quarta-feira, 3 de abril de 2013
Maconha faz mal, sim - e voto pela sua legalização, não descriminalização - Suzana Herculano-Houzel
Quero começar deixando claro que continuo achando péssima ideia, burrice mesmo, usar drogas. Expor o cérebro a substâncias que têm grandes chances de perturbar seu equilíbrio tão delicado é brincar de roleta russa, na qual o melhor resultado é algumas horas de prazer simples, mas o pior é o vício, quando os prazeres da vida vão desaparecendo até serem suplantados pela única coisa que ainda funciona: mais droga, a qualquer custo. Não tenho nenhuma pena, nenhuminha mesmo, de quem escolhe se drogar e sofre as consequências, já que o vício é consequência dessa escolha de brincar de roleta russa com o próprio cérebro. Não se vicia quem jamais usar drogas.
Admiro, isso sim, a força que algumas dessas pessoas têm de reconhecer que tomaram uma péssima decisão ao longo do caminho e buscar ajuda para sair do vício. Mas pena dos que se drogam e, no processo, ainda criam problemas para os outros, seja por suas próprias ações violentas ou por financiar o tráfico que distribui violência? Não tenho.
Por isso sou CONTRA a descriminalização da maconha. Apenas descriminalizar é passar a mão na cabeça do consumidor que viabiliza o mercado do narcotráfico (aliás, as únicas pessoas que conheço que acham que usar drogas não é financiar o tráfico são os próprios drogados - curioso quão completa é a transformação que a droga provoca no cérebro, que precisa justificar seus meios).
Legalizar, por outro lado, interrompe o mercado negro da droga, ao mesmo tempo que responsabiliza os usuários pelas suas próprias escolhas e suas consequências. Como mostram os exemplos de Portugal e Holanda, legalizar não é incentivar usuários a se drogar; é, sim, dizer "use por sua própria conta e risco" - de preferência prefaciado por "péssima ideia por isto, isto, e mais isto - mas, enfim, o cérebro é seu".
O problema, a meu ver, é que muito da campanha pela legalização da maconha tem sido pautada sobre a tese de que "maconha não faz mal". Faz, sim. Muitos estudos já mostraram isso, e dois bem recentes, que comento em minha coluna de hoje na Folha de São Paulo, mostram que o uso frequente da maconha causa, sim, atrofia de partes do cérebro (sobretudo o hipocampo, necessário para a formação de memórias novas; Cousjin et al., NeuroImage 2011), e leva a perda de memória, raciocínio, habilidades verbais e matemáticas, e redução do QI quando começa ainda na adolescência (Meier et al., PNAS 2012).
É hora de parar de mentirinhas e fazer campanha pela razão certa: não porque maconha é "leve" (não é, maconha vicia, e bem rápido), muito menos porque "não faz mal" (faz, sim), e sim porque a proibição obviamente não funcionou para conter a expansão do tráfico. Eu mesma fui, por muito tempo, contrária à legalização, por acreditar que era papel do Estado proteger os cidadãos contra suas próprias más escolhas. Mas deixei disso: agora acho que cada indivíduo deve ser responsabilizado por suas próprias escolhas, boas ou ruins, e é papel do Estado proteger os cidadãos contra as más escolhas DOS OUTROS, com penas severas para quem causar danos a terceiros sob influência. Legalizar a maconha é um bom começo, que espero que logo seja estendido para todas as outras drogas formadoras de vício. Isso deve ser bem mais produtivo do que a tentativa de conter o tráfico, que tem se mostrado tão eficaz quanto enxugar gelo, aqui e em outros países.
Terrie Moffit, uma das autoras do estudo recém-publicado na PNAS que mostrou que o uso da maconha iniciado na adolescência causa prejuízos cognitivos duradouros, faz um apelo ao qual faço coro aqui. É preciso cortar a onda atual de desinformação segundo a qual "maconha não faz mal", que está se espalhando sobretudo entre os mais jovens, e, em seu lugar, incentivar os jovens a dizer "quem sabe mais tarde", quando seu cérebro adolescente já estiver fora do perigo maior. Meu próprio pai lançou uma campanha semelhante lá em casa, quando eu e minha irmã éramos ainda pré-adolescentes: volta e meia ele soltava um "acho que vou virar maconheiro quando fizer 50 anos", sempre com um risinho mal disfarçado no rosto - o que era sempre seguido por protestos veementes de nós duas. Quando completou 50 anos, mudou sua declaração para "quando eu fizer 60" - e hoje já passou dos 70 com seu cérebro ainda intocado, meu sábio pai.
Mas não vou fazer o mesmo com meus filhos. Minha campanha com eles será diferente. Drogas? Dão prazer, sim, e MUITO, muito muito mais do que a gente consegue pelos próprios meios. O problema não é o prazer, e sim o vício. Talvez você não se vicie se usar uma vez só. Mas usar a primeira vez é o que leva à segunda, e esta à terceira, sobretudo quando ainda se é adolescente. A maneira comprovadamente segura e garantida de não se viciar é não usar - e a melhor razão para não usar é porque você se informou e DECIDIU não usar, e não porque o governo proibiu.
E, se decidir usar... que apenas você sofra as consequências, sem espalhar violência ao seu redor. Não deixe seu prazer momentaneo estragar seus prazeres futuros, nem o prazer dos outros.
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