O AUTORITARISMO DAS IDÉIAS E A DITADURA DO DISCURSO TEÓRICO
As idéias, como um
"conjunto organizado de pensamentos", servem para definir, conceituar
e caracterizar os fenômenos que observamos. Por sua vez, o discurso teórico,
como um "conjunto organizado de idéias", serve como instrumento
intelectual para teorizar, discorrer, descrever um conhecimento mais complexo e
abrangente desses fenômenos, bem como das micro e macro-relações que eles
mantêm com outros fenômenos. As idéias, expressas por conceitos, hipóteses e
postulados (convenções), são os tijolos de uma teoria. Uma teoria se expressa
através de um discurso, que chamo de discurso teórico.
As idéias e os discursos
teóricos são instrumentos fundamentais da ciência. Através das idéias podemos
desenvolver relações interpessoais, nos comunicar, desenvolver atividades de
trabalho. Por sua vez, através dos discursos teóricos, ou seja, pela
manipulação de uma teoria, podemos produzir conhecimento, construir
argumentações científicas, organizar postulados, derivar hipóteses, predizer
fenômenos. Porém, apesar de as idéias e discursos teóricos definirem,
conceituarem e descreverem os estímulos psíquicos, sociais, biológicos,
físicos, químicos, enfim, todos os fenômenos e objetos de estudo etc, elas são
e serão sempre devedoras de suas realidades essenciais.
Por exemplo, podemos produzir
enciclopédias inteiras sobre as causas, sintomas e mecanismos psicológicos
presentes nos transtornos depressivos, mas essas enciclopédias serão apenas um
corpo de conhecimento que definem, através das idéias, e discursam, através das
teorias, sobre os transtornos depressivos. Entretanto, o processo de leitura
da memória, a construção de pensamentos e transformação da energia emocional,
presentes nos transtornos depressivos, são maiores do que todo o conhecimento
que possamos produzir sobre eles. Além dessa limitação, temos um outro grande
problema. Todo o conhecimento que produzimos sobre as depressões nunca é em si
mesmo a essência da energia do humor deprimido, mas apenas um sistema teórico
que tentará defini-lo, conceituá-lo. Portanto, temos duas grandes limitações
científicas que não poucos cientistas desconhecem.
Primeira, o conhecimento
sobre os transtornos depressivos, por mais avançado que seja, terá sempre uma
dívida com os mistérios que envolvem essas doenças e que ainda não foram
descobertos. Segundo, o conhecimento, mesmo se a civilização humana vivesse
milhões de anos, terá sempre uma dívida com a realidade intrínseca da energia
contida nos transtornos depressivos ou de qualquer outro fenômeno estudado
pela ciência. Por isso, podemos falar da miséria dos outros sem nenhuma emoção,
sem conseguir nos colocar no lugar deles nem enxergar minimamente o mundo com
os seus olhos. Por inferência, podemos dizer que a ciência é sempre menor do
que o universo dos fenômenos que estuda e sempre solitária em relação à
realidade essencial destes fenômenos.
Um milhão de idéias e
discursos teóricos sobre um determinado fenômeno não resgata a essência
intrínseca do próprio fenômeno, pois o fenômeno continua sendo essencialmente
ele mesmo, e as idéias e os discursos continuam sendo sistemas de intenções
conscientes (virtuais) do observador que tentam descrevê-lo na sua mente. Há
uma distância infinita entre a consciência da essência e a essência em si
mesma. Há uma distância infinita entre o pensamento de um químico sobre os
átomos e os átomos em si. Por que as ciências evoluem? Por que a cada dez anos
grandes verdades científicas se tornam grandes enganos? Um dos grandes motivos
se deve ao fato de que o conhecimento, composto de idéias e de teorias não
expressa a realidade essencial dos fenômenos que estuda, mas a realidade
virtual, intencional, sobre eles.
As idéias e os discursos
teóricos não podem ser fechados dentro de si mesmos. Veremos que "trancar"
uma teoria numa redoma intelectual, como Freud fez, é um grande perigo contra a
evolução da ciência, pois podemos confinar os fenômenos apenas dentro dos
limites de nossas idéias e de nossas teorias. As idéias e os discursos teóricos
geram paradigmas e estereótipos socioculturais que, se não forem revisados
criticamente, podem levar a uma grave distorção na produção científica.
A utilização autoritária das
idéias e a manipulação ditatorial dos discursos teóricos são ferramentas que
desfiguram a produção de conhecimento de um fenômeno em relação à sua realidade
essencial. Os que assim procedem não percebem que, além das idéias e dos
conceitos serem sempre uma expressão reducionista da verdade essencial, a
verdade essencial é inatingível em si mesma, pois todo conhecimento, ainda que
tenha sido produzido com os mais rigorosos métodos e procedimentos científicos,
e que possua as mais importantes conseqüências científicas é um sistema de
intenções dialéticas antiessenciais. Estudaremos estes assuntos.
Quem tem uma postura
intelectual autoritária não apenas fere a democracia das idéias, mas fere a si
mesmo, porque é usado, manipulado, controlado intelectualmente pela rigidez
das próprias idéias e do discurso teórico produzidos pela leitura da sua
memória.
Uma pessoa autoritária agride
e fere os direitos do "outro", mas, antes disso, fere seu próprio
direito de ser livre, de pensar com liberdade. Por isso toda pessoa agressiva é
auto-agressiva. Os profissionais liberais que exercem o autoritarismo das idéias
vivenciam dentro de si mesmos o "auto-autoritarismo", punem a si
mesmos, encerram-se dentro de um cárcere intelectual. Do mesmo modo, os
pesquisadores que exercem a ditadura do discurso teórico, que se fecham
exclusivamente dentro da teoria que abraçam, aprisionam sua capacidade de
pensar dentro dos limites da sua teoria. Para entender o
"autoritarismo" das idéias, bem como da "ditadura" do
discurso teórico, precisamos estudar os fenômenos que promovem o funcionamento
da mente e a construção dos pensamentos.
A TEORIA MULTIFOCAL DO CONHECIMENTO
Muitas pessoas consideram
raríssimo, nos dias atuais, alguém produzir uma teoria científica sem a
influência geral ou parcial de outra teoria preexistente e que, além disso,
seja consistente e fundamentada em argumentos criteriosos. Pois é uma
realidade; é muito difícil reunir num mesmo trabalho intelectual a
originalidade e a coerência.
O conhecimento se tornou
muito vasto em todos os campos da ciência, o que dificulta pesquisas originais.
Na psicologia, quase não há mais espaço para a produção de uma teoria
totalmente nova sobre o funcionamento da mente e o desenvolvimento da
personalidade, pois as teorias existentes se entrelaçam em diversas áreas e os
milhares de pesquisas, realizadas anualmente, por cientistas de todo o mundo
se apóiam freqüentemente em uma dessas teorias. Por isto, este livro representa
um grande desafio. Sob os alicerces da metodologia e dos procedimentos que
utilizei, que serão comentados neste capítulo, apresentarei não apenas uma
teoria psicológica, mas uma teoria completamente nova, original. Ela é tão
original como foi a teoria da psicanálise na época que Freud a lançou.
Entretanto, a qualidade desta teoria e de seus fundamentos deve ser julgada
pelos leitores.
Ao longo de mais de dezessete
anos desenvolvi a teoria multifocal do conhecimento (TMC). A teoria multifocal
do conhecimento, como o próprio nome expressa, é uma teoria abrangente, que
inclui diversas teorias que se inter-relacionam no campo da Psicologia,
Filosofia, Educação, tais como a teoria do funcionamento psicodinâmico da
mente, a teoria da inteligência multifocal, a teoria da interpretação, a
teoria do caos intelectual, a teoria do fluxo vital da energia psíquica, a
teoria da evolução psicossocial do homem, a teoria da personalidade, a teoria
da lógica do conhecimento, a teoria da interpretação.
Neste capítulo desenvolverei
alguns pilares da teoria da lógica do conhecimento e da teoria da
interpretação. Nos capítulos seguintes abordarei a teoria da inteligência
multifocal e do funcionamento da mente e no décimo terceiro capítulo
retomarei a teoria da interpretação e continuarei desenvolvendo-a. Por que a
teoria da interpretação será retomada depois da exposição da teoria da
inteligência multifocal? Porque ela foi desenvolvida paralelamente à descoberta
dos fenômenos que estão inseridos no processo de construção de pensamentos.
Portanto, a teoria da inteligência me ajudou a construir a teoria da
interpretação e, à medida que esta ia sendo expandida, me ajudava a reciclar a
teoria da inteligência e do funcionamento da mente.
A teoria multifocal do
conhecimento não é uma teoria que procura anular as demais teorias, tais como a
psicanalítica, cognitiva, comportamental; pelo contrário, procura contribuir
para explicá-las, criticá-las, reciclá-las e abrir novas avenidas de pesquisas
para elas. As teorias psicológicas, filosóficas, psicopedagógicas,
sociológicas etc, foram produzidas usando o pensamento como alicerces,
enquanto a teoria multifocal do conhecimento estuda as variáveis universais que
estão presentes nos próprios alicerces, ou seja, estuda os fenômenos que
promovem a própria construção dos pensamentos.
A teoria da inteligência
multifocal ultrapassa a abordagem da "teoria da Inteligência
Emocionar, pois, além da variável emocional, ela estuda mais de trinta
outras variáveis que participam da construção da inteligência humana; por isso
ela é chamada de inteligência multifocal.
Muitas perguntas importantes
procurarão ser respondidas, tais como: Os fetos pensam? Como se desenvolve o
eu? Por que o homem é um grande líder do mundo extrapsíquico, mas não é um
grande líder dos seus pensamentos e das suas emoções? Todos os pensamentos que
produzimos são determinados pelo eu ou existem fenômenos psíquicos que
constroem pensamentos sem a autorização do eu? Como penetramos na memória e
construímos as cadeias de pensamentos? Quantos tipos de pensamentos são
produzidos na mente humana e quais são as suas funções? Como se organiza,
desorganiza e reorganiza a energia psíquica? Qual a relação entre as cadeias de
pensamentos e as emoções? Como construímos as relações humanas?
Após ter desenvolvido a
estrutura básica da teoria que estou produzindo, a Teoria Multifocal do
Conhecimento (TMC), comecei a ler, a apreciar e a criticar, dentro das minhas
limitações intelectuais e de tempo, as idéias filosóficas, psicológicas,
sociológicas e psiquiátricas de outros pensadores. Por isso, embora a teoria
desenvolvida neste livro seja totalmente original, ele contém uma pequena
bibliografia, pois faço alguns pequenos comentários sobre algumas teorias. A
utilização de uma teoria no processo de expansão de conhecimento científico é
legítima e pode ser muito útil se usada com critério. Uma teoria bem produzida
é uma fonte de pesquisa, tem mais valor do que milhares de livros. O papel
principal das teorias é abrir as avenidas do conhecimento na ciência.
Os assuntos aqui tratados
serão importantes aos que querem algumas pistas para desenvolver a arte de
pensar e se tornar um pensador original, um engenheiro de idéias que se coloca
em contínuo processo de aprendizagem. A "tríade de arte da pesquisa"
e a busca do caos intelectual, como veremos, serão os ingredientes básicos para
se formarem pensadores em qualquer área da ciência e em qualquer área da sociedade,
incluindo a política e a economia. Esses assuntos também interessam àqueles que
querem entender o que é a "verdade" e se é possível atingi-la na
ciência, bem como o que é uma teoria, qual a melhor maneira de aplicá-la e
quais as suas relações com a inesgotabilidade da ciência.
Faremos uma viagem
intelectual interessante. Navegaremos pelos mares da ciência, romperemos
alguns tabus. Compreenderemos os motivos pelos quais a ciência, tão bela e
importante para a civilização humana, tem grandes limites para encontrar aquilo
que mais ama: a verdade.
OS SETE PROCEDIMENTOS MULTIFOCAL E AS CINCO MESCLAGENS DE CONTRAPONTOS INTELECTUAIS
Para que possamos gerenciar
uma construção criteriosa de pensamentos, capaz de conquistar o status de
"conhecimento científico", não basta processarmos a leitura da
memória e produzir cadeias de pensamentos dialéticos, pois essa produção de
pensamentos poderá ser meramente especulativa, o que resultará numa ciência sem
fundamento. Para fugir dessa situação, procurei desenvolver pelo menos sete
procedimentos multifocais, alguns dos quais complexos e difíceis de ser
aplicados. Estes procedimentos não são utilizados, em sua maioria, na pesquisa
acadêmica, mesmo nas teses de doutorado. Os grandes teóricos da psicologia
também não os utilizaram na produção de suas teorias, o que gerou um grande
prejuízo para esta ciência.
Os procedimentos utilizados
na pesquisa acadêmica normalmente são bem conhecidos no mundo todo, tais como:
seletividade de dados, análise de dados, levantamento bibliográfico, uso de uma
teoria como suporte da interpretação. Além dos procedimentos que desenvolvi,
também utilizei esses procedimentos clássicos. Somente não usei os
levantamentos bibliográficos nem uma teoria prévia como suporte da
interpretação, pois a teoria que desenvolvo é, como disse, totalmente
original.
O levantamento bibliográfico,
contido rio final dos textos, foi feito depois que a teoria que eu desenvolvia
estava elaborada. Ele foi feito com o objetivo de evidenciar alguns pensamentos
de outros teóricos em relação à teoria aqui exposta.
Os setes procedimentos que
utilizei são: a arte da formulação de perguntas; a arte da dúvida; a arte da
crítica; a busca do caos intelectual para se processar a descontaminação da
interpretação; a busca do caos intelectual para expandir as possibilidades de
construção do conhecimento; a análise das causalidades históricas e das
circunstancialidades biopsicossociais; e a análise dos processos de construção
das variáveis de interpretação na mente.
Além desses setes
procedimentos, também utilizei na minha trajetória de pesquisa cinco
"mesclagens de contrapontos intelectuais" (MCI), que me estimularam a
revisar criticamente e reorganizar continuamente a produção de conhecimento
sobre os processos de construção do pensamento. Essas mesclagens referem-se a
uma mistura entre pontos intelectuais opostos ou eqüidistantes, tais como: a
liberdade em observar e a disciplina na observação, a livre produção de
pensamento e a revisão crítica dessa produção. Algumas dessas mesclagens
resultaram do processo de co-interferência dos sete procedimentos de pesquisa
que utilizei. As cinco "mesclagens de contrapontos intelectuais"
(MCI) que utilizei foram: 1. Mesclagem entre a liberdade contemplativa de
observar os fenômenos com a disciplina empírica no processo de observação e
seleção dos mesmos. 2. Mesclagem entre a liberdade de interpretar os fenômenos
com a reorganização e reorientação contínua do processo de interpretação. 3.
Mesclagem entre a utilização do caos intelectual para esvaziar, tanto quanto
possível, as distorções preconceituosas e os referenciais históricos contidos
no processo de formação da personalidade com a utilização desse caos para
expandir as possibilidades de compreensão dos fenômenos e de construção do conhecimento.
4. Mesclagem entre a liberdade da produção do conhecimento com a reciclagem
crítica e contínua da mesma. 5. Mesclagem entre a análise das variáveis da
interpretação (fenômenos) com a análise dos sistemas de cointerferências que
elas organizam para gerar o funcionamento da mente e a construção das cadeias
de pensamentos.
A ARTE DA PERGUNTA, DA DÚVIDA E DA CRÍTICA
Não é objetivo deste livro
dar ênfase aos sete procedimentos e às cinco "mesclagens de contrapontos
intelectuais" que utilizei em minha trajetória de pesquisa, embora toda a
minha produção de conhecimento resulte deles. Vou dar ênfase apenas ao quarto
e quinto procedimento, ou seja, aos procedimentos que se referem à busca do
caos intelectual. Porém, quero também fazer uma síntese dos três primeiros
procedimentos: a arte da formulação de perguntas, a arte da dúvida e a arte da
crítica, pois eles foram fundamentais na minha produção intelectual.
Aprendi que a arte de
perguntar é mais importante do que a arte de responder. Aliás, a maneira como
se pergunta pode produzir um autoritarismo das idéias, pois estabelece as
diretrizes das respostas. Antes da busca das respostas, antes da produção de
conhecimento, é necessário fazer não apenas algumas perguntas, mas múltiplas
perguntas sobre os fenômenos que estamos observando e interpretando. Devemos
ainda não apenas formular perguntas multifocais sobre os fenômenos e suas
micro e macrorrelações, mas perguntas sobre as próprias perguntas, suas dimensões,
seus limites e alcance. A função da arte da formulação das perguntas não é,
inicialmente, fornecer respostas, pois as respostas são ditadoras das
perguntas, mas expandir a dúvida. Quanto mais dúvida e confusão intelectual,
mais profunda poderá ser a resposta, mais rica será a produção de conhecimento;
quanto menos dúvida, mais pobre será a produção de conhecimento.
Os três grandes inimigos de
um pensador são: as dificuldades de expandir a arte da pergunta e da crítica,
a dificuldade de conviver com a dúvida e a ansiedade por produzir respostas. A
fertilidade das idéias de um pensador não está na sua capacidade de produzir
respostas, mas na sua intimidade com a arte da formulação das perguntas, a arte
da dúvida, arte da crítica e do quanto procura e suporta a experiência do caos
intelectual.
A palavra arte associada à
palavra "dúvida" ou "crítica" não quer dizer uma simples
dúvida ou crítica esporádica, mas um processo contínuo de duvidar e criticar,
um sistema contínuo de aprimoramento da observação, interpretação e questionamento
do conhecimento. A arte da formulação de perguntas me levou a fazer centenas e,
em alguns casos, milhares de perguntas sobre cada fenômeno intrapsíquico que
observava. Mesmo diante da mais simples idéia que eu produzia na minha mente,
eu questionava intensamente suas origens, construtividade, natureza, alcance
etc. Eu observava atentamente não apenas o comportamento das pessoas, mas era
um contínuo viajante na trajetória do meu próprio ser. Assim, durante o processo
de observação dos fenômenos psíquicos, eu expandia, através da arte da
formulação de perguntas, a arte da dúvida. Esta estimulava meu processo de
interpretação e, conseqüentemente, minha produção de conhecimento. Através da
expansão da produção de conhecimento, aprimorava a arte da crítica. Com isso, aprendi
pouco a pouco a usar a arte da crítica, não apenas para criticar todo
conhecimento que previamente eu tinha sobre os fenômenos psíquicos que
observava, mas também para criticar toda interpretação e produção de
conhecimento que extraía deles.
Vivi intensamente a arte da
formulação de perguntas, a arte da dúvida e da crítica, que chamo de
"tríade de arte da pesquisa". Elas são fundamentais na produção da
pesquisa científica e até na convivência social. Elas foram para mim a fonte
motivadora do processo de produção de conhecimento sobre os complexos e
sofisticados processos de construção dos pensamentos.
O exercício contínuo da
"tríade de arte da pesquisa" foi-me levando, ao longo dos anos, a
desenvolver dois procedimentos sofisticados ligados à busca do "caos
intelectual" que objetivavam tanto processar a descontaminação da
interpretação quanto expandir as possibilidades de construção do conhecimento.
A busca do caos intelectual também me levou pouco a pouco a aprimorar dois
instrumentos de observação e análise (instrumentos empíricos), que é a análise
das causas históricas (variáveis ligadas à memória) e das circunstancialidades
biopsicossociais (variáveis intrapsíquicas, intraorgânicas e sociais presentes
no ato da interpretação) e a análise dos processos de construção das variáveis
da interpretação na mente ou campo de energia psíquica.
Tenho consciência de que
abordar sucintamente esse emaranhado de procedimentos pode gerar mais confusão
do que esclarecimento. Minha intenção é evidenciar que um pensador precisa
pesquisar com critério e rejeitar determinadas atitudes especulativas e
teoricistas. Penso que um teórico da Filosofia não precisa evidenciar seus
procedimentos, pois a grandeza das suas idéias está no conteúdo do seu
discurso teórico; mas um teórico da Psicologia precisa, embora muitos deles não
o tenham feito, pois ele estuda fenômenos intrapsíquicos específicos e sua
produção de conhecimento objetiva alcançar uma aplicabilidade psicossocial na
educação, nas relações sociais e no campo das doenças psicossociais e
psíquicas. Como procurei pesquisar o homem na perspectiva psicossocial e
filosófica, bem como com outras ciências, sinto a necessidade de fazer uma
exposição sucinta desses procedimentos que desenvolvi na trajetória da minha pesquisa.
OS PROCEDIMENTOS MULTIFOCAIS
USADOS COMO VACINA INTELECTUAL
A busca do caos intelectual
no processo de observação e interpretação dos fenômenos psíquicos abre algumas
janelas psicossociais e filosóficas para expandirmos as possibilidades de compreensão
sobre as origens, limites, alcance, práxis, natureza dos pensamentos
(incluindo o conhecimento científico) e da consciência existencial.
É mais fácil desenvolver o
autoritarismo do que a democracia das idéias, do que redirecionar o processo de
observação, interpretação e produção de conhecimentos através do exercício da
"consciência crítica do eu". Não me refiro apenas ao
macroautoritarismo e à macroditadura política, mas aos microautoritarismos e às
microditaduras sociais que freqüentemente ocorrem na relação pai-filho,
professor-aluno, policial-cidadão, executivo-empregado,
psicoterapeuta-paciente, médico-paciente, político-eleitor, líder
espiritual-fiel, palestrante-ouvinte etc. O respeito e o estímulo à capacidade
de pensar do "outro" deveriam saturar todos os níveis das relações
humanas, inclusive a pesquisa científica.
Os "antídotos"
intelectuais contra o autoritarismo nas relações humanas são multifocais: a)
compreender que a democracia das idéias é uma inevitabilidade; b) respeitar o
ser humano na sua integralidade; c) considerá-lo capaz de pensar e escolher
seus próprios caminhos; d) estimular a revolução das idéias que ocorre na sua
mente e procurar contribuir para que ela seja redirecionada para desenvolver a
revolução do humanismo, da cidadania e da capacidade crítica de pensar. Por sua
vez, as "vacinas" e "antídotos" intelectuais contra os
autoritarismos das idéias e as ditaduras dos discursos teóricos produzidos na
pesquisa científica também são multifocais: exercitar a arte da formulação de
perguntas, da dúvida, da crítica; a busca do caos intelectual, a reciclagem e
reorganização contínua do processo de interpretação; a postura constantemente
aberta no processo de observação, interpretação e produção de conhecimento,
capaz de se abrir sempre às novas possibilidades dos fenômenos que contemplamos
etc.
Os procedimentos derivados da
busca do caos intelectual se tornaram importantes "vacinas" contra o
autoritarismo das idéias e a ditadura do discurso teórico na minha trajetória
de pesquisa e produção de conhecimento. Porém, não há procedimentos totalmente
seguros; por isso a minha produção de conhecimento possui limites, além de ser,
como disse, apenas uma ilha no mar inesgotável da ciência.
O uso de uma teoria pode ser
importante para um pesquisador estimular sua trajetória de pesquisa e produção
de conhecimento, mas pode também reduzir a revolução das idéias e produzir,
como eu disse, a ditadura dos discursos teóricos. Porém, embora pesquisasse sem
a utilização de uma teoria psicológica, filosófica, sociológica ou de qualquer
outra teoria científica, aprendi que não apenas uma teoria científica pode
gerar a ditadura do discurso teórico, mas também a nossa própria história
intrapsíquica, arquivada em nossa memória, pode provocá-las.
A história intrapsíquica
funciona como uma importante teoria; a teoria histórica, e sua leitura sem
crítica gera um confinamento da liberdade de pensar, pois só conseguimos
enxergar o mundo que nos envolve apenas de acordo com o "nosso
mundo". A medida que fui expandindo essa compreensão, comecei, através da
tríade de arte da pesquisa empírica, a buscar mais intensamente o caos
intelectual, para me "vacinar", tanto quanto possível, contra essas
formas sofisticadas de controle intelectual contidas na minha história
intrapsíquica. Foram anos de dúvidas e de insegurança intelectual; porém a luz
que emerge do caos tem uma beleza e claridade ímpar.
As dificuldades do
"eu" de fazer uma revisão crítica das idéias e dos discursos do
conhecimento são grandes, mas essa revisão é imperativa para estudarmos os
fenômenos da mente, essencialmente inacessíveis e sensorialmente intangíveis
(imperceptíveis).
Produzir conhecimento pode
ser aparentemente simples, mas a construtividade de pensamentos é altamente
sofisticada. Há uma arte psicodinâmica sofisticadíssima nos bastidores da mente
que precisamos explorar e compreender, que é responsável por toda produção de
pensamento consciente expressa nos quadros de pintura, na literatura, nas
relações humanas, nos discursos dialético-científicos, enfim, nos palcos
conscientes da existência.
Falar da natureza e
construtividade do conhecimento é falar de um dos mais importantes mistérios da
ciência. Compreender a natureza do conhecimento abrirá algumas janelas para
compreendermos os limites, alcance, lógica e práxis do próprio conhecimento,
seja nas ciências físicas, seja nas ciências da cultura.
A palavra
"empírico" tem uma definição particular neste livro. Ela se refere ao
processo psicossocial e filosófico de produção de conhecimento dos fenômenos
psíquicos. Neste livro, esses fenômenos estão relacionados com a construção dos
amplos aspectos da inteligência. A produção de conhecimento é realizada através
das etapas do processo de interpretação e conduzida através do corpo de procedimentos
de pesquisas que utilizei, inclusive os ortodoxos, tais como a arte da
observação e o levantamento de dados.
As cinco etapas do processo
de interpretação, já comentadas, sofre a influência de múltiplas variáveis, o
que compromete a "pureza" da produção de pensamentos e,
conseqüentemente, macula a produção de conhecimento, inclusive a construção
das teorias científicas. Diferente da grande maioria dos cientistas teóricos,
procurei usar um corpo de procedimentos na minha produção de conhecimento, para
que pudesse ampliar as dimensões da teoria que estava criando.
Criar uma teoria foi e ainda
é uma aventura complexa e sinuosa para mim. Os teóricos produziram conhecimento
usando o pensamento como ferramenta — eu procurei produzir conhecimento sobre a
ferramenta que eles utilizaram, ou seja, sobre o próprio pensamento, sobre os
fenômenos que o constrói, sobre os elementos que dão origem às idéias.
As teorias científicas, além
de possuir limites ligados à sua construção, possuem limites ligados às suas
dimensões. A seguir, farei uma breve e importante abordagem dos limites gerais
de uma teoria em relação à inesgotabilidade da ciência.
A INESGOTABILIDADE DA CIÊNCIA. AS TEORIAS PODEM EXPANDIR OU CONTRAIR O MUNDO DAS IDÉIAS
A utilização das teorias é importante,
pois elas podem funcionar como um canteiro de idéias, capazes de expandir a
produção de conhecimento; mas elas são invariavelmente limitadas e redutoras
diante da inesgotabilidade da ciência. Quem utiliza inadequadamente as teorias
pode provocar o macroautoritarismo das idéias e a macroditadura dos discursos
teóricos; por isso o exercício da democracia das idéias, a ser estudado,
torna-se imperativo.
Não há teoria completa; todas
precisam ser reescritas e expandidas, porque a ciência é inesgotável. A ciência
é inesgotável pelo menos por três grandes fatores: 1. Pelo fato de os processos
de construção dos pensamentos ultrapassarem os limites da lógica. 2. Pelo fato
de a consciência existencial ser virtual. 3. Pelo fato de o universo
microessencial ser infinito.
Primeiro, comentei que, nos
bastidores da mente humana, o processo de interpretação sofre um processo de
influência contínua de um conjunto de variáveis, que nos leva a produzir
pensamentos distintos diante dos mesmos fenômenos e objetos que interpretamos.
A construção dos pensamentos sofre um sistema de encadeamento distorcido que
ultrapassa os limites da lógica. Portanto, diante da mesma ofensa, do mesmo
elogio, do mesmo foco de tensão, da mesma notícia, da mesma imagem, do mesmo
fenômeno físico, que interpretamos em dois tempos distintos, produzimos
pensamentos micro ou macro distintos. O sistema de encadeamento distorcido, que
ocorre espontaneamente no processo de construção de pensamentos, leva a
ciência a ser inesgotável, pois ela não é fruto do fenômeno em si, mas do
fenômeno interpretado.
Segundo, a consciência
existencial jamais atinge a realidade essencial dos fenômenos, pois a
consciência é virtual, antiessencial, ou seja, um sistema de intenções que
discursa incansavelmente sobre a realidade essencial, mas nunca a incorpora
intrinsecamente. A consciência existencial, ainda que seja sustentada por uma
produção de conhecimento, capaz de gerar aplicabilidades e previsibilidades de
fenômenos, nunca incorpora em si mesma a realidade essencial dos fenômenos (a
verdade essencial).
Há uma distância infinita
entre a consciência existencial (virtual) e a realidade intrínseca dos
fenômenos (essencial). Porém, quando o corpo de conhecimentos, que constitui a
consciência existencial, se torna aplicável e gera previsões de fenômenos, ele
se torna comprovável e ganha o status de verdade científica. Porém, a
verdade científica nunca é a verdade essencial; nunca é, portanto, completa e
absoluta; por isso ela está invariavelmente, ao longo dos séculos e das
gerações, se reorganizando e se expandindo.
A criatividade da consciência
existencial, produzida na esfera da virtualidade, torna a ciência inesgotável.
O conhecimento, ainda que utilize milhões de idéias, por ser de natureza
virtual, ao tentar descrever e dar significado à realidade essencial dos
fenômenos, nunca a incorpora. O conhecimento e a realidade essencial estão em
mundos distintos, possuem naturezas diferentes.
Os cientistas são andejos da
virtualidade, pois percorrem continuamente, através dos órgãos do sentido e do
mundo das idéias, os territórios da realidade, sem de fato nunca encontrá-los
na sua essência. Os cientistas são limitados, mas a ciência é inesgotável.
Provavelmente, são muitos os
professores universitários que não conhecem os limites entre a verdade
científica e a verdade essencial. Não compreendem que, pelo fato de a natureza
do conhecimento ser virtual e sua construção ultrapassar os limites da lógica,
geram-se tanto limitações na práxis do conhecimento (pensamento dialético) como
paradoxalmente uma inesgotabilidade nas dimensões do próprio conhecimento
científico.
As limitações ocorrem devido
ao fato de o pensamento ser virtual. Por ser virtual, o pensamento, além de não
incorporar a realidade do objeto sobre o qual discursa, tem dificuldade para se
materializar, pois sua natureza é virtual. Embora esse fato seja difícil de se
entender, ele atinge toda a nossa história de vida. Por exemplo, eu posso
pensar sobre a minha ansiedade, mas o pensamento não incorpora a realidade da
energia da ansiedade, pois ele é um discurso virtual sobre a ansiedade, mas
não a ansiedade em si. Além disso, por ser de natureza virtual, o pensamento
tem dificuldade para se materializar no campo de energia psíquica e
transformar minha ansiedade em prazer ou tranqüilidade. Notem que o homem é
líder do mundo, mas não é líder de si mesmo. Sua construção de pensamentos não
transforma facilmente suas emoções. Se os pensamentos tivessem plena liberdade
de transformar o mundo psíquico, seria fácil tratar das depressões, superar o stress,
transformar os psicopatas em pessoas humanistas e nos fazer viver num oásis
de prazer mesmo diante das nossas misérias sociais. Vimos que o pensamento
dialético, de natureza virtual, não é materializado através de si mesmo, mas
através das matrizes de pensamentos essenciais inconscientes.
Por ser virtual, o pensamento
dialético tem limitações. Agora, precisamos entender que, por ser virtual, o
pensamento e, conseqüentemente, toda a ciência se tornam inesgotáveis. E
inesgotáveis porque, na esfera da virtualidade, os pensamentos ganham uma
plasticidade construtiva e uma liberdade criativa indescritível. Posso pensar o
que quero, quando quero, da maneira que quero, sem respeitar nenhuma limitação.
A ciência é inesgotável
porque o mundo das idéias é inesgotável, pois ele é construído na esfera da
virtualidade. Devido à inesgotabilidade da ciência, toda teoria, toda tese,
necessita invariavelmente ser revista e/ou expandida ao longo do tempo. Daqui a
um século, grande parte do conhecimento que hoje consideramos como verdade
científica perderá sua validade ou terá sua validade questionada. Desconhecer
os limites e o alcance do conhecimento faz com que a transmissibilidade do
conhecimento na educação seja, freqüentemente, autoritária e unifocal,
suscitando raramente o debate intelectual e o intercâmbio das idéias na
relação professor-aluno. Esse autoritarismo pode ocorrer em todas as esferas
das relações humanas.
Terceiro, o fato de o
universo microessencial ser infinito também elucida essa inesgotabilidade. Se
por um lado os cientistas da Física descobriram que o universo macroessencial é
composto de dezenas de bilhões de galáxias — portanto finito — por outro lado,
o universo microessencial é infinito, pois, se assim não fosse, dar-se-ia que
a infinita unidade da microessência (matéria ou energia) atingiria o nada.
Nesse caso, teríamos o paradoxo tudo-nada, pois o tudo seria constituído do
nada. Assim, o mundo que somos e em que estamos seriam universos inexistentes.
A consciência da existência é
um autotestemunho da existência. A consciência da existência, embora virtual,
nasce, como comentarei, da realidade essencial das matrizes dos pensamentos.
Se é paradoxalmente impossível que a microessência atinja o nada, não há
partícula microessencial fundamental, indivisível, seja ela matéria ou
energia. Se a microessência jamais atinge o nada, ela é infinita em si mesma.
Os físicos dizem que o universo é finito; mas quando fazemos uma análise
filosófica dos fenômenos, descobrimos que o universo microessencial é
infinito. Nessa análise, a Filosofia e a Física fundem-se.
Qualquer área da ciência,
mesmo a Física Quântica, circunscreve as dimensões essenciais inesgotáveis dos
fenômenos que estuda e dos sistemas de relações existentes entre eles aos
limites estreitos e autoritários de uma teoria. Até os conhecimentos
cientificamente comprovados (as verdades científicas) são autoritários, pois
revelam apenas uma seqüência de, no máximo, meia dúzia de respostas na cadeia
interminável do conhecimento sobre os fenômenos. Exemplo: os tecidos são
formados de células, as células de moléculas, as moléculas de átomos, os
átomos de prótons, nêutrons, elétrons e de outras partículas subatômicas,
projetando, assim, uma seqüência interminável de indagações desconhecidas sobre
o universo microessencial.
Se o universo microessencial
é infinito, os sistemas de micro e macrorrelações existentes entre os
fenômenos microessenciais também o são e, conseqüentemente, o conhecimento
sobre eles também o é, evidenciando, portanto, a inesgotabilidade da ciência. A
infinidade da microessência revela que a ciência é infinita. Os cientistas são
finitos, mas as possibilidades da ciência são infinitas.
Diante da infinidade da
microessência e de suas relações e, conseqüentemente, da inesgotabilidade da
ciência, por mais que tenhamos cultura e produzamos conhecimento, ninguém é de
fato um mestre ou um doutor (Ph.D.) em qualquer área da ciência. Todos os
cientistas são eternos aprendizes. Os títulos acadêmicos honram os cientistas,
mas não honram a inesgotabilidade da ciência. Por isso, se na atual estrutura
acadêmica os títulos são inevitáveis, eles deveriam ser usados como uma
referência de pouco valor, e não para estabelecer hierarquia entre os cientistas.
Não há hierarquia entre os que pensam, sejam eles pesquisadores científicos ou
não.
O valor de um pensador não
está na grandeza dos seus títulos, mas na grandeza das suas idéias. Por isso,
nos congressos científicos, os títulos acadêmicos de um cientista, e mesmo a
procedência de uma universidade ou o instituto de pesquisa, não deveriam ser
pronunciados em voz altissonante, tampouco deveriam figurar nos livros em
letras garrafais. Não sendo assim, contamina-se o processo de interpretação do
ouvinte ou do leitor e fere-se a democracia das idéias. Nos bastidores da
psique humana há muitas variáveis que podem contaminar excessivamente o
julgamento crítico das idéias. A estética socioeducacional, se supervalorizada,
pode ser uma delas.
Os discípulos de uma teoria,
seja ela científica, política ou educacional, deveriam tomar cuidado com tudo
aquilo que pode levá-los a supervalorizar as idéias de um teórico, tais como
imagem social, imagem histórica, influência política, títulos acadêmicos,
admiração pessoal, procedência etc; caso contrário, eles podem manipular a
teoria de maneira autoritária, praticando a ditadura do discurso teórico no
exercício profissional.
OS PIORES INIMIGOS DAS TEORIAS
A antiessencialidade da
consciência existencial, o sistema de encadeamento distorcido da construção de
pensamentos e a infinidade dos fenômenos microessenciais revelam que a ciência
é invariavelmente inesgotável. Por isso, todo conhecimento, toda teoria
científica, toda verdade científica, produzida em livros, gravada em
disquetes, debatida nas universidades, aplicada nos laboratórios e nas
empresas é intensamente restritiva em relação à inesgotabilidade da própria
ciência.
Se a ciência é infinita e as
teorias, limitadas, logo se conclui que elas deveriam ser continuamente
revistas e expandidas ao longo do tempo. Por isso, reitero que os piores
inimigos de uma teoria não são os seus críticos, mas seus discípulos radicais,
ou seja, os que aderem rigidamente a elas, como se elas incorporassem a verdade
essencial, aqueles que são incapazes de criticá-la, reciclá-la e expandi-la.
Há diversas teorias
psicológicas perdendo espaço e credibilidade porque seus discípulos se sentem
culpados de tentar reciclá-las. Às vezes, o que é pior, o receio de reciclar
uma teoria não é devido à culpabilidade que possam ter, mas à falta de
honestidade intelectual consigo mesmo, ao medo da crítica de seus pares, dos
membros de sua sociedade psicoterapêutica. Tais entraves ocorrem fartamente
também em outras ciências. Muitos têm medo de fazer um motim teórico. Aqueles
que criticam e reescrevem uma teoria não a jogam no lixo nem desconsideram a
capacidade intelectual do seu autor, mas acabam apreciando-a mais, usando-a
como canteiro das idéias, embora não mais gravitem rigidamente em sua Órbita.
É inadmissível que a
Psicologia, a Filosofia, a Sociologia, a Educação, se fechem em torno de
convenções exclusivistas, pois elas nunca atingem a verdade real, essencial,
pois possuem fenômenos de estudos essencialmente inacessíveis e sensorialmente
intangíveis, e uma produção de conhecimento que sofre um sistema de
encadeamento distorcido. Essa rigidez compromete a democracia das idéias e a
expansão da própria ciência.
AS TEORIAS NA MATEMÁTICA TAMBÉM SÃO LIMITADAS
De fato a ciência é
inesgotável, mas as teorias, ainda que importantíssimas, são redutoras dela.
Até na Matemática as teorias são limitadas. Até nas indiscutíveis operações de
soma há limitações, pois 1 mais 1 só é 2 se o primeiro 1 é, em todos os níveis
microessenciais, exatamente igual ao segundo 1. Porém, como tudo no universo é
essencialmente distinto, justamente pelo fato de que dois elementos não ocupam
o mesmo espaço num mesmo período de tempo, conclui-se que a Matemática, que
parece a única ciência imutável, só é realmente imutável por artifícios
intelectuais que não se verificam no universo essencial.
Filósofos como Descartes,2
embora fossem de indiscutível inteligência, quiseram aplicar as leis da
Matemática na Filosofia, na produção de conhecimento, visando expandir sua
lógica. Porém, não compreenderam que a verdade da Matemática é antiessencial,
ou seja, possui uma distância infinita com relação à verdade essencial, ainda
que produza aplicabilidades e previsibilidades.
A compreensão lenta e gradual
da inesgotabilidade da ciência e os limites da teoria, que mescla a Filosofia
com a Psicologia, me incitou a pesquisar sem utilizar uma teoria de outro
pensador como suporte da interpretação.
A restrita seqüência de fatos
comprovados cientificamente diante da cadeia interminável de conhecimentos
sobre os fenômenos já é em si mesma uma atitude autoritária da ciência. Como a
cadeia do conhecimento com que a ciência lida é pequena e unidirecional, e como
a própria consciência não incorpora a essência real do fenômeno que discursa,
os fatos hoje comprovados cientificamente poderão deixar de ser verdades
científicas no futuro ou sofrer grandes evoluções no seu discurso.
A ciência e a verdade
"real" moram na mesma casa, mas estão em dois mundos distintos. Por
isso, a ciência deveria ser uma amiga inseparável da democracia das idéias.
USANDO O CAOS INTELECTUAL PARA DESORGANIZAR AS DISTORÇÕES PRECONCEITUOSAS
O caos intelectual é um
procedimento multifocal importante no processo de investigação e produção de
conhecimento sobre a mente. Embora a busca do caos intelectual seja
inalcançável em sua plenitude e pureza, sua busca pode ser uma ferramenta de
pesquisa fundamental para investigarmos as variáveis sensorialmente
intangíveis que co-interferem para fazer a leitura da memória e a produção dos
pensamentos, da consciência existencial e das reações emocionais.
A busca do caos intelectual
significa a busca da pureza no processo de observação, a busca da análise sem
contaminação dos conceitos e preconceitos que temos daquilo que investigamos.
O caos intelectual representa uma profunda revisão dos parâmetros do
conhecimento, dos referenciais e dos paradigmas socioculturais arquivados na
memória. A sua busca pode ser importantíssima para expandir as possibilidades
de compreensão e de construção do conhecimento sobre os fenômenos de estudo,
que no meu caso estão contidos na própria psique humana. Por que o caos
intelectual — ou seja, a desorganização dos conceitos que temos sobre
determinado objeto para o investigarmos de maneira mais pura, mais concernente
ao que ele é e não ao que achamos que ele seja — é impossível de ser alcançado?
Por que todo cientista tende a contaminar suas pesquisas com seus preconceitos?
Porque a leitura da memória e a construção dos pensamentos são automáticas e
realizadas, como estudaremos, por múltiplos fenômenos e não apenas pelo eu.
Por isso a construção da inteligência é multifocal.
A busca do caos intelectual
leva-nos a uma postura continuamente crítica e aberta no processo de
observação e interpretação e um questionamento de nossa história intrapsíquica,
que gera, momentaneamente, um estado de desorganização intelectual que nos
imerge num mar de dúvidas sobre os fenômenos que investigamos e estudamos,
fazendo-nos enfrentar nossos próprios limites intelectuais e perceber a
facilidade com que contaminamos o processo de interpretação e distorcemos a
construtividade do conhecimento sobre esses fenômenos. Devido à revisão
crítica dos conceitos, idéias e pensamentos contidos nas nossas histórias
intrapsíquicas e à postura crítica e continuamente aberta no processo de
observação e interpretação, ocorre uma filtragem das contaminações da
interpretação.
Ao mesmo tempo que se
processa uma filtragem das contaminações da interpretação, ocorrerá uma
expansão das possibilidades de compreensão e de construção do conhecimento
sobre os fenômenos. Assim, os fenômenos serão observados e interpretados de
maneira mais completa, pura, profunda, aberta. Portanto, a busca do caos
intelectual gera pelo menos duas grandes conseqüências no processo de pesquisa
e produção de conhecimento: a filtragem das contaminações da interpretação e a
expansibilidade das possibilidades de compreensão e de construção do
conhecimento. Esses dois procedimentos, derivados da busca do caos
intelectual, contraem o autoritarismo das idéias e a ditadura do discurso
teórico e contribuem para promover e redirecionar continuamente a produção de
conhecimento científico.
O exercício da procura do
caos intelectual é um procedimento de pesquisa e, mais do que isso, é uma
postura intelectual aberta que destrói nossa rigidez e nos coloca como um
eterno aprendiz na ciência e na trajetória existencial. Grande parte dos
cientistas que, com o passar do tempo, deixam de exercitar, ainda que
inconscientemente, a busca do caos intelectual, bem como a arte da pergunta,
da dúvida e da crítica, se tornam estéreis. Os cientistas, os pensadores, os
artistas que permanecem continuamente criativos e produtivos em sua trajetória
existencial tomaram o caminho oposto, ainda que não chegassem a compreender
teoricamente o caos intelectual e a "tríade de arte da pesquisa".
Qualquer comportamento,
qualquer reação emocional ou qualquer fenômeno físico que observamos,
procurando exercitar a busca do caos intelectual, irão se apresentar de
maneira muito mais rica do que a simples exposição intelectual que possamos ter
diante dos mesmos.
Uma pessoa pode contemplar um
objeto de ferro atirado pelas ruas e, automaticamente, produzir o conceito de
que está diante de um pedaço de ferro que não tem mais utilidade. Porém, se ele
exercitar a busca do caos intelectual, criticar os conceitos, idéias e
pensamentos que tem sobre esse objeto e se colocar de maneira profundamente
crítica e aberta para interpretá-lo, certamente deixará de ver esse objeto apenas
como um pedaço de ferro e expandirá as possibilidades de construção e de
compreensão do conhecimento sobre ele.
Talvez, poderá enxergar
naquele desprezível pedaço de ferro a história humana, o desespero humano, a
comunicação interpessoal, a necessidade humana de poder e de contemplação do
belo, o caos físico-químico. Talvez, no processo de expansão das
possibilidades de construção do conhecimento, fique deslumbrado ao questionar
sobre os séculos necessários para o homem dominar a tecnologia do ferro; sobre
a energia psíquica e o sofrimento humano consumidos no aprimoramento da arte
de fundir os minérios; sobre as angústias existenciais, a troca de informações
e o debate de idéias gerados para se produzir materiais a partir do ferro;
sobre a busca de prazer acompanhando o desenvolvimento da técnica, expressa
pelas formas, estilos e cores dados a esses materiais para que os seus
usuários não apenas os utilizassem, mas também contemplassem o belo a partir
deles; sobre a utilização do ferro como instrumento de poder e de
destrutividade; sobre as variáveis extrínsecas e intrínsecas que contribuem
para a oxidação do ferro e conduzi-lo, ao longo dos anos, ao caos
físico-químico; sobre os destinos que terão as partículas imersas no caos
físico-químico nos ecossistemas.
Esse exemplo simples
demonstra que a utilização do caos intelectual se choca com o autoritarismo das
idéias e expande as possibilidades de construção e de compreensão do
conhecimento sobre os objetos e fenômenos. Nesse exemplo, a busca do caos
intelectual leva as ciências físicas a encontrar as ciências da cultura,
principalmente a Psicologia e a Filosofia.
A TEORIA MULTIFOCAL E A FENOMENOLOGIA DE HUSSERL
Após ter desenvolvido idéias
sobre os processos de construção dos pensamentos, da consciência existencial,
da história intrapsíquica e do processo de transformação da energia psíquica,
a partir dos procedimentos e das mesclagens intelectuais que utilizei, tive
contato com alguns textos da fenomenologia de Husserl.3
Husserl foi um pensador de
alta qualidade. Ele advoga a tese de que o observador deveria se colocar diante
do fenômeno de estudo de maneira pura, ingênua. Portanto, não deveria utilizar
uma teoria como suporte da interpretação, pois sua utilização contaminaria o
processo de interpretação, reduzindo o fenômeno a elemento da teoria,
circunscrevendo-o apenas dentro das possibilidades da teoria, contraindo seu
caráter original.
Quando abordei o
autoritarismo das idéias e a ditadura dos discursos teóricos, evidenciei que,
apesar de uma teoria poder catalisar e promover a produção de conhecimento de
um observador (ex., cientista, psicoterapeuta), ela também pode reduzir essa
produção, principalmente se o observador gravitar em torno dela, utilizá-la
como verdade irrefutável, desconhecer seus limites, alcance, lógica e validade.
Nesse caso, o observador circunscreveria autoritária e ditatorialmente o
fenômeno observado apenas dentro dos limites da teoria que abraça, não se
abrindo a inúmeras outras possibilidades que o fenômeno revela.
Nesse sentido, a
fenomenologia tem fundamento. Porém, discordo da fenomenologia de que a
utilização de uma teoria é invariavelmente reducionista da produção de
conhecimento, embora macule a originalidade do fenômeno, pois se utilizada
dentro do campo da democracia das idéias e levando em consideração os processos
de construção dos pensamentos e os limites e alcance básicos do conhecimento
teórico, ela pode contribuir para expandir a produção do conhecimento, da
cultura, do mundo das idéias. A teoria pode tanto embotar os pensamentos como
pode catalisar, provocar e enriquecer a pesquisa científica, depende de quem a
utiliza.
Apesar de a fenomenologia ter
o brilhantismo filosófico de teorizar sobre o processo de contaminação das
teorias formais, ela desconsidera que a maior de todas as teorias utilizadas no
processo de interpretação não é a teoria formal (científica), mas a teoria
histórico-existencial, ou seja, a história intrapsíquica arquivada na memória
de cada ser humano, de cada observador.
Quando estudarmos os
fenômenos que lêem a memória e constroem os pensamentos, constataremos que ler
e utilizar as riquíssimas matrizes de informações não é uma opção do
"eu", mas uma inevitabilidade. Ler e utilizar a memória independe da
determinação do "eu". Podemos, no máximo, selecionar a leitura e a
utilização da memória. Se fosse possível abortar a leitura da memória em um
determinado momento, perderíamos a consciência de quem somos e de onde estamos.
A morte da história
intrapsíquica implica a morte da consciência humana, a morte do homem como ser
pensante. A história social, contida nos livros, é o leme intelectual que
direciona a trajetória sociopolitica de uma sociedade, e a história
intrapsíquica, contida na memória, é o leme intelectual que direciona a trajetória
da produção de pensamentos de um indivíduo.
É possível abster-se de
utilizar uma teoria formal (científica) como suporte da interpretação na
investigação dos fenômenos, mas não é possível livrar-se da teoria
histórico-existencial na investigação dos mesmos, pois o caos da energia
psíquica é reorganizado a partir da leitura da memória.
Dessa leitura se produzem as
matrizes dos pensamentos essenciais históricos, que sofrerão um misterioso
processo de leitura virtual, gerando os pensamentos dialéticos e
antidialéticos. Portanto, o maior desafio não é se precaver contra as
contaminações da interpretação da teoria formal, mas contra as contaminações da
teoria histórico-existencial. Deveríamos aprender a descontaminar o processo
de observação e interpretação, tanto quanto possível, das distorções
preconceituosas contidas na memória e, ao mesmo tempo, expandir as
possibilidades de construção e compreensão do conhecimento dos estímulos
pesquisados.
Provavelmente, muitos
cientistas, intelectuais, pensadores, psicoterapeutas, executivos e qualquer
tipo de pessoa que realiza algum tipo de trabalho intelectual, contaminam e
reduzem excessivamente sua produção de conhecimento com as teorias que
utilizam, principalmente com a teoria histórica.
É inevitável que todo
pensamento, por ser gerado pelo processo de interpretação, reduza as dimensões
dos fenômenos observados. A leitura da história intrapsíquica, se não for
revisada, produz toda sorte de distorções da interpretação e, conseqüentemente,
distorções na produção de conhecimento, além de produzir toda sorte de
discriminações e de atitudes superficiais que induzem a um excesso de
explicações psicológicas superficiais.
Todo homem lê sua memória e
torna-se um exímio engenheiro quantitativo de idéias, embora nem sempre
qualitativo; até as pessoas tímidas o são. Aliás, as pessoas tímidas falam
pouco, mas pensam muito. Pensar não é uma opção do homem; pensar é o destino do
homem; pensar é uma inevitabilidade.
UMA POSTURA CONTINUAMENTE ABERTA
Todos temos fenômenos
intrapsíquicos que vivem num fluxo vital e que reorganizam o caos da energia
psíquica, através da leitura multifocal da história intrapsíquica; por isso,
todos somos grandes engenheiros de idéias, ainda que estas sejam superficiais.
Por ser um exímio engenheiro de idéias, o homem tem tendência para produzir
idéias e pensamentos superficiais sobre os problemas existenciais, sobre as
relações humanas, sobre os problemas sociopolíticos, sobre os fenômenos
científicos e até sobre Deus, sem muita consciência crítica, sem muito respeito
à própria inteligência, sem realizar uma análise crítica dos fundamentos que
embasam seus julgamentos da interpretação, sem se colocar de maneira aberta e
crítica no processo de observação e interpretação.
É possível usar teorias para
catalisar e promover a revolução das idéias em todas as áreas das ciências e,
como disse, também é possível contaminar a revolução das idéias pelo uso
dessas teorias, por não usá-las criticamente, por gravitar em torno delas.
Não usei nenhuma teoria
existente na ciência para pesquisar o funcionamento da mente e produzir a
teoria contida neste livro. Porém, mesmo tendo a ousadia de não usar textos de
outros autores não estou livre de contaminar os processos de observação,
interpretação e produção de conhecimento, pois posso contaminá-los pela
leitura do meu passado. Assim, quando observo, interpreto e produzo
conhecimento, sem uma crítica multifocal e sem uma postura continuamente
aberta, posso comprometê-los com um conjunto de experiências arquivadas na
minha memória, experiências que chamo de RPSs (representações psicossemânticas
diretivas e associativas). Por isso, há anos tenho desenvolvido e utilizado a
busca do caos intelectual para dessensibilizar-me das contaminações da minha
história intrapsíquica, das contaminações das RPSs diretivas e associativas, e
para expandir as possibilidades de construção do conhecimento.
Muitos críticos de arte,
psicólogos, professores, promotores, pesquisadores científicos etc, não têm
consciência de que contaminam excessivamente seus julgamentos críticos através
da leitura das suas histórias intrapsíquicas. Eles interpretam os estímulos
baseados muito mais em suas histórias intrapsíquicas do que nas possibilidades
que eles apresentam.
Como realizar o desafio
intelectual de procurar descontaminar-se da teoria histórica e, ao mesmo tempo,
de abrir as possibilidades de construção do conhecimento? Para isso,
precisamos usar sistematicamente a "tríade de arte da pesquisa" e a
busca do caos intelectual. Precisamos procurar intensamente a busca do caos
intelectual para desorganizar, tanto quanto possível, os referenciais
históricos, os paradigmas socioculturais, os estereótipos sociais e os padrões
de reações intelectuais que estão contidos na história intrapsíquica.
Procurei fazer continuamente,
ao longo dos anos, um questionamento sistemático dos conceitos contidos na
minha história intrapsíquica. Procurei também exercitar uma postura
continuamente aberta no processo de observação e interpretação dos fenômenos
que participam e co-interferem para gerar os processos de construção da
inteligência. Em tese, fui aprendendo a aplicar a "tríade de arte da
pesquisa" e a busca do caos intelectual diante de cada comportamento do
"outro" e em cada fenômeno ou variável intrapsíquica que observava em
minha própria mente.
A busca do caos intelectual
jamais desorganiza totalmente a história intrapsíquica e, conseqüentemente, os
conceitos, as idéias, os pensamentos, as informações, os parâmetros etc,
contidos nela; caso contrário, não conseguiríamos pensar e desenvolver a
consciência existencial; portanto, ela não faz um cientista se livrar de todas
as contaminações no processo de interpretação, mas o faz constantemente
reorientar e redirecionar o processo de observação, interpretação e produção
de conhecimento.
Quando nos colocamos diante
de um estímulo, objeto ou fenômeno, buscando o caos intelectual, ele se
apresenta, como disse, totalmente novo para nós, mais condizente com suas
potencialidades. Se os educadores, os promotores, os juízes de direito, os
psicoterapeutas, os médicos e os cientistas aprenderem a ter uma postura
aberta no processo de observação e interpretação, certamente darão um salto
qualitativo e quantitativo em suas produções de conhecimento.
Procurar desorganizar, tanto
quanto possível, os conceitos prévios que possuímos, através da busca do caos
intelectual pode criar em nós grande confusão intelectual na fase inicial do
processo de observação, interpretação e produção do conhecimento, mas pouco a
pouco nos descontaminará interpretativamente, tanto quanto possível, dos
autoritarismos das idéias e das ditaduras dos discursos teóricos, e expandirá
as possibilidades de construção e de compreensão dos objetos e fenômenos que
contemplamos.
Há enormes lacunas nas teorias
psicológicas, psiquiátricas, sociológicas, psicopedagógicas, porque muitos
teóricos não conheceram e, portanto, não desenvolveram a busca do caos
intelectual em sua trajetória de pesquisa e produção de conhecimentos. Muitos
deles também não utilizaram a "tríade de arte da pesquisa" e a
análise das variáveis da interpretação e dos sistemas de co-interferências
dessas variáveis. A não-utilização desses procedimentos gerou uma redução na
reorganização e expansão contínua destas teorias.
Encorajo os leitores a se
interiorizar e a não ficar receosos com as dúvidas e inseguranças geradas pela
busca do caos intelectual. A arte da dúvida e da crítica são os princípios
básicos da sabedoria existencial. As pessoas que mais causaram danos à
humanidade foram as que nunca aprenderam a duvidar e a criticar a si mesmas.
Por outro lado, os pensadores, cientistas e teóricos que mais contribuíram com
a expansão da ciência e das idéias humanísticas foram os que apreciaram a arte
da dúvida (incluindo a arte da formulação das perguntas) e da crítica e, mesmo
que não tenham produzido conhecimento sobre o caos intelectual, vivenciaram
alguns dos seus efeitos psicodinâmicos.
O caos intelectual pode ser
um precioso estágio no processo de aprimoramento do conhecimento e de
desenvolvimento da inteligência. É provável que uma grande parte dos
profissionais e dos pesquisadores não fazem uma escalada introspectiva em busca
do caos intelectual e, conseqüentemente, das duas possibilidades geradas por
ele (descontaminação da interpretação e expansão do conhecimento); por isso se
tornam, freqüentemente, retransmissores do conhecimento e, raramente,
pensadores que promovem a ciência e as idéias humanistas.
Muitos médicos e psicólogos
clínicos não exercem suas profissões como pensadores humanistas, pois estão
sempre querendo submeter o homem e, o que é pior, a própria doença humana, aos
limites da teoria que abraçam, e não, ao contrário, submeter as teorias que
utilizam à complexidade e à variabilidade humana. Por isso, nem sempre os
melhores estudantes, os que mais incorporam conhecimento e armazenam cultura,
se tornam os melhores profissionais, pois, era vez de serem pensadores
versáteis, que expandem o mundo das idéias e as soluções inteligentes, eles se
comportam como retransmissores da cultura, engessados intelectualmente.
Quem não conhece minimamente
os limites e o alcance de uma teoria formal e da teoria histórico-existencial
arquivada na memória, quem não exercita minimamente a "tríade de arte da
pesquisa" e a busca do caos interpretativamente, tanto quanto possível,
dos autoritarismos das idéias e das ditaduras dos discursos teóricos, e
expandirá as possibilidades de construção e de compreensão dos objetos e
fenômenos que contemplamos.
Há enormes lacunas nas
teorias psicológicas, psiquiátricas, sociológicas, psicopedagógicas, porque
muitos teóricos não conheceram e, portanto, não desenvolveram a busca do caos
intelectual em sua trajetória de pesquisa e produção de conhecimentos. Muitos
deles também não utilizaram a "tríade de arte da pesquisa" e a
análise das variáveis da interpretação e dos sistemas de co-interferências
dessas variáveis. A não-utilização desses procedimentos gerou uma redução na
reorganização e expansão contínua destas teorias.
Encorajo os leitores a se interiorizar
e a não ficar receosos com as dúvidas e inseguranças geradas pela busca do
caos intelectual. A arte da dúvida e da crítica são os princípios básicos da
sabedoria existencial. As pessoas que mais causaram danos à humanidade foram as
que nunca aprenderam a duvidar e a criticar a si mesmas. Por outro lado, os
pensadores, cientistas e teóricos que mais contribuíram com a expansão da
ciência e das idéias humanísticas foram os que apreciaram a arte da dúvida
(incluindo a arte da formulação das perguntas) e da crítica e, mesmo que não
tenham produzido conhecimento sobre o caos intelectual, vivenciaram alguns dos
seus efeitos psicodinâmicos.
O caos intelectual pode ser
um precioso estágio no processo de aprimoramento do conhecimento e de
desenvolvimento da inteligência. É provável que uma grande parte dos
profissionais e dos pesquisadores não fazem uma escalada introspectiva em busca
do caos intelectual e, conseqüentemente, das duas possibilidades geradas por
ele (descontaminação da interpretação e expansão do conhecimento); por isso se
tornam, freqüentemente, retransmissores do conhecimento e, raramente,
pensadores que promovem a ciência e as idéias humanistas.
Muitos médicos e psicólogos
clínicos não exercem suas profissões como pensadores humanistas, pois estão
sempre querendo submeter o homem e, o que é pior, a própria doença humana, aos
limites da teoria que abraçam, e não, ao contrário, submeter as teorias que
utilizam à complexidade e à variabilidade humana. Por isso, nem sempre os
melhores estudantes, os que mais incorporam conhecimento e armazenam cultura,
se tornam os melhores profissionais, pois, era vez de serem pensadores
versáteis, que expandem o mundo das idéias e as soluções inteligentes, eles se
comportam como retransmissores da cultura, engessados intelectualmente.
Quem não conhece minimamente
os limites e o alcance de uma teoria formal e da teoria histórico-existencial
arquivada na memória, quem não exercita minimamente a "tríade de arte da
pesquisa" e a busca do caos intelectual, ainda que desconheça teoricamente
estes procedimentos, e, além disso, quem tem dificuldade para questionar e
reorganizar continuamente sua produção de conhecimento, engessa sua
inteligência e pratica um controle intelectual autoritário contra esses
fenômenos. Essas pessoas, ainda que tenham feito uma brilhante carreira
acadêmica, não contribuem com a expansão das ciências, não alargam as
fronteiras do conhecimento, pois reduzem ou até mesmo abortam as possibilidades
de compreensão expressas pelos próprios fenômenos.
Um bom pensador, do meu ponto
de vista, não é apenas alguém que produz uma teoria eloqüente, com brilhantismo
literário, mas, principalmente, aquele que recicla criticamente os
procedimentos que utiliza, o conhecimento que produz (postulados, hipóteses,
sistemas de conceitos), bem como o que procura colocar à prova as derivações da
sua teoria e, mais ainda, o que investiga e indaga os limites, o alcance, a
lógica, a validade e a práxis da sua própria teoria. Enfim, um bom pensador é
um "eterno" insatisfeito com a teoria que produz, um
"eterno" aprendiz, uma "eterna" gestante de idéias.
A NATUREZA, LIMITES E ALCANCE DOS PENSAMENTOS
A natureza do conhecimento
possui em si mesma uma indescritível complexidade. O conhecimento sobre a
essência intrínseca dos objetos e fenômenos, embora nem sempre seja achista,
mas às vezes assuma um discurso teórico científico importante, jamais incorpora
a realidade essencial dos mesmos. O conhecimento é um sistema de intenções que
define e discursa virtualmente o universo investigável.
O conhecimento sobre os
átomos não é a essência intrínseca dos átomos, mas um sistema de intenções que
tenta defini-los e conceituá-los. O conhecimento sobre o humor deprimido ou a
ansiedade do "outro" não é a essência intrínseca da energia emocional
deprimida ou ansiosa dele, mas um sistema de intenções que tenta defini-la,
conceituá-la, descrevê-la, compreendê-la, enfim, acusá-la e discursá-la
teoricamente.
O pensamento dialético e o
antidialético são os dois tipos básicos de pensamentos conscientes. Eles são
produzidos a partir da leitura virtual das matrizes dos códigos dos pensamentos
essenciais históricos. Os pensamentos essenciais históricos são fruto de
finíssimas e instantâneas leituras da história intrapsíquica. As matrizes de
pensamentos essenciais históricos são produzidas, em milésimos de segundos, por
quatro fenômenos que utilizam a história intrapsíquica arquivada na memória: o
fenômeno da autochecagem da memória, a âncora da memória, o fenômeno do
autofluxo e o eu. Os pensamentos dialéticos e antidialéticos são usados como a
ferramenta intelectual para construção do conhecimento consciente, seja na
científicidade seja na coloquialidade.
Os pensamentos dialéticos e
antidialéticos produzem os limites, o alcance e a lógica do conhecimento
consciente. Entre o conhecimento consciente e a realidade essencial dos
objetos e fenômenos há uma distância infinita, um antiespaço entre o virtual
(consciência) e o real (fenômeno essencial). Entre as interpretações de um
psicoterapeuta e a realidade essencial da ansiedade de seu paciente há, ainda
que ele não perceba, uma distância "infinita", separadas pelo
intransponível fosso entre a consciência virtual do psicoterapeuta e a
realidade essencial do paciente. Essa distância se reproduz em todos os níveis
das relações interpessoais: nas relações entre pais e filhos, nas relações
profissionais, entre jurados e o réu, entre amigos etc. Porém, embora as
relações interpessoais tenham a separá-las um fosso intransponível, não
deveríamos imaginar que elas são pobres por causa disso; pelo contrário, são
arquiteturas psicodinâmicas riquíssimas, produzidas pelo processo de construção
da consciência existencial.
Apesar das limitações da
consciência virtual, as relações interpessoais serão riquíssimas se aprendermos
a reconstruir interpretativamente o "outro", com mais justiça em
relação ao que ele é, ainda que essa reconstrução seja sempre devedora à sua
realidade essencial. Conhecemos o outro a partir de nós mesmos; daí a imensa
responsabilidade de reconstruirmos o "outro" condizente ao que o
"outro é" e não em relação ao que "nós somos".
Infelizmente, muito do que falamos do "outro" diz mais a nosso
respeito do que a ele mesmo. Há muitos pais, executivos, intelectuais,
psicoterapeutas, professores que criticam, acusam, descrevem, julgam o
"outro" (filhos, alunos, subordinados, pacientes), porém não percebem
que esse "outro" não é a realidade essencial do "outro",
mas o "outro virtual" que reconstruíram interpretativamente em suas
mentes. O grande problema é que, muitas vezes, essa reconstrução dá-se
restritivamente, gerando um preconceituosismo histórico e um processo de
compreensão superficial que criam enormes distorções e injustiças na
interpretação em relação ao que o "outro" realmente é.
A essência intrínseca dos
objetos e dos fenômenos só pertence a eles mesmos, pois ela é inconsciente para
si mesma, vive a dramática condição da inconsciência existencial. O
conhecimento, por sua vez, não tem existência própria nem é dado pela simples
sensação ou percepção sensorial; ele é produzido pelo processo de interpretação
a cada momento da interpretação. O conhecimento consciente, enquanto
"natureza virtual consciente", que acusa e discursa a realidade
essencial do mundo intra e extra-psíquico, nem mesmo tem essência própria,
pois, como foi dito, sua natureza e o eu. Os pensamentos dialéticos e
antidialéticos são usados como a ferramenta intelectual para construção do
conhecimento consciente, seja na científicidade seja na coloquialidade.
Os pensamentos dialéticos e
antidialéticos produzem os limites, o alcance e a lógica do conhecimento
consciente. Entre o conhecimento consciente e a realidade essencial dos
objetos e fenômenos há uma distância infinita, um antiespaço entre o virtual
(consciência) e o real (fenômeno essencial). Entre as interpretações de um
psicoterapeuta e a realidade essencial da ansiedade de seu paciente há, ainda
que ele não perceba, uma distância "infinita", separadas pelo
intransponível fosso entre a consciência virtual do psicoterapeuta e a
realidade essencial do paciente. Essa distância se reproduz em todos os níveis
das relações interpessoais: nas relações entre pais e filhos, nas relações
profissionais, entre jurados e o réu, entre amigos etc. Porém, embora as
relações interpessoais tenham a separá-las um fosso intransponível, não
deveríamos imaginar que elas são pobres por causa disso; pelo contrário, são
arquiteturas psicodinâmicas riquíssimas, produzidas pelo processo de construção
da consciência existencial.
Apesar das limitações da
consciência virtual, as relações interpessoais serão riquíssimas se aprendermos
a reconstruir interpretativamente o "outro", com mais justiça em
relação ao que ele é, ainda que essa reconstrução seja sempre devedora à sua
realidade essencial. Conhecemos o outro a partir de nós mesmos; daí a imensa
responsabilidade de reconstruirmos o "outro" condizente ao que o
"outro é" e não em relação ao que "nós somos".
Infelizmente, muito do que falamos do "outro" diz mais a nosso
respeito do que a ele mesmo. Há muitos pais, executivos, intelectuais,
psicoterapeutas, professores que criticam, acusam, descrevem, julgam o
"outro" (filhos, alunos, subordinados, pacientes), porém não percebem
que esse "outro" não é a realidade essencial do "outro",
mas o "outro virtual" que reconstruíram interpretativamente em suas
mentes. O grande problema é que, muitas vezes, essa reconstrução dá-se
restritivamente, gerando um preconceituosismo histórico e um processo de
compreensão superficial que criam enormes distorções e injustiças na
interpretação em relação ao que o "outro" realmente é.
A essência intrínseca dos
objetos e dos fenômenos só pertence a eles mesmos, pois ela é inconsciente para
si mesma, vive a dramática condição da inconsciência existencial. O conhecimento,
por sua vez, não tem existência própria nem é dado pela simples sensação ou
percepção sensorial; ele é produzido pelo processo de interpretação a cada
momento da interpretação. O conhecimento consciente, enquanto "natureza
virtual consciente", que acusa e discursa a realidade essencial do mundo
intra e extra-psíquico, nem mesmo tem essência própria, pois, como foi dito,
sua natureza Devemos nos lembrar de que, assim como podemos reconstruir o
"outro" de maneira distorcida, podemos construir as "verdades
científicas" sobre as avenidas do autoritarismo das idéias, sem um
sistema de relação com a verdade essencial dos objetos e fenômenos de estudo.
Isso tem acontecido com freqüência na ciência. Nas relações humanas, elas
também têm ocorrido com grande freqüência até os dias de hoje, o que se
expressa, por exemplo, pelo discurso da superioridade dos brancos em relação
aos negros, pelo discurso nazista da superioridade da raça ariana em relação à
raça judia e demais povos, pelo discurso dos povos do primeiro mundo em relação
aos trabalhadores clandestinos em suas sociedades. Esses discursos
intelectualmente superficiais maculam a história, deixam profundas cicatrizes
anti-humanísticas.
O processo de interpretação
se constitui dos sistemas de co-interferências de variáveis presentes, a cada
momento existencial, nos bastidores inconscientes da inteligência. O processo
de interpretação se constitui de cinco importantes etapas da interpretação, das
quais as três primeiras são inconscientes e as duas últimas conscientes. Nas
etapas iniciais se formam as matrizes dos pensamentos essenciais históricos,
que são inconscientes. Os conhecimentos científicos e coloquiais são formados
na quarta e quinta etapas da interpretação.
A complexidade dos sistemas
de variáveis da interpretação que atuam no âmago da psique faz com que a
construção do conhecimento sofra, em todas as etapas da interpretação,
complexos e sofisticados sistemas de encadeamentos distorcidos, que leva essa
construção a ultrapassar os limites da lógica. Assim, pelo fato de o
conhecimento ser produzido pelo processo de interpretação, ele facilmente pode
ser distorcido, contaminado. Por isso, como eu já disse, as verdades
científicas podem possuir pouca ou nenhuma relação com a verdade essencial, o que
as fazem ser revisadas e modificadas ao longo das gerações.
Devido ao sistema de
encadeamento distorcido, ocorrido no processo de construção do conhecimento, o
homem não apenas pode distorcer com facilidade a verdade essencial, mas também
entrar facilmente no território das contradições intelecto-emocionais. Ele é
capaz de experimentar intensas reações fóbicas diante de pequenos e
inofensivos animais e de antecipar situações do futuro e vivenciá-las como se
fossem reais, embora o futuro ainda seja uma irrealidade. Ele também é capaz
de se preocupar intensamente com sua imagem social, ou seja, com o que os
outros pensam e falam de si, embora o "outro" jamais penetre
essencialmente dentro do seu próprio universo intrapsíquico.
Concluindo, todo conhecimento
é produzido invariavelmente pelo processo de interpretação multifocal, advindo
da leitura e utilização da história intrapsíquica, debaixo da influência dos
sistemas de co-interferências das variáveis da interpretação. Todos os objetos
e fenômenos de estudos intrapsíquicos e extrapsíquicos não são acessíveis
essencialmente à consciência existencial ou intelectual, pois esta é virtual,
antiessencial. Por isso, o processo de interpretação tem a complexa tarefa de
reconstruí-los interpretativamente através da construção de pensamentos
dialéticos e antidialéticos. A construção desses pensamentos produz a
consciência existencial, que nos tira da dramática e indescritível condição da
solidão da inconsciência existencial.
A consciência existencial
discursa sobre os fenômenos e objetos intrapsíquicos e extrapsíquicos. Porém,
ela não incorpora a realidade essencial dos fenômenos e dos objetos, mas é uma
interpretação deles na esfera da virtualidade. Por um lado, a consciência
existencial, além de ser devedora da realidade essencial, pode ser
excessivamente distorcida pela flutuabilidade das variáveis intrapsíquicas e
contaminada pelos julgamentos prévios contidos na história intrapsíquica e
socioeducacional, bem como pela ação psicotrópica de determinadas drogas e das
substâncias psicoativas neuroendócrinas determinadas geneticamente. Por outro
lado, quanto mais a consciência existencial mantém um sistema de relação com a
verdade essencial, mais ela conquista um status de verdade científica,
capaz de resultar em aplicabilidade e previsibilidade de fenômenos.
Se a verdade essencial é um
objetivo a ser procurado ansiosamente pela ciência, mas nunca atingido pela
consciência existencial, e se a universalidade científica (a verdade
científica universal), principalmente no terreno da construção dos pensamentos
dialéticos, fonte de construção da própria ciência, submete-se ao campo da
flutuabilidade e evolutividade de determinadas variáveis intrapsíquicas, então
por que o sistema acadêmico possui, na prática, ainda que não admita no
discurso teórico, uma postura universal rígida, como se fosse idêntica à
inalcançável verdade essencial, de ser o centro da produção de intelectuais?
Nunca na história uma instituição teve a função de ser um canteiro da
inteligência, mas paradoxalmente engessou a arte de pensar. Essa frase,
derivada da relação da verdade científica com a verdade essencial, é uma
síntese do meu pensamento crítico-epistemológico dessa postura das
universidades. Muitas universidades se fecharam em torno de determinadas
convenções, comprometendo, assim, a nobilíssima vocação de serem uma
universidade de idéias, uma usina do pensamento.
Quais as conseqüências disto?
Entre elas está a incapacidade que a ciência tem de resolver os problemas
essenciais da sociedade. Faltam idéias e pensadores brilhantes que possam
contribuir para dar soluções para os problemas humanos fundamentais.
No século XIX e
principalmente no século XX, a ciência teve um desenvolvimento explosivo.
Alicerçado na ciência, o homem se tornou ousado em seu sonho de progresso e
modernidade. A ciência se tornou o deus do homem. Ela prometia conduzi-lo a dar
um salto nos amplos aspectos da prosperidade biológica, psicológica e social. A
solidariedade cresceria, a cidadania floresceria, a solidariedade seria a
tônica das relações sociais, a riqueza material se expandiria e atingiria todo
ser humano, a miséria social seria extinta. As guerras, as discriminações e as
demais violações dos direitos humanos seriam lembradas apenas nas páginas da
história.
A ciência fazia uma grande e
espetacular promessa. Era uma promessa não expressa por palavras, mas, ainda
assim, era forte e arrebatadora. Era uma promessa sentida a cada momento que a
ciência dava um salto espetacular na engenharia civil, na mecânica, na
eletrônica, na medicina, na genética, na química, na física. A expansão do
conhecimento se tornava incontrolável. Cada ciência se multiplicava em novas
ciências. Cada viela do conhecimento se expandia e se tornava bairros inteiros
de informações. Encontrava-se um microcosmo dentro das células. Descobria-se um
mundo dentro dos átomos. Compreendia-se um mundo com bilhões de galáxias que
pulsava no espaço.
As universidades foram
fundamentais nesse processo. Elas se tornaram a força motriz do desenvolvimento
humano. Porém, com o passar do tempo, como aconteceu com as grandes
instituições que atingiram o topo do sucesso, as universidades entraram em
decadência, ainda que a maioria das pessoas não consigam perceber. O
conhecimento foi institucionalizado, os grandes teóricos se tornaram escassos,
a hierarquia acadêmica substituiu o livre pensamento, as grandes teorias
desapareceram. O resultado é que a ciência, embora tenha-se expandido como
nunca na história, frustrou o homem.
De um lado ela fez muito e
continua fazendo muito. Ela causou uma revolução tecnológica no mundo
extrapsíquico e até mesmo no corpo humano, através dos avanços da medicina.
Ela revolucionou o mundo exterior, o mundo de fora do homem, mas não
revolucionou o mundo intrapsíquico, o mundo de dentro do homem, o cerne da sua
alma. Ela levou o homem a conhecer o imenso espaço, mas não sabe como prevenir
as doenças psíquicas e psicossomáticas, bem como os homicídios e os suicídios.
Ela produziu veículos automotores facilmente dirigíveis, mas não produziu
veículos psíquicos capazes de levar o homem a gerenciar seus pensamentos
negativos e a proteger sua emoção nos focos de tensão. Ela produziu máquinas
para arar a terra e cultivar alimentos, mas não produziu princípios
psicológicos e sociológicos para "arar" a rigidez intelectual humana
e cultivar a tolerância, a preocupação com o outro, o prazer de viver, o
sentido No século XIX e principalmente no século XX, a ciência teve um desenvolvimento
explosivo. Alicerçado na ciência, o homem se tornou ousado em seu sonho de
progresso e modernidade. A ciência se tornou o deus do homem. Ela prometia
conduzi-lo a dar um salto nos amplos aspectos da prosperidade biológica,
psicológica e social. A solidariedade cresceria, a cidadania floresceria, a
solidariedade seria a tônica das relações sociais, a riqueza material se
expandiria e atingiria todo ser humano, a miséria social seria extinta. As
guerras, as discriminações e as demais violações dos direitos humanos seriam
lembradas apenas nas páginas da história.
A ciência fazia uma grande e
espetacular promessa. Era uma promessa não expressa por palavras, mas, ainda
assim, era forte e arrebatadora. Era uma promessa sentida a cada momento que a
ciência dava um salto espetacular na engenharia civil, na mecânica, na
eletrônica, na medicina, na genética, na química, na física. A expansão do
conhecimento se tornava incontrolável. Cada ciência se multiplicava em novas
ciências. Cada viela do conhecimento se expandia e se tornava bairros inteiros
de informações. Encontrava-se um microcosmo dentro das células. Descobria-se um
mundo dentro dos átomos. Compreendia-se um mundo com bilhões de galáxias que
pulsava no espaço.
As universidades foram
fundamentais nesse processo. Elas se tornaram a força motriz do desenvolvimento
humano. Porém, com o passar do tempo, como aconteceu com as grandes
instituições que atingiram o topo do sucesso, as universidades entraram em
decadência, ainda que a maioria das pessoas não consigam perceber. O
conhecimento foi institucionalizado, os grandes teóricos se tornaram escassos,
a hierarquia acadêmica substituiu o livre pensamento, as grandes teorias
desapareceram. O resultado é que a ciência, embora tenha-se expandido como
nunca na história, frustrou o homem.
De um lado ela fez muito e continua
fazendo muito. Ela causou uma revolução tecnológica no mundo extrapsíquico e
até mesmo no corpo humano, através dos avanços da medicina. Ela revolucionou o
mundo exterior, o mundo de fora do homem, mas não revolucionou o mundo
intrapsíquico, o mundo de dentro do homem, o cerne da sua alma. Ela levou o
homem a conhecer o imenso espaço, mas não sabe como prevenir as doenças
psíquicas e psicossomáticas, bem como os homicídios e os suicídios. Ela
produziu veículos automotores facilmente dirigíveis, mas não produziu veículos
psíquicos capazes de levar o homem a gerenciar seus pensamentos negativos e a
proteger sua emoção nos focos de tensão. Ela produziu máquinas para arar a
terra e cultivar alimentos, mas não produziu princípios psicológicos e sociológicos
para "arar" a rigidez intelectual humana e cultivar a tolerância, a
preocupação com o outro, o prazer de viver, o sentido da vida. Ela produziu
máquinas computadorizadas que executam tarefas intelectuais rápidas e
brilhantes, mas não produziu mecanismos para que o diálogo e a solidariedade
sejam usados como ferramentas para solucionar as crises humanas e prevenir não
apenas os conflitos interpessoais que vertem as lágrimas, mas também as guerras
que vertem o sangue.
A ciência não causou a tão sonhada
revolução da qualidade de vida e da preservação dos direitos humanos. O homem
do terceiro milênio se sentiu frustrado, perdido, confuso, sem âncora
intelectual para se segurar. Se as universidades não revirem seus pilares e
paradigmas fundamentais continuaremos a não multiplicar a arte de pensar e o
mundo das idéias, continuaremos a ter um conceito deturpado sobre o que é um
ser que pensa, o que é ser um intelectual, o que é ser uma pessoa inteligente e
quais as funções mais importantes da inteligência.
A PESQUISA EMPÍRICA ABERTA GEROU A TEORIA MULTIFOCAL
Pesquisa empírica é a
pesquisa que interpreta os seus objetos de estudo. Neste livro, toda pesquisa
científica é chamada de "empírica", pois todos os objetos e fenômenos
de estudos das ciências, tanto das ciências físicas, químicas e biológicas
como das ciências da cultura (Psicologia, Educação, Direito) são essencialmente
inacessíveis à consciência intelectual e, portanto, precisam ser interpretados
para serem conscientizados nos palcos conscientes da mesma.
Os objetos e fenômenos
intrapsíquicos (idéias, reações fóbicas, humor deprimido) e extrapsíquicos
(células, reações químicas, materiais) são sempre inacessíveis essencialmente.
Porém, a grande maioria dos objetos e fenômenos extrapsíquicos têm uma grande
vantagem em relação aos intrapsíquicos, ou seja, são tangíveis ou perceptíveis
sensorialmente, seja pela simples observação ou por utilização de técnicas e
instrumentos, por isso são passíveis de serem controlados. Chamo as pesquisas
nas ciências físicas, químicas e biológicas de "pesquisas empíricas
controladas". São "empíricas" porque são frutos do processo de
interpretação e, conseqüentemente, a produção de conhecimento decorrente das
mesmas apenas acusa e discursa dialeticamente sobre os fenômenos e os objetos
interpretados, mas não os incorpora essencialmente. São controladas porque são
tangíveis sensorialmente, e as variáveis que norteiam seus objetos e fenômenos,
tais como luminosidade, temperatura, umidade etc, são passíveis de ser controladas
por técnicas e instrumentos no processo de pesquisa.
Nas ciências da cultura, as
pesquisas são chamadas de "pesquisas empíricas abertas". São
"empíricas" porque são frutos do processo de interpretação e,
conseqüentemente, a produção de conhecimento derivada das mesmas apenas
discorre teoricamente sobre os fenômenos psíquicos e psicossociais
interpretados, mas não os incorpora essencialmente. São "abertas"
porque seus fenômenos de estudo, além de ser imperceptíveis sensorialmente, as
variáveis que os envolvem não são controladas no processo da pesquisa. Não há
técnicas nem instrumentos que possam investigar a essência intrínseca da
ansiedade, do desespero, da insegurança, dos sentimentos de prazer, das idéias
etc, nem que possam controlar as variáveis que participam da construção delas.
No máximo, pode-se observar sistemática e criteriosamente o comportamento
humano; mas eles são expressões pobres, restritivas, das complexas
experiências psíquicas; ou então fazer um processo de introspecção aberta e
crítica para observar, também criteriosa e sistematicamente, os processos e
fenômenos envolvidos na construção dos pensamentos.
Hoje é também possível fazer
pesquisas sobre bioquímica e fisiologia cerebral dentro dos limites da
bioética, principalmente com pacientes portadores de patologias neurológicas e
psiquiátricas ou com animais, visando transpor o conhecimento do sistema
nervoso central deles para o homem. Ainda é possível fazer o mapeamento
cerebral pela cintílografia computadorizada e por outras técnicas de ponta.
Porém, todas essas técnicas trazem pouquíssimas evidências sobre o complexo
campo de energia psíquica e a sofisticada operacionalidade multifocal dos
fenômenos que promovem o funcionamento da mente.
A construtividade dos
pensamentos e da consciência existencial é complexa e multivariável. A
inteligência não sofre apenas uma influência da carga genética, do metabolismo
dos neurotransmissores, dos fatores socioculturais e emocionais; sua
construtividade é muito mais complexa do que até hoje a ciência tem descoberto.
Há mais de três dezenas de
variáveis que co-interferem na construção da inteligência, dificílimas de ser
investigadas, e que fazem mesmo o mais simples pensamento ter uma arquitetura
psicodinâmica indescritível. Diante de todos esses entraves no processo de
pesquisa sobre a psique humana, é possível ter uma idéia de por que há tantas
teorias psicológicas, filosóficas, sociológicas, psicopedagógicas tão
diferentes umas das outras.
Todos esses entraves
evidenciam a necessidade de usar na "pesquisa empírica aberta"
procedimentos mais amplos e complexos do que os procedimentos ortodoxos usados
na pesquisa acadêmica, tais como a simples utilização de uma teoria como
suporte da interpretação, os levantamentos bibliográficos, o estabelecimento de
postulados prévios, as aplicações metodológicas, a seletividade de dados e a
análise unifocal dos mesmos.
Precisamos usar
procedimentos, tais como a "tríade de arte da pesquisa", a análise
das variáveis da interpretação, a análise dos sistemas das variáveis, que
co-interferem para gerar os processos de construção da inteligência, a busca
do caos intelectual, para que possamos expandir o mundo das idéias sobre o
funcionamento da mente e o processo de construção dos pensamentos. A pesquisa
empírica aberta abre as janelas de nossa inteligência.
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