domingo, 22 de dezembro de 2013

Os seres humanos são eternos exploradores

Certa vez uma psicóloga social perspicaz e culta, mas em­briagada de arrogância, fazia uma pesquisa sobre os fenômenos psíquicos que motivam os seres humanos a executarem tarefas rotineiras, enfadonhas, tediosas.

Antes de iniciar a pesquisa, achava que diversas pessoas eram marionetes do sistema social, possuíam uma reduzida capacida­de de reflexão sobre os ditames da vida e por isso eram controladas por atividades repetitivas. Considerava que gastavam tem­po demais com coisas irrelevantes diante de uma existência tão breve. "Vivem porque estão vivas, não mergulham dentro de si, não questionam a si mesmas", pensava ela.

Durante a pesquisa, fazia perguntas aos entrevistados e to­mava nota de todas as respostas, sublinhando as idéias mais profundas e expressadas com maior vibração. Encontrou al­gumas pessoas que não se interiorizavam, mas surpreendeu-se com outras.

Perguntou com veemência a um cientista que pesquisava partículas subatômicas: "O que o estimulou a trabalhar durante trinta anos nesse ambiente fechado? Você não se aborrece com a rotina? A repetição não o perturba?" O laboratório parecia um claustro, uma sofisticada prisão. Mas a resposta do cientista aba­lou suas convicções.

Ele percebeu a provocação que havia na pergunta e, fitando-a nos olhos, disse, de forma apaixonada: "O ambiente em que tra­balho é aparentemente fechado e asfixiante, tudo parece controla­do, mas aqui há espaços que nunca foram penetrados e estradas nunca percorridas. Sou um peregrino que tenta desvendar o invi­sível para entender o visível. Somente entendendo o infinitamente pequeno podemos compreender o demasiado grande. Mas infeliz­mente muitos só enxergam com os olhos"

A psicóloga calou-se, entendendo o recado. Não via o essen­cial. Percebeu que tinha de enxergar além das imagens que inci­diam em sua retina.

Mais tarde, encontrou um idoso sentado na varanda e pediu para entrevistá-lo. Parecia um homem que esperava a morte chegar, chafurdando na lama do tédio. A expressão do seu rosto era aparentemente séria, seca, fria e sem vida.

Depois de uma breve conversa, ela indagou: "Por que vive aprisionado nessa varanda? O senhor tem cabelos grisalhos e ex­periência de vida. Não é um desperdício de tempo ficar sentado todos os dias nesse lugar sem fazer nada?"

Para a psicóloga, o comportamento do idoso era um convi­te à angústia e à depressão. Mas ficou extasiada com o que ou­viu. Entre inúmeras anotações, sublinhou essa pérola dita pausadamente: "Não se engane. Minha vida é cheia de aventura. Sou um garimpeiro que procura pedras preciosas no leito dos rios que irrigaram a minha existência. Cada pedra tem muitas faces, assim como cada momento da minha história tem muitas arestas."

Fez uma pausa e completou: "Já errei muito por ser impulsi­vo e enxergar minhas dificuldades só por um lado. Hoje eu as re­construo e procuro vê-las por outros ângulos. Desse modo, conquis­to doses de serenidade para ensinar os mais novos a não darem res­postas precipitadas nem fazerem juízos preconcebidos."

A pesquisadora sentiu um nó na garganta. As palavras do homem idoso produziram nela o que centenas de livros não haviam feito. Descobriu sua insensatez, caiu do pináculo da pró­pria altivez, percebeu que prejulgava as pessoas sem conhecê-las

intimamente. Começou assim a sair da esfera da pura informa­ção e a entrar na esfera da sabedoria. Compreendeu que não es­tava colhendo dados para uma pesquisa, mas descobrindo mun­dos. Precisava fazê-lo com maturidade e respeito.

No outro dia, encontrou na saída de um templo uma mulher de meia-idade, vestido longo, maquiagem suave. Parecia solitá­ria. Até então, a psicóloga considerava



que as pessoas que prati­cavam regularmente um ritual religioso eram destituídas de in­teligência notável. Olhando a mulher, imaginou que ela devia ser mal resolvida e mal-amada, e que procurava compensar sua an­gústia no conforto de um templo. Mais uma vez, ficou perplexa.

Ao fazer a entrevista, questionou: "Por que você vem sema­nalmente a um templo? É por medo da morte ou por alguma in­segurança? Até que ponto você trocou o tédio da sua rotina so­cial pelo tédio da rotina espiritual? Que tipo de sabedoria al­guém pode adquirir nessa prática?"

No início, as anotações foram feitas sem grande interesse. Mas pouco a pouco a psicóloga abandonou o ceticismo e se deixou in­vadir pela sensibilidade e argúcia da mulher que entrevistava.

Por fim, sublinhou algumas frases que simplesmente a per­turbaram: "O tempo é o grande palco da existência. Por isso é meu amigo mais presente, pois nele enceno a peça da minha história. Mas o tempo também é meu inimigo mais sutil, pois durante cada ato ele sulca meu rosto, anunciando que o espetáculo um dia vai acabar. Preparo o intelecto para aceitar o último ato, mas, quando mergulho nos recônditos do meu ser, algo em mim proclama: o es­petáculo não pode terminar!"

A entrevistadora refletiu sobre a resposta inusitada e perce­beu que ela ultrapassava os limites de uma religião. Nesse ínte­rim, a entrevistada respirou fundo e adicionou esta pérola: "Procuro Deus não por fuga, medo ou insegurança, mas porque tenho um grande sonho: continuar o espetáculo da existência num palco inextinguível. Quem pode conter esse sonho? Que ateu é ca­paz de destruí-lo? Alguns construíram esse sonho na alegria, outros no desterro, alguns o elaboraram durante o correr da sua história e outros nos últimos momentos do seu tempo na Terra.

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