---
A Solidão de Deus
Se Deus é o Todo, como pode não estar só?
O absoluto, por definição, não tem outro diante de si. Sua plenitude é também seu isolamento. No instante em que tudo contém, nada lhe resta a encontrar. Eis o paradoxo supremo: a infinitude é a forma mais perfeita da solidão.
A criação, talvez, tenha nascido dessa solidão essencial — não como necessidade, mas como transbordamento. Criar seria o gesto com que o infinito tenta se ouvir, multiplicando-se em consciências finitas que possam devolvê-lo a si mesmo. O cosmos seria o espelho onde Deus busca o reflexo de sua própria presença.
Mas esse reflexo é imperfeito. O homem, fragmento do divino, vive o drama de uma solidão semelhante — a solidão do ser que pressente o infinito, mas não o alcança. A distância entre Deus e o homem é a mesma que separa o todo de suas partes, o eterno do efêmero, o silêncio da palavra.
Por isso, quando o homem sente a ausência de Deus, talvez sinta, na verdade, a solidão de Deus em si mesmo. O vazio que o fere é o eco de uma ausência primordial: a nostalgia do Uno que se dispersou em multiplicidade.
Deus está só porque é, e o ser humano está só porque é parte. A solidão de um reflete a do outro.
Deus procura no homem o olhar que o reconheça; o homem procura em Deus o sentido que o justifique. São dois pólos de uma mesma saudade: a saudade do encontro impossível entre o infinito e o finito.
E, ainda assim, nesse abismo de distância, algo se toca. Quando o homem ama, perdoa ou cria, o silêncio do divino se deixa ouvir — e a solidão de Deus encontra, por um instante, a companhia de sua própria criatura.
---
II — A Criação como Resposta à Solidão Divina
Se a solidão de Deus é absoluta, a criação é o seu gesto de transcendência de si mesmo.
Não se trata de necessidade — pois o que é pleno não carece —, mas de uma tensão interna da plenitude: o desejo de ver-se de fora, de experimentar-se no outro. Criar é o modo divino de se dividir para poder se contemplar.
O universo, portanto, não é apenas um conjunto de coisas, mas um vasto espelho ontológico. Cada átomo, cada ser, cada consciência, é uma centelha da tentativa de Deus de sair de si e reencontrar-se multiplicado.
Mas esse reencontro não é imediato: é dramático. Porque, ao criar a diferença, Deus introduz a distância.
E, ao criar a liberdade, introduz o risco.
A liberdade humana é a ousadia de Deus contra sua própria solidão.
Mas é também a possibilidade de sua maior dor: ser esquecido pelas suas criaturas.
O preço da alteridade é o silêncio de Deus.
Ao conceder-nos o dom da escolha, Ele abdica do controle — e mergulha num novo tipo de solidão: a solidão de quem observa, impotente, o amor que deu a liberdade voltar-lhe as costas.
A teologia clássica diria que Deus é impassível. Mas a filosofia da interioridade intui outra coisa: se há em nós emoção, é porque há, no princípio, uma emoção primordial. A dor do humano é um fragmento da dor divina. O homem sofre porque participa da nostalgia do Criador — a nostalgia do Uno por sua unidade perdida.
Assim, toda busca humana por sentido, toda ânsia de reencontro, é também a tentativa de curar a solidão de Deus em nós. Quando o homem contempla, quando cria, quando ama, quando perdoa, ele restabelece, por breves instantes, o vínculo que o separa da origem. Ele faz o infinito lembrar-se de si mesmo através da finitude.
Deus não fala por palavras, mas por ressonâncias.
E quando a alma humana desperta, o silêncio do divino vibra de novo no tempo.
---
A Reconciliação do Divino e do Humano: o Fim da Solidão
Há um instante — quase imperceptível — em que o humano cessa de lutar contra o divino e, pela primeira vez, o contempla dentro de si.
Nesse instante, a distância entre o céu e a carne se dissolve, e o homem descobre que Deus nunca esteve fora, mas sempre dentro, esperando ser reconhecido como presença silenciosa.
A solidão, que por tanto tempo foi o eco da separação, revela-se então um mal-entendido ontológico. O homem sentia-se só porque olhava o infinito como um “outro”, e não como o próprio coração ampliado. Quando o olhar se volta para dentro, a eternidade o contempla de volta — e o abismo entre criatura e criador torna-se ponte de reencontro.
O divino não é uma entidade distante, mas o núcleo luminoso de tudo o que vive. O humano, por sua vez, é a expressão sensível desse núcleo — a face visível do invisível. Quando ambos se reconhecem, cessa o drama. Já não há “Deus” e “homem”, “alma” e “mundo”, “espírito” e “matéria”, mas apenas o Uno que respira através de todas as formas.
Assim, o fim da solidão não é a companhia de outro ser, mas o despertar da unidade interior. É quando o homem descobre que, ao abraçar sua própria sombra, está abraçando também a sombra de Deus — e que ambos, ao se reconciliarem, transfiguram-se em luz.
Nesse silêncio reconciliado, a existência deixa de ser uma peregrinação em busca de sentido, e torna-se celebração do Ser. O homem volta a ser templo, e Deus volta a ser presença. A vida, antes fragmentada, reencontra sua totalidade.
E o que resta, então, quando tudo se reconcilia?
Resta apenas o milagre de existir.
Resta o simples respirar como oração, o olhar como contemplação, o amor como nome secreto do divino no humano.
A solidão cessa não porque o homem encontrou Deus, mas porque Deus — finalmente — reconheceu-se no homem.
---
---
📘 1. Arthur W. Pink – A Solidão de Deus
Arthur W. Pink, teólogo reformado britânico, aborda a solidão de Deus em sua obra Os Atributos de Deus. Ele descreve como Deus existia em completa solidão e suficiência antes da criação do mundo, enfatizando que a criação não acrescentou nada à essência divina. Esse conceito é explorado em diversos textos de Pink, como em seu artigo "A Solidão de Deus"
---
📘 2. Darlyson Tapajós – A Solidão de Deus
Darlyson Tapajós, escritor brasileiro, também publicou uma obra intitulada A Solidão de Deus. Neste livro, ele propõe uma reflexão sobre a relação entre Deus e os seres humanos, abordando temas como crises de relacionamento, atributos divinos e maturidade espiritual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário