quinta-feira, 30 de outubro de 2025

O QUE O VENTO NÃO LEVA

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O QUE O VENTO NÃO LEVA


(Um ensaio sobre a finitude e a reconciliação com o nada)


Um dia serei pó.

O vento, com sua antiga indiferença, me dispersará entre o esquecimento e o horizonte.

O mundo seguirá o seu curso, sem pausa, sem saudade —

porque a vida não se detém para lembrar quem partiu.


Mas há algo que o vento não leva.

Permanece, invisível, o traço do gesto autêntico,

o instante em que o ser foi plenamente ele mesmo.

Não é o nome, nem a lembrança —

essas são ilusões frágeis, moldadas pelo medo da morte.

O que fica é o ato, a faísca breve que um dia incendiou o existir.


Nietzsche diria que viver é afirmar a própria transitoriedade —

é dizer “sim” ao abismo, mesmo quando o abismo devolve o silêncio.

Camus lembraria que o homem lúcido é aquele

que, diante do absurdo, escolhe continuar empurrando sua pedra.

E Sartre completaria: somos condenados à liberdade —

à tarefa inevitável de dar sentido ao que não tem.


Assim, quando eu for pó,

não quero ter sido um nome, mas um ato de presença.

Quero ter deixado gestos, não monumentos;

ecos sutis no invisível, não ruídos de vaidade.

Porque o vento pode levar o corpo,

mas não apaga o instante em que fomos plenamente humanos —

aquele momento em que olhamos o nada

e, ainda assim, escolhemos plantar algo.


Existir é isso:

plantar, mesmo sabendo que o vento virá.


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Epílogo — A reconciliação com o nada


Chega o tempo em que o homem deixa de lutar contra o nada.

Ele o contempla — e o reconhece como parte do seu próprio ser.

O nada não é inimigo da vida,

é sua moldura silenciosa, o contorno que dá forma ao instante.

Sem o limite, tudo seria dispersão.

Sem o fim, a vida seria insuportavelmente vazia.


O erro dos que temem o esquecimento é crer

que existir é o mesmo que durar.

Mas durar é apenas resistir;

existir é incendiar o instante.


O sentido, se existe, não mora além da vida,

mas dentro dela — no modo como escolhemos afirmar o efêmero.

Quando digo “sim” à minha finitude,

transformo o pó em destino e o esquecimento em liberdade.


Camus dizia que é preciso imaginar Sísifo feliz.

Talvez porque a verdadeira serenidade

não esteja em vencer o absurdo,

mas em habitá-lo com dignidade e sorriso.


Assim, reconcilio-me com o vento.

Deixo que ele me leve,

porque sei que o que fui não se perdeu —

apenas se espalhou.


Nas folhas que tremem,

no gesto anônimo de quem planta sem motivo,

no silêncio de um olhar que compreende sem palavras —

lá estarei, disperso e inteiro.


E quando o vento cruzar o vazio onde um dia estive,

talvez murmure, sem voz:


> “Ele aceitou o nada,

e por isso, tornou-se parte de tudo.”


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Sócrates R  Lucena

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