16 Carlos Rodrigues Brandão
Quando um povo alcança um estágio complexo
de organização da sua sociedade e de sl,la cultura;
quando ele enfrenta, por exemplo, a questão
da divisão social do trabalho e, portanto, do
poder, é que ele começa a viver e a pensar como
problema as formas e os processos de transmissão
do saber. É a partir de então que a questão da
educação emerge à consciência e o trabalho de
educar acrescenta à sociedade, passo a passo, os
espaços, sistemas, tempos, regras de prática,
tipos de profissionais e categorias de educandos
envolvidos nos exercicios de maneiras cada vez
menos corriqueiras e menos comunitárias do
ato, afinal tão simples, de ensinar-e-aprender.
No entanto, muito antes que isso aconteça,
em qualquer lugar e a qualquer tempo - entre
dez indios remanescentes de alguma tribo do
Brasil Central, no centro da cidade de São Paulo -
a educação existe sob tantas formas e é praticada
em situações tão diferentes, que algumas vezes
parece ser invisivel, a não ser nos lugares onde
pendura alguma placa na poria com o seu nome.
Quando os antropólogos do começo do século
sairam pelo mundo pesquisando "culturas primitivas"
de sociedades tribais das Américas, da Asia,
da África e da Oceania, eles aprenderam a descrever
com rigor praticamente todos os recantos
da vida destas sociedades e culturas. No entanto,
quase nenhum deles usa a palavra educação,
embora quase todos, de uma forma ou de outra,
o que é Educação
descrevam relações cotidianas ou cerimônias
rituais em que crianças aprendem e jovens são
solenemente admitidos no mundo dos adultos.
De vez em quando, aparece, perdido num
mar de outros conceitos, o de educação, como
quando Radcliffe-Brown - um antropólogo inglês
que participa da criação da moderna Antropologia
Social - lembra que, entre os andamaneses, um
grupo tribal de ilhéus entre Burma e Sumatra,
para se ajustar a criança à sua comunidade Hé
preciso que ela seja educada". Parte deste processo
consiste em a criança e o adolescente aprenderem
aos poucos a caçar, a fabricar o arco e
flecha e assim por diante. Outra parte envolve
a aqu isição de "sentimentos e disposições emocio-
'. nais" que regulam a conduta dos membros da
tribo e constituem o corpo de suas regras sociais
de moralidade.
Quando os antropólogos pouco falam em
educação, eles pouco querem falar de processos
formalizados de ensino. Porque, onde os andamaneses,
os maori, os apaches ou os xavantes praticam,
e os antropólogos identificam processos
sociais de aprendizagem, não existe ainda nenhuma
situação propriamente escolar de transferência
do saber tribal que vai do fabrico do arco e flecha
à recitação das rezas sagradas aos deuses da tribo.
Ali, a sabedoria acumulada do grupo social não
"dá aulas" e os alunos, que são todos os que
aprendem, "não aprendem na escola".' Tudo
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