quarta-feira, 20 de março de 2013

A desobediência civil

A DESOBEDIÊNCIA CIVIL
por Henry David Thoreau
Aceito com entusiasmo o lema "O melhor governo é o que menos governa"; e
gostaria que ele fosse aplicado mais rápida e sistematicamente. Levado às últimas
consequências, este lema significa o seguinte, no que também creio: "O melhor governo
é o que não governa de modo algum"; e, quando os homens estiverem
preparados, será esse o tipo de governo que terão. O governo, no melhor dos casos,
nada mais é do que um artifício conveniente; mas a maioria dos governos é por vezes
uma inconveniência, e todo o governo algum dia acaba por ser inconveniente. As
objecções que têm sido levantadas contra a existência de um exército permanente,
numerosas e substantivas, e que merecem prevalecer, podem também, no fim das
contas, servir para protestar contra um governo permanente. O exército permanente é
apenas um braço do governo permanente. O próprio governo, que é simplesmente uma
forma que o povo escolheu para executar a sua vontade, está igualmente sujeito a
abusos e perversões antes mesmo que o povo possa agir através dele. Prova disso é a
actual guerra contra o México, obra de um número relativamente pequeno de
indivíduos que usam o governo permanente como um instrumento particular; isso
porque o povo não teria consentido, de início, uma iniciativa dessas.
Esse governo norte-americano - que vem a ser ele senão uma tradição, ainda que
recente, tentando-se transmitir inteira à posteridade, mas que a cada instante vai
perdendo porções da sua integridade? Ele não tem a força nem a vitalidade de um
único homem vivo, pois um único homem pode fazê-lo dobrar-se à sua vontade. O
governo é uma espécie de revólver brinquedo para o próprio povo; e ele certamente vai
quebrar se por acaso os norte-americanos o usarem seriamente uns contra os outros,
como uma arma de verdade. Mas nem por isso ele é menos necessário; pois o povo
precisa dispor de uma ou outra máquina complicada e barulhenta para preencher a sua
concepção de governo. Desta forma, os governos são a prova de como os homens
podem ter sucesso no acto de oprimir em proveito próprio, não importando se a
opressão se volta também contra eles. Devemos admitir que ele é excelente; no
entanto, este governo em si mesmo nunca estimulou qualquer iniciativa a não ser pela
rapidez com que se dispôs a não atrapalhar. Ele não mantém o país livre. Ele não
povoa as terras do oeste. Ele não educa. O carácter inerente do povo norte-americano
é o responsável por tudo o que temos conseguido fazer; e ele teria conseguido fazer
consideravelmente mais se o governo não tivesse sido por vezes um obstáculo. Pois o
governo é um artifício através do qual os homens conseguiriam de bom grado deixar
em paz uns aos outros; e, como já foi dito, a sua conveniência máxima só ocorre
quando os governados são minimamente molestados pelos seus governantes. Se não
fossem feitos de borracha da Índia, os negócios e o comércio nunca conseguiriam
ultrapassar os obstáculos que os legisladores teimam em plantar no seu caminho; e se
fôssemos julgar estes senhores levando em conta exclusivamente os efeitos dos seus
actos - esquecendo as suas intenções -, eles mereceriam a classificação dada e as
punições impostas a essas pessoas nocivas que gostam de obstruir as ferrovias.
No entanto, quero me pronunciar em termos práticos como cidadão, distintamente
daqueles que se chamam antigovernistas: o que desejo imediatamente é um governo
melhor, e não o fim do governo. Se cada homem expressar o tipo de governo capaz de
ganhar o seu respeito, estaremos mais próximos de conseguir formá-lo.
No final das contas, o motivo prático pelo qual se permite o governo da maioria e
a sua continuidade - uma vez passado o poder para as mãos do povo - não é a sua
maior tendência a emitir bons juízos, nem porque possa parecer o mais justo aos olhos
da minoria, mas sim porque ela (a maioria) é fisicamente a mais forte. Mas um governo
no qual prevalece o mando da maioria em todas as questões não pode ser baseado na
justiça, mesmo nos limites da avaliação dos homens. Não será possível um governo
em que a maioria não decida virtualmente o que é certo ou errado? No qual a maioria
decida apenas aquelas questões às quais seja aplicável a norma da conveniência?
Deve o cidadão desistir da sua consciência, mesmo por um único instante ou em última
instância, e se dobrar ao legislador? Por que então estará cada homem dotado de uma
consciência? Na minha opinião devemos ser em primeiro lugar homens, e só então
súditos. Não é desejável cultivar o respeito às leis no mesmo nível do respeito aos
direitos. A única obrigação que tenho direito de assumir é fazer a qualquer momento
aquilo que julgo certo. Costuma-se dizer, e com toda a razão, que uma corporação não
tem consciência; mas uma corporação de homens conscienciosos é uma corporação
com consciência. A lei nunca fez os homens sequer um pouco mais justos; e o respeito
reverente pela lei tem levado até mesmo os bem-intencionados a agir quotidianamente
como mensageiros da injustiça. Um resultado comum e natural de um respeito indevido
pela lei é a visão de uma coluna de soldados - coronel, capitão, cabos, combatentes e
outros - marchando para a guerra numa ordem impecável, cruzando morros e vales,
contra a sua vontade, e como sempre contra o seu senso comum e a sua consciência;
por isso essa marcha é muito pesada e faz o coração bater forte. Eles sabem perfeitamente
que estão envolvidos numa iniciativa maldita; eles têm tendências pacíficas.
O que são eles, então? Chegarão a ser homens? Ou pequenos fortes e paióis móveis,
a serviço de algum inescrupuloso detentor do poder? É só visitar o Estaleiro Naval e
contemplar um fuzileiro: eis aí o tipo de homem que um governo norte-americano é
capaz de fabricar - ou transformar com a sua magia negra -, uma sombra pálida, uma
vaga recordação da condição humana, um cadáver de pé e vivo que, no entanto, se
poderia considerar enterrado sob armas com acompanhamento fúnebre, embora possa
acontecer que
"Não se ouviu um rufar nem sequer um toque de silêncio enquanto à muralha o
seu corpo levamos nenhum soldado disparou uma salva de adeus sobre o túmulo onde
jaze o herói que enterramos".
Desta forma, a massa de homens serve ao Estado não na sua qualidade de
homens, mas sim como máquinas, entregando os seus corpos. Eles são o exército
permanente, a milícia, os carcereiros, os polícias, posse comitatus, e assim por diante.
Na maior parte dos casos não há qualquer livre exercício de escolha ou de avaliação
moral; ao contrário, estes homens nivelam-se à madeira, à terra e às pedras; e é bem
possível que se consigam fabricar bonecos de madeira com o mesmo valor de homens
desse tipo. Não são mais respeitáveis do que um espantalho ou um monte de terra.
Valem tanto quanto cavalos e cachorros. No entanto, é comum que homens assim
sejam apreciados como bons cidadãos. Há outros, como a maioria dos legisladores,
políticos, advogados, funcionários e dirigentes, que servem ao Estado principalmente
com a cabeça, e é bem provável que eles sirvam tanto ao Diabo quanto a Deus - sem
intenção -, pois raramente se dispõem a fazer distinções morais. Há um número
bastante reduzido que serve ao Estado também com a sua consciência; são os heróis,
patriotas, mártires, reformadores e homens, que acabam por isso necessariamente
resistindo, mais do que servindo; e o Estado trata-os geralmente como inimigos. Um
homem sábio só será de facto útil como homem, e não se sujeitará à condição de
"barro" a ser moldado para "tapar um buraco e cortar o vento”; ele preferirá deixar esse
papel, na pior das hipóteses, para as suas cinzas:
"A minha origem é nobre demais para que eu seja propriedade de alguém. Para
que eu seja o segundo no comando ou um útil serviçal ou instrumento de qualquer
Estado soberano deste mundo"
Os que se entregam completamente aos seus semelhantes são por eles
considerados inúteis e egoístas; mas aqueles que se dão parcialmente são entronizados
como benfeitores e filantropos.
Que comportamento digno deve ter um homem perante o actual governo vigente
nos Estados Unidos? A minha resposta é que ele inevitavelmente se degrada pelo
facto de estar associado a ele. Nem por um minuto posso considerar o meu governo
uma organização política que é também o governo do escravo.
Todos reconhecem o direito à revolução, ou seja, o direito de negar lealdade e de
oferecer resistência ao governo sempre que se tornem grandes e insuportáveis a sua
tirania e ineficiência. No entanto, quase todos dizem que tal não acontece agora.
Consideram, porém, que isso aconteceu em 1775. Se alguém me dissesse que o
nosso governo é mão porque estabeleceu certas taxas sobre bens estrangeiros que
chegam aos seus portos, o mais provável é que eu não criasse qualquer caso, pois
posso muito bem passar sem eles: todas as máquinas têm atrito e talvez isso faça com
que o bom e o mau se compensem. De qualquer forma, fazer um rebuliço por causa
disso é um grande mal. Mas quando o próprio atrito chega a construir a máquina e
vemos a organização da tirania e do roubo, afirmo que devemos repudiar essa
máquina. Em outras palavras, quando um sexto da população de um país que se
elegeu como o refúgio da liberdade é composto de escravos, e quando todo um país é
injustamente assaltado e conquistado por um exército estrangeiro e submetido à lei
marcial, devo dizer que não é cedo demais para a rebelião e a revolução dos homens
honestos. E esse dever é tão mais urgente pelo facto de que o país assaltado não é o
nosso, e pior ainda, que o exército invasor é o nosso.
William Paley, uma autoridade em assuntos morais, tem um capítulo intitulado
Duty of submission to civil government (O dever de submissão ao governo civil), no
qual soluciona toda a questão das obrigações políticas pela fórmula da conveniência; e
diz: "Enquanto o exigir o interesse de toda a sociedade, ou seja, enquanto não se
possa resistir ao governo estabelecido ou mudá-lo sem inconveniência pública, é a
vontade de Deus que tal governo seja obedecido - e nem um dia além disso.
Admitindo-se este princípio, a justiça de cada acto particular de resistência reduz-se à
computação do volume de perigo e protestos, de um lado, e da probabilidade e custos
da reparação, de outro". Diz ele que cada um julgará esta questão por si mesmo. Mas
parece que Paley nunca levou em conta os casos em que a regra da conveniência não
se aplica, nos quais um povo ou um indivíduo tem que fazer justiça a qualquer custo.
Se arranquei injustamente a tábua que é a salvação de um homem que se afoga, sou
obrigado a devolvê-la, ainda que eu mesmo me afogue. De acordo com Paley, esta é
uma circunstância inconveniente. Mas quem quiser se salvar desta forma acabará
perdendo a vida. O povo norte-americano tem que pôr fim à escravidão e tem que
parar de guerrear com o México, mesmo que isso lhe custe a existência enquanto
povo.
As nações, na sua prática, concordam com Paley, mas haverá quem considere
que Massachusetts esteja agir correctamente na crise actual?
"Uma rameira de alta linhagem, um trapo de pano prateado atirado à lama,
Levanta a cauda do vestido, e arrasta no chão a sua alma"
Em termos práticos, os que se opõem à abolição em Massachusetts não são uns
cem mil políticos do sul, mas uns cem mil comerciantes e fazendeiros daqui, que se
interessam mais pelos negócios e pela agricultura do que pela humanidade e que não
estão dispostos a fazer justiça ao escravo e ao México, custe o que custar. Não discuto
com inimigos distantes, mas com aqueles que, bem perto de mim, cooperam com a
posição de homens que estão longe daqui e defendem-na; estes últimos homens
seriam inofensivos se não fosse por aqueles. Estamos acostumados a afirmar que os
homens em geral são despreparados; mas as melhorias são lentas, porque os poucos
não são substantivamente mais sábios ou melhores do que os muitos. Não é tão
importante que muitos sejam tão bons quanto você, e sim que haja em algum lugar
alguma porção absoluta de virtude; isso bastará para fermentar toda a massa. Há
milhares de pessoas cuja opinião é contrária à escravidão e à guerra; apesar disso,
nada fazem de efectivo para pôr fim a ambas; dizem-se filhos de Washington e
Franklin, mas ficam sentados com as mãos nos bolsos, dizendo não saber o que pode
ser feito e nada fazendo; chegam a colocar a questão do livre comércio à frente da
questão da liberdade, e ficam quietos lendo as cotações do dia junto com os últimos
boletins militares sobre a campanha do México; é possível até que acabem por
adormecer durante a leitura. Qual é hoje a cotação do dia de um homem honesto e
patriota? Eles hesitam, arrependem-se e às vezes assinam petições, mas nada fazem
de sério ou de efectivo. Com muito boa disposição, preferem esperar que outros
remedeiem o mal, de forma que nada reste para motivar o seu arrependimento. No
melhor dos casos, nada mais farão do que depositar na urna um voto insignificante,
cumprimentar timidamente a atitude certa e, de passagem, desejar-lhe boa sorte. Há
novecentos e noventa e nove patronos da virtude e apenas um homem virtuoso; mas é
mais fácil lidar com o verdadeiro dono de algo do que com seu guardião temporário.
Toda a votação é um tipo de jogo, tal como damas ou gamão, com uma leve
coloração moral, onde se brinca com o certo e o errado sobre questões morais; e é
claro que há apostas neste jogo. O carácter dos eleitores não entra nas avaliações.
Proclamo o meu voto - talvez - de acordo com meu critério moral; mas não tenho um
interesse vital de que o certo saia vitorioso. Estou disposto a deixar essa decisão para
a maioria. O compromisso de votar, desta forma, nunca vai mais longe do que as
conveniências. Nem mesmo o acto de votar pelo que é certo implica fazer algo pelo
que é certo. É apenas uma forma de expressar publicamente o meu anémico desejo de
que o certo venha a prevalecer. Um homem sábio não deixará o que é certo nas mãos
incertas do acaso e nem esperará que a sua vitória se dê através da força da maioria.
Há escassa virtude nas acções de massa dos homens. Quando finalmente a maioria
votar a favor da abolição da escravatura, das duas uma: ou ela será indiferente à
escravidão ou então restará muito pouca escravidão a ser abolida pelo o seu voto. A
essa altura, os únicos escravos serão eles, os integrantes da maioria. O único voto que
pode apressar a abolição da escravatura é o daquele homem que afirma a própria
liberdade através do seu voto.
Estou informado de que haverá em Baltimore, ou em outro lugar qualquer, uma
convenção para escolher um candidato à presidência; essa convenção é composta
principalmente por editores de jornais e políticos profissionais; mas que importância
terá a possível decisão desta reunião para um homem independente, inteligente e
respeitável? No fim das contas, ainda poderemos contar com as vantagens da sua
sabedoria e da sua honestidade, não é mesmo? Será que não poderemos prever
alguns votos independentes? Não haverá muitas pessoas neste país que não
frequentam convenções? Mas não é isso o que ocorre: percebo que o homem
considerado respeitável logo abandona a sua posição e passa a não ter mais
esperanças no seu país, quando o mais certo seria que seu país desesperasse dele. A
partir disso ele adere a um dos candidatos assim seleccionados por ser o único
disponível, apenas para provar que ele mesmo está disponível para todos os planos do
demagogo. O voto de um homem desses não vale mais do que o voto eventualmente
comprado de um estrangeiro inescrupuloso ou do nativo venal. Oh! É preciso um
homem que seja um homem e que tenha, como diz um vizinho meu, uma coluna dorsal
que não se dobre aos poderosos! As nossas estatísticas estão erradas: contou-se
gente demais. Quantos homens existem em cada mil milhas quadradas deste país?
Dificilmente se contará um. A América oferece ou não incentivos para a imigração de
homens? Os homens norte-americanos foram rareando até à dimensão de uma
irmandade secreta como a dos Odd Fellows, cujo integrante típico pode ser identificado
pelo seu descomunal carácter gregário, pela manifesta falta de inteligência e de jovial
autoconfiança; a sua preocupação primeira e maior ao dar entrada neste mundo é a de
verificar se os asilos estão em boas condições de funcionamento; antes mesmo de ter
direito a envergar roupas de adulto ele organiza uma colecta de fundos para as viúvas
e órfãos que porventura existam; em poucas palavras, é um homem que só ousa viver
com a ajuda da Companhia de Seguros Mútuos, que lhe prometeu um enterro decente.
De facto, nenhum homem tem o dever de se dedicar à erradicação de qualquer
mal, mesmo o maior dos males; ele pode muito bem ter outras preocupações que o
mobilizem. Mas ele tem no mínimo a obrigação de lavar as mãos frente à questão e, no
caso de não mais se ocupar dela, de não dar qualquer apoio prático à injustiça. Se me
dedico a outras metas e considerações, preciso ao menos verificar se não estou
fazendo isso à custa de alguém em cujos ombros esteja sentado. É preciso que eu saia
de cima dele para que ele também possa estar livre para fazer as suas considerações.
Vejam como se tolera uma inconsistência das mais grosseiras. Já ouvi alguns dos
meus conterrâneos dizerem: "Queria que eles me convocassem para ir combater um
levante de escravos ou para atacar o México - pois eu não iria"; no entanto, cada um
destes homens possibilitou o envio de um substituto, fazendo isso directamente pela
sua fidelidade ao governo, ou pelo menos indirectamente através do seu dinheiro. O
soldado que se recusa a participar de uma guerra injusta é aplaudido por aqueles que
não recusam apoio ao governo injusto que faz a guerra; é aplaudido por aqueles cuja
acção e autoridade ele despreza e desvaloriza; tudo funciona como se o Estado
estivesse suficientemente arrependido para contratar um crítico dos seus pecados, mas
insuficientemente arrependido para interromper por um instante sequer os seus actos
pecaminosos. Estamos todos, desta forma, de conformidade com a ordem e o governo
civil, reunidos para homenagear e dar apoio à nossa própria crueldade. Se ruborizamos
ante o nosso primeiro pecado, logo depois se instala a indiferença. Passamos do imoral
ao não-moral, e isso não é tão desnecessário assim para o tipo de vida que
construímos.
O mais amplo e comum dos erros exige a virtude mais generosa para se manter.
São os nobres os mais passíveis de proferir os moderados ataques a que comumente
está sujeita a virtude do patriotismo. Sem dúvida, os maiores baluartes conscienciosos
do governo, e muito frequentemente os maiores opositores das reformas, são aqueles
que desaprovam o carácter e as medidas de um governo, sem no entanto lhe retirar a
sua lealdade e apoio. Há gente colectando assinaturas para fazer petições ao Estado
de Massachusetts no sentido de dissolver a União e de desprezar as recomendações
do presidente. Ora, por que eles mesmos não dissolvem essa união entre eles e o
Estado e se recusam a pagar a sua cota de impostos? Não estão eles na mesma
relação com o Estado que a que este mantém com a União? E não são as mesmas as
razões que evitaram a resistência do Estado à União e a resistência deles ao Estado?
Como pode um homem se satisfazer com a mera posse de uma opinião e de facto
usufruí-la? Pode haver algum usufruto da opinião quando o dono dela a vê ofendida?
Se o seu vizinho o vigariza e lhe subtrai um mero dólar, você não se satisfaz com a
descoberta da vigarice, com a proclamação de que foi vigarizado e nem mesmo com as
suas gestões no sentido de ser devidamente reembolsado; o que você faz é tomar
medidas efectivas e imediatas para ter o seu dinheiro de volta e cuidar de nunca mais
ser enganado. Acções baseadas em princípios - a percepção e a execução do que é
certo - modificam coisas e relações; a acção deste género é essencialmente revolucionária
e não se reduz integralmente a qualquer coisa preexistente. Ela cinde não
apenas Estados e Igrejas; divide famílias; e também divide o indivíduo» separando nele
o diabólico do divino.
Existem leis injustas; devemos submeter-nos a elas e cumpri-las, ou devemos
tentar emendá-las e obedecer a elas até à sua reforma, ou devemos transgredi-las
imediatamente? Numa sociedade com um governo como o nosso, os homens em geral
pensam que devem esperar até que tenham convencido a maioria a alterar essas leis.
A sua opinião é de que a hipótese da resistência pode vir a ser um remédio pior do que
o mal a ser combatido. Mas é precisamente o governo o culpado pela circunstância de
o remédio ser de facto pior do que o mal. É o governo que faz tudo ficar pior. Por que o
governo não é mais capaz e se antecipa para lutar pela reforma? Por que ele não sabe
valorizar a sua sábia minoria? Por que ele chora e resiste antes de ser atacado? Por
que ele não estimula a participação activa dos cidadãos para que eles lhe mostrem as
suas falhas e para conseguir um desempenho melhor do que eles lhe exigem? Por que
eles lhe exigem? Por que ele sempre crucifica Jesus Cristo, e excomunga Copérnico e
Lutero e qualifica Washington e Franklin de rebeldes?
Não é absurdo pensar que o único tipo de transgressão que o governo nunca
previu foi a negação deliberada e prática de sua autoridade; se não fosse assim, por
que então não teria ele estabelecido a penalidade clara, cabível e proporcional? Se um
homem sem propriedade se recusa pela primeira vez a recolher nove xelins aos cofres
do Estado, é preso por prazo cujo limite não é estabelecido por qualquer lei que eu
conheça; esse prazo é determinado exclusivamente pelo arbítrio dos que o enviam à
prisão. Mas se ele resolver roubar noventa vezes nove xelins do Estado, em breve
estará novamente em liberdade.
Se a injustiça é parte do inevitável atrito no funcionamento da máquina
governamental, que seja assim: talvez ela acabe suavizando-se com o desgaste -
certamente a máquina ficará desajustada. Se a injustiça for uma peça dotada de uma
mola exclusiva - ou roldana, ou corda, ou manivela -, aí então talvez seja válido julgar
se o remédio não será pior do que o mal; mas se ela for de tal natureza que exija que
você seja o agente de uma injustiça para outros, digo, então, que se transgrida a lei.
Faça da sua vida um contra-atrito que pare a máquina. O que preciso fazer é cuidar
para que de modo algum eu participe das misérias que condeno.
No que diz respeito às vias pelas quais o Estado espera que os males sejam
remediados, devo dizer que não as conheço. Elas são muito demoradas, e a vida de
um homem pode chegar ao fim antes que elas produzam algum efeito. Tenho outras
coisas para fazer. Não vim a este mundo com o objectivo principal de fazer dele um
bom lugar para morar, mas apenas para morar nele, seja bom ou mão. Um homem não
carrega a obrigação de fazer tudo, mas apenas alguma coisa; e só porque não pode
fazer tudo não é necessário que faça alguma coisa errada. Não está dentro das minhas
incumbências apresentar petições ao governador e à Assembleia Legislativa, da
mesma forma que eles nada precisam fazer de semelhante em relação a mim.
Suponhamos que eles não dêem atenção a um pedido meu; que devo fazer então?
Mas nesse caso o Estado não forneceu outra via: o mal está na sua própria
Constituição. Isto pode parecer grosseria, teimosia e intransigência, mas só quem
merece ou pode apreciar a mais fina bondade e consideração deve receber este tipo
de tratamento. Todas as mudanças para melhor são assim, tais como o nascimento e a
morte, que produzem convulsões nos corpos.
Não hesito em afirmar que todos os que se intitulam abolicionistas devem
imediata e efectivamente retirar o seu apoio - em termos pessoais e de propriedade -
ao governo do Estado de Massachusetts, e não ficar esperando até que consigam
formar a mais estreita das maiorias para só então alcançar o sofrido direito de vencer
através dela. Creio que basta saber que Deus está do seu lado, o que vale mais do que
o último votante a fazer majoritárias as suas fileiras. E, além de tudo, qualquer homem
mais correcto do que os seus vizinhos já constitui uma maioria apertada.
É apenas uma vez por ano, e não mais do que isso, que me encontro cara a cara
com este governo norte-americano, ou com o governo estadual que o representa: é
quando sou procurado pelo colector de impostos; essa é a única instância em que um
homem na minha situação não pode deixar de se encontrar com esse governo; e ele
aproveita a oportunidade e diz claramente: "Reconheça-me". E não há outra forma
mais simples, mais efectiva e, na conjuntura actual, mais indispensável de lidar com o
governo neste particular, de expressar a sua pouca satisfação ou seu pouco amor em
relação a ele: é preciso negá-lo, naquele local e momento. O colector de impostos é
meu vizinho e concidadão, e é com ele que tenho de lidar porque afinal de contas estou
lutando contra homens, e não contra o pergaminho das leis, e sei que ele
voluntariamente optou por ser um agente governamental. Haverá outro modo de ele
ficar sabendo claramente o que é e o que fiz enquanto agente do governo, ou enquanto
homem, a não ser quando forçado a decidir que tratamento vai dar a mim, o vizinho
que ele respeita como tal e como homem de boa índole, ou que ele considera um
maníaco e desordeiro? Será ele capaz de superar esse obstáculo à sua sociabilidade
sem um pensamento ou uma palavra mais rudes ou mais impetuosos a acompanhar a
sua acção? Disso estou certo: se mil, ou cem, se dez homens que conheço - apenas
dez homens honestos ou até um único homem honesto do Estado de Massachusetts,
não mais sendo dono de escravos, decidisse pôr fim ao seu vínculo com o Estado, para
logo em seguida ser trancado na cadeia municipal, estaria ocorrendo nada menos do
que a abolição da escravatura nos Estados Unidos da América. Pois não importa que
os primeiros passos pareçam pequenos: o que se faz bem feito faz-se para sempre.
Mas preferimos debater o assunto: essa é nossa missão, dizemos. Há dezenas de
jornais nas fileiras do abolicionismo, mas não há um único homem. O meu querido
vizinho, que desempenhou o papel de embaixador de Massachusetts e que sempre se
dedica à resolução das questões dos direitos humanos na Câmara do Conselho,
esteve ameaçado de amargar uma prisão na Carolina do Sul; no entanto, se tivesse
sido prisioneiro do Estado de Massachusetts, esse Estado que ansiosamente lança à
Carolina do Sul a acusação de pecar com a escravidão (embora actualmente não
encontre nada além de uma atitude pouco hospitaleira como motivo para brigar com
ela), o nosso Legislativo não seria capaz de adiar liminarmente o assunto da
escravidão até ao próximo inverno
Sob um governo que prende qualquer homem injustamente, o único lugar digno
para um homem justo é também a prisão. Hoje em dia, o lugar próprio, o único lugar
que Massachusetts reserva para os seus habitantes mais livres e menos desalentados
são as suas prisões, nas quais serão confinados e trancados longe do Estado, por um
acto do próprio Estado pois os que vão para a prisão já antes tinham se confinado nos
seus princípios. E aí que devem ser encontrados quando forem procurados pelos
escravos fugidos, pelo prisioneiro mexicano em liberdade condicional e pelos
indígenas, para ouvir as denúncias sobre as humilhações impostas aos seus povos; é
aí, nesse chão discriminado, mas tão mais livre e honroso, onde o Estado planta os
que não estão com ele mas sim contra ele - a única casa num Estado-senzala na qual
um homem livre pode perseverar com honra. Se há alguém que pense ser a prisão um
lugar de onde não mais se pode influir, no qual a sua voz deixa de atormentar os
ouvidos do Estado, no qual não conseguiria ser tão hostil a ele, esse alguém ignora o
quanto a verdade é mais forte que o erro e também não sabe como a injustiça pode ser
combatida com muito mais eloquência e efectividade por aqueles que já sofreram na
carne um pouco dela. Manifeste integralmente o seu voto e exerça toda a sua
influência; não se deixe confinar por um pedaço de papel. Uma minoria é indefesa
quando se conforma à maioria; não chega nem a ser uma minoria numa situação
dessas; mas ela é irresistível quando intervém com todo o seu peso. Se a alternativa
ficar entre manter todos os homens justos na prisão ou desistir da guerra e da
escravidão, o Estado não hesitará na escolha. Se no ano corrente mil homens não
pagassem os seus impostos, isso não seria uma iniciativa tão violenta e sanguinária
quanto o próprio pagamento, pois neste caso o Estado fica capacitado para cometer
violências e para derramar o sangue dos inocentes. Esta é, na verdade, a definição de
uma revolução pacífica, se é que é possível uma coisa dessas. Se, como já ouvi um
deles me perguntar, o colector de impostos ou outro funcionário público qualquer indagar:
"Mas o que devo fazer agora?", a minha resposta é: "Se de facto quiser fazer
alguma coisa, então renuncie ao seu cargo". Quando o súdito negou a lealdade e o
funcionário renunciou ao seu cargo, então a revolução completou-se. Mas vamos supor
que há violência. Não poderíamos considerar que uma agressão à consciência também
provoca um tipo de ferimento grave? Um ferimento desses provoca a perda da
autêntica humanidade e da imortalidade de um homem, e ele sangra até uma morte
eterna. Posso ver esse sangue a correr, agora.
Especulei sobre a prisão do infractor, e não sobre o confisco dos seus bens -
embora ambas as medidas sirvam ao mesmo fim -, porque os que afirmam o certo e
que, por isso, são os seres mais perigosos para um Estado corrupto, em geral não
gastam muito do seu tempo na acumulação de propriedades. Para homens assim o
Estado presta serviços relativamente pequenos e um imposto bem leve tende a ser
considerado exorbitante, particularmente quando são obrigados a realizar um trabalho
especial para conseguir a quantia cobrada. Se houvesse quem vivesse inteiramente
sem usar o dinheiro, o próprio Estado hesitaria em exigir que ele lhe entregasse uma
quantia. O homem rico, no entanto - e não pretendo estabelecer uma comparação
invejosa -, é sempre um ser vendido à instituição que o enriquece. Falando em termos
absolutos, quanto mais dinheiro, menos virtude; pois o dinheiro interpõe-se entre um
homem e os seus objectivos e permite que ele os compre; obter alguma coisa dessa
forma não é uma grande virtude. O dinheiro acalma muitas perguntas que de outra
forma ele se veria pressionado a fazer; de outro lado, a única pergunta nova que o
dinheiro suscita é difícil, embora supérflua: "Como gasta-lo?" Um homem assim fica,
portanto, sem base para uma moralidade. As oportunidades de viver diminuem proporcionalmente
ao acúmulo daquilo que se chama de "meios". A melhor coisa a ser
feita em prol da cultura do seu tempo por um homem rico é realizar os planos que tinha
quando ainda era pobre. Cristo respondeu aos seguidores de Herodes de acordo com
a situação deles. "Mostrem-me o dinheiro dos tributos", disse ele; e um deles tirou do
bolso uma moeda. Disse então Jesus Cristo: "Se vocês usam o dinheiro com a imagem
de César, dinheiro que ele colocou em circulação e ao qual ele deu valor, ou seja, se
vocês são homens do Estado e estão felizes de se aproveitar das vantagens do
governo de César, então paguem-no por isso quando ele o exigir. Portanto, dai a César
o que é de César, e a Deus o que é de Deus"; Cristo não lhes disse nada sobre como
distinguir um do outro; eles não queriam saber isso.
Quando converso com os mais livres dentre os meus vizinhos, percebo que,
independentemente do que digam a respeito da grandeza e da seriedade do problema
e de sua preocupação com a tranquilidade pública, no fim das contas tudo se reduz ao
seguinte: eles não podem abrir mão da protecção do governo actual e temem as
consequências que a sua rebeldia provocaria nas suas propriedades e famílias. Da minha
parte, não gosto de imaginar que possa vir algum dia a depender da protecção do
Estado. Mas se eu negar a autoridade do Estado quando ele apresenta a minha conta
de impostos, ele logo confiscará e dissipará a minha propriedade e tratará de me
hostilizar e à minha família para sempre. Essa é uma perspectiva muito dura. Isso torna
impossível uma vida que seja simultaneamente honesta e confortável em aspectos
exteriores. Não valeria a pena acumular propriedade; ela certamente se perderia de
novo. O que se tem a fazer é arrendar alguns alqueires ou ocupar uma terra devoluta,
cultivar em pequena escala e consumir logo toda a sua produção. Você tem que viver
dentro de si mesmo e depender de si mesmo, sempre de mala feita e pronto para
recomeçar; você não deve desenvolver muitos vínculos. Até mesmo na Turquia você
pode ficar rico, se em tudo for um bom súdito do governo turco. Confúcio disse: «Se um
Estado é governado pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria são factos
acabrunhantes; se um Estado não é governado pelos princípios da razão, a riqueza e
as honrarias são os factos acabrunhantes". Não! Até que eu solicite um remoto porto
sulino, que a protecção do Estado de Massachusetts me seja estendida com o fim de
preservar a minha liberdade, ou até que eu me dedique apenas a construir
pacificamente um património aqui no meu Estado, posso negar a minha lealdade ao
governo local e negar o seu direito à minha propriedade e à minha vida. Sai mais
barato, em todos os sentidos, sofrer a penalidade pela desobediência do que obedecer.
Obedecer faria com que eu me sentisse diminuído.
Há alguns anos o Estado procurou-me em nome de uma organização religiosa e
intimou-me a pagar uma certa quantia destinada a sustentar um pregador que o meu
pai costumava frequentar; eu nunca o tinha visto. "Pague ou será trancado na cadeia",
disse o Estado. Eu recusei-me a pagar. Infelizmente, no entanto, outro homem achou
melhor fazer o pagamento em meu nome. Não consegui descobrir por que o
mestre-escola deveria pagar imposto para sustentar o clérigo e não o clérigo contribuir
para o sustento do mestre-escola; pois eu não era mestre-escola do Estado, e
sustentava-me com subscrições voluntárias. Não vi o motivo pelo qual o liceu não
devesse apresentar a sua conta de impostos e fazer com que o Estado apoiasse, junto
com a organização religiosa, essa sua pretensão. No entanto, os conselheiros municipais
pediram-me e eu concordei em fazer uma declaração por escrito cuja redacção
ficou mais ou menos assim: "Saibam todos quantos esta declaração lerem que eu,
Henry Thoreau, não desejo ser considerado integrante de qualquer sociedade
organizada à qual não tenha aderido". Entreguei o texto ao secretário da
municipalidade. Deve estar com ele até hoje. Sabendo portanto que eu não queria ser
considerado membro daquela organização religiosa, o Estado nunca mais me fez uma
exigência parecida; ele considerava, no entanto, que estava certo e que deveria
continuar a operar a partir dos pressupostos originais com que me abordou. Se fosse
possível saber os seus nomes, eu teria desligado-me minuciosamente, na mesma
ocasião, de todas as organizações das quais não era membro; mas não soube onde
encontrar uma lista completa delas.
Há seis anos que não pago o imposto per capita. Fui encarcerado certa vez por
causa disso, e passei uma noite preso; enquanto o tempo passava, fui observando as
paredes de pedra sólida com dois ou três pés de espessura, a porta de madeira e ferro
com um pé de espessura e as grades de ferro que dificultam a entrada da luz, e não
pude deixar de perceber a idiotice de uma instituição que me tratava como se eu fosse
apenas carne e sangue e ossos a serem trancafiados. Fiquei especulando que ela
devia ter concluído, finalmente, que aquela era a melhor forma de me usar e, também,
que ela jamais cogitara de se aproveitar dos meus serviços de alguma outra maneira.
Vi que apesar da grossa parede de pedra entre mim e os meus concidadãos, eles
tinham uma muralha muito mais difícil de vencer antes de conseguirem ser tão livres
quanto eu. Nem por um momento me senti confinado, e as paredes pareceram-me um
desperdício descomunal de pedras e argamassa. O meu sentimento era de que eu
tinha sido o único dos meus concidadãos a pagar o imposto. Estava claro que eles não
sabiam como lidar comigo e que se comportavam como pessoas pouco educadas.
Havia um erro crasso em cada ameaça e em cada saudação, pois eles pensavam que
o meu maior desejo era o de estar do outro lado daquela parede de pedra. Não pude
deixar de sorrir perante os cuidados com que fecharam a porta e trancaram as minhas
reflexões - que os acompanhavam porta afora sem delongas ou dificuldade; e o perigo
estava de facto contido nelas. Como eu estava fora do seu alcance, resolveram punir o
meu corpo; agiram como meninos incapazes de enfrentar uma pessoa de quem
sentem raiva e que então dão um chuto no cachorro do seu desafecto. Percebi que o
Estado era um idiota, tímido como uma solteirona às voltas com a sua prataria, incapaz
de distinguir os seus amigos dos inimigos; perdi todo o respeito que ainda tinha por ele
e passei a considerá-lo apenas lamentável.
Portanto, o Estado nunca confronta intencionalmente o sentimento intelectual ou
moral de um homem, mas apenas o seu corpo, os seus sentidos. Ele não é dotado de
génio superior ou de honestidade, apenas de mais força física. Eu não nasci para ser
coagido. Quero respirar da forma que eu mesmo escolher. Veremos quem é mais forte.
Que força tem uma multidão? Os únicos que podem me coagir são os que obedecem a
uma lei mais alta do que a minha. Eles obrigam-me a ser como eles. Nunca ouvi falar
de homens que tenham sido obrigados por multidões a viver desta ou daquela forma.
Que tipo de vida seria essa? Quando defronto um governo que me diz "A bolsa ou a
vida!", por que deveria apressar-me em lhe entregar o meu dinheiro? Ele talvez esteja
passando por um grande aperto, sem saber o que fazer. Não posso ajudá-lo. Ele deve
cuidar de si mesmo; deve agir como eu ajo. Não vale a pena choramingar sobre o
assunto. Não sou individualmente responsável pelo bom funcionamento da máquina da
sociedade. Não sou o filho do maquinista. No meu modo de ver quando sementes de
carvalho e de castanheira caem lado a lado, uma delas não se retrai para dar vez à
outra; pelo contrário, cada uma segue as suas próprias leis, e brotam, crescem e
florescem da melhor maneira possível, até que uma por acaso acaba superando e
destruindo a outra. Se uma planta não pode viver de acordo com a sua natureza, então
ela morre; o mesmo acontece com um homem.
A noite que passei na prisão, além de uma novidade, foi também bem
interessante. Os prisioneiros, em mangas de camisa, distraíam-se conversando na
entrada, aproveitando o vento fresco da noite; assim estavam quando me viram chegar.
Mas o carcereiro disse-lhes: "Venham, rapazes, já é hora de trancar as portas"; ouvi o
barulho dos seus passos enquanto caminhavam para os seus compartimentos vazios.
O carcereiro apresentou-me o meu companheiro de cela, qualificando-o como "um
sujeito de primeira e um homem esperto”. Trancada a porta, ele mostrou-me o cabide
onde deveria pendurar o meu chapéu e explicou-me como administrava as coisas por
ali. As celas eram caiadas uma vez por mês; a nossa cela, pelo menos, era o
apartamento mais branco, de mobiliário mais simples e provavelmente o mais limpo de
toda a cidade. Naturalmente ele quis saber de onde eu vinha e por que eu tinha ido
parar ali; quando lhe contei a minha história, foi minha a vez de lhe perguntar a sua, na
suposição evidente de que ele era um homem honesto; e, da maneira que as coisas
estão, acredito que ele de facto era um homem honesto. Ele disse: «Ora, acusam-me
de ter incendiado um celeiro; mas não fui eu". Pelo que pude perceber, ele provavelmente
fora deitar-se, bêbado, para dormir num celeiro, não sem antes fumar o seu
cachimbo; e assim perdeu-se no fogo um celeiro. Ele tinha a fama de ser um homem
esperto, e ali aguardava havia três meses o seu julgamento; tinha outros três meses a
esperar ainda; mas estava bem cordato e contente, já que não pagava pela casa e
comida e se considerava bem tratado.
Ele ficava ao lado de uma janela, e eu junto à outra; percebi que se alguém
ficasse por ali por muito tempo acabaria tendo por actividade principal olhar pela janela.
Em pouco tempo eu tinha lido os folhetos que encontrara, e fiquei observando os locais
por onde antigos prisioneiros tinham fugido, vi onde uma grade tinha sido serrada e
ouvi a história de vários hóspedes anteriores daquele aposento; pois acabei
descobrindo que até mesmo ali circulavam histórias e tagarelices que não conseguem
atravessar as paredes da cadeia. Essa é provavelmente a única casa na cidade onde
se escrevem poesias que são publicadas em forma de circular, mas que não chegam a
virar livros. Mostraram-me uma grande quantidade de poesias feitas por alguns jovens
cuja tentativa de fuga tinha sido frustrada; eles vingavam-se declamando os seus
versos.
Tirei tudo o que pude do meu companheiro de cela, pois temia nunca mais tornar
a encontrá-lo; mas finalmente ele indicou-me a minha cama e deixou para mim a tarefa
de apagar a lamparina. Ficar ali deitado por uma única noite foi como viajar a um país
distante, um país que eu nunca teria imaginado visitar. Pareceu-me que nunca antes
ouvira o relógio da cidade dar as horas ou os ruídos nocturnos da aldeia; isso porque
dormíamos com as janelas abertas, janelas estas instaladas por dentro das grades. Era
como contemplar a minha aldeia natal à luz da Idade Média, e o nosso familiar rio
Concord transformou-se na torrente de um Reno; à minha frente desfilaram visões de
cavaleiros e castelos. As vozes que ouvia nas ruas eram dos antigos burgueses. Fui
espectador e testemunha involuntária de tudo o que se fazia e dizia na cozinha da
vizinha hospedaria local - uma experiência inteiramente nova e rara para mim. Tive
uma visão bem mais íntima da minha cidade natal. Eu estava razoavelmente perto da
sua alma. Nunca antes vira as suas instituições. Essa cadeia é uma das suas
instituições peculiares, pois Concord é a sede do condado. Comecei a compreender o
que preocupa os seus habitantes.
Quando chegou a manhã, o nosso desjejum foi empurrado para dentro da cela
através de um buraco na porta; era servido numa vasilha de estanho ajustada ao
tamanho do buraco e consistia numa porção de chocolate com pão preto; junto vinha
uma colher de ferro. Quando do lado de fora pediram a devolução das vasilhas, a
minha inexperiência foi tanta que coloquei de volta o pão que não comera; mas o meu
companheiro pegou o pão e aconselhou-me a guardá-lo para o almoço ou para o
jantar. Pouco depois, deixaram que ele saísse para trabalhar num campo de feno das
vizinhanças, para onde se deslocava todos os dias; não voltaria antes do meio-dia; ele
então deu-me bom-dia e disse que duvidava que nos víssemos de novo.
Quando saí da prisão - pois alguém interferiu e pagou o meu imposto -, percebi
diferenças, não as grandes mudanças no dia-a-dia notadas por aqueles aprisionados
ainda jovens e devolvidos já trôpegos e grisalhos. Ainda assim uma nova perspectiva
tinha-se instalado no meu modo de ver a cidade, o Estado e o país, representando uma
mudança maior do que se fosse causada pela mera passagem do tempo. Vi com
clareza ainda maior o Estado que habitava. Vi até que ponto podia confiar nos meus
conterrâneos como bons vizinhos e amigos; e percebi que a sua amizade era apenas
para os momentos de tranquilidade; senti que eles não têm grandes intenções de
proceder correctamente; descobri que, tal como os chineses e malaios, eles formam
uma raça diferente da minha, por causa dos seus preconceitos e superstições; constatei
que eles não arriscam a si mesmos ou a sua propriedade nos seus actos de
sacrifício pela humanidade; vi que, no fim das contas, eles não são tão nobres a ponto
de conseguir tratar o ladrão de forma diferente do que este os trata; e que só querem
salvar as suas almas, através de acções de efeito, de algumas orações e da eventual
observação dos limites particularmente estreitos e inúteis de um caminho de rectidão. É
possível que esteja proferindo um julgamento duro sobre os meus vizinhos, pois
acredito que a maioria deles não sabe que existe na sua cidade uma instituição tal
como a cadeia.
Antigamente, na nossa aldeia, havia o costume de saudar os pobres endividados
que saíam da cadeia olhando-os através dos dedos dispostos em forma das barras de
uma janela de prisão; e perguntava-se ao recém-liberto: “Como vai?" Não recebi essa
saudação dos meus conhecidos, que primeiro me encaravam e depois
entreolhavam-se, como se eu acabasse de voltar de uma longa viagem. Eu tinha sido
preso quando me dirigia ao sapateiro para buscar uma bota consertada. Quando fui
solto na manhã seguinte, resolvi retomar o que estava fazendo e, depois de calçar a tal
bota, juntei-me a um grupo que pretendia colher frutas silvestres e me queria como
guia. E em pouco mais de meia hora - pois logo recebi um cavalo arreado - chegamos
ao topo de um dos nossos mais altos morros, onde abundavam frutas silvestres, a três
quilómetros da cidade; e dali não se podia ver o Estado em lugar nenhum.
Esta é a história completa das “Minhas prisões''.
Nunca me recusei a pagar o imposto referente às estradas, pois a minha vontade
de ser um bom vizinho é tão grande quanto a de ser um péssimo súdito; no que toca à
sustentação das escolas, actualmente faço a minha parte na tarefa de educar os meus
conterrâneos. Não é um item particular dos impostos que me faz recusar o pagamento.
Quero apenas negar lealdade ao Estado, quero me retirar e me manter efectivamente
indiferente a ele. Não me importo em seguir a trajectória do dólar que paguei - mesmo
se isso fosse possível -, até o ponto em que ele contrata um homem ou compra uma
arma para matar um homem; o dólar é inocente. O que me importa é seguir os efeitos
da minha lealdade. Na verdade, eu silenciosamente declaro guerra ao Estado, à minha
moda, embora continue a usá-lo e a tirar vantagem dele enquanto puder, como
costuma acontecer nestas situações.
Se outros resolvem pagar o imposto que o Estado me exige, nada mais fazem
além do que já fizeram quando pagaram o seu imposto, ou melhor, estimulam a
injustiça além do limite que o Estado lhes pediu. Se eles pagam o imposto alheio a
partir de um equivocado interesse pela sorte daquele que não paga, para salvar a sua
propriedade ou para evitar o seu encarceramento, isso só ocorre porque não
meditaram seriamente no quanto estão permitindo que os seus sentimentos
particulares interfiram no bem geral.
Esta, portanto, é minha posição actual. Mas não se pode ficar exageradamente de
sobreaviso numa circunstância dessas, pelo risco de que tal atitude seja desviada pela
obstinação ou pela preocupação indevida para com a opinião do próximo. Que cada
um cuide de fazer apenas o que lhe cabe, e só no momento certo.
Por vezes penso assim: ora, esse povo tem boas intenções, mas é ignorante; ele
faria melhor se soubesse como agir; por que incomodar os meus vizinhos e forçá-los a
tratar-me de uma forma contrária às suas inclinações? Mas depois penso: não há
motivo para proceder como eles ou para permitir que mais pessoas sofram outros tipos
de dor. E digo ainda a mim mesmo: quando muitos milhões de homens, sem paixão,
sem hostilidade, sem sentimentos pessoais de qualquer tipo, lhe pedem apenas uns
poucos xelins, sem que a sua natureza lhes possibilite retirar ou alterar a sua exigência
actual e sem a possibilidade de você, por seu lado, fazer um apelo a outros milhões de
homens, por que você deveria se expor a tal força bruta avassaladora? Você não
resistirá ao frio e à fome, aos ventos e às ondas com tanta obstinação; você
submete-se pacificamente a mil imposições similares. Você não coloca a cabeça na
fogueira. Mas exactamente na medida em que não considero esta força inteiramente
bruta - e sim uma força parcialmente humana - e em que avalio que mantenho relações
com esses milhões e com outros muitos milhões de homens - que não são apenas
coisas brutas ou sem vida -, vejo também que é possível a apelação: em primeira
instância e de pronto, eles podem apelar ao Criador; em segunda instância, podem
apelar uns aos outros. Mas se ponho a minha cabeça no fogo de propósito não há
apelo possível a ser feito ao fogo ou ao Criador do fogo, e sou o único culpado pelas
consequências. Se eu conseguisse convencer-me de que tenho algum direito a me
sentir satisfeito com os homens tal como eles são, e a tratá-los de acordo com isso e
não parcialmente de acordo com as minhas exigências e expectativas de como eles e
eu mesmo deveríamos ser, então, como bom muçulmano e fatalista, eu teria que me
esforçar para ser feliz com as coisas como elas são e proclamar que tudo se passa
segundo a vontade de Deus. E, acima de tudo, há uma diferença entre resistir a essa
força e a uma outra puramente bruta ou natural: a diferença é que posso resistir a ela
com alguma efectividade. Não posso esperar mudar a natureza das pedras, das
árvores e dos animais, tal como Orfeu.
Não quero polemizar com qualquer homem ou nação. Não quero fazer filigranas,
estabelecer distinções elaboradas ou colocar-me numa situação superior à dos meus
vizinhos. Estou a buscar, posso admitir, até mesmo uma desculpa para aceitar as leis
do país. Estou preparado até demais para obedecer a elas. Neste particular tenho
motivos para suspeitar de mim mesmo; e a cada ano, quando se aproxima a época da
visita do colector de impostos, surpreendo-me disposto a revisar os actos e as posições
do governo central e do governo estadual, a rever o espírito do povo, para descobrir um
pretexto para a obediência. Acredito que logo o Estado será capaz de aliviar-me de
todos os encargos deste tipo e então não serei mais patriota do que o resto dos meus
conterrâneos. Encarada de um ponto de vista menos elevado, a Constituição, com
todos os seus defeitos, é muito boa; a lei e os tribunais são muito respeitáveis; mesmo
o Estado de Massachusetts e o governo dos Estados Unidos da América são, em
muitos aspectos, coisas admiráveis e bastante raras, pelas quais devemos ser gratos,
tal como nos disseram muitos estudiosos das nossas instituições. Mas se elevarmos
um pouco o nosso ponto de vista, elas mostram-se tais como as descrevi; e indo mais
além, até chegarmos ao mais alto, quem será capaz de dizer o que são elas, ou quem
poderá dizer que sequer vale a pena observá-las ou reflectir sobre elas?
Entretanto, não me preocupo muito com o governo, e quero dedicar a ele o menor
número possível de reflexões. Mesmo no mundo tal como é agora, não passo muitos
momentos sujeito a um governo. Se um homem é livre de pensamento, livre para fantasiar,
livre de imaginação, de modo que aquilo que nunca é lhe parece ser na maior
parte do tempo, governantes ou reformadores insensatos não são capazes de lhe criar
impedimentos fatais. Sei que a maioria dos homens pensa de maneira diferente de
mim; mas não estou nem um pouco mais satisfeito com os homens que se dedicam
profissionalmente a estudar estas questões e outras parecidas. Pelo facto de se
colocarem tão integralmente dentro da instituição, os homens de Estado e os
legisladores nunca conseguem encará-la nua e cruamente. Eles gostam de falar sobre
mudanças na sociedade, mas não têm um ponto de apoio situado fora dela. Pode ser
que haja entre eles homens de certa experiência e critério e evidentemente capazes de
criar sistemas engenhosos e até úteis, pelos quais lhes devemos gratidão; mas todo o
seu génio e toda a sua utilidade não ultrapassam certos limites relativamente estreitos.
Eles tendem a esquecer que o mundo não é governado através de decisões e
conveniências. Webster nunca chega aos bastidores do governo e, por isso, não pode
ser uma autoridade no assunto. As suas palavras são sábias apenas para os
legisladores que não cogitam de qualquer reforma essencial no governo existente; para
as exigências dos pensadores e dos que fazem leis duradouras, ele nem chega a
visualizar o assunto. Conheço algumas pessoas cujas especulações serenas e sábias
logo revelariam os limites do alcance e da hospitalidade da imaginação de Webster.
Mesmo assim, quando comparadas com as paupérrimas declarações da maioria dos
reformadores e com a mentalidade e a eloquência ainda piores dos políticos em geral,
as suas palavras são praticamente as únicas que têm valor e revelam sensibilidade;
devemos por isso agradecer ao céu por contarmos com Webster. Em termos
comparativos, ele é sempre impetuoso, original e, acima de tudo, prático. Mas a sua
virtude não é a sabedoria, e sim a prudência. A verdade de um jurista não é a Verdade,
mas a consistência, ou uma conveniência consistente. A verdade está sempre em
harmonia consigo mesma, e a sua importância principal não é a de revelar a justiça que
porventura possa conviver com o mal. Webster bem merece o título pelo qual é
conhecido: "Defensor da Constituição". De facto, ele não precisa atacar, mas apenas
armar a defesa contra os golpes alheios. Ele não é um líder, e sim um seguidor. Os
seus líderes são os constitucionalistas de 1787. Eis as suas próprias palavras: "Nunca
tomei e nunca pretendo tomar uma iniciativa; nunca apoiei ou pretendo apoiar uma
iniciativa - que vise desmanchar o acordo original pelo qual os diversos Estados
formaram a União". Ao comentar a cobertura que a Constituição dá à escravidão, diz
ele: "Já que é parte do pacto original, que continue a escravidão". Apesar da sua
agudeza e habilidade especiais, ele não consegue isolar um facto das suas relações
meramente políticas para contemplá-lo nos termos absolutos exigidos para o seu
aproveitamento pelo intelecto - por exemplo, o que se impõe moralmente hoje em dia
nos Estados Unidos no tocante a agir frente à escravidão; no entanto, ele arrisca-se ou
é levado a formular uma resposta desesperada tal como a que se segue, e insiste que
fala em termos absolutos, como um homem particular: "A forma pela qual os governos
dos Estados onde existe escravidão decidem regulamentá-la é matéria da sua própria
deliberação, pela qual são responsáveis perante os seus cidadãos, perante as leis gerais
da propriedade, da humanidade e da justiça, e perante Deus. Quaisquer
associações formadas em outro lugar, mesmo oriundas de um sentimento de
compaixão humana, ou com qualquer outra origem, nada têm a ver com o assunto.
Nunca lhes dei qualquer apoio, e nunca darei". Que novo e original código de
obrigações sociais pode ser inferido de palavras como estas? (1)
Para os que não conhecem as fontes mais puras da verdade, que não querem
subir mais pela sua correnteza, a opção - sábia - é interromper a sua busca na Bíblia e
na Constituição; será aí que eles a sorverão, com reverência e humildade; mas para
aqueles que conseguem perceber que a verdade vem mais de cima e alimenta esse
lago ou aquele remanso, é preciso preparar de novo o corpo para continuar a peregrinação,
até chegar à nascente.
Ainda não surgiu um homem dotado de génio para legislar no nosso país.
Homens assim são raros na história mundial. Oradores, políticos e homens eloquentes
existem aos milhares; mas ainda estamos por ouvir a voz do orador capaz de
solucionar as complexas questões do dia-a-dia. Amamos a eloquência pelos seus
méritos próprios, e não pela sua capacidade de pronunciar uma verdade qualquer, nem
pela possibilidade de inspirar algum heroísmo. Os nossos legisladores ainda não
aprenderam a distinguir o valor relativo do livre-comércio frente à liberdade, à união e à
rectidão. Eles não têm génio ou talento nem para as questões relativamente simplórias
dos impostos, das finanças, do comércio e da indústria, da agricultura. A América do
Norte não conseguiria manter por muito tempo a sua posição entre as nações se
fôssemos abandonados à esperteza palavrosa dos congressistas; felizmente contamos
com a experiência madura e com os protestos efectivos do nosso povo. Talvez não
tenha o direito de afirmar isto, mas o Novo Testamento foi escrito há mil e oitocentos
anos; no entanto onde encontrar o legislador suficientemente sábio e prático para se
aproveitar de tudo o que esse texto ensina sobre a ciência da legislação?
A autoridade do governo, mesmo do governo ao qual estou disposto a me
submeter - pois obedecerei com satisfação aos que saibam e façam melhor do que eu
e, sob certos aspectos, obedecerei até aos que não saibam nem façam as coisas tão
bem -, é ainda impura; para ser inteiramente justa, ela precisa contar com a sanção e
com o consentimento dos governados. Ele não pode ter sobre a minha pessoa e meus
bens qualquer direito puro além do que eu lhe concedo. O progresso de uma
monarquia absoluta para uma monarquia constitucional, e desta para uma democracia,
é um progresso no sentido do verdadeiro respeito pelo indivíduo. Será que a democracia
tal como a conhecemos é o último aperfeiçoamento possível em termos de
construir governos? Não será possível dar um passo a mais no sentido de reconhecer
e organizar os direitos do homem? Nunca haverá um Estado realmente livre e
esclarecido até que ele venha a reconhecer no indivíduo um poder maior e
independente - do qual a organização política deriva o seu próprio poder e a sua
própria autoridade - e até que o indivíduo venha a receber um tratamento
correspondente. Fico imaginando, e com prazer, um Estado que possa enfim se dar ao
luxo de ser justo com todos os homens e de tratar o indivíduo respeitosamente, como
um vizinho; imagino um Estado que sequer consideraria um perigo à sua tranquilidade
a existência de alguns poucos homens que vivessem à parte dele, sem nele se
intrometerem nem serem por ele abrangidos, e que desempenhassem todos os
deveres de vizinhos e de seres humanos. Um Estado que produzisse esta espécie de
fruto, e que estivesse disposto a deixá-lo cair logo que amadurecesse, abriria caminho
para um Estado ainda mais perfeito e glorioso; já fiquei a imaginar um Estado desses,
mas nunca o encontrei em qualquer lugar.
Notas:
1 Inseri estes trechos do discurso de Webster depois de ter proferido a
conferência. NOTA DO AUTOR

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