A ATUAÇÃO DA ÂNCORA DA MEMÓRIA E DO FENÔMENO DA PSICOADAPTAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PENSADORES
Uma das características
fundamentais de um pensador é se colocar como um "eterno" aprendiz na
"curta" trajetória existencial humana. Temos que nos sentir contínuos
e inveterados aprendizes, que procuram conquistar as funções mais nobres da
inteligência; garimpeiros do universo intrapsíquico, que procuram expandir as
potencialidades intelectuais.
A morte de um pensador não
ocorre apenas quando ele morre fisicamente, mas principalmente quando morre
intelectualmente, quando fecha a âncora da memória, restringindo seu território
de leitura através de seu comportamento autoritário e auto-suficiente. Deste
modo, ele exerce a ditadura da verdade e deixa de ser um ávido aprendiz na sua
trajetória existencial, pois passa a compreender o mundo apenas dentro da
órbita do seu conhecimento.
Se não compreendermos que um
dos papéis da memória é abrir ou fechar seu território de leitura diante dos
focos de tensão ou diante da postura ditatorial que assumimos no processo de
observação e produção de conhecimento, teremos grandes chances de sermos
estéreis na arte de pensar.
Ser um pensador não é uma
questão de ter um status de intelectual, de ser originário de uma famosa
universidade ou de um grande instituto de pesquisa, mas de ser um produtor de
conhecimento, de estar num contínuo estado de "gravidez" de idéias.
Um pensador não pode nunca envelhecer no território dos pensamentos e das
emoções. Seu corpo pode estar abatido pelo tempo, mas sua alma está cada vez
mais rejuvenescida com as novas experiências.
A alma pode envelhecer? Sim,
mais rápido que o corpo. Todavia, ela também pode rejuvenescer, algo impossível
para o organismo. Como ela envelhece? Através da atuação inconsciente do
fenômeno da psicoadaptação. Os que usam drogas podem em alguns anos queimar
etapas da vida por depositarem dezenas de milhares de experiências angustiantes
na memória. Tais experiências os levam a se psicoadaptarem à sua condição de
dependentes, fazendo-os perderem o prazer de viver e ânimo para romperem o
cárcere da emoção. Os pensadores também podem envelhecer precocemente. As
atitudes autoritárias, os conflitos, o stress social e os pensamentos
antecipatórios podem depositar milhares de experiências ansiosas no universo
inconsciente da memória, levando-os a se psicoadaptarem aos objetivos
intelectuais alcançados e reduzindo prematuramente o interesse pelos fenômenos
desconhecidos. Por isso, muitos pensadores produziram suas mais brilhantes
idéias na sua juventude.
A cultura acadêmica pode
contribuir para gerar um pensador, mas ela não é uma condição sine qua nom, uma
premissa fundamental, mas uma das inúmeras variáveis presentes no processo de
formação e na história de um pensador. É possível alguém ter status de
intelectual, mas não produzir idéias originais ou transformar e repensar o
conhecimento vigente, não libertar e desenvolver a arte de pensar, não ser um
humanista e nem um democrata das idéias.
Há muitos pensadores que não
tiveram seu trabalho intelectual, seus pensamentos, registrados nos anais da
história humana, que não tiveram a notoriedade social. Esta ausência de
notoriedade ocorreu não apenas por falta de reconhecimento social, mas também
porque consideraram de maior valor o prazer do anonimato do que o status social.
Apesar do anonimato e, às vezes, sem possuir qualquer cultura acadêmica, eles
foram ricos pensadores em sua cultura e meio social, brilharam em suas
inteligências silenciosamente, produziram suas idéias como sementes anônimas,
honraram nossa espécie.
Um exemplo vivo de uma pessoa
que semeou seu pensamento de maneira brilhante, expressou sua inteligência de
maneira ímpar e procurou constantemente o anonimato foi Jesus Cristo. Tenho
gastado tempo para analisar, à luz da Teoria Multifocal do Conhecimento, a
inteligência de alguns pensadores. Ultimamente tenho analisado a complexa e
sofisticada inteligência do mestre de Nazaré. No passado achava que Ele era
apenas um belo fruto da cultura humana e, portanto, uma fantasia inexistente.
Todavia, analisando os seus pensamentos, reações e as entrelinhas dos seus
comportamentos, expressas nas suas quatro biografias (evangelhos), compreendi
que era impossível alguém construir um personagem com as características de
personalidade como as dele. Ele foi o mestre dos mestres da turbulenta e bela
escola da existência, a escola da vida.
Podemos estudar os grandes
pensadores, tais como Platão, Descartes, Max Weber, Hegel, Darwin, Freud,
todavia ninguém teve uma personalidade tão complexa, misteriosa e difícil de
ser compreendida como a de Jesus Cristo. Ele não apenas causou perplexidade nos
homens mais cultos de sua época, mas, ainda hoje, seus pensamentos são capazes
de perturbar a mente de qualquer um que queira estudá-lo livre de julgamentos
preconcebidos. Ele causou a maior revolução da história, entretanto, não desembainhou
uma espada e não usou de qualquer violência. Todavia, a ciência foi omissa e
tímida em pesquisá-lo, deixando essa tarefa apenas para a teologia.
A vida não o poupou; do
nascimento à sua morte, Cristo passou pelas mais amargas situações de
sofrimentos. Todavia, para o nosso espanto, era uma pessoa alegre, segura,
livre e tranqüila no território da emoção. Tinha uma habilidade ímpar para
gerenciar seus pensamentos e trabalhar as suas angústias. Ao investigá-lo,
podemos concluir que a tolerância e a sabedoria habitaram a mesma alma.
Apesar das minhas limitações,
tenho estudado sua personalidade não sob o prisma da sua divindade, mas da sua
humanidade. Tenho estudado seus registros históricos, seu nível de coerência
intelectual, suas idéias, seu ousadíssimo discurso sobre a verdade, seu projeto
para resolver a angústia existencial do homem, sua habilidade em não se
submeter à ditadura do preconceito, sua capacidade de colocar-se no lugar do
outro, de se doar sem esperar a contrapartida do retorno e de superar seus
focos de tensão.
O resultado deste estudo,
talvez único na literatura psicológica, foi publicado na coleção de livros
intitulada Análise da inteligência de Cristo, cujos subtítulos: são:
"O Mestre dos Mestres", "O Mestre da Sensibilidade",
"O Mestre da Vida", "O Mestre do Amor", "O Mestre
Inesquecível".
O mestre da escola da vida
gostava de ser chamado de "filho do homem", apreciava expressar sua
humanidade com naturalidade e inteligência, enquanto, paradoxalmente, muitos
daqueles que o circundavam e dos que hoje o seguem gostam e enfatizam os
espetáculos sobrenaturais.
Um pensador é, antes de tudo,
alguém que procura, em tudo o que faz e crê, respeitar a sua própria
inteligência, ser fiel aos seus pensamentos e desenvolver a consciência
crítica. Alguém que procura ser um inspirado e sensível poeta da existência na
sofisticada e turbulenta vida humana, mesmo quando se frustra, fracassa ou
atravessa seus áridos desertos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário