqüência é, justamente,
a tendência sexual suprimida encontrar uma vida através de sintomas. Se, ao contrário, formos assegurar a
vitória da sensualidade, então a repressão sexual, que foi posta de lado, necessariamente haverá de ser
substituída por sintomas. Nenhuma dessas duas decisões alternativas poderia terminar com o conflito interno;
em qualquer um dos casos, uma pare do conflito ficaria insatisfeita. Há apenas poucos casos nos quais o
conflito é tão instável, que um fator desse, com o de o médico tomar partido, possa decidilo;
e tais casos
efetivamente não necessitam do tratamento analítico. Todo aquele em quem o médico poderia exercer tamanha
influência, teria encontrado a mesma saída sem o médico. Os senhores precisam estar conscientes de que, se
um homem jovem e abstinente se decide em favor de relações sexuais ilícitas, ou se uma esposa insatisfeita
procura alívio com outro homem, essas pessoas, via de regra, não aguardaram a permissão de um médico ou,
mesmo, de seu analista.
Nesse consenso, as pessoas geralmente negligenciam o ponto essencial — de que o conflito
patogênico nos neuróticos não deve ser confundido com uma luta normal entre dois impulsos mentais, ambos
em mesmo pé de igualdade. Em primeiro lugar, a dissensão se faz entre dois poderes, um deles tendo
irrompido até o estádio do que é préconsciente
ou consciente, ao passo que o outro foi mantido reprimido no
estádio inconsciente. Por esse motivo, o conflito não pode ser conduzido a um desfecho; os contendores não
podem engalfinharse
mais do que o fariam, vamos comparar assim, um urso polar e uma baleia. Uma
verdadeira decisão só pode ser obtida quando ambos se encontrarem no mesmo chão. Penso que a única
tarefa de nossa terapia consiste em tornar isso possível.
Ademais disso, posso asegurarlhes
que estão mal informados se supõem que o conselho e a
orientação nos assuntos da vida façam parte integral da influência analítica. Pelo contrário, na medida do
possível, evitando exercer o papel de menor desse tipo, e tudo o que procuramos levar a efeito é, de
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
112
preferência, que o paciente venha a tomar as decisões por si mesmo. Também com vistas a esse propósito,
exigimos do paciente que adie para o término de seu tratamento quaisquer decisões relativas à escola de uma
profissão, encargos de negócios, casamento ou divórcio, e que só as ponha em prática quando o tratamento
estiver terminado. Devem admitir que tudo isso é diferente daquilo que imaginavam. Apenas, no caso de
algumas pessoas muito jovens ou muito carentes de ajuda, ou instáveis, não conseguimos pôr em prática a
desejada limitação de nosso papel. Com elas, temos de combinar as funções de médico e de educador; mas,
sendo esta a situação, estamos muito cônscios de nossa responsabilidade e nos conduzimos com a devida
cautela.Os senhores, no entanto, não devem, com base em minha veemência em defenderme
da acusação de
que os neuróticos são encorajados, no tratamento analítico, a viver uma vida plena — os senhores não devem
concluir daí que os influenciamos em favor da virtude convencional. Está muito longe de ser este o caso. É
verdade que não somos reformadores, mas apenas observadores; não obstante, não podemos deixar de
observar com olho crítico, e constatamos ser impossível tomar o partido da moralidade sexual convencional ou
ter em alto apreço a forma pela qual a sociedade procura regulamentar na prática os problemas da vida sexual.
Podemos apresentar à sociedade um cálculo aproximado, segundo o qual aquilo que ela descreve como sua
moralidade exige um sacrifício que não vale a pena, e seus procedimentos não se baseiam na honestidade e
não demonstram sabedoria. Não livramos dessas críticas os ouvidos dos pacientes, habituamolos
a emitir
pareceres isentos de preconceitos, tanto sobre assuntos sexuais como sobre outros assuntos; e se, havendose
tornado independentes após completado o tratamento, os pacientes, mediante seu próprio julgamento, decidem
por alguma posição intermediária entre viver uma vida livre e uma vida de absoluto ascetismo, sentimos nossa
consciência tranqüila, seja qual for sua escolha. Dizemos a nós próprios que todo aquele que conseguiu
educarse
de modo a se conduzir de acordo com a verdade referente a si mesmo, está permanentemente
protegido contra o perigo da imoralidade, conquanto seus padrões de moralidade possam diferir, em
determinados aspectos, daqueles vigentes na sociedade. Além disso, devemos ter a cautela de não subestimar
a importância do papel que desempenha a questão da abstinência na influência que esta possa exercer nas
neuroses. Apenas em uma minoria de casos a situação patogênica da frustração e o subseqüente
represamento da libido podem chegar a seu fim pelo tipo de relação sexual que se possa obter sem muita
dificuldade.Assim, os senhores não podem explicar o efeito terapêutico da psicanálise por meio da permissão
para uma vida sexual completa. Busquem, pois, por algo diferente. Imagino que, enquanto rechaçava essa
sugestão dos senhores, um comentário meu colocouos
no caminho certo. Aquilo que empregamos sem dúvida
deve ser a substituição do que está inconsciente pelo que é consciente, a tradução daquilo que é inconsciente
para o que é consciente. Sim, é isso. Transformando a coisa inconsciente em consciente, suspendemos as
repressões, removemos as precondições para a formação dos sintomas, transformamos o conflito patogênico
em conflito normal, para o qual deve ser possível, de algum modo, encontrar uma solução. Tudo o que
realizamos em um paciente é essa única modificação psíquica: a extensão em que ela se efetua é a medida da
ajuda que proporcionamos. Ali onde as repressões (ou os processos psíquicos análogos) não podem ser
desfeitos, nossa terapia não tem nada a esperar.
Podemos expressar o objetivo de nossos esforços em diversas fórmulas: tornar consciente o que é
inconsciente, remover as repressões, preencher lacunas da memória — tudo isso corresponde à mesma coisa.
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
113
Contudo, talvez os senhores fiquem insatisfeitos com essa formulação. Haviam formado um quadro diferente do
retorno à saúde de um paciente neurótico, o de que, após submeterse
ao cansativo trabalho da psicanálise,
eles se transformaria em outro homem; mas o resultado total, assim parece, é que ele, antes, tem menos coisas
inconscientes e mais coisas conscientes do que tinha anteriormente. O fato é que os senhores provavelmente
estão subestimando a importância de uma modificação interna dessa ordem. O neurótico realmente curado
tornouse
outro homem, embora, no fundo, naturalmente permaneceu o mesmo; ou seja, tornouse
o que se
teria tornado na melhor das hipóteses, sob as condições mais favoráveis. Isso, porém, já é muita cosia. Se os
senhores passarem a ouvir atentamente tudo que deve ser feito e que esforços são necessários para levar a
cabo essa mudança aparentemente banal na vida mental de um homem, sem dúvida começarão a perceber a
importância dessa diferença em níveis psíquicos.
Farei uma pequena digressão, para perguntarlhes
se sabem o que significa uma terapia causal. É este
o modo como descrevemos um procedimento, que não considera como ponto de ataque os sintomas de uma
doença, mas se propõe remover suas causas. Pois bem, é então nosso método analítico uma terapia causal, ou
não? A resposta não é simples, mas pode, talvez, darnos
a oportunidade de perceber a inutilidade de uma
pergunta assim formulada. Na medida em que a terapia analítica não se propõe como sua tarefa primeira
remover os sintomas, ela se comporta como uma terapia causal. Em outro aspecto, os senhores podem dizer,
ela não o é. É que, há muito tempo atrás, situamos a origem da seqüência das causas da doença, das
repressões às disposições instintuais, suas intensidades relativas na constituição e aos desvios no curso de seu
desenvolvimento. Supondo, agora, que fosse possível, talvez, por algum meio químico interferir nesse
mecanismo, aumentar ou diminuir a quantidade de libido presente em determinada época ou reforçar um
instinto à custa de outro — tal coisa seria, então, uma terapia causal no verdadeiro sentido da palavra, para
qual nossa análise teria efetuado o indispensável trabalho preliminar de reconhecimento. No momento atual,
como sabem, não existe semelhante método de influenciar os processos libidinais; com nossa terapia psíquica,
atacamos em conjunto diferentes pontos — não exatamente os pontos que sabemos serem as raízes dos
fenômenos, mas, ainda assim, bem distantes dos sintomas; os pontos que se nos tornaram acessíveis devido a
algumas circunstâncias muito especiais.
O que, pois, devemos fazer a fim de substituir o que é inconsciente, em nossos pacientes, por aquilo
que é consciente? Houve uma época em que pensávamos ser isto algo muito simples: tudo o que tínhamos de
fazer era descobrir esse material inconsciente e comunicálo
ao paciente. Já sabemos, porém, que este é um
erro primário [ver em [1] e [2]]. O nosso conhecimento acerca do material inconsciente não é equivalente ao
conhecimento dele; se lhe comunicarmos nosso conhecimento, ele não o receberá em lugar de seu material
inconsciente, mas ao lado do mesmo; e isso causará bem pouca mudança no paciente. Devemos, de
preferência, situar esse material inconsciente topograficamente, devemos procurar, em sua memória, o lugar
em que se tornou inconsciente devido a uma repressão. A repressão deve ser eliminada — e a seguir pode
efetuarse
desimpedidamente a substituição do material consciente pelo inconsciente. Como, pois, removemos
uma repressão dessa espécie? A essa altura, nossa tarefa entra numa segunda fase. Primeiro, a busca da
repressão e, depois, a remoção da resistência que mantém a repressão.
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
114
Como removemos a resistência? Da mesma forma: descobrindoa
e mostrandoa
ao paciente. Na
realidade, também a resistência deriva de uma repressão — da mesma repressão que nos esforçamos por
solucionar, ou de uma repressão que se realizou anteriormente. Foi provocada pela anticatexia, que surgiu a
fim de reprimir o impulso censurável. Assim, fazemos o mesmo que tentamos fazer inicialmente: interpretar,
descobrir, comunicar; mas, então, estamos fazendoo
no lugar certo. A anticatexia ou a resistência não fazem
parte do inconsciente, e sim do ego, que é nosso colaborador, sendoo,
ainda que não consciente. Como
sabemos, aqui a palavra ‘inconsciente’ está sendo usada em dois sentidos: por um lado, como fenômeno e, por
outro, como sistema. Esse fato parece muito difícil e obscuro; mas, não estará apenas repetindo o que já
dissemos em passagens precedentes? Há muito nos preparamos para isso. Esperamos que essa resistência
seja abandonada, e retiradas as anticatexias quando nossa interpretação houver facultado o ego a reconhecêla.
Quais as forças motrizes com que trabalhamos em um caso desses? Em primeiro lugar, com o desejo de
recuperação, do paciente, o qual o induziu a compartilhar conosco de nosso trabalho em conjunto; e, em
segundo lugar, com o auxílio de sua inteligência, à qual fornecemos pontos de apoio através de nossa
interpretação. Sem dúvida é mais fácil a inteligência do paciente reconhecer a resistência e encontrar a
tradução correspondente àquilo que está reprimido se lhe tivermos fornecido previamente as idéias
orientadoras apropriadas. Se lhes digo: ‘Olhem para o céu! Lá está um balão!’, o descobrirão com muito mais
facilidade, do que se lhes digo simplesmente para olhar para cima e procurar ver algo. Do mesmo modo, um
estudante que vê através de um microscópio, pela primeira vez, é instruído por seu professor a respeito daquilo
que irá enxergar; do outro modo, ele não o verá, absolutamente, embora esteja ali e seja visível.
E agora, passemos aos fatos! Em numerosas doenças nervosas — na histeria, nos estados de
ansiedade, na neurose obsessiva — nossa expectativa cumprese.
Ao procurar assim a repressão, ao revelar
as resistências, ao assinalar o que está reprimido, conseguimos, com efeito, cumprir nossa tarefa — isto é,
vencer as resistências, remover a repressão e transformar o material inconsciente em material consciente. Ao
fazêlo,
obtemos a mais vívida idéia da forma como uma violenta luta se trava na mente do paciente ante cada
resistência a vencer — uma luta mental normal, no mesmo chão psicológico, entre os motivos que procuram
manter a anticatexia e os motivos que estão preparados para abandonála.
Os primeiros são os antigos motivos
que, no passado, efetuaram a repressão; entre os últimos estão os motivos surgidos recentemente, que, assim
podemos esperar, decidirão o conflito em nosso favor. Temos conseguido reviver o antigo conflito que levou à
repressão e submeter a revisão o processo que então foi decidido. O novo material que nós aduzimos inclui, em
primeiro lugar, o lembrete de que a decisão anterior levou à doença, e a promessa de que um caminho
diferente levará à recuperação, inclui, em segundo lugar, a enorme modificação em todas a circunstâncias, que
se efetuou desde a época da rejeição original. Naquela época, o ego era frágil, infantil e, talvez, pode ter tido
razões para proibir, por lhe parecerem um perigo as exigências da libido. Atualmente, o ego tornouse
forte e
experiente, e, sobretudo, tem à mão um aliado na figura revivido em direção a um resultado melhor do que
aquele que redundou em repressão; e, como disse, na histeria, nas neuroses de ansiedade e obsessiva, nosso
êxito prova, em geral, que temos razão.
Existem, entretanto, outras formas de doença nas quais, malgrado as condições sejam as mesmas,
nossa conduta terapêutica jamais obtém êxito. Nelas também temse
verificado que houve um conflito básico
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
115
entre o ego e a libido, que acarretou a repressão — embora esse fato possa necessitar de uma descrição
topográfica diferente; nelas, ademais, é possível determinar os pontos de vista do paciente, nos quais
ocorreram as repressões; utilizamos o mesmo procedimento, estamos prontos a fazer as mesmas promessas e
oferecer a mesma ajuda apresentando idéias orientadoras; e, também nesse ponto, o tempo transcorrido entre
as repressões e a época presente favorece um resultado diferente para o conflito. Ainda assim, não
conseguimos remover uma única resistência ou suprimir uma única repressão. Esses pacientes, paranóicos,
melancólicos, sofredores de demência precoce, permanecem, de um modo geral, intocados e impenetráveis ao
tratamento psicanalítico. Qual seria a razão? Não é falta de inteligência. Determinado nível de capacidade
intelectual é, naturalmente, exigido de nossos pacientes; e por certo não existe falta de inteligência, por
exemplo, nos extremamente sagazes portadores de paranóia combinatória [ver em [1] e seg.]. E alguns dos
outros motivos não parecem estar ausentes. Assim o melancólicos possuem um grau muito elevado da
consciência, ausente nos paranóicos, de estarem doentes e de isto constituir o motivo por sofrerem tanto; tal,
contudo, não os torna mais acessíveis. Deparamos, aqui, com um fato que não compreendemos, e que,
portanto, nos faz duvidarmos de que realmente compreendemos todos os fatores determinantes de nosso
possível êxito em outras neuroses.
Se prosseguimos dedicandonos
apenas aos nossos neuróticos histéricos e obsessivos, logo
deparamos com um segundo problema, para o qual absolutamente não estamos preparados. Isto porque, após
pequeno lapso de tempo, não podemos deixar de constatar que esses pacientes se comportam de maneira
muito peculiar com relação a nós. Acreditávamos, para dizer a verdade, que havíamos percebido todos os
motivos envolvidos no tratamento, que havíamos colocado em termos racionais, completamente, a situação
existente entre nós e os pacientes, de modo que esta pudesse ser visualizada de imediato como se fora uma
soma aritmética; não obstante, a despeito de tudo isso, algo parece infiltrarse
furtivamente, algo que não foi
levado em conta em nossa soma. Essa novidade inesperada assume muitas formas, e iniciarei descrevendo
para os senhores as formas mais comuns e mais facilmente compreensíveis sob as quais ela aparece.
Constatamos, pois, que o paciente, que deveria não desejar outra coisa senão encontrar uma saída
para seus penosos conflitos, desenvolve especial interesse pela pessoa do médico. Tudo o que se relaciona ao
médico parece ser mais importante para ele, do que seus próprios assuntos, e parece desviálo
de sua própria
doença. Durante algum tempo, por conseguinte, as relações com ele se tornam muito agradáveis; o paciente é
especialmente amável, procura, sempre que possível, mostrar sua gratidão, revela refinamento e méritos em
seu modo de ser, que, talvez, não esperaríamos encontrar nele. Ademais, a seguir o médico forma uma opinião
favorável acerca do paciente e aprecia a boa sorte que lhe possibilitou dar sua assistência a uma personalidade
de tanto valor. Tendo o médico oportunidade de conversar com os parentes do paciente, fica sabendo da
satisfação dele e constata que a afeição é recíproca. Em casa, o paciente jamais se cansa de elogiar o médico
e de descobrir nele qualidades sempre novas.’Ele está entusiasmado com o senhor’, dizem os parentes, ‘ele
confia cegamente no senhor; tudo o que o senhor diz é como uma revelação para ele’. Aqui e ali, alguém,
dentro desse coro, tem visão mais arguta e diz: ‘Está ficando maçante o jeito como ele só fala no senhor, e tem
nos lábios o nome do senhor o tempo todo.’
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
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Esperemos que o médico seja suficientemente modesto e possa atribuir o alto conceito em que o tem
seu paciente, às esperanças que possa causar neste e ao alargamento dos horizontes intelectuais mediante
esclarecimentos surpreendentes e liberalizantes que o tratamento traz consigo. Nessas condições, a análise
também faz bons progressos. O paciente compreende aquilo que lhe é interpretado e se deixa absorver pelas
tarefas que o tratamento lhe propõe; o material mnêmico e as associações inundamno
em quantidade, a
justeza e adequação de suas interpretações são uma surpresa para o médico, e este só pode observar com
satisfação que este é um paciente que aceita, de pronto, todas as inovações psicológicas inclinadas a provocar
a mais acerba contradição entre pessoas sadias no mundo externo. Ademais disso, as relações cordiais que
prevalecem durante o trabalho da análise acompanhamse
de uma melhora objetiva, que é reconhecida em
todos os ângulos na doença do paciente.
Entretanto, esse bom tempo não pode durar para sempre. Um dia, nuvens aparecem. Surgem
dificuldades no tratamento; o paciente declara que nada mais lhe acode à mente. Dá a mais nítida impressão
de não estar mais interessado no trabalho, de estar, despreocupadamente, não atribuindo mais importância às
instruções que lhe foram dadas, no sentido de dizer tudo o que lhe vem à cabeça e de não permitir que
obstáculos críticos impeçam de fazêlo.
Comportase
como se estivesse fora do tratamento e como se não
tivesse feito esse acordo com o médico. Está visivelmente ocupado com algo, mas pretende mantêlo
consigo
próprio. Esta é uma situação perigosa para o tratamento. Inequivocamente, estamos nos defrontando com uma
formidável resistência. Todavia, que aconteceu, capaz de explicar isto?
Ora, se pudermos esclarecer a situação, verificaremos que a causa da dificuldade é haver o paciente
transferido para o médico intensos sentimentos de afeição, que nem se justificam pela conduta do médico, nem
pela situação que se criou durante o tratamento. A forma pela qual essa afeição se expressa e os objetivos que
ela tem em vista, dependem do curso da relação pessoal entre as duas pessoas em questão. Se aqueles que
se encontram numa situação dessas, são uma jovem e um homem jovem, teremos a impressão de se tratar de
um caso normal de enamoramento; julgaremos compreensível que uma jovem se apaixone por um homem,
com quem ela pode estar muito a sós e falar de coisas íntimas, e que tem a vantagem de ser para ela um
superior prestimoso; e provavelmente não notaremos o fato de que, de uma jovem neurótica, deveríamos
esperar de preferência um impedimento na sua capacidade para o amor. Quanto mais as relações pessoais
entre médico e paciente divergirem desse caso hipotético, mais nos surpreenderemos ao encontrar, não
obstante, o mesmo relacionamento emocional repetindose
constantemente. Isto ainda é viável quando se trata
de uma mulher que, infeliz no casamento, parece estar tomada de violenta paixão por um médico ainda não
comprometido, se se dispõe a obter divórcio para ser dele, ou se, no caso de haver obstáculos sociais, não
chegar a manifestar qualquer hesitação em iniciar uma secreta liaison com ele. Essas coisas acontecem
também fora da psicanálise. Nessas circunstâncias, contudo, ficamos atônitos ao ouvir de mulheres casadas e
de jovens declarações que conferem validade a uma atitude muito peculiar para com o problema terapêutico:
elas, dizem, sempre souberam que podiam curarse
somente através do amor; e, antes que começasse o
tratamento, haviam esperado que, através dessa relação, iriam, afinal, ter assegurado aquilo que até então a
vida lhes tinha negado; somente com essa esperança é que haviam enfrentado tantos problemas relativos ao
tratamento e vencido todas as dificuldades de comunicar seus pensamentos — e nós por nosso lado, podemos
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
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acrescentar: e tão facilmente tinham compreendido aquilo que, de outro modo é tão difícil de acreditar. Tal tipo
de confissão, porém, nos surpreende: põe por terra todos os nossos cálculos. Será que deixamos fora de
nossas contas o item mais importante?
Com efeito, quanto maior é nossa experiência, menor nossa capacidade de resistir contra e fazermos
essa correção, embora a necessidade de fazêla
envergonhe nossas pretensões científicas. Nas primeiras
vezes, talvez se possa pensar que o tratamento analítico esbarrou numa perturbação devido a um evento
casual — isto é, um evento não desejado e não provocado pelo tratamento. Quando, porém, semelhante
vinculação amorosa por parte do paciente em relação ao médico se repete com regularidade em cada novo
caso, quando surge sempre novamente sob as condições mais desfavoráveis e onde existem incongruências
positivamente esquisitas, até mesmo quando senhoras de idade madura se apaixonam por homens de barba
grisalha, até mesmo onde, conforme julgamos, não há nada, de espécie alguma, capaz de atrair — então
devemos abandonar a idéia de uma perturbação casual e reconhecer que estamos lidando com um fenômeno
intimamente ligado à natureza da própria doença.
Esse novo fato que, portanto, admitimos com tanta relutância, conhecemos como transferência. Com
isso queremos dizer uma transferência de sentimentos à pessoa do médico, de vez que não acreditamos poder
a situação no tratamento justificar o desenvolvimento de tais sentimentos. Pelo contrário, suspeitamos que toda
a presteza com que esses sentimentos se manifestam deriva de alguma outro lugar, que eles já estavam
preparados no paciente e, com a oportunidade ensejada pelo tratamento analítico, são transferidos para a
pessoa do médico. A transferência pode aparecer como uma apaixonada exigência de amor, ou sob formas
mais moderadas; em lugar de um desejo de ser amada, um jovem pode deixar emergir um desejo, em relação a
um homem, idoso, de ser recebida como filha predileta; o desejo libidinal pode estar atenuado num propósito de
amizade inseparável, mas idealmente nãosensual.
Algumas mulheres conseguem sublimar a transferência e
moldála
até que atinja essa espécie de viabilidade; outras hão de expressála
em sua forma crua, original e, no
geral, impossível. Mas, no fundo, é sempre a mesma, e jamais permite que haja equívoco quanto à sua origem
na mesma fonte.
Antes de nos perguntarmos onde situar esse novo fato, completarei minha descrição desse quadro.
Que acontece com os pacientes masculinos? Com eles poderseia
ao menos esperar uma fuga da
problemática interferência causada pela diferença de sexo e pela atração sexual. Entretanto, nossa resposta
deve ser exatamente a mesma que para o caso de mulheres. Existe a mesma vinculação ao médico, a mesma
supervalorização das qualidades deste, a mesma absorção dos seus interesses, o mesmo ciúme de qualquer
pessoa mais chegada a ele na vida real. As formas sublimadas de transferência são mais freqüentes entre um
homem e outro e as exigências sexuais diretas são raras, na medida em que é incomum o homossexualismo
manifesto, se comparado com as demais formas em que esses componentes instintuais são empregados. Com
seus pacientes masculinos, mais amiúde do que com mulheres, o médico encontra uma forma de expressão da
transferência que parece, à primeira vista, contradizer todas as nossas descrições anteriores — uma
transferência hostil ou negativa.Devo começar por esclarecer que uma transferência está presente no paciente
desde o começo do tratamento e, por algum tempo, é o mais poderoso móvel de seu progresso. Dela não
vemos indício algum, e com ela não temos por que nos preocupar enquanto age a favor do trabalho conjunto da
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
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análise. Se, porém, se transforma em resistência, devemos voltarlhe
nossa atenção e reconhecemos que ela
modifica sua relação para com o tratamento sob duas condições diferentes e contrárias: primeira, se na forma
de inclinação amorosa ela se torna tão intensa e revela sinais de sua origem em uma necessidade sexual de
modo tão claro, que inevitavelmente provoca uma oposição interna a ela mesma; e, segundo, se consiste em
impulsos hostis em vez de afetuosos. Os sentimentos hostis revelamse,
via de regra, mais tarde do que os
sentimentos afetuosos, e se ocultam atrás destes; sua presença simultânea apresenta um bom quadro da
ambivalência emocional [pág. 4268]
dominante na maioria de nossas relações íntimas com outras pessoas. Os
sentimentos hostis indicam, tal qual os afetuosos, haver um vínculo afetivo, da mesma forma como o desafio,
tanto como a obediência, significa dependência, embora tendo à sua frente um sinal ‘menos’ em lugar de ‘mais’.
Não podemos ter dúvidas de que os sentimentos hostis para com o médico merecem ser chamados de
‘transferência’, pois a situação, no tratamento, com muita razão não proporciona qualquer fundamento para sua
origem; essa inevitável visão da transferência negativa nos assegura, portanto, que não estivemos equivocados
em nosso julgamento acerca da transferência positiva ou afetuosa.
Onde surge a transferência, que dificuldades nos causa, como as superamos e que vantagens
finalmente dela auferimos — estas são questões que devem ser abordadas detalhadamente em um manual
técnico de análise, e hoje me referirei a elas apenas levemente. Para nós é impossível ceder às exigências do
paciente, decorrentes da transferência; seria absurdo se as rejeitássemos de modo indelicado e, o que seria
pior, indignados com elas. Superamos a transferência mostrando ao paciente que seus sentimentos não se
originam da situação atual e não se aplicam à pessoa do médico, mas sim que eles estão repetindo algo que
lhe aconteceu anteriormente. Desse modo, obrigamolo
a transformar a repetição em lembrança. Por esse
meio, a transferência que, amorosa ou hostil, parecia de qualquer modo constituir a maior ameaça ao
tratamento, tornase
seu melhor instrumento, com cujo auxílio os mais secretos compartimentos da vida mental
podem ser abertos.Mas gostaria de dizerlhes
algumas palavras para aliviarlhes
a surpresa que tiveram com a
emergência desse inesperado fenômeno. Devemos não esquecer que a doença do paciente, que aceitamos
para analisar, não é algo acabado e tornado rígido, mas algo que ainda está crescendo e evoluindo como um
organismo vivo. O início do tratamento não põe um fim a essa evolução; quando, porém, o tratamento logra o
domínio sobre o paciente, ocorre a totalidade da produção de sua doença concentrarse
em um único ponto —
sua relação com o médico. Assim, a transferência pode ser comparada à camada do câmbio de uma árvore,
entre a madeira e a casca, a partir do qual deriva a nova formação de tecidos e o aumento da circunferência do
tronco. Quando a transferência atingiu esse grau de importância, o trabalho com as recordações do paciente
retirase
bem para o fundo da cena. Em conseqüência, não é incorreto dizer que já não mais nos ocupamos da
doença anterior do paciente, e sim de uma neurose recentemente criada e transformada, que assumiu o lugar
da anterior. Temos acompanhado essa nova edição do distúrbio antigo desde seu início, temos observado sua
origem e seu crescimento e estamos especialmente aptos a nos situar dentro dele, de vez que, por sermos seu
objeto, estamos colocados em seu próprio centro. Todos os sintomas de paciente abandonam seu significado
original e assumem um novo sentido que se refere à transferência; ou apenas tais sintomas persistem, por
serem capazes de sofrer essa transformação. Mas dominar essa neurose nova, artificial, equivale a eliminar a
doença inicialmente trazida ao tratamento — equivale a realizar nossa tarefa terapêutica. Uma pessoa que se
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
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tornou normal e livre da ação de impulsos instintuais reprimidos em sua relação com o médico, assim
permanecerá em sua própria vida, após o médico haverse
retirado dela.
A transferência possui essa importância extraordinária e, para o tratamento, importância positivamente
central, na histeria, na histeria de angústia e na neurose obsessiva, que são, por esse motivo, apropriadamente
classificadas em conjunto sob o nome de ‘neuroses de transferência’. Ninguém que tenha ganho uma
impressão global do fato da transferência, a partir de um trabalho analítico, poderá ainda duvidar da natureza
dos impulsos suprimidos que encontram expressão nos sintomas dessas neuroses, e tampouco exigirá provas
mais convincentes do caráter libidinal dos mesmos. Podese
dizer que nossa convicção da importância dos
sintomas como satisfações substitutivas da libido teve sua confirmação final só após a inclusão da
transferência.
Existem, assim, todos os motivos para que aperfeiçoemos nossa descrição dinâmica anterior do
processo terapêutico, e para que o façamos harmonizarse
com essa nova aquisição. A fim de que o paciente
enfrente a luta do conflito normal com as resistências que lhe mostramos na análise [ver em [1] e [2]], ele tem
necessidade de um poderoso estímulo que influenciará sua decisão no sentido que desejamos, levando à
recuperação. De outro modo, poderia acontecer que ele venha a optar em favor da repetição do resultado
anterior, e permitiria que aquilo que fora trazido à consciência deslizasse novamente para a repressão. Nesse
ponto, o que é decisivo em sua luta não é sua compreensão interna (insight) intelectual — que nem é
suficientemente forte, nem suficientemente livre para uma tal realização —, mas simples e unicamente a sua
relação com o médico. Na medida em que sua transferência leva um sinal ‘mais’, ela reveste seu médico de
autoridade e se transforma em crença nas suas comunicações e explicações. Na ausência de tal transferência,
ou se a transferência fosse negativa, o paciente jamais daria sequer ouvidos ao médico e a seus argumentos.
Aqui sua crença está repetindo a história do seu próprio desenvolvimento; é um derivado do amor e, no
princípio, não precisa de argumentos. Apenas mais tarde ele permite suficiente espaço para submetêlos
a
exame, desde que os argumentos sejam apresentados por quem ele ama. Sem esses apoios, os argumentos
perdem sua validade; e na vida da maioria das pessoas esses argumentos jamais funcionam. Portanto, em
geral um homem só é acessível, também a partir do aspecto intelectual, desde que seja capaz de uma catexia
libidinal de objetos; e temos boas razões para reconhecer e temer no montante de seu narcisismo uma barreira
contra a possibilidade de ser influenciado até mesmo pela melhor técnica analítica.Naturalmente, devese
atribuir a todas pessoa normal uma capacidade de dirigir catexias libidinais às pessoas. A tendência à
transferência nos neuróticos, da qual falei, é apenas um aumento extraordinário dessa característica universal.
Seria mesmo muito estranho se um traço humano tão difundido e tão importante nunca tivesse sido percebido
nem valorizado. E de fato ele o foi. Bernheim, que tinha um olho infalível, baseou sua teoria dos fenômenos
hipnóticos na tese segundo a qual toda pessoa, de alguma forma, é ‘sugestionável’. Sua sugestionabilidade não
era senão a tendência à transferência, concebida um tanto estreitamente, por não incluir a transferência
negativa. Mas Bernheim jamais pôde dizer o que era realmente a sugestão e como ela surgia. Para ele, tratavase
de um fato fundamental, cuja origem não conseguia esclarecer. Ele não sabia que sua ‘suggestibilité‘
dependia da sexualidade, da atividade da libido. E devemos darnos
conta de que, em nossa técnica,
abandonamos a hipnose apenas para redescobrir as sugestões na forma de transferência.Aqui faço uma
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
120
pausa, e deixarei que tomem a palavra; pois vejo uma objeção agitandose
nos senhores com tanta veemência,
que os tornaria incapazes de ouvir se não a expressassem em palavras: ‘Ah! então, afinal, o senhor o admite! O
senhor trabalha com auxílio da sugestão, igualzinho aos hipnotizadores! É o que estávamos pensando há muito
tempo. Mas, então, por que o caminho indireto das recordações do passado, a descoberta do inconsciente, a
interpretação e a tradução retrospectiva das distorções — esse imenso dispêndio de trabalho, de tempo e de
dinheiro — quando a única coisa eficaz, no final das contas, é apenas a sugestão? Por que o senhor não faz
sugestões diretas contra os sintomas, como o fazem os outros — honestos hipnotizadores? Além dos mais, se
o senhor procura desculparse
por seu longo rodeio usando por motivo o fato de o senhor ter realizado diversas
descobertas psicológicas importantes que são ocultas pela sugestão direta — qual a certeza, agora, dessas
descobertas? Não são elas resultado de sugestão, também, de sugestão nãointencional?
Não é possível que o
senhor esteja impondo ao paciente o que o senhor quer e o que parece correto para o senhor, também nessa
área?’O que os senhores me estão apresentando é extraordinariamente interessante e deve ser respondido.
Contudo, não posso fazêlo
hoje; faltanos
tempo. Portanto, até nosso próximo encontro. Responderlheei,
os
senhores verão. Hoje, porém, devo finalizar o que comecei. Prometi fazêlos
entender, mediante o auxílio do
fato da transferência, por que nossos esforços terapêuticos não têm êxito nas neuroses narcísicas.Posso
explicálo
em poucas palavras, e os senhores verão com que simplicidade o enigma pode ser solucionado e
como tudo se ajusta bem. A observação mostra que aqueles que sofrem de neuroses narcísicas não têm
capacidade para a transferência ou apenas possuem traços insuficientes da mesma. Eles rejeitam o médico,
não com hostilidade, mas com indiferença. Por esse motivo, tampouco podem ser influenciados pelo médico; o
que este lhes diz, deixaos
frios, não os impressiona; conseqüentemente, o mecanismo de cura que efetuamos
com outras pessoas — a revivescência do conflito patogênico e a superação da resistência devido à regressão
— neles não pode ser executado. Permanecem como são. Amiúde, já empreenderam tentativas de
recuperação, por sua própria conta, que conduziram a resultados patológicos [ver em [1]]. Isto não podemos
modificar de forma alguma.Com base em nossas impressões clínicas, temos sustentado que essa catexias
objetais dos pacientes devem ter sido abandonadas, e que sua libido objetal deve terse
transformado em libido
do ego [ver em [1] e [2]]. Através dessa característica nós os distinguimos do primeiro grupo de neurótico (os
que sofrem de histeria, histeria de angústia e neurose obsessiva). Essa suspeita agora se confirma pelo seu
comportamento frente aos nossos esforços de tratálos.
Não manifestam transferência, e, por essa razão, são
inacessíveis aos nossos esforços e não podem ser curados por nós.
CONFERÊNCIA XXVIII
TERAPIA ANALÍTICA
SENHORAS E SENHORES:
Os senhores sabem de que iremos falar, hoje. Os senhores perguntaramme
por que não utilizamos a
sugestão direta na terapia psicanalítica, de vez que admitimos que nossa influência se baseia essencialmente
na transferência — isto é, na sugestão; e acrescentaram a dúvida quanto a saber se, em vista dessa
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
121
predominância da sugestão, ainda temos o direito de declarar que nossas descobertas psicológicas são
objetivas. Prometi que lhes daria uma resposta detalhada.
A sugestão direta é a sugestão dirigida contra a manifestação dos sintomas; é uma luta entre nossa
autoridade e os motivos da doença. Nessa atuação, os senhores não se preocupam com esses motivos;
simplesmente pedem ao paciente para que suprima a manifestação desses motivos nos sintomas. Não faz
qualquer diferença essencial se os senhores colocam, ou não, o paciente em hipnose. Bernheim, uma vez
mais, com sua perspicácia característica, afirmava que a sugestão era o elemento essencial nos fenômenos do
hipnotismo, que a própria hipnose já era um resultado da sugestão, um estado sugerido; e ele preferia praticar a
sugestão em estado de vigília, que pode conseguir os mesmos efeitos da sugestão sob hipnose.Que prefeririam
os senhores ouvir em primeiro lugar, no tocante a essa questão: o que nos diz a experiência ou o que nos
dizem as formulações teóricas?Comecemos pela primeira. Fui discípulo de Bernheim, a quem visitei em Nancy,
em 1889, e cujo livro sobre a sugestão traduzi para o alemão.
Pratiquei tratamento hipnótico por muito anos, a princípio usando a sugestão proibitória, depois,
combinandoa
com o método de Breuer, de fazer perguntas ao paciente. Portanto, posso falar dos resultados
da terapia hipnótica ou sugestiva baseado em larga experiência. Se, de acordo com as palavras do antigo
aforisma médico, uma terapia ideal deve ser rápida, confiável e não desagradável para o paciente (‘cito, tuto,
jucunde‘), o método de Bernheim preenchia pelo menos dois desses requisitos. Podia ser efetuado de modo
muito mais rápido — ou, melhor, infinitamente mais rápido — do que o tratamento analítico, e não causava nem
dificuldades, nem desagrado ao paciente. Para o médico, ele se tornava, a longo prazo, monótono: em cada
caso, proceder da mesma maneira, com o mesmo ritual, proibindo aos mais variegados sintomas existirem, sem
ser capaz de aprender nada de seu sentido e significado. Era um trabalho braçal, não uma atividade científica,
e lembrava magia, encantamento, truque de prestidigitador. Isto, entretanto, podia não pesar contra o interesse
do paciente. Mas faltava a terceira qualidade: o procedimento não era confiável em nenhum aspecto. Podia ser
usado com um paciente, mas não em outro; conseguia muita coisa com um e bem pouco, com outro; e jamais
se sabia por quê. Pior do que essa incerteza do procedimento era a falta de permanência dos seus êxitos. Se,
passado pouco tempo, recebiamse
notícias do paciente, a antiga doença havia retornado, ou seu lugar tomado
por nova doença. Podiase
hipnotizar de novo o paciente. Nos bastidores, porém, estava a advertência, dada
por pessoas experientes, contra o risco de roubar ao paciente sua autoconfiança pela hipnose freqüentes vezes
repetida, e de, assim, tornálo
um viciado dessa espécie de terapia como se fosse um narcótico. É preciso
reconhecer que, vez e outra, as coisa corriam inteiramente segundo o que se desejava: após algumas
tentativas, o êxito era completo e permanente. As condições que determinavam tal resultado favorável, contudo,
permaneciam desconhecidas. Em certa oportunidade, uma condição mórbida grave de uma mulher, que eu
havia completamente eliminado por meio de determinado tratamento hipnótico, retornou sem modificações após
a paciente, sem qualquer ação de minha parte, haver ficado aborrecida comigo; depois de uma reconciliação,
removi novamente o problema e com muito mais segurança; ainda assim, tornou a voltar a sintomatologia
depois que se desaveio comigo uma segunda vez. Em outra ocasião, uma paciente, a quem eu havia ajudado
repetidamente a sair de estados neuróticos pela hipnose, subitamente, durante o tratamento de uma situação
especialmente renitente, lançou seus braços em volta de meu pescoço, abraçandome.
Passado isso, querendo
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
122
ou não, dificilmente se poderia evitar investigar a questão referente à natureza e à origem da autoridade que se
tinha no tratamento sugestivo.Estas as experiências. Elas nos mostram que, aos renunciarmos à sugestão
direta, não estamos abandonando algo de valor insubstituível. Acrescentemos, agora, a esse aspecto algumas
reflexões. A prática da terapia hipnótica exige muito pouco, tanto do paciente como do médico. Ajustase
magnificamente bem à idéia que a maioria dos médicos tem a respeito das neuroses. O médico diz ao paciente
neurótico: ‘Não há problema com você, é só uma questão de nervos; assim, posso acabar com esse problema
em dois ou três minutos, só com algumas palavras.’ Mas nossa visão das leis da energia é insultada com a
noção de que é possível mover um grande peso com uma insignificante aplicação de força, agindo diretamente,
sem o auxílio externo de algum dispositivo apropriado. Na medida em que se possam comparar as situações, a
experiência mostra que tal façanha tampouco se realiza com êxito nos casos de neurose. No entanto, estou
consciente de que esse argumento não é impugnável. Existe uma coisa chamada ‘açãogatilho’.
À luz do
conhecimento que adquiririmos da psicanálise, podemos descrever a diferença entre tratamento hipnótico e
tratamento psicanalítico da seguinte maneira. O tratamento hipnótico procura encobrir e dissimular algo
existente na vida mental; o tratamento analítico visa a expor e eliminar algo. O primeiro age como cosmético, o
segundo, como cirurgia. O primeiro utilizase
da sugestão, a fim de proibir os sintomas: fortalece as repressões,
mas afora isso, deixa inalterados todos os processos que levaram à formação dos sintomas. O tratamento
analítico faz seu impacto mais retrospectivamente, em direção às raízes, onde estão os conflitos que originaram
os sintomas, e utiliza a sugestão a fim de modificar o resultado desses conflitos. O tratamento hipnótico deixa o
paciente inerte e imodificado, e, por esse motivo também, igualmente incapaz de resistir a alguma nova
oportunidade de adoecer. Um tratamento analítico exige do médico, assim como do paciente, a realização de
um trabalho sério, que é empregado para desfazer as resistências internas. Através da superação dessas
resistências, a vida mental do paciente é modificada permanentemente, é elevada a um alto nível de evolução e
fica protegida contra novas possibilidades de adoecer. Esse trabalho de superar as resistências constitui a
função essencial do tratamento analítico; o paciente tem de realizálo
e o médico lhe possibilita fazêlo
com a
ajuda da sugestão, operando em um sentido educativo. Por esse motivo, o tratamento psicanalítico tem sido
apropriadamente qualificado como um tipo de póseducação.
Espero terlhes
esclarecido, agora, de que
maneira nosso método de empregar terapeuticamente a sugestão difere do único método possível no
tratamento hipnótico. Os senhores, partindo do fato de que a sugestão pode ter sua origem na transferência,
compreenderão, ademais, a incerteza que nos acometia na terapia hipnótica, ao passo que o tratamento
analítico se mantém previsível dentro de seus limites. Ao utilizar a hipnose, dependemos do estado da
capacidade de transferência do paciente, sem sermos capazes de influenciar tal estado. A transferência de uma
pessoa a ser hipnotizada pode ser negativa, ou, mais freqüentemente, ambivalente, ou a pessoa pode haverse
protegido contra sua transferência adotando atitudes especiais; a esse respeito nada sabemos. Na psicanálise,
agimos sobre a própria transferência, deslindamos o que nela se opõe ao tratamento, ajustamos o instrumento
com o qual desejamos causar nosso impacto. Assim, se nos torna possível auferir uma vantagem inteiramente
nova do poder da sugestão; ela passa para nossas mãos. O paciente não sugere a si mesmo o que quer que
seja que lhe agrade: guiamos sua sugestão na medida em que ele, de algum modo, é acessível à sua
influência.Contudo, agora os senhores, não importa se denominamos a força motriz de nossa análise, de
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
123
transferência ou de sugestão, me dirão que há o risco de que a influência sobre o nosso paciente possa tornar
duvidosa a certeza objetiva de nossas descobertas. O que é vantajoso para nossa terapia, é prejudicial às
nossas pesquisas. Esta é a objeção mais freqüentemente feita contra a psicanálise, e devese
admitir que,
embora carente de fundamento, não pode ser rejeitada como nãoracional.
Se essa objeção fosse justificada, a
psicanálise não seria nada mais que uma forma de tratamento sugestivo especialmente bem disfarçada e
particularmente eficiente; e deveríamos atribuir pouco peso a tudo o que ela nos diz sobre aquilo que influencia
nossas vidas, sobre a dinâmica da mente ou sobre o inconsciente. É nisso que acreditam os nossos
adversários; sobretudo, pensam que temos metido na cabeça dos pacientes tudo a respeito da importância das
experiências sexuais — ou até mesmo essas mesmas experiências — depois que essas idéias criaram corpo
em nossa imaginação depravada. Tais acusações são contraditas por meio de um apelo à experiência, com
maior facilidade do que com a ajuda da teoria. Todo aquele que tiver efetuado psicanálises, terá sido capaz de
convencerse,
vezes sem conta, de que é impossível, dessa forma, fazer sugestões a um paciente.
Naturalmente o médico não tem dificuldade de tornálo
um adepto de uma determinada teoria, e então fazêlo
compartilhar de alguns erros seus. Nesse aspecto, o paciente se comporta como qualquer outra pessoa —
como um aluno — mas tal coisa atinge apenas a sua inteligência, não sua doença. Afinal, seus conflitos só se
resolverão com êxito e suas resistências serão superadas, se as idéias orientadoras que lhe dermos se
coadunarem com o que nele é real. Tudo o que, nas conjecturas do médico, é impreciso, vai sendo eliminado
no decorrer da análise; é preciso ser retirado e substituído por algo mais correto. Através de uma técnica
cuidadosa, esforçamonos
por evitar a ocorrência de sucessos prematuros devido à sugestão; mas, ainda que
estes ocorram, não há prejuízo, pois não nos satisfazemos com um sucesso inicial. Só consideramos que uma
análise esteja no seu término quando todas as obscuridades do caso tenham sido elucidadas, as lacunas da
memória preenchidas, e descobertas as causas precipitantes das repressões. Os êxitos que assomam de
imediato, consideramolos
mais obstáculos do que auxílio ao trabalho da análise; e pomos um fim a esses
êxitos, resolvendo constantemente a transferência, na qual eles se baseiam. É essa última característica que
constitui a diferença fundamental entre terapia analítica e terapia meramente sugestiva, e que livra os
resultados da análise da suspeita de serem sucessos devido à sugestão. Em qualquer outro tipo de tratamento
sugestivo, a transferência é cuidadosamente preservada e mantida intocada; na análise, a própria transferencial
é sujeita a tratamento, e é dissecada em todas as formas sob as quais aparece. Ao final de um tratamento
analítico, a transferência deve estar, ela mesma, totalmente resolvida; e se o sucesso então é obtido ou
continua, ele não repousa na sugestão, mas sim no fato de, mediante a sugestão, haverse
conseguido superar
as resistências internas e de haverse
efetuado uma modificação interna no paciente.
A aceitação de sugestões, em determinados pontos, é, sem dúvida, desestimulada pelo fato de que,
durante o tratamento, estamos lutando incessantemente contra resistências capazes de transformarse
em
transferências negativas (hostis). E não devemos deixar de assinalar que grande número de descobertas na
análise, que de outro modo poderiam ser suspeitas de serem produtos da sugestão, confirmamse,
uma a uma,
a partir de outra fonte irrepreensível. Nossos fiadores nesse caso são aqueles que sofrem de demência precoce
e paranóia, os quais, naturalmente, estão acima de qualquer suspeita de serem influenciados pela sugestão. As
traduções de símbolos e de fantasias, que esses pacientes nos apresentam, e que neles irromperam na
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
124
consciência, coincidem fielmente com os resultados de nossas investigações acerca do inconsciente dos que
apresentam neurose de transferência; e, assim, confirmam a correção objetiva de nossas interpretações, sobre
a qual tantas vezes se lançam dúvidas. Penso que os senhores não se desorientarão se, nesses pontos,
confiarem na análise.
Passo a completar minha descrição do mecanismo de cura, revestindoo
com as fórmulas da teoria da
libido. Um neurótico é incapaz de aproveitar a vida e de ser eficiente — incapaz de aproveitar a vida porque sua
libido não se dirige a nenhum objeto real, e incapaz de ser eficiente porque é obrigado a empregar grande
quantidade de sua valiosa energia, a fim de manter sua libido sob repressão e a fim de repelir seus assaltos.
Ele se tornaria sadio se o conflito entre seu ego e sua libido chegasse ao fim, e se o ego mesmo tivesse
novamente sua libido à sua disposição. A tarefa terapêutica consiste, pois, em liberar a libido de suas ligações
atuais, subtraídas ao ego, e em tornála
novamente utilizável para o ego. Onde então se situa a libido do
neurótico? É fácil encontrála:
está ligada aos sintomas, o que a ela proporciona a única satisfação substitutiva
possível, na época. Portanto, devemos nos tornar senhores dos sintomas e solucionálos
— o que é
exatamente a mesma coisa que o paciente exige de nós. A fim de solucionar os sintomas, devemos remontar
às suas origens, devemos reconstituir o conflito do qual eles surgiram e, com o auxílio das forças motrizes que,
no passado, não estavam à disposição do paciente, devemos conduzir o conflito rumo a um resultado diferente.
Essa revisão do processo de repressão só pode ser realizado em parte, em relação aos traços mnêmicos dos
processos que conduziram à repressão. A parte decisiva do trabalho se consegue criando na relação do
paciente com o médico — na transferência — novas edições dos antigos conflitos; nestas, o paciente gostaria
de se comportar do mesmo modo como o fez no passado, ao passo que nós, concentrando todas as forças
mentais disponíveis [do paciente], compelimolo
a chegar a uma nova decisão. Assim, a transferência tornase
o campo de batalha no qual todas as forças mutuamente em choque se enfrentam.
Toda a libido, bem como tudo quanto a ela se opõe, fazse
convergir unicamente para a relação com o
médico. Nesse processo, inevitavelmente os sintomas são despojados da libido. Em lugar da doença
verdadeira do seu paciente, surge a doença transferencial artificialmente formada; em lugar dos diversos
objetos irreais da libido, aparece um único objeto e, mais uma vez, um objeto imaginário, na pessoa do médico.
Com auxílio da sugestão do médico, porém, a nova luta em torno desse objeto é guindada ao mais elevado
nível psíquico: realizase
na forma de um conflito mental normal. Como é evitada uma nova repressão, termina
a desunião entre ego e libido e a unidade mental da pessoa restaurase.
Quando a libido fica novamente
liberada do seu objeto temporário, representado pela pessoa do médico, não pode retornar aos seus objetos
anteriores, mas resta à disposição do ego. As forças contra as quais estivemos lutando durante nosso trabalho
de terapia são, por um lado, a aversão do ego a determinadas inclinações da libido — uma aversão expressa
na tendência à repressão — e, por outro lado, a tenacidade ou adesividade da libido [ver em [1]], à qual
desagrada abandonar objetos que ela uma vez catexizou.
Assim, nosso trabalho terapêutico incide em duas fases. Na primeira, toda a libido é retirada dos
sintomas e colocada na transferência, sendo aí concentrada; na segunda, travase
a luta por esse novo objeto e
a libido é liberada dele. A modificação decisiva para um resultado favorável é a eliminação da repressão nesse
conflito reconstituído, de modo que a libido não possa ser retirada do ego, novamente, pela fuga para o
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
125
inconsciente. Isto se torna possível pela mudança do ego realizada sob a influência da sugestão do médico.
Mediante o trabalho da interpretação, que transforma o que é inconsciente em consciente, o ego se amplia à
custa desse inconsciente; por meio do conhecimento, ele se torna conciliador para com a libido e disposto a
concederlhe
alguma satisfação, e sua recusa às exigências da libido diminui mediante a possibilidade de
derivar uma parte da mesma através da sublimação. No tratamento, quanto mais os eventos coincidirem com
esta descrição ideal, maior será o sucesso da terapia psicanalítica. Seus parâmetros são determinados pela
falta de mobilidade da libido, que pode recusarse
a abandonar seus objetos, e pela rigidez do narcisismo, a
qual não permitirá que a transferência para os objetos aumente além de determinados limites. Talvez possamos
tornar ainda mais clara a dinâmica do processo de cura, se eu lhes disser que retemos a totalidade da libido
que foi retirada do domínio do ego, atraindo uma parte dela sobre nós próprios, mediante a transferência.
Não seria fora de propósito manifestar a advertência de que, partindo da distribuição da libido durante o
tratamento e em conseqüência desta, não podemos tirar nenhuma conclusão acerca do modo como a libido se
distribuía durante a doença. Suponhamos que conseguimos conduzir um caso a um desfecho favorável,
restabelecendo e, depois, solucionando uma intensa transferência paterna para o médico. Não seria correto
concluir que o paciente passara previamente por uma ligação semelhante de sua libido em relação ao seu pai.
Sua transferência paterna foi simplesmente o campo de batalha no qual adquirimos o controle de sua libido; a
libido do paciente se dirigia para essa transferência a partir de outras posições. Um campo de batalha não
precisa necessariamente coincidir com uma das fortalezaschave
do inimigo. A defesa de uma capital inimiga
não precisa situarse
justamente em frente de suas portas. Somente depois de novamente resolvida a
transferência, podemos reconstruir em nosso pensamento a distribuição de libido que prevalecera durante a
doença.
Do ponto de vista da teoria da libido, também, podemos dizer uma última palavra sobre os sonhos. Os
sonhos de um neurótico, bem como suas parapraxias e suas associações livres referentes aos mesmos, nos
auxiliam a descobrir o sentido de seus sintomas e a revelar a maneira como sua libido se distribui. Eles não
mostram, na forma de uma realização de desejo, quais impulsos plenos de desejos foram sujeitos à repressão e
a quais objetos a libido retirada do ego foi ligada. Por esse motivo, a interpretação dos sonhos desempenha um
papel importante em um tratamento psicanalítico, e, em alguns casos, ela é, por longos períodos, o mais
importante instrumento de nosso trabalho. Já sabemos [ver em [1]] que o estado de sono, por si mesmo, leva a
um determinado afrouxamento das repressões. Um impulso reprimido, devido a essa redução da pressão que
pesa sobre ela, tornase
capaz de expressarse
muito mais claramente num sonho, do que lhe é permitido
expressarse
por um sintoma, durante o dia. Portanto, o estudo dos sonhos tornase
o meio mais conveniente
de se obter acesso ao conhecimento do inconsciente reprimido, do qual faz parte a libido retirada do ego.
Os sonhos dos neuróticos, contudo, não diferem, em nenhum aspecto importante, dos sonhos de
pessoas normais; é possível, de fato, que estes não possam absolutamente ser diferenciados daqueles. Seria
absurdo fazer uma descrição dos sonhos de neuróticos que não pudesse também aplicarse
aos sonhos de
pessoas normais. Logo, podemos dizer que a diferença entre neurose e saúde vigora apenas durante o dia; não
se estende à vida onírica. Somos obrigados a extrapolar para pessoas sadias diversas hipóteses relativas aos
neuróticos, em conseqüência do elo ente os sonhos destes e seus sintomas. Não podemos negar que também
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
126
as pessoas sadias possuem, em sua vida mental, aquilo que, por si só, possibilita a formação tanto dos sonhos
como dos sintomas; e devemos concluir que também eles efetuaram repressões, que dispendem determinada
quantidade de energia a fim de mantêlas,
que seu sistema inconsciente oculta impulsos reprimidos ainda
catexizados com energia, e que uma parte de sua libido é retirada e deixa de estar à disposição do ego. Assim,
também uma pessoa sadia é virtualmente um neurótico; mas os sonhos parecem ser os únicos sintomas que
ela é capaz de formar. É verdade que, se alguém submete a um exame mais atento sua vida desperta,
descobre algo que contradiz essa aparência — ou seja, que essa vida pretensamente sadia está marcada aqui
e ali por grande número de sintomas banais e destituídos de importância prática.
A distinção entre saúde nervosa e neurose reduzse,
por conseguinte, a uma questão prática e é
decidida pelo resultado, isto é, a pessoa ter ou não ter um nível suficiente de capacidade para aproveitar a vida
e ser eficiente. Tal distinção provavelmente se atribui às dimensões relativas das quantidades de energia que
permanece livre e que é ligada pela repressão; é de natureza quantitativa, não qualitativa. Não preciso dizerlhes
que essa descoberta é a justificação teórica de nossa convicção de que as neuroses são, em princípio,
curáveis, apesar de se basearem na disposição constitucional.A identidade dos sonhos de pessoas sadias e
neuróticas capacitanos
a inferir, pois, muita coisa referente à definição das características de saúde. Mas, com
relação aos sonhos propriamente ditos, podemos fazer uma inferência adicional: não devemos desvinculálos
de sua relação com os sintomas neuróticos, não devemos supor que sua natureza essencial se esgota com a
fórmula que os descreve como uma tradução de pensamentos em uma forma arcaica de expressão [ver em [1]];
porém, devemos supor que eles nos mostram distribuições da libido e catexias objetais que realmente estão
presentes.Em breve, chegaremos ao fim. Talvez os senhores estejam desapontados porque, no tópico
referente ao método psicanalítico de tratamento, apenas lhes falei acerca da teoria e não a respeito das
condições que determinam se um tratamento deve ser empreendido, ou dos resultados que ele produz. Não irei
discorrer sobre nenhum dos dois: sobre o primeiro, porque não é minha intenção darlhes
instruções práticas
acerca de como efetuar uma psicanálise, e sobre o segundo, porque diversas razões me dissuadem de fazêlo.
No início de nossas palestras [desse ano, ver em [1]], salientei o fato de que, sob condições favoráveis;
obtemos êxitos que nada ficam a dever aos mais extraordinários êxitos da medicina interna; e, agora, posso
acrescentar algo mais: que eles não poderiam ter sido alcançados com nenhum outro método. Se lhes fosse
dizer mais do que isto, eu seria suspeito de tentar salientar as altas vozes dos detratores por meio de
autopromoção. Repetidamente tem sido feita contra a psicanálise, por nossos ‘colegas’ médicos — até mesmo
em congressos públicos —, a ameaça de publicar uma coleção de fracassos e resultados prejudiciais da
análise e de abrir os olhos do público sofredor para a falta de valor desse método de tratamento. Afora o caráter
maldoso e difamante de tal medida, ela, porém, não seria destinada a possibilitar de todas as formas um
julgamento correto sobre a eficácia terapêutica da análise. A terapia analítica, conforme sabem, está em sua
adolescência; levou longo tempo para estabelecer sua técnica, e isto só pode ser feito no decorrer do trabalho e
sob a influência de crescente experiência. Em conseqüência das dificuldades de ministrar ensino, o médico que
é um iniciante na psicanálise apóiase,
em escola maior que outros especialistas, em sua própria capacidade de
ulterior desenvolvimento, e os resultados desses primeiros anos jamais tornarão possível julgar a eficácia da
terapia analítica.Muitas tentativas de tratamento malograram durante o período inicial da análise, porque foram
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
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empreendidas em casos completamente inadequados ao método, casos que, hoje em dia, excluiríamos com
base em nossa atual visão das indicações para tratamento. Ademais, a essas indicações, contudo, só se podia
chegar pela experimentação. Naquela época, não sabíamos a priori que a paranóia e a demência precoce, em
suas formas fortemente marcadas, eram inacessíveis, e tínhamos o direito de ensaiar o método em todas as
espécies de distúrbios. A maior parte dos insucessos daqueles primeiros anos, porém, foi devida não à falha do
médico ou à escolha inadequada de pacientes, mas sim a condições externas desfavoráveis. Aqui temos
tratado apenas das resistências internas, as do paciente, que são inevitáveis e podem ser superadas. As
resistências externas emergentes das circunstâncias do paciente, de seu ambiente, são de pouco interesse
teórico, mas de maior importância prática. O tratamento psicanalítico pode ser comparado a uma operação
cirúrgica e exigir, de modo similar, que seja efetuado sob condições que serão as mais favoráveis para seu
êxito. Os senhores conhecem as medidas de precaução adotadas por um cirurgião: sala adequada, boa
iluminação, auxiliares, exclusão dos parentes do paciente, e assim por diante. Os senhores bem podem
imaginar, agora, quantas dessas operações teriam êxito se fossem realizadas na presença de todos os
membros da família do paciente, a enfiarem o nariz no campo operatório e a clamarem em altos brados a cada
incisão. Nos tratamentos psicanalíticos, a intervenção dos parentes é perigo real e um perigo que não se sabe
como enfrentar. Estáse
precavido contra as resistências internas do paciente, que se sabe inevitáveis; mas
como defenderse
dessas resistências externas? Nenhum tipo de explicação produz qualquer impressão nos
parentes do paciente; eles não podem ser induzidos a manterse
à distância de todo o assunto, e não se pode
fazer causa comum com eles, devido ao risco de perder a confiança do paciente, o qual — com toda razão,
naturalmente — espera que a pessoa em quem depositou toda a sua confiança, fique do seu lado. Ninguém
que tenha alguma experiência das discórdias que tão seguidamente dividem uma família, haverá de se
surpreender, sendo um analista, ao constatar que os parentes mais chegados ao paciente às vezes revelam
menos interesse em sua recuperação do que na permanência da doença. Quando, como tantas vezes
acontece, a neurose tem relação com os conflitos entre membros de uma família, os membros sadios não
hesitam muito tempo em escolher entre seus próprios interesses e a recuperação daquele que está doente.
Não será de admirar, realmente, se um marido encara com desaprovação um tratamento no qual, conforme ele
acertadamente suspeita, será trazido à luz o catálogo interno de suas mazelas. E nem haveremos de nos
admirar em face disso; mas, nesse caso, não podemos acusarnos,
se nosso esforços não obtêm êxito e o
tratamento é interrompido prematuramente, porque à resistência do marido se adiciona a de sua esposa
doente. Com efeito, havíamos, então, empreendido algo que, nas circunstâncias vigentes, era irrealizável.
Em vez de relatar muitos casos, contarlheei
a história de apenas um deles, no qual, por motivos de
sigilo médico, fui condenado a desempenhar um papel sofrido. Empreendi o tratamento analítico — isto já faz
muitos anos — de uma jovem que por algum tempo tinha, devido à ansiedade, sido incapaz de sair à rua ou de
ficar só em casa. Aos poucos, a paciente foi revelando que sua imaginação fora dominada por observações
casuais do relacionamento amoroso entre sua mãe e um endinheirado amigo da família. Ela, porém, era tão
desajeitada — ou tão sutil —, que deu à sua mãe uma pista daquilo de que se estava falando nas sessões
analíticas. Ela o fez, modificando sua conduta para com a mãe, insistindo em ser protegida, unicamente por sua
mãe, de sua ansiedade de ficar só, e trancando a porta de saída à sua mãe, se esta tentasse sair de casa. Sua
Conferências Introdutórias sobre psicanálise (Parte III) – Sigmund Freud
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mãe também tinha sido muito neurótica, no passado, mas se havia curado, anos antes, em uma estação de
águas. Para ser mais preciso, ela havia travado conhecimento com o homem com o qual foi capaz de iniciar
uma relação que, de todos os modos, lhe agradava. As violentas exigências da moça surpreenderamna,
e ela
rapidamente compreendeu o significado da ansiedade de sua filha: a jovem havia adoecido a fim de tornar sua
mãe prisioneira e roubarlhe
a liberdade de movimentos necessários às relações com seu amante. A mãe
prontamente tomou a decisão e pôs fim ao detestável tratamento. A jovem foi levada a um sanatório para
doenças nervosas e, por muitos anos, era mostrada como ‘uma pobre vítima da psicanálise’. Todo esse tempo,
também, fui perseguido pela calúnia de responsabilidade pelo infeliz fim do tratamento. Mantiveme
em silêncio,
pois julgueime
preso à obrigação do sigilo médico. Muito tempo depois, soube, por um de meus colegas que
tinha visitado o sanatório e ali vira a jovem agorafóbica, que a liaison entre sua mãe e o próprio amigo da
família era um caso público e notório na cidade, e que, nisto, provavelmente, era conivente o marido e pai.
Assim, a esse ‘segredo’ é que o tratamento tinha sido sacrificado.Nos anos anteriores à guerra, quando
pessoas chegadas de muitos países estrangeiros me fizeram independente da simpatia ou antipatia de minha
própria cidade, segui a regra de não tomar um paciente em tratamento a menos que ele fosse sui juris, nãodependente
de quem quer que fosse, nas relações essenciais de sua vida. No entanto, isto não é possível para
todos os analistas. Talvez os senhores possam concluir, de minha advertência contra os parentes, que os
pacientes destinados à psicanálise devam ser segregados de suas famílias, e que essa espécie de tratamento
deveria, por conseguinte, restringirse
a pessoas internadas em hospitais para doenças nervosas. Nisto eu não
poderia acompanhálos,
porém. É muito mais vantajoso para os pacientes (na medida em que não estejam em
uma fase de grave exaustão) permanecerem, durante o tratamento, naquelas condições em que têm de lutar
contra as tarefas que os desafiam. Os parentes dos pacientes, contudo, não devem anular essa vantagem,
como sua conduta, e não deveriam oferecer qualquer oposição hostil aos esforços do médico. Entretanto, como
se propõem os senhores influenciar, nesse sentido, fatores como estes que nos são inacessíveis? E os
senhores compreenderão, naturalmente, o quanto as perspectivas de um tratamento são determinadas pelo
milieu social do paciente e pelo nível cultural de sua família.
Esse aspecto apresenta uma sombria perspectiva para a eficiência da psicanálise como forma de
terapia, não é mesmo? Ainda que sejamos capazes de explicar a grande maioria de nossos fracassos,
atribuindoos
à interferência de fatores externos. Amigos da análise têmnos
aconselhado a arrostar a ameaça
de publicação de nossos insucessos com estatísticas de nossos êxitos, alinhadas por nós próprios. Não
concordo com isto. Assinalei que as estatísticas são carentes de valor se os itens nelas agrupados são por
demais heterogêneos; e os casos de doença neurótica que tomamos em tratamento eram, de fato, impossíveis
de comparar, em uma grande variedade de aspectos. Além do mais, o período de tempo que podia ser coberto
era excessivamente curto para possibilitar uma avaliação da durabilidade das curas. E era totalmente
impossível relatar muitos desses casos: referiamse
a pessoas que haviam mantido em segredo tanto sua
doença, como seu tratamento, e sua recuperação igualmente devia ser mantida em segredo. O motivo mais
forte para silenciar está, contudo, na percepção de que, em matéria de terapia, as pessoas se conduzem muito
irracionalmente, de forma que não se tem a perspectiva de realizar, junto delas, nada por meios racionais. Uma
inovação terapêutica, ou é recebida com entusiasmo delirante — como, por exemplo, quando Koch apresentou
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ao público sua primeira tuberculina contra a tuberculose —, ou é tratada com desconfiança profunda — como a
vacina de Jenner, que foi realmente uma benção e ainda hoje encontra opositores irreconciliáveis. Houve,
evidentemente, um preconceito contra a psicanálise. Se alguém tivesse curado um caso grave, podiase
ouvir
as pessoas dizerem: ‘Isso não prova nada. Ele podia terse
recuperado por si mesmo, nesse período.’ E
quando uma paciente, que já havia passado por quatro ciclos de depressão e mania, veio a ser tratada por mim
durante um intervalo subseqüente a um ataque de melancolia, entrando, três semanas depois, numa fase de
mania, todos os membros de sua família — e também uma alta autoridade médica que foi solicitada para
consulta — se convenceram de que o novo ataque só podia ser o resultado de minha tentativa de análise. Nada
pode ser feito contra os preconceitos. Isto os senhores podem constatar novamente, hoje em dia, nos
preconceitos que cada grupo de nações em guerra desenvolveu contra o outro. A coisa mais sensata a fazer é
esperar e deixar tais preconceitos aos efeitos da erosão do tempo. Um dia, as mesmas pessoas começam a
pensar acerca das mesmas coisas de uma maneira bem diferente de antes; e a razão por que não pensavam
dessa maneira, anteriormente, continua sendo profundo mistério.
É possível que o preconceito contra o tratamento analítico já esteja diminuindo. A constante difusão dos
ensinamentos analíticos, o crescente número de médicos exercendo a análise em diversos países, parecem
corroborar esse fato. Quando eu era um jovem médico, encontreime
em meio a uma tormenta de indignação
semelhante, por parte dos médicos, contra o tratamento pela sugestão hipnótica, que agora é apoiada, em
comparação com a análise, por pessoas de opiniões moderadas. O hipnotismo, no entanto, não cumpriu sua
promessa inicial como agente terapêutico. Nós, psicanalistas, podemos declararnos
seus legítimos herdeiros, e
não esquecemos quanto encorajamento e esclarecimento teórico lhe devemos. Os efeitos nocivos atribuídos à
psicanálise restringemse
essencialmente a passageiras manifestações de um conflito exacerbado, se a análise
é efetuada de modo inábil, ou se é interrompida pelo meio. Os senhores ouviram uma exposição daquilo que
realizamos com nossos pacientes, e podem formar seu próprio juízo quanto a saber se nossos esforços são
destinados a produzir qualquer prejuízo duradouro. O mau uso da análise é possível, em diversos sentidos; em
especial, a transferência é um instrumento perigoso nas mãos de um médico inescrupuloso. Não há instrumento
ou método médico que esteja garantido contra mau uso; se um bisturi não corta, tampouco pode ser usado para
curar.Terminei, senhoras e senhores. É mais do que uma fórmula convencional das palavras o fato de eu
admitir que eu próprio estou profundamente consciente dos vários defeitos existentes nas conferências que lhes
proferi. Lamento, sobretudo, haverlhes
tantas vezes prometido retornar posteriormente a tópicos que apenas
mencionara e, depois, não ter encontrado oportunidade de cumprir minha promessa. Assumi o compromisso de
darlhes
uma descrição do assunto que ainda está incompleto e em processo de evolução; e meu resumo
condensado veio a mostrarse
incompleto. Em alguns pontos, apresentei o material sobre o qual tirar uma
conclusão, e depois eu mesmo não cheguei à conclusão. Não poderia, contudo, pretender tornálos
peritos;
apenas procurei darlhes
estímulo e esclarecimento.
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