quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Moralidade e Felicidade

Moralidade e Felicidade A felicidade é o estado em que se encontra no mundo um ser racional para quem, em toda a sua existência, tudo decorre conforme o seu desejo e a sua vontade; pressupõe, por consequência, o acordo da natureza com todo o conjunto dos fins deste ser, e simultaneamente com o fundamento essencial de determinação da sua vontade. Ora a lei moral, como lei da liberdade, obriga por meio de fundamentos de determinação, que devem ser inteiramente independentes da natureza e do acordo dela com a nossa faculdade de desejar (como motor). Porém, o ser agente racional que actua no mundo não é simultaneamente causa do mundo e da própria natureza. Assim, pois, na lei moral não há o menor fundamento para uma conexão necessária entre a moralidade e a felicidade, com ela proporcionada, num ser que, fazendo parte do mundo, dele depende; este ser, precisamente por isso, não pode ser voluntariamente a causa desta natureza nem, no que à felicidade respeita, fazer com que, pelas suas próprias forças, coincida perfeitamente com os seus próprios princípios práticos.
E, todavia, no problema prático que a razão pura nos prescreve, isto é, na prossecução do soberano bem, tal acordo é postulado como necessário: devemos procurar realizar o soberano bem, que, por consequência, tem de ser possível. Por conseguinte, postular também a existência de uma causa de toda a natureza, distinta da própria natureza que encerra o fundamento de tal conexão, isto é, a exacta harmonia da felicidade e da moralidade. Mas esta causa suprema deve conter o fundamento do acordo da natureza, não só com uma lei da vontade dos seres racionais, mas com a representação dessa lei, na medida em que eles fazem dela o motivo supremo da sua vontade, e, por consequência, não só apenas com a forma dos costumes, mas com a própria moralidade como fundamento determinante, isto é, com a intenção moral.
O soberano bem não é, portanto, possível no mundo, a não ser que se admita uma natureza suprema dotada de causalidade conforme a intenção moral. Ora um ser capaz de agir segundo a representação de certas leis é uma inteligência (ser racional) e a causalidade de tal ser, segundo essa representação das leis, é uma vontade. Portanto, a causa suprema da natureza, como condição do soberano bem, é um ser que, por razão e vontade, é a causa, por conseguinte, o autor da natureza, isto é, Deus.

felicidade

A felicidade tem origem no latim augurium, que significa augúrio e sorte. Sendo assim, não dependeria do ser humano, mas sim de algo exterior a ele.
Felicidade sugere a ideia de um bem, um fim elevado ao qual o homem ambiciona chegar.
Segundo uma famosa definição de Kant, a felicidade seria a "satisfação de todas as nossas inclinações". De acordo com o moralismo, esta satisfação total só existiria através da virtude.
Para Rousseau, a felicidade não é algo que se encontre longe, mas pelo contrário só se pode encontrar dentro da própria alma, não tendo origem exterior.
Para Hegel, só é feliz aquele que se resigna a uma vida furtiva e se conforma a viver de uma forma simples e sem acontecimentos grandiosos.
Existem outras filosofias para as quais existe a negação a priori da possibilidade de felicidade. Nietzsche e Rimbaud têm uma visão mais trágica sobre a felicidade, onde se reconhece a fatalidade do desejo de felicidade.
A Filosofia antiga considera a felicidade como o soberano Bem, ou seja, o fim supremo ao qual todos os outros estão subordinados. Mas este Bem afasta-se da ideia de prazer por esta ser efémera, enquanto a felicidade pretende ser algo de duradouro.
Para Aristóteles, a felicidade duradoura é associada a uma vida virtuosa, fundada na razão. Uma vida de felicidade é um poder do ser humano, pois depende dele e da sua razão. Uma vida plena de felicidade é aquela que é virada para a inteligência e para o pensamento, libertada das amarras da necessidade.
Segundo Kant, a felicidade não é um ideal da razão, mas sim da imaginação, afastando a associação da felicidade com a virtude. A ação moral não faz o homem feliz, antes lhe dá condições para o homem se tornar digno de ser feliz.
Para Espinosa, não existe felicidade maior do que compreender e pensar.
Nos tempos atuais, a felicidade não é considerada um bem supremo, mas uma aspiração a que dificilmente se atinge. Não é um dever, um dom ou um fim supremo, pois existem outros valores que lhe são superiores em termos de dignidade, como é o caso da justiça ou da liberdade.

o princípio da felicidade:

O princípio da felicidade pode, sem dúvida, fornecer máximas, mas nunca aquelas que serviriam de leis da vontade, mesmo se se tomasse por objecto a felicidade universal. Com efeito, porque o conhecimento desta se baseia nos simples dados da experiência, uma vez que todo o juízo a seu respeito depende muito da opinião de cada um, a qual é também muito variável, podem certamente dar-se regras gerais, mas nunca regras universais, isto é, regras que, em média, são correctas na maior parte das vezes, mas não regras que devem sempre e necessariamente ser válidas; por conseguinte, nenhumas leis práticas se podem basear neste princípio. Justamente porque um objecto do livre-arbítrio está aqui na base da sua regra e a deve, pois, preceder, esta não pode reportar-se senão ao que se sente, por conseguinte, à experiência, e só nela se pode fundamentar; e, nestas circunstâncias, a diversidade do juízo deve ser infinita. Este princípio não prescreve, pois, a todos os seres racionais as mesmas regras práticas, embora estejam compreendidas sob um título comum, a saber, o de felicidade. A lei moral porém, só é pensada como objectivamente necessária porque deve valer para todos os que possuem razão e vontade.
A máxima do amor de si (a prudência) aconselha simplesmente; a lei da moralidade manda. Existe, no entanto, uma grande diferença entre o que se nos aconselha e aquilo a que somos obrigados.

A felicidade é um problema da razão prática. Seus conteúdos são as leis morais, fornecidas a priori sem nenhum condicionamento empírico. Essas leis, as práticas, são objetivas e diferem das leis naturais. Dizem respeito ao que devem acontecer. A felicidade é o fim de toda lei moral. O sistema da moralidade liga-se, na idéia, ao sistema da felicidade. A esta idéia, em que a felicidade se liga de forma precisa a uma inteligência pensada como causa moralmente perfeita, Kant dá o nome de ideal do bem supremo. O fim da felicidade é o bem supremo. A felicidade é o anelo de todo ser racional, mas o seu fundamento é empírico, e por isso, determinado pelo sentimento particular de prazer e desprazer. A felicidade pode constituir uma lei subjetivamente necessária (máxima), mas jamais uma lei prática, a priori e objetiva. A “proposição moral”, diz Zingano, “reivindica necessidade e universalidade segundo o conceito de dever”, isto é, a necessidade de agir por respeito à lei moral. A lei prática não depende da matéria, sua representação é puramente racional e se distingue de todos os princípios representativos da lei natural. Tal independência denomina-se liberdade.

Uma vontade livre é aquela à qual só a pura forma legisladora da máxima pode servir. O conceito de liberdade resulta naturalmente da consciência da lei moral. A lei moral funciona como um imperativo categórico que obriga ao dever. Tal obrigação se funda na obrigação da própria vontade, isto é, ela não é heterônoma, externa a ela, mas a autonomia da vontade é a “condição formal de todas as máximas”. A forma legisladora da máxima é o verdadeiro princípio da moralidade. Pelo princípio da felicidade são obtidas as máximas puramente subjetivas, que podem apenas aconselhar, ao contrário da lei moral, que ordena ou obriga, exigindo a mais pronta obediência. Os princípios materiais são inadequados para constituir a lei moral, somente o principio prático formal da razão pura é adequado para estabelecer a ação como um dever. Bem e mal são termos ambíguos e relativos. Funcionam às vezes como meio para o agradável ou o desagradável. As máximas práticas oriundas desses conceitos, de modo algum estão a serviço de algo bom em si mesmo, o bem sendo, portanto, apenas o útil, cujo móvel é a sensação e não a vontade pura. Para os juízos de bom e de mal concorrem ao mesmo tempo os sentidos e a razão. Enquanto a sensação tem a ver com a própria felicidade, a razão diz respeito a algo mais elementar no homem. Do juízo relativo ao que é bom ou mau em si resultam duas possibilidades: ou nele já está contido um princípio racional e puro determinante da vontade (lei prática a priori), ou então a máxima da vontade é precedida por um princípio determinante da faculdade de desejar. Só uma lei formal, isto é, uma lei que nada mais prescreve à razão para a condição suprema das máximas, pode ser, a priori, um principio determinante da razão prática.

A vontade é determinada imediatamente pela lei. O móvel da vontade humana é a lei moral que representa o princípio objetivo de determinação subjetiva suficiente para a vontade. O amor de si, diz Kant, é a tendência para fazer de si mesmo “princípio determinante objetivo da vontade”. Na experiência negativa da humilhação externa a lei, surge em nós, como principio de um sentimento positivo, o respeito. A origem do respeito não é empírica, mas intelectual, podendo ser conhecida a priori. Para Kant nossa vontade é autônoma, mas deve estar submetida à lei (máxima) que livre e objetiva ela formou. A humanidade está em nós próprios e deve ser vista sempre como fim, jamais como meio. A razão procura o incondicionado. Na razão pura prática esse incondicionado é o soberano bem, enquanto o condicionado é representado pelas inclinações, ou tendências. O soberano bem, ou bem supremo, constitui a condição incondicionada da felicidade. Virtude e felicidade, para Kant, são conceitos distintos; a primeira é pressuposto para a segunda, e não o contrário. As virtudes possuem um fundamento prático, enquanto que a felicidade, ou seja, o conhecimento desta se baseia na experiência, portanto empírica. O bem supremo só pode ser produzido a partir de princípios a priori do conhecimento. É um bem prático ou possível na ação. O antagonismo entre a natureza e a liberdade é só aparente, não impedindo que o soberano bem seja um verdadeiro objeto da razão prática. Só o respeito conduz ao “verdadeiro fim de toda formação moral”.

A vontade é determinável pela lei moral que está em total conformidade de intenções com a mesma lei moral. A conformidade da vontade à lei é a santidade. Esta conformidade não se encontra em nenhum ser finito. É preciso pensá-la num progresso infinito que depende de uma existência e personalidade. É o pressuposto da imortalidade da alma o qual deve ser postulado para a razão pura prática. Na ordem da prática este postulado é “uma conseqüência indemonstrável da ética”. A lei moral está ligada ao soberano bem. O soberano bem consiste na síntese da união da moralidade e felicidade. A felicidade é a correspondência total do estado de um ser racional com o que ele deseja. Nenhuma conexão necessária existe entre a lei moral e a felicidade. A existência de uma causa é necessária para a concordância. Essa causa é Deus, que é moralmente necessário admitir, que se apresenta como soberano bem primordial. Na esperança reside o sublime poder do homem, por meio dela a religião leva à consecução efetiva de sua liberdade no mundo.


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legislação universal deve-se perguntar se a máxima pode ser convertida em lei universal. Casoisso não seja possível, essa máxima deve ser rejeitada. Apenas a máxima que pode serconvertida em lei universal pode ser princípio numa possível legislação universal. Para saberse uma máxima pode ser universalizada numa legislação universal, basta perguntar-se:
“ficaria eu satisfeito de ver a minha máxima (de me tirar de apuros por meio de uma promessa
não verdadeira) tomar o valor de lei u
niversal (tanto para mim como para os outros)?” (FMC
IV, 403).Se a máxima que declara ser lícito tirar-lhe de uma dificuldade com promessasmentirosas, fosse erigida como lei, ninguém prestaria mais fé às promessas e já não haveriavantagem nenhuma em mentir. Por isso, cada qual pode reconhecer em cada momento ondeestá o dever, condição de uma boa vontade, perguntando-
se: “Podes tu querer também que atua máxima se converta em lei universal?” (FMC IV, 403). Quando alguém se pergunta se
tem razão para agir desse ou daquele modo, pergunta-se: o que faria no lugar de qualqueroutro ser dotado de razão, isto é, procura saber se a máxima de ação poderia servir de leiuniversal.Sendo assim, o desenvolvimento da análise do conhecimento moral comum permitiudescobrir o princípio supremo da moralidade. Kant não esconde sua admiração pelo fato deque, na inteligência comum da humanidade, o funcionamento prático da razão prevaleça sobreo funcionamento teórico. Sendo coisa normal que todo homem possa facilmente descobrir emsi os princípios de uma boa conduta.
No “conhecimento” moral da razão humana comum observa
-se o princípio que deveconduzir todo ato moral, princípio esse que deve funcionar como orientador para diferenciar obom do mau, o que é conforme ao dever do que é contrário ao dever. O objetivo de Kant naprimeira seção da
Fundamentação
foi demonstrar que através da análise da experiênciacomum que a boa vontade é boa em si mesma, porque age por dever que é imposto por umamáxima que pode tornar-se uma lei universal. Entretanto, ressalta a necessidade da razãohumana comum sair de seu círculo e buscar fundamentação em uma filosofia prática paraencontrar informações sobre a fonte de seu princípio. A ação moral é aquela que se cumprepor dever, não por inclinações. O princípio do dever deve ser universal, ou seja, deve valerpara todos os seres racionais.A distinção entre os possíveis imperativos práticos ilustra precisamente o fato de quepara Kant uma ação moral não é meramente um componente de conduta externa, mas inclui


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como seus componentes decisivos, os motivos, as intenções e decisões que precedem essaconduta. Com a exposição dos imperativos e suas respectivas características, pretende-seevidenciar porque para Kant nenhum princípio necessário e, por conseguinte, universalmenteválido, pode ser determinado a partir da experiência empírica, mas apenas considerando apossibilidade da razão pura poder determinar a vontade independentemente de qualquerinteresse, exceto o interesse próprio da razão. Em outras palavras, apenas um princípio práticopuro pode ser objetivo, isto é, válido para todos os seres dotados de razão e vontade.Kant não desconsidera os possíveis interesses das ações em geral

os quais são, semdúvida, necessários do ponto de vista da natureza sensível dos seres racionais finitos

mas,apenas objeta como seja possível estabelecer e explicar um princípio prático necessário,universalmente válido, a partir das necessidades particulares de um homem ou mesmo de umgrupo deles, por exemplo. Tais necessidades podem originar, no máximo, preceitos práticos,mas nunca uma regra prática incondicionada. É preciso notar, portanto, que para Kant amoralidade não pode reportar-se à diversidade de costumes presentes nas diferentessociedades e em diferentes épocas. Nesse sentido, Kant busca um princípio que possa servirde critério universal para agir, ou seja, um critério propriamente moral para as ações. Esseprincípio admite um único interesse

o interesse da razão pura

pois, para Kant o valormoral é um valor intrínseco, enquanto que questões de êxito e fracasso nos empreendimentosnão são princípios morais, mas, conceitos de técnica e de prudência.Não obstante, embora a felicidade seja desejada por todos os homens ela não pode serprecisamente definida a partir dos dados empíricos. Já na
Crítica da Razão Pura
Kant define
a felicidade como a “satisfação de todas as nossas inclinações (tanto
extensive
, quanto à suamultiplicidade, como
intensive
, quanto ao grau e também
protensive
, quanto à duração)
”(CRP B 834); ou seja, “para a idéia de felicidade é necessário um todo absoluto, um máximo
de bem-
estar, no meu estado presente e em todo o futuro” (FMC IV, 418). A partir dessa
concepção de felicidade, conclui-se que ter a idéia exata da felicidade é algo de impossível
para qualquer ser racional finito, pois para tal “seria precis[o] a onisciência” (FMC IV, 418).
Mas, considerando que a felicidade é uma necessidade natural, o imperativo assertórico é amaneira pela qual se prescrevem os meios em que a felicidade, ou pelo menos, parte dela érealizada. O princípio da felicidade pode ser considerado uma regra
3
prática generalizável,mas de modo algum universalizável.
3
Regras não podem ser universalizadas, somente máximas.



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Por conseguinte, no nível da fundamentação da moral que visa primordialmente umprincípio universalmente válido, Kant distingue o princípio da felicidade

comoabsolutamente incompatível

com o princípio da moralidade. A importância dessa distinçãopode ser percebida no esforço de Kant na
Crítica da Razão Prática

em delimitar o “princípio
gera
l do amor de si ou da felicidade própria” (CRPr V, 22) como um princípio válido apenas
subjetivamente e, como tal, insuficiente para servir de critério para a moralidade. Além disso,a questão cresce em importância se for considerado o papel fundamental desempenhado pelafelicidade na história da fundamentação da moral, nomeadamente na proposta aristotélica.Não obstante, o fato de Kant ter desconsiderado a felicidade enquanto elemento fundamentalpara a moral, ele a mantém estreitamente ligada ao sistema m
oral, “porque na idéia prática
estão os dois elementos essencialmente ligados [moralidade e felicidade], embora de tal modoque a disposição moral é a condição que, antes de mais, torna possível a participação nafelicidade e não, ao contrário, a perspectiva de felicidade que torna possível a disposição
moral” (CRP B 841).

Referências
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Kant’s Theory of Freedom.
Cambridge: Cambridge University Press, 1995.BECK, L. W.
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Chicago and London: The University of Chicago Press, 1984.KANT, I.
Crítica da razão pura.
5.ed. Trad. de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão.Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.KANT, I.
Crítica da razão prática.
Trad. de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2003.KANT, I.
Fundamentação da metafísica dos costumes.
Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2004.KANT, I.
Kants gesammelte Schriften.
Berlin: Der Deutschen Akademie der Wissenchaften; Walter de Gruyter,seit 1902.NODARI, P. C. A Noção da Boa Vontade em Kant. In:
Revista Portuguesa de Filosofia.
v.61, n.2 (2005) p.533-558.PATON, H. J.
The Categorical Imperative:

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Pennsylvania Press, 1971.WOOD, Allen W.
Kant’s Et
hical Thought.

Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

No imperativo moral a lei não decorre da experiência, tem de ser anterior a ela, tem de ser a priori, senão não se podia julgar a experiência. A moralidade kantiana define-se também pelo seu apriorismo. Tem de ser assim mesmo, porque a razão que conhece os fenómenos é a mesma razão que estabelece os princípios da acção, o uso dela é que é diferente. E é diferente porque uma diz respeito ao conhecimento e a outra diz respeito à acção. Contudo, nem sempre a acção é guiada pela razão, porque o homem não é um ser puramente racional. O ser humano está sujeito às inclinações, tem inclinação para a animalidade, para a humanidade e para a personalidade, só esta última é verdadeiramente moral (age de tal maneira que tomes sempre o outro como um fim e nunca como um meio), este princípio diz respeito à terceira inclinação, as outras duas não são por si más, só são más quando se desviam ou não se deixam orientar pela razão. Isto é o imperativo moral do princípio da acção como máxima, de acordo ou com o respeito à lei moral. Os imperativos podem ser de vários tipos, mas o imperativo moral é o imperativo categórico. É categórico porque é apodíctico, ou seja, não admite qualquer tipo de dúvida, é uma acção considerada objectivamente necessária, é uma acção que não tem referência a qualquer tipo de finalidade, é uma moral não teleológica.
Kant diz como é que eu devo e não o que devo fazer, o imperativo é universal na sua forma, não é de natureza substancial ou material. A preocupação é puramente formal – age sempre de tal maneira que a tua máxima da acção seja lei universal – temos de tornar operativa esta forma, e fazemos isso perguntando sempre se o princípio da acção pode ser universal, se não há contradição. Com esta concepção de imperativo com a ideia de universalidade, Kant está a chamar atenção para o facto de a razão não poder deixar de ser universal, por isso é uma moral racional. Assim, o imperativo tem 3 redações, a primeira é;
Age como se a máxima da tua acção se devesse tornar, pela tua vontade em lei universal da natureza. (princípio da universalidade),
a segunda é;
Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca como meio. (princípio da finalidade),
a terceira é;
Age de tal maneira que a tua vontade se possa considerar como sendo a autora da lei universal à qual se submete. (princípio da autonomia).
A máxima é o princípio subjectivo da acção, é aquele princípio que elejo como princípio da acção. Quando a vontade busca a lei que deve determina-la em qualquer outro ponto que não seja a aptidão das suas máximas para a sua própria legislação universal, a acção torna-se imoral. Estamos no domínio da heteronomia, seria uma vontade heterónima, há um princípio que é exterior a mim que me determina. A autonomia da vontade significa a assunção de mim enquanto eu sou capaz de determinar o próprio princípio, ou seja, enquanto a máxima contribui para a legislação universal, ser capaz de a si próprio dar a lei, só assim é que eu sou autónomo.
Para Kant tudo se fundamenta num conceito, que é o conceito de liberdade. A liberdade para Kant é a rátio essendi da lei moral, é a razão de ser da moralidade e a lei moral é simultaneamente a rátio cognóscente da liberdade. Só um ser livre pode ser um ser moral, uma pedra não pode. Eu sei que é assim pela lei moral, é pelo facto de eu agir de tal maneira que a máxima da acção seja princípio universal que eu sei que sou livre. Autonomia e liberdade são sinónimas.
A todo o ser racional que tem uma vontade temos de admitir necessariamente também a ideia de liberdade sobre a qual ele igualmente pode agir. Só há vontade autónoma sobre a ideia de liberdade. Somos livres, porque o ser que a si próprio dá a lei é o autor da lei, e por isso a liberdade é o último fundamento da moralidade.
Este pensamento de Kant conduz-nos àquilo que ele considera como uma das questões fundamentais da ética, que é o problema daquilo que ele chama o reino dos fins. O homem aparece-nos como seres racionais que se apresentam como fins em si mesmo. O homem apresenta-se nesse reino de fins como membro. Neste reino, o homem enquanto dá as leis é um ser soberano, enquanto obedece às leis que a si próprio deu é súbdito.
Então, tendo em conta o reino de fins, como relacionar este facto que é apodíctico, a priori, universal e necessário, com uma outra apetência que caracteriza também o ser do homem que é a apetência para a felicidade. Kant constata que todos os homens procuram a felicidade. A felicidade não deve ser o princípio determinador da vontade, a felicidade deve é ser consequência dessa determinação. O que é então a felicidade? A felicidade para Kant consiste no máximo de bem-estar no meu estado presente e em toda a condição futura. A felicidade para Kant apresenta um carácter formal do conceito. Assim, a procura da felicidade por si não é ilegítima, a felicidade é algo a que podemos aspirar, mas nunca como fim da moralidade. A ideia de felicidade varia de época, de lugar, varia de idade, etc. Neste sentido a ideia de felicidade é a posteriori. Enquanto a felicidade é da ordem da experiência, a moralidade não é. Não sabemos os meios pelos quais conseguimos alcançar a felicidade, e todos aqueles meios que nós usamos tendo em vista a obtenção da felicidade geram imperativos, prudências, imperativos hipotéticos, mas nunca imperativos categóricos. Em suma, a felicidade não pode ser critério de moralidade.
Desta forma, a moralidade e a felicidade conjugam-se considerando a subordinação da felicidade à virtude, ou seja, da subordinação da felicidade à moralidade. Se assim não fosse, estaríamos a subordinar a razão à experiência, e isso era o fim da moralidade. Kant vai dizer que nunca posso ter a certeza de que sou feliz, ou de que serei feliz, mas posso dizer que aspiro à felicidade. Assim, Kant, ao relacionar virtude com felicidade vai afirmar que são realidades distintas, o laço que une a virtude à felicidade não é um laço analítico, mas é sintético, ou seja, um laço que supõe causalidade. Isto é, para Kant é feliz o virtuoso e não o contrário. É porque eu sou virtuoso que posso aspirar à felicidade. Só a virtude pode levar à felicidade.
Assim, Kant pensa que pela via moral estamos obrigados a trabalhar pela realização do soberano bem, isto é, estamos obrigados a trabalhar na união entre virtude e felicidade. Desta forma, o soberano bem consiste na união entre virtude e felicidade. Nesta perspectiva para se ser feliz deveríamos ser santos, ou seja, devíamos ser um ser que não seja determinado por nada que não fosse o facto simplesmente da moralidade. Mas para Kant os seres humanos não são capazes, logo, vem os postulados da razão no seu uso puro prático. Os postulados são algo que eu admito como verdadeiro porque decorre da própria condição em que eu sou. Se eu sou obrigado a trabalhar pelo soberano bem, tenho de admitir uma coisa, se cá na terra não conseguimos fazer isso inteiramente, tenho de fazer isso noutro lado, sob pena da moralidade não fazer sentido nenhum. Tenho de admitir que a imortalidade da alma é real, para que durante todo o resto da minha vida para além da vida da terra, eu seja capaz de realizar o soberano bem.

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