sábado, 4 de janeiro de 2014

A ATUAÇÃO DA ÂNCORA DA MEMÓRIA E DO FENÔMENO DA PSICOADAPTAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PENSADORES

A ATUAÇÃO DA ÂNCORA DA MEMÓRIA E DO FENÔMENO DA PSICOADAPTAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PENSADORES

Uma das características fundamentais de um pensador é se colocar como um "eterno" aprendiz na "curta" trajetória existencial humana. Temos que nos sentir contínuos e inveterados aprendizes, que procuram conquistar as funções mais nobres da inteligência; garimpeiros do universo intrapsíquico, que procuram expandir as potencialidades intelectuais.
A morte de um pensador não ocorre apenas quando ele morre fisica­mente, mas principalmente quando morre intelectualmente, quando fecha a âncora da memória, restringindo seu território de leitura através de seu comportamento autoritário e auto-suficiente. Deste modo, ele exerce a dita­dura da verdade e deixa de ser um ávido aprendiz na sua trajetória existen­cial, pois passa a compreender o mundo apenas dentro da órbita do seu conhecimento.
Se não compreendermos que um dos papéis da memória é abrir ou fechar seu território de leitura diante dos focos de tensão ou diante da postura ditatorial que assumimos no processo de observação e produção de conhecimento, teremos grandes chances de sermos estéreis na arte de pensar.
Ser um pensador não é uma questão de ter um status de intelectual, de ser originário de uma famosa universidade ou de um grande instituto de pesquisa, mas de ser um produtor de conhecimento, de estar num contínuo estado de "gravidez" de idéias. Um pensador não pode nunca envelhecer no território dos pensamentos e das emoções. Seu corpo pode estar abatido pelo tempo, mas sua alma está cada vez mais rejuvenescida com as novas experiências.
A alma pode envelhecer? Sim, mais rápido que o corpo. Todavia, ela também pode rejuvenescer, algo impossível para o organismo. Como ela envelhece? Através da atuação inconsciente do fenômeno da psicoadaptação. Os que usam drogas podem em alguns anos queimar etapas da vida por depositarem dezenas de milhares de experiências angustiantes na memó­ria. Tais experiências os levam a se psicoadaptarem à sua condição de dependentes, fazendo-os perderem o prazer de viver e ânimo para rompe­rem o cárcere da emoção. Os pensadores também podem envelhecer precocemente. As atitudes autoritárias, os conflitos, o stress social e os pensa­mentos antecipatórios podem depositar milhares de experiências ansiosas no universo inconsciente da memória, levando-os a se psicoadaptarem aos objetivos intelectuais alcançados e reduzindo prematuramente o interesse pelos fenômenos desconhecidos. Por isso, muitos pensadores produziram suas mais brilhantes idéias na sua juventude.
A cultura acadêmica pode contribuir para gerar um pensador, mas ela não é uma condição sine qua nom, uma premissa fundamental, mas uma das inúmeras variáveis presentes no processo de formação e na história de um pensador. É possível alguém ter status de intelectual, mas não produzir idéias originais ou transformar e repensar o conhecimento vigente, não libertar e desenvolver a arte de pensar, não ser um humanista e nem um democrata das idéias.
Há muitos pensadores que não tiveram seu trabalho intelectual, seus pensamentos, registrados nos anais da história humana, que não tiveram a notoriedade social. Esta ausência de notoriedade ocorreu não apenas por falta de reconhecimento social, mas também porque consideraram de maior valor o prazer do anonimato do que o status social. Apesar do anonimato e, às vezes, sem possuir qualquer cultura acadêmica, eles foram ricos pensa­dores em sua cultura e meio social, brilharam em suas inteligências silencio­samente, produziram suas idéias como sementes anônimas, honraram nos­sa espécie.
Um exemplo vivo de uma pessoa que semeou seu pensamento de ma­neira brilhante, expressou sua inteligência de maneira ímpar e procurou constantemente o anonimato foi Jesus Cristo. Tenho gastado tempo para analisar, à luz da Teoria Multifocal do Conhecimento, a inteligência de alguns pensadores. Ultimamente tenho analisado a complexa e sofisticada inteligência do mestre de Nazaré. No passado achava que Ele era apenas um belo fruto da cultura humana e, portanto, uma fantasia inexistente. Todavia, analisando os seus pensamentos, reações e as entrelinhas dos seus comportamentos, expressas nas suas quatro biografias (evangelhos), com­preendi que era impossível alguém construir um personagem com as carac­terísticas de personalidade como as dele. Ele foi o mestre dos mestres da turbulenta e bela escola da existência, a escola da vida.
Podemos estudar os grandes pensadores, tais como Platão, Descartes, Max Weber, Hegel, Darwin, Freud, todavia ninguém teve uma personali­dade tão complexa, misteriosa e difícil de ser compreendida como a de Jesus Cristo. Ele não apenas causou perplexidade nos homens mais cultos de sua época, mas, ainda hoje, seus pensamentos são capazes de perturbar a mente de qualquer um que queira estudá-lo livre de julgamentos precon­cebidos. Ele causou a maior revolução da história, entretanto, não desem­bainhou uma espada e não usou de qualquer violência. Todavia, a ciência foi omissa e tímida em pesquisá-lo, deixando essa tarefa apenas para a teologia.
A vida não o poupou; do nascimento à sua morte, Cristo passou pelas mais amargas situações de sofrimentos. Todavia, para o nosso espanto, era uma pessoa alegre, segura, livre e tranqüila no território da emoção. Tinha uma habilidade ímpar para gerenciar seus pensamentos e trabalhar as suas angústias. Ao investigá-lo, podemos concluir que a tolerância e a sabedoria habitaram a mesma alma.
Apesar das minhas limitações, tenho estudado sua personalidade não sob o prisma da sua divindade, mas da sua humanidade. Tenho estudado seus registros históricos, seu nível de coerência intelectual, suas idéias, seu ousadíssimo discurso sobre a verdade, seu projeto para resolver a angústia existencial do homem, sua habilidade em não se submeter à ditadura do preconceito, sua capacidade de colocar-se no lugar do outro, de se doar sem esperar a contrapartida do retorno e de superar seus focos de tensão.
O resultado deste estudo, talvez único na literatura psicológica, foi pu­blicado na coleção de livros intitulada Análise da inteligência de Cristo, cujos subtítulos: são: "O Mestre dos Mestres", "O Mestre da Sensibilidade", "O Mestre da Vida", "O Mestre do Amor", "O Mestre Inesquecível".
O mestre da escola da vida gostava de ser chamado de "filho do ho­mem", apreciava expressar sua humanidade com naturalidade e inteligên­cia, enquanto, paradoxalmente, muitos daqueles que o circundavam e dos que hoje o seguem gostam e enfatizam os espetáculos sobrenaturais.
Um pensador é, antes de tudo, alguém que procura, em tudo o que faz e crê, respeitar a sua própria inteligência, ser fiel aos seus pensamentos e desenvolver a consciência crítica. Alguém que procura ser um inspirado e sensível poeta da existência na sofisticada e turbulenta vida humana, mes­mo quando se frustra, fracassa ou atravessa seus áridos desertos.

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