Os seres humanos são eternos exploradores
Certa
vez uma psicóloga social perspicaz e culta, mas embriagada de
arrogância, fazia uma pesquisa sobre os fenômenos psíquicos que motivam
os seres humanos a executarem tarefas rotineiras, enfadonhas, tediosas.
Antes de iniciar a pesquisa, achava que diversas pessoas eram
marionetes do sistema social, possuíam uma reduzida capacidade de
reflexão sobre os ditames da vida e por isso eram controladas por
atividades repetitivas. Considerava que gastavam tempo demais com
coisas irrelevantes diante de uma existência tão breve. "Vivem porque
estão vivas, não mergulham dentro de si, não questionam a si mesmas",
pensava ela.
Durante a pesquisa, fazia perguntas aos
entrevistados e tomava nota de todas as respostas, sublinhando as
idéias mais profundas e expressadas com maior vibração. Encontrou
algumas pessoas que não se interiorizavam, mas surpreendeu-se com
outras.
Perguntou com veemência a um cientista que pesquisava
partículas subatômicas: "O que o estimulou a trabalhar durante trinta
anos nesse ambiente fechado? Você não se aborrece com a rotina? A
repetição não o perturba?" O laboratório parecia um claustro, uma
sofisticada prisão. Mas a resposta do cientista abalou suas convicções.
Ele percebeu a provocação que havia na pergunta e, fitando-a nos olhos,
disse, de forma apaixonada: "O ambiente em que trabalho é
aparentemente fechado e asfixiante, tudo parece controlado, mas aqui há
espaços que nunca foram penetrados e estradas nunca percorridas. Sou um
peregrino que tenta desvendar o invisível para entender o visível.
Somente entendendo o infinitamente pequeno podemos compreender o
demasiado grande. Mas infelizmente muitos só enxergam com os olhos"
A psicóloga calou-se, entendendo o recado. Não via o essencial.
Percebeu que tinha de enxergar além das imagens que incidiam em sua
retina.
Mais tarde, encontrou um idoso sentado na varanda e
pediu para entrevistá-lo. Parecia um homem que esperava a morte chegar,
chafurdando na lama do tédio. A expressão do seu rosto era aparentemente
séria, seca, fria e sem vida.
Depois de uma breve conversa,
ela indagou: "Por que vive aprisionado nessa varanda? O senhor tem
cabelos grisalhos e experiência de vida. Não é um desperdício de tempo
ficar sentado todos os dias nesse lugar sem fazer nada?"
Para a
psicóloga, o comportamento do idoso era um convite à angústia e à
depressão. Mas ficou extasiada com o que ouviu. Entre inúmeras
anotações, sublinhou essa pérola dita pausadamente: "Não se engane.
Minha vida é cheia de aventura. Sou um garimpeiro que procura pedras
preciosas no leito dos rios que irrigaram a minha existência. Cada pedra
tem muitas faces, assim como cada momento da minha história tem muitas
arestas."
Fez uma pausa e completou: "Já errei muito por ser
impulsivo e enxergar minhas dificuldades só por um lado. Hoje eu as
reconstruo e procuro vê-las por outros ângulos. Desse modo, conquisto
doses de serenidade para ensinar os mais novos a não darem respostas
precipitadas nem fazerem juízos preconcebidos."
A pesquisadora
sentiu um nó na garganta. As palavras do homem idoso produziram nela o
que centenas de livros não haviam feito. Descobriu sua insensatez, caiu
do pináculo da própria altivez, percebeu que prejulgava as pessoas sem
conhecê-las
intimamente. Começou assim a sair da esfera da pura
informação e a entrar na esfera da sabedoria. Compreendeu que não
estava colhendo dados para uma pesquisa, mas descobrindo mundos.
Precisava fazê-lo com maturidade e respeito.
No outro dia,
encontrou na saída de um templo uma mulher de meia-idade, vestido longo,
maquiagem suave. Parecia solitária. Até então, a psicóloga considerava
que as pessoas que praticavam regularmente um ritual religioso eram
destituídas de inteligência notável. Olhando a mulher, imaginou que ela
devia ser mal resolvida e mal-amada, e que procurava compensar sua
angústia no conforto de um templo. Mais uma vez, ficou perplexa.
Ao fazer a entrevista, questionou: "Por que você vem semanalmente a um
templo? É por medo da morte ou por alguma insegurança? Até que ponto
você trocou o tédio da sua rotina social pelo tédio da rotina
espiritual? Que tipo de sabedoria alguém pode adquirir nessa prática?"
No início, as anotações foram feitas sem grande interesse. Mas pouco a
pouco a psicóloga abandonou o ceticismo e se deixou invadir pela
sensibilidade e argúcia da mulher que entrevistava.
Por fim,
sublinhou algumas frases que simplesmente a perturbaram: "O tempo é o
grande palco da existência. Por isso é meu amigo mais presente, pois
nele enceno a peça da minha história. Mas o tempo também é meu inimigo
mais sutil, pois durante cada ato ele sulca meu rosto, anunciando que o
espetáculo um dia vai acabar. Preparo o intelecto para aceitar o último
ato, mas, quando mergulho nos recônditos do meu ser, algo em mim
proclama: o espetáculo não pode terminar!"
A entrevistadora
refletiu sobre a resposta inusitada e percebeu que ela ultrapassava os
limites de uma religião. Nesse ínterim, a entrevistada respirou fundo e
adicionou esta pérola: "Procuro Deus não por fuga, medo ou insegurança,
mas porque tenho um grande sonho: continuar o espetáculo da existência
num palco inextinguível. Quem pode conter esse sonho? Que ateu é capaz
de destruí-lo? Alguns construíram esse sonho na alegria, outros no
desterro, alguns o elaboraram durante o correr da sua história e outros
nos últimos momentos do seu tempo na Terra.
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