sexta-feira, 25 de abril de 2014

A neurose da Religião !!

eovah Mendes I VI II Vil III VIII IV IX V X TÁBUV5I¾\LEr DOS PORÕES SOMBRIOS DO VATICANO. EM m PAPAS 1 Do mesmo aut< Os Piores Assass A HUMANIDADE ' Esta é uma obra polêmica e reveladora, fruto de anos de pesquisas junto a fontes da mais alta competência, um primoroso livro de cabeceira para o Verdadeiro Cristão, aquele que almeja ingressar no anúncio do Novo > seguramente liberto do pesado fardo ÖLMHLMlÜl·2fc` Ls Itil2i?LM'ii Ias seculares. Mt ISBN 85-87571-20-6 Jeovah Mendes DOS PORÕES SOMBRIOS DO VATICANO., 2a EDIÇA x¿ TÁSÄ£JàlLEI* Brasil 2000 Copyright © 2000, by Jeovah Mendes/ Edições Tábuas da Lei e Tupynanquim Aldeia Mídia & Tal S/C Ltda. Textos e pesquisa Jeovah Mendes Ilustrações Eduardo Azevedo/ Klévisson / Arquivo do Autor Revisão e preparação de originais Max Krichanã Capa e conceito Jeovah Mendes e Klévisson Viana, sobre detalhe da tela O Triunfo da Morte de Pieter Brueghel (1525-1569) Projeto gráfico, editoração e tratamento de imagens Tupynanquim Editora (85) 248.4675 Co-edição e Distribuidora /fèjjf£íwo Técnico Rua: Dom Joaquim, 54 - Aldeota PABX: (85) 433.9494 - Fax: (85) 433.9495 CEP 60110-100 - Fortaleza - Ceará www. livrotecnico.com.br livrotecnico@livrotecnico.com.br M538d Mendes, Jeovah Dos porões sombrios do vaticano... 30 Papas que Envergonharam a Jeovah Mendes. - Fortaleza: Edições Livro Técnico, 2000. 241 p. 1. Papas I. Títulos Humanidade/ Tábuas da Lei/ CDU 262-13 OBRA REGISTRADA NA BIBLIOTECA NACIONAL Proibida toda e qualquer forma de reprodução desta obra sem a devida autorização das Edições Tábuas da Lei DEDICATÓRIA Aos meus preciosíssimos filhos: Tennessee, Eron, Margareth, Lívia, Eliziane e Ingrid, dedico esta obra como monumento em memória dos nossos nomes. AGRADECIMENTOS Minha primeira dívida de gratidão é com a madrinha Rachel de Queiroz, que tantas ve%es me incentivou. Que Cristo Jesus lhe restitua a saúde e a Pa%. E ao grande comunicador Jo Soares por ter aberto as portas de seu programa à minha pessoa. ÍNDICE REMISSIVO PREFÁCIO pg 11 APRESENTAÇÃO pg 17 INTRODUÇÃO pg 19 I - Papisa Joana (855-857) pg 23 II - Estevão VI (896-897 pg 33 III - Sérgio III (904-911) pg 39 IV - Lando (913-914) pg 45 V - João X (914-928) pg 49 VI - Leão VI (928-929) pg 57 VII -João XI (931-935) pg 63 VIII -João XII (955-964) pg 69 IX - Leão VIII (963-965) pg 79 X - Bento XI (972-974) pg 85 XI - Bonifácio VII (984-985) pg 91 XII - J o ã o XV (985-996) pg 97 XIII - Bento VIII (1012-1024) pg 103 XIV - Bento IX (1033-1045) pg 107 XV- Inocêncio III (1198-1216) pg 113 XVI - Gregório IX (1227-1241) pg 121 XVII - Inocêncio IV (1243-1254) pg 127 XVIII - Nicolau III (1277-1280) pg 137 X I X - Bonifácio VIII (1294-1303) pg 143 XX - Clemente V (1305-1314) pg 149 XXI - J o ã o XXIII (1410-1415) pg 157 XXII - Pio II (1458-1464) .;... pg 161 XXIII - Paulo II (1464-1471) ) pg 165 XXIV - Sixto IV (1471-1484) pg 169 XXV - Inocêncio VIII (1484-1492) pg 179 XXVI - Alexandre VI (1492-1503) pg 183 XXVII - Leão X (1513-1521) pg 191 XXVIII - Paulo III (1534-1549) pg 197 XXIX - Gregório XIII (1572-1585) pg 205 XXX - Pio XII (1939-1958) pg 219 \ PREFACIO O professor e historiador Jeovah Mendes, que recentemente nos ofereceu i mstigante coletânea Curiosidades da Bíblia e da História: de Adão aos Nossos I `:,/s, apresenta-nos agora, em Dos Porões Sombrios do Vaticano... 30 Papas que I ``.m>ergonharam a Humanidade, um polêmico e estarrecedot conjunto de fatos I lem ao estilo de seu irriquieto temperamento. Dirigincìo-se a um público igente e sequioso por encontrar novas angulações em antigos relatos, que permitam ao pensamento alçar vôo na busca de conclusões raras, o autor vem desta vez vasculhar o profundo baú que guarda alguns detalhes pouco r\piorados da História da Religião. Sempre em busca de confrontar-nos com assuntos mal esclarecidos ou de fazer emergir temas que outros escritores, por vários motivos, procuram > v¡tar, o historiador pesquisou as obras mais diversas, iluminando recantos obscuros da memória da Humanidade ao selecionar informações obtidas mi viagens e visitas realizadas ao longo de aproximadamente vinte anos. Como resultado, pela primeira vez são documentados, de forma concisa c organizada, os descalabros cometidos por alguns dos homens que tiveram cm suas mãos o poder papal - nem sempre exercido còmó' as convenções exigiriam. Para facilitar o acesso às fontes aqui mencionadas, o leitor brasileiro encontrará abundantes referências bibliográficas em Português. Outrossim, durante muito tempo a Igreja obedeceu à tendência de ocultar suas falhas, cegar os fiéis e esconder-se atrás de uma muralha de aparências. VINCIT OMNIA VERITAS (bordão assumido pelo historiador) aponta o necessário caminho a ser seguido, por todos aqueles que intentam despojar de hipocrisia as suas mais elevadas crenças. Com a mesma perspectiva, vários autores transcreveram no decurso dos últimos 500 anos a afirmação de que, em termos de sexualidade, o clero católico sempre foi 'capat^ de qualquer coisa'... * Como adendo, e admitindo-se que os costumes soem refletir-se na literatura, vamos encontrar na obra pornográfica de Pietro Aretino — publicada entre 1527 {Sonnetti L·ussurìosì) e 1536 (Ragionamentt) —, o relato da inocente noviça Nanna, em sua experiência como freira em Veneza. Nanna descreve de que modo iniciou-se nos prazeres do sexo, a partir da observação das imagens que decoravam as paredes do convento e também espreitando cópulas pelas frestas das portas, tendo seus sentidos literalmente 'bombardeados pela luxúria'... Os esforços empreendidos pela Inquisição e pelo Index para erradicar este tipo de literatura, dificultando sua aquisição junto aos livreiros da época, outorgaram-lhe, ao invés, um status ainda mais especial. Embora os reformadores do Concilio de Trento combatessem a difusão pública das imagens lascivas e impróprias para as massas iletradas, as emoções complexas associadas ao refinamento dos sentidos, que eram difundidas pelos livros 'banidos', continuaram sendo domínio das elites durante todo aquele período. A prostituição, não sem razão tomada como a mais antiga das profissões, encontra-se sempre como referência em se tratando de controle sob a administração das sociedades. A partir de 1790, e especialmente na França, ocorreria uma transformação na imagem da 'mulher-da-vida', que abandonaria seu pedestal social e passaria ao domínio de todos os homens... Entretanto, o leitor ideal de Aretino era suscetível a toda visão, sons e cheiros. Em sua ficção, muito adequadamente, Nanna receberia de um amante ' Ver a coletânea organizada por Lynn Hunt, A invenção da pornografia - obscenidade e as origens da modernidade (1500-1800), Editora Hedra, São Paulo 2000, pp42-4, 65, 75-7, 82, 112,154-5,162, 175-6 e 255. 12 u (...) um Hvro abarrotado de figuras de pessoas se divertindo nos modos e posturas praticados pelas freiras instruídas, disfarçado como livro de orações", para ela uma fonte vital de informações. Por fim, depois de experimentar as frustrações do convento, bem como as do leito matrimonial, Nanna faz sua opção pela prostituição... O que podemos extrair dessa imagem, concebida àquela época? Levemos cm conta que homossexuais e prostitutas personificavam, tanto na vida real como na literatura, o vício. Tidos como adversários perigosos pelos magistrados urbanos, os primeiros eram perseguidos e até mesmo marcados a ferro quente (em cidades como Veneza), enquanto as autoridades tratavam de restringir a ação ostensiva das meretrizes. Como oufs¿dersda sexualidade desenfreada, tais personagens tinham visão privilegiada dos hábitos dos demais e podiam, destarte, retratar sem disfarces a sociedade em que viviam. Embora seu olhar não fosse exatamente pornográfico, existia, literariamente, para alimentar a pornografia... Como conseqüência, o olhar crítico do pornógrafo transformou-se naquele que melhor captava a realidade humana e a mostrava aos homens, que não a queriam ver. Simultaneamente, os poetas satirizavam a retórica monarquista, enfatizando que o rei ignorava a política e que seus planos de ação determinavam-se apenas pela necessidade de ampliar e manter seus prazeres — ou seja, obter recursos suficientes para sustentar suas prostitutas... Tematizando os excessos sexuais e o desperdício de rendas públicas, viriam a estabelecer uma indissolúvel identidade entre catolicismo e absolutismo. Porém, a identidade entre papismo e tirania — tida como lugar-comum da expressão do século XVII —, era frágil. Era mais fácil identificar o Papa com o regicídio e o absolutismo. Entretanto, papismo e tirania puderam ser vinculados porque ambos se associavam à libertinagem sexual — que, por sua vez, mesclava-se ao catolicismo, em diversos níveis. Numa sucessão dos eventos históricos que misturavam sexo e religião, figura, por exemplo, o julgamento de vários aristocratas venezianos, os quais Ì3 foram, na década de 1630, levados aos tribunais por terem, supostamente, copulado com uma estátua de Cristo... O povo das ruas não ignorava que os homens que ocupavam o posto mais importante da Igreja movimentavam bordéis em Roma. Contudo, foram os políticos anglicanos, que mantiveram viva a pornografia utilizada com fins políticos os que mais colaboraram para manter intacta uma imagem sem máscara da moral e do comportamento social daqueles tempos. Tinha-se o catolicismo como uma religião que oferecia desculpas para que seus fiéis fizessem tudo o que lhes apetecesse. "Os interesses dos católicos e das prostitutas eram os mesmos", lia-se em carta supostamente escrita pela amante católica do rei Carlos II, a condessa de Castlemaine, dirigida às prostitutas de Londres. Na mesma carta figurava a promessa da ampliação do número de teatros, por meio dos quais difundia-se a libertinagem - e também o catolicismo... A condessa esclarecia que "a opinião geral da Santa Mãe Igreja é de que os prazeres venéreos são pecados perdoáveis, que os confessores podem relevar". Neste contexto, por vezes, a prostituição apresentava-se como uma religião idolatra; os bordéis eram descritos como 'Templos de Vênus\ as prostitutas como 'freirai ou 'devotas de Vênus' e o sexo afigurava-se como sacrifício ou um ato de veneração... Tudo isso instigou a tradição a referir-se à Igreja Católica como '`aprostituta de Roma', associada à imagem de uma mulher muito poderosa, sexualmente devassa, obscena e rica. Igualmente, um rei libertino era, potencialmente, um rei católico... Entre exemplos clássicos, a relação de Carlos II com suas devassas amantes católicas - a duquesa de Castiemaine, a duquesa de Portsmouth e a duquesa de Mazarin - mostrou a trama do envolvimento da coroa com a citada instituição (Lyndal Roper, Discipline and Respectability: Prostitution and the Reformation in Augsburg, History Workshop Journal, 19, 1985, pp 3-28). No cerne desta cultura de poder corrupto, a identificação da realeza com Príapo (o deus lúbrico) encorajava as alucinadas pretensões de monarcas 14 (( omo o citado Carlos) de ascender à divindade. Tal delírio era incensado pelos jesuítas, tornados como representantes de uma religião idolatra e defensora dos direitos divinos da monarquia, o que colaborava ainda mais para a estranha proximidade entre os pecados do sexo e a religião. Via-se o destino das prostitutas como glamouroso; afinal, seus clientes contavam-se entre os ricos, os bem-nascidos e os bem-relacionados. Pois a Igreja não lhes forneceu inúmeros desses cavalheiros?.. Como a ficção C( >stumeiramente segue a realidade, na pornografia do séc. XVIII os homens de finanças, tanto quanto os clérigos, desempenhavam importante papel na configuração desse estereótipo, por sua impecável assiduidade aos bordéis. Ao mesmo tempo em que as elites apreciavam este sexo 'variado1 e 'suntuoso', requintado e restrito, a libertina expunha o mundo aristocrático ao ridículo, vexando seus amantes, rindo de sua impotência e zombando da adoração que tinham por ela - uma mera prostituta - , enganando-os e traindo-os impiedosamente, enquanto eles a sustentavam. Tais relatos, conservados anonimamente nos subterrâneos da História, forneceriam as linhas de investigação que permitiram a reconstituição de muitas das histórias proibidas do Vaticano, 'segredos' vedados por séculos aos mortais comuns. Fluindo aos borbotões, como que a garantir a libertação de almas aprisionadas, eis os cenários e figurinos que ajudarão a entrarem em cena os temas deste livro... Neste século zero de um Novo Milênio, quando se reacendem na mídia as polêmicas acerca da imposição do celibato aos sacerdotes, da recorrente homossexualidade entre religiosos e da explosão incontrolávél da concentração de evangélicos Brasil afora, o Prof. Jeovah Mendes mostra sem pejo, em sua ofensiva integridade, a face oculta dos que um dia ousaram manipular os desígnios da Igreja em usufruto próprio. Estes são fatos notórios, compondo uma efígie manchada por iniqüidades e encoberta pela máscara do Inquisidor, contumazmente associada ao furor do escândalo e capaz de estilhaçar a fachada angelical dos atos perversos, 15 expondo a difusão de ideologias de 'oportunidades transcendentes, contrastadas à funesta e dolorosa perda do controle sobre as paixões humanas... É como nos diria entre dentes, esfregando os olhos extasiados pela luz do sol alencarina, o cineasta Orson Welles, banhado no próprio suor e pisando a areia fofa que emoldura as tépidas águas verde-esmeralda das nossas praias: - It's ali truelll Isto, a despeito dos muitos e muitos lustros de infames tentativas de fazer o lobo disfarçar-se em cordeiro. Max Krichanã Jornalista e professor de idiomas 16 APRESENTAÇÃO (j?/ Fartamo-nos de ouvir através dos meios de comunicação, sejam el< 11 rádio, o jornal ou a televisão, o apelo do Papa João Paulo II, pedindo perdã< i à Humanidade pela intolerância religiosa e crimes cometidos em nome dfl Igreja Católica, ao longo de sua trajetória tenebrosa e sanguinária. A atitu< li do eminente Pontífice é bastante louvável, embora saibamos que a atual geração nada tem a perdoar, uma vez que nada sofreu, mas sim aqueles que padeceram sob a opressão do catolicismo, nos séculos passados. Contudo, aqueles mártires já nada mais podem perdoar, pois estão mortos, ficando sem efeito os rogos e as lágrimas do bom velhinho — que, felizmente, não tem as mãos manchadas de sangue, sendo (Graças a Deus!) um dos grande-. Papas da História. Numa série de 'abacaxis' que a Santa Sé vem tentando 'descascar' neste final de milênio, encontra-se a omissão do Papa Pio XII diante do massacre de seis milhões e meio de judeus nas mãos dos agentes hideristas, de 1939 a 1945, durante a Segunda Guerra Mundial. Pio XII foi íntimo de Hitler, Mussolini e Franco - o trio infernal que fez sangrar 50 milhões de seres humanos nos campos de batalha da Europa, Ásia e África, com a anuência e as bênçãos desse Papa das Trevas, tão insensível quanto seus parceiros ditadores. Da mesma forma, Inocêncio III, Gregório IX, Inocêncio IV, Paulo III, Pio IV, Pio V e Gregório XIII, com suas cruzadas sanguinolentas e seus infames tribunais inquisitoriais, foram responsáveis pelo extermínio de dez milhões de supostos inimigos do clero romano, entre os anos de 1208 a 1820, até o desmantelamento do Tribunal do Santo Ofício por Napoleão Bonaparte, o maior dos imperadores de França - quando a diabólica Santa 17 Inquisição chegou ao seu final. Como estes, há diversos outros latos, que, considerados gravíssimas ofensas à coexistência humana, muitos gostariam de apagar da memória universal. É, portanto, com a intenção de trazer a público o necessário conhecimento destes terríveis episódios históricos, de modo organizado, conciso e metódico, que este trabalho foi concebido. Que os leitores sintamse livres, pois, para tirarem suas próprias conclusões. Fortaleza/CE, outubro de 2000 JEOVAH MENDES 18 INTRODUÇÃO Neste opúsculo o público leitor informar-se-á sobre a conduta imoral C i nminosa de 30 papas que guiaram os destinos da Igreja Católica Romana, entre os anos 855 e 1958. Esta fase negra da história humana tem início com .i eleição da Papisa Joana "L·'Anglo¿s" — jovem de ascendência inglesa nasi ida em Mentz (Alemanha) por volta de 817 e falecida em 857 —, que ocupe IU O trono papal por dois anos, sete meses e quatro dias. Segundo o historiado! I ,awrence Durrell^, Joana assumiu o papado por artes diabólicas, pois, sendi i mulher, enganou a cúpula cardinalícia e assumiu o trono do Pescadoi dfl Galiléia como João VIII. Certo dia de 1517, durante visita a Roma, Lutero notou certa estátua, em uma das ruas públicas que conduziam à catedral de São Pedro: era i imagem de uma papisa. Uma vez que a mesma era objeto de desagravo pai a os papas, nenhum pontífice jamais passava por aquela rua. 'Estou atôn¡lo\ disse Lutero.' Como permitem que a estátua permaneça?'. Quarenta anos após sua morte, a referida escultura foi enfim removida, por Sixto V. A The CatholicEncyclopedia traz sobre o tema o seguinte resumo: "E>epoi¿ de L·eão IV(847-855), o 'João Inglês (L·Anglois) deMent%¦ ocupou o trono papal j>oi quase três anos, sendo ele, como alegado, uma mulher que, quando moça, foi leva tia a Atenas por seu amante com roupas de rapa%¡ tendo ela aprendido as ciências dos grego¡ tão rápido que ninguém a podia igualar. Veio para Roma, onde aperfeiçoou seus conhecimentos, atraindo a atenção de homens estudados (...) e sendo finalmente escolhida como Papa. Ficando grávida de um dos seus atendentes de confiança, deu à luv^ duratìtt uma procissão de São Pedro para o L·ateran (L·atrão), morrendo quase instantaneamente em conseqüência do parto"? Houve realmente um Papa-mulher? 19 Antes da reforma protestante, que expôs tantos erros da Igreja romanista,. este evento era crido pelos cronistas, bispos e pelos próprios papas. Segue a The Catholic Encyclopedia: "Nos séculos XIV e XV, a Papisa era citada como personagem histórico, de cuja existência ninguém duvidava. Ela teve seu lugar entre os bustos talhados que ficavam na Catedral de Siena. Sob pedido de Clemente VII (1592- 1595), Joana foi transformada no Papa Zacarias. O padre João Huss, ao defender sua doutrina diante do Concilio de Constança, referiu-se a ela, mas ninguém questionou o fato de sua existência". Alguns estudiosos têm questionado de que modo pôde o Papa Clemente VII 'transformar' uma Papisa chamada Joana em um Pontífice homem, chamado Zacarias, séculos após ela ter morrido... Ora, se papas indignos - como Sérgio III (cognominado Boca de Porco), João X, João XI, João XII, Leão VI, Bonifácio VII, Bonifácio VIII, Benedito VIII, Alexandre VI, Clemente V, João XXIII, Inocêncio VIU e tantos outros - , que se entregaram à corrupção, à volúpia, ao luxo e à concupiscência, muitos obrando desonestamente e outros cometendo adultério ou vivendo abertamente em pecado com mulheres de vida dissoluta (mantendo-as em haréns particulares, espalhados por diversos lugares da Itália e no restante da Europa, para encontros amorosos e bacanais), escandalizaram a Igreja Romana e macularam a Sã Doutrina de Cristo (Mt 18,7) impunemente, porque não poderia Clemente VII alterar este pequenino detalhe?... Embora abordando historicamente a grosseira imoralidade que existiu nas trajetórias de alguns papas, não desejamos causar a impressão de que todos os pontífices foram tão maus quanto os que mencionamos. Salientamos que, dos 265 papas da história da Igreja (João Paulo II incluído), tivemos alguns que não souberam honrar as suas funções pontificais, sendo os demais homens santos e compromissados com a palavra de Deus. Os papas canalhas e salafrários constituíram apenas uma minoria, chegando ao máximo de 30, sendo o restante homens dignos e merecedores de todo o nosso respeito e admiração, muitos deles defensores zelosos do Evangelho e mártires do Cristianismo nos primeiros séculos da Era Cristã. Como afirma o renomado escritor A. Campos Porto, "O papado, não se pode negar, foi heróico na virtude e na consagração das coisas referentes ao Evangelho" .c 20 "Realmente, alguns dos primeiros pontífices foram verdadeiros mártires, ìmpertérritos na defesa do Cristianismo. Mas, depois de ligada ao mundo por um conúbio sacrilego, ao procurar` integrar-se ao Estado, aos poucos a Igreja Romana foi perdendo sua espiritualidade, tom a finalidade de poder governar de modo absoluto. Então, veio a derrocada geral, que ,i colocou num plano completamente oposto às coisas de Deus, transformada nessa coisa ttm sentido que ela éhoje e que a levará cada vet^mais ao descrédito. Mas a humanidade, desiludida dos papas e de toda a hierarquia da Igreja Católica, terá sempre o caminho Certo que a conduzirá a Deus, porque Ele é a sublime perfeição e dará sempre ao homem o ensejo de saber que não está só,porque O tem a acompanhá-lo, em todos os momentos```. Este autor não tem, portanto, a presunção de arvorar-se em dono da verdade e palmatória do mundo — ao contrário, tem plena consciência de que nada é, sendo vulnerável aos mesmos vícios e fracassos desta vida, cheia assa mal, ao presenciá-lo expelindo o rebento adulterino por entre as vestes, supostamente sagradas. Todos se deram conta, então, de que |< tão VIII era na verdade uma mulher disfarçada de homem — à exceção ilo camarista Floro, seu secreto amor, que já a houvera descoberto.... Refeita do susto, a cúria romana decretou que a sacrílega mulher l< >sse atirada às águas do rio Tibre, juntamente com o seu Pipidião. E assim foi feito. Floro, o amante, fez-se ermitão; e os piedosos peregrinos, a fim de não contaminarem as sandálias pisando nas pegadas da imunda mulher-Papa, passaram a utilizar, a partir deste incidente, outros caminhos para chegar ao Latrão...3 3 DURRELL, Lawrence. Op. c/f., pp. 128-32. CAPITULO II ESTEVÃO VI (de 896 a 897) 33 Mancomunado com a amante Agiltrudes, desenterrou e julgou a carcaça de seu antecessor, o Papa Formoso ntre os anos 887 e 897, os Papas estiveram sob o comando e a prepotência de uma mesma mulher: Agiltrudes, esposa de Guido de Spoleto, um frágil governante do ducado do mesmo nome, encravado no coração da Itália e tutelado pelos mandatários lombardos e bizantinos. Guido não passava de um mero boneco nas mãos de sua arrogante mulher, que dele dispunha como queria, servindo apenas para dizer sim a seus maquiavélicos desejos... Em 887, o conformado Guido, pressionado por sua tirana mulher, pede ao Papa Estevão II que o coroe como imperador do ducado de Spoleto. Este ato deu início a uma década de terríveis conflitos entre a Igreja e a criminosa Agiltrudes, responsável pelo encarceramento e morte de seis papas fantoches, quase todos eles seus amantes. Madame de Spoleto manobrou o papado e colocou os Estados da Igreja sob sua influência, nomeando e demitindo prelados ao estalar de seus dedos. Sob a influência desta mulher terrível sucederam-se nove papas em 8 anos, tendo um governado 15 dias e outro 20 dias; três deles morreram na prisão e outros três foram assassinados4... Os motivos? Sempre os 35 mesmos: impotência sexual e genitália inferior às dimensões exigidas por Agiltrudes...5 Ela considerou inepta a maioria dos seus amantes; por conseguinte, foram reprovados por insuficiência genital e silenciosamente eliminados... O único entre estes papas a satisfazê-la sexualmente foi Estevão VI, o sucessor do pontífice Formoso, morto em 896 por torturas e maus tratos infligidos por Agiltrudes. Estevão VI e sua insaciável amante viviam explicitamente em pecado de adultério, ocasionando a censura dos habitantes de Roma e muita boataria, naqueles obscuros tempos... Exatamente por ter criticado a vida imoral de seus muitos amantes, o Papa Formoso foi jogado num calabouço e espancado por agentes a soldo de Agiltrudes, vindo a falecer. Oito meses depois, dominada pela ira, esta bestial mulher mandou desenterrar o cadáver de Formoso e entregou-o ao povão, que o arrastou pelas ruas de Roma em execração, para divertimento da plebe. Não satisfeita com toda esta barbárie, instou seu amante Estevão VI a submeter o Papa Formoso a um rigoroso julgamento por parte de bispos e cardeais — todos 'meninos de recados' desta adúltera mulher. O episódio do julgamento do prelado ancião passou aos anais da História como Concilio Cadavérico, uma vez que os restos mortais do eminente pontífice ainda exalavam insuportável mau cheiro, atraindo enxames de moscas e varejeiras quando em exibição... Segundo Ralph Woodrow, "sì famosa história de um papa trazendo outro a julgamento épuro horror, pois o Papa Formoso já estava morto havia oito meses! Não obstante, o corpo foi tirado do túmulo e colocado em um trono. Æi, diante de um grupo de bispos e cardeais, Formoso foi vestido com os ricos paramentos 4 NEGROMONTE, Pe. Álvaro. História da Igreja, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1957, p. 78. 5 LACHATRE, Maurioe. História dos Papas, Lisboa, 1949, p. 68. 36 i/o papado, recebeu uma coroa no crânio pelado, e o cetro do Santo Ofído lhe foi posto nos dedos descarnados da mão apodrecida!``.b "Enquanto o julgamento se desenrolava, o fedor do corpo enchia o local da , tssembléia. O Papa Estevão VT adiantou-se e começou o interrogatório. _E claro que nenhuma resposta foi dada pelo morto, em relação às acusações que se lhe l,i:jam... Assim sendo, ele foi considerado culpado de todas elas! Com isto, os brilhantes vestidos foram rasgados do seu corpo, a coroa foi arrancada de sua Cabeça, os dedos que eram usados para dar a bênção pontifícia foram retalhados e se ii cadáver foi jogado na rua. Arrastado por uma carreta pe Is artérias de Roma, foi finalmente lançado ao rio Tibre. Assim, um Papa condenou outra'''. Neste desenrolar de fatos, a The Catholic Encyclopedia complementa que "o segundo sucessor de Estevão fie^ com que o corpo de Formoso, que um monge havia tirado do Tibre, fosse novamente enterrado, com todas as honras, na Catedral de São Pedro. Ele posteriormente anulou, em um Sínodo, as decisões do tribunal de Estevão VT, e declarou válidas todas as ordens concedidaspor Formoso. João IX confirmou estes atos em dois sínodos... Posteriormente, Sérgio III, o T>oca '` WOODROW, Ralph. Babilônia: A Religião dos Mistérios - Antiga e Moderna, Ralph Woodrow Evangelistic Association, EUA, 1966, pp.106-7. 37 \ de Porco' (904-911), aprovou em um sínodo romano as deäsões de Estevão contra Formoso... Sérgio e seu grupo deram um severo tratamento aos bispos consagrados por Formoso, que, por sua ve% havia conferido ordens sobre muitos outros clérigos, política que deu origem a ainda mais confusãd\.? A Igreja Católica, que durante mais de um século tremeu sob o comando das poderosas meretrizes de Roma (887-997), viu bispos, cardeais e papas serem transformados em meros objetos de preferências sexuais... Por fim, João XII (imoral neto de Marózia), em face de graves dificuldades políticas, chamou em seu auxílio Otto I, filho de Henrique, o Passarinhe¿ro, primeiro imperador da Alemanha, e coroou-o seu sucessor (962), assim restabelecendo o Império Católico do Ocidente — agora o Santo Império Romano-Germânico. O novo imperador parecia bastante forte para dominar as desordens que agitavam a Itália, mas não conseguiu contê-las... Comprometeu-se a proteger a Igreja, porém a 'proteção' imperial constituiu-se em verdadeira dominação, pois o imperador apresentava o candidato, que recebia então a votação... A Igreja nunca legitimou este procedimento, embora a fórmula tivesse durado quase cem anos (967-1059), exigindo uma das mais enérgicas lutas da Igreja para extirpar tal abuso. "Nos primeiros tempos do Protetorado, a rivalidade entre os nobres italianos e o império germânico tumultuou a Igreja, inclusive com o surgimento de alguns antipapas, fuga e assassínio de papas".8 / 7 Idem. 8 NEGROMONTE, Pe. Álvaro. Op. c/f., p. 78. 36 CAPITULO III SÉRGIO III (de 9 0 4 a 911) 39 O Boca de Porco, amante da infiel Teodora I e de sua filha Marózia om o reinado do Papa Sérgio III, teve início o período conhecido como governo das prostitutas, domínio das meretrì·%es ou aindapornocraáa (904— 963)9: o papado era manobrado politicamente por rameiras, que se apossaram do patrimônio de São Pedro e passaram a ditar normas a seus amantes, transfigurados em marionetes a serviço de seus desejos e favores sexuais. Sérgio III chegou ao sólio pontifício passando antes por cima do l adáver de um Papa anterior (Leão V, que foi por ele perseguido e encarcerado, falecendo em conseqüência de maus tratos), sujando de Bangue a Cadeira de Pedro, além de transformar os labirintos do Vaticano em pontos de encontro amorosos entre ele e suas concubinas. I ¾te papa adúltero e fornicador não teve escrúpulos ao apossar-se da mulher do senador romano Teofilato e de sua filha Marózia, vivendo ;imbas exclusivamente, a partir de então, para o mesmo lascivo e devasso homem. Os arquivos da Igreja Romana relatam sua vida de ostensivo | >ecado com sua amásia, Marózia, que dele teve vários filhos ilegítimos (entre os quais o Papa João XI). " HALLEY, Henry H. Manual Bíblico-Um Comentário Abreviado da Bíblia, Edições Vida Nova, 1995, p. 686. 41 O senador Teofílato, esposo de Teodora I, sentindo-se impotente para enfrentar o usurpador de sua esposa e filha, desistiu de concorrer com o poderoso rival. O historiador italiano Barônio descreveu o Papa Sérgio como "monstro", enquanto Gregoróvio definiu-o como um "criminoso aterrori%ant¿`'.10 Diz um historiador: "Durante sete anos este homem (...) ocupou a Cadeira de São Pedro, enquanto sua concubina e sua mãe, semelhantemente a Semiramis, compartilhavam da corte com tal pompa e voluptuosidade que faliam relembrar os piores dias do antigo império1\11 Teodora I, a infiel esposa de Teofílato, parecia inspirar-se em Semiramis, por cultuar uma moral corrupta; junto com a filha Marózia, as concubinas do Papa Sérgio "enchiam a cadeira do pontífice com suas imoralidades e seus filhos bastardos, transformando o Palácio de Latrão em um covil de ladrões".12 Sérgio III, que passou à História como Boca de Porco,13 é a personificação da decadência espiritual da Igreja naquele período crítico da história humana, assolado por guerras civis e religiosas entre os nascentes Estados europeus — especialmente a França e a Inglaterra. Embora as maiores dificuldades do papado tenham começado no fim do século IX e terminado ao início do século XI, foram de tal modo acentuadas no século X que este foi denominado como Século de Ferro.14 Aquela época, as meretrizes tinham trânsito livre nos corredores do Vaticano. Uma delas chegou a ser bastante poderosa, o suficiente para entronizar e destronar papas, ao bel-prazer de seus caprichos: Agiltrudes, mulher de Guido de Spoleto, que por vários anos controlou os destinos da Igreja Católica. Em 887, Guido de Spoleto constrangeu o Papa Estevão II a coroá-lo imperador: Principiava para a Igreja outra fase de desordens e escândalos. 10 WOODROW, Ralph. Op. c/f., p. 96. 11 Idem, p. 96. 12 Idem, p. 96. 13 DURRELL, Lawrence. Op. c/f., p. 113. " NEGROMONTE, Pe. Álvaro. Op. cit, p. 76. 42 \ssim como cie, foram conduzidos ao trono pontifício papas Indignos, por processos mais indignos ainda. Ao sabor de interesses diversos, tais papas eram eleitos, assassinados, depostos, encarcerados I profanados depois de mortos — como o Papa Formoso, que, por haver incorrido na ira de Agiltrudes, teve seu cadáver desenterrado e entregue à populaça, que o atirou ao rio Tibre, em Roma (896). Sob a terrível influência desta mulher, sucederam-se ainda nove papas, no t 11 ri o período de 8 anos; um governou 15 dias e outro 20, três morreram na prisão e três foram assassinados... Ainda assim, o Papa Teodoro II teve coragem para reabilitar a memória de Formoso ejoão X procurou remediar os excessivos abusos daqueles tempos agitados. 43 CAPITULO IV LANDO (de 913 a 914) 45 Corrupto, criminoso e fornicador urante o chamado governo das meretri·%es (887- 996), a Igreja Católica Apostólica e Romana suportou uma terrível leva de papas desmoralizados e manipulados por devassas madames, destacando-se entre eles o terrível e asqueroso Papa Lando, detentor de maléficos predicados morais, além de notório c o r r u p t o , criminoso e fornicador.1 5 O pontificado de Lando antecedeu o de João X, amante de Teodora II, governando a Cadeira de Pedro por apenas um ano — tempo suficiente para cobrir a humanidade de vergonha e estremecer os santos em suas sepulturas. Este papa encarnou o que mais de excrescente registrou-se nos anais da maldade humana, deixando para as gerações futuras um péssimo exemplo como primaz da Itália e da comunidade católica Universal. Lando dirigiu a Santa Sé imprensado entre o martelo e a I »igorna, ou seja, pressionado e hostilizado por três mandonas da cadeira de São Pedro, Teodora I, Teodora II e Marózia, o triunvirato da i ulelagem, que queriam o Trono do Pescador para nele perpetuar o amásio de Teodora II, João X, assunto do próximo capítulo. Para manter-se no comando da Santa Sé por este exíguo período, o Papa Lando teve que costurar humilhante acordo com as três meretrizes, 11 HALLEY, HenryH. Op. cit, p. 686. 47 comprometendo-se a entregar a elas toda a renda da Igreja proveniente dos dízimos, anatas, ofertas e coletas e fazer vistas grossas para as suas aventuras sexuais nos corredores do Vaticano — que seguia sendo um antro de prostituição e roubalheira. Lando era amante da boa comida e do bom vinho, desfrutando estes prazeres, sempre que lhe era permitido, ao lado de Teodora mãe e suas filhas, Teodora II e Marózia, apreciadoras de robustas genitálias. A ocorrência de bacanais e surubas nos luxuosos aposentos do Palácio de Latrão, os amantes dessas rameiras intercediam junto ao Papa em exercício na ocasião, para que este rogasse a Santo Odilon, protetor das almas e superintendente do Purgatório, além de aquecedor das Santas Caldeiras, um tratamento mais suportável e menos severo, caso morressem naquela ocasião mundana, já que haviam contribuído financeiramente com o Tesouro de São Pedro, pagando o pedágio do santo coito, abençoado e referendado pelo 'generoso' pontífice. A Igreja carecia naquele momento — como em tantos outros — do exemplo de um homem santo e zeloso da doutrina cristã, que recuperasse a dignidade daquela divina instituição, manchada pela impureza do pecado. Homens tão mal escolhidos como Lando não davam o exemplo da virtude, como também não o fizeram Sérgio III, João XII, Alexandre VI e vários outros. A maioria dos pontífices que honraram seus títulos teve que sofrer pela liberdade da Igreja; Urbano II foi refugiar-se na baixa Itália, digno de seu grande antecessor. Pascoal II padeceu no cárcere, nas mãos de Henrique V, pois o outro já fora castigado com uma morte trágica. Houve momentos de indecisão e receio. Mas a própria consciência cristã, ferida pelos escândalos e esclarecida pelos zelosos pregadores que surgiam, pedia uma reforma. Alguns anos antes, o grande São Jerônimo lamentara "que a igreja houvesse cresádo em riqueza e poder, mas diminuído em virtudes!' O grande número de papas escandalosos e imorais enfraqueceu as estruturas doutrinárias e cristãs da Igreja, restando apenas os maus costumes, o luxo e a carnalidade.16 16 NEGROMONTE, Pe. Álvaro. Op. c/f., pp.80-2 e 87. Amante da prostituta Teodora II * o ano 914, o Papa João X teve sua eleição apoiada por uma cortesã romana - Teodora II, irmã de outra meretriz, Marózia, de quem já falamos no capítulo anterior -, ambas filhas do senador Teofilato e Teodora I, também já mencionada. João X governou a Igreja Católica por 14 anos, desempenhando um bom pontificado, frente aos inúmeros conflitos daqueles tempos agitados que .mtecederam as primeiras cruzadas. João X mantinha um u·lacionamento amoroso com Teodora II,17 para o ódio de Marózia, Sua irmã, que desejava afastá-lo da Cadeira de São Pedro ou, se possível, eliminá-lo por assassinato para, em seu lugar, assentar Leão VI, um de seus amantes (nomeado papa pela depravada Marózia, Leão VI tornouse praticamente um escravo no Palácio de Latrão, como reserva de seus apetites carnais). Ela atiçou ainda o fogo da intriga entre alguns de seus amantes e o Papa João X, no intuito de afastá-lo do poderoso posto - que rendia não só dinheiro, mas também sexo e sangue. Naquela época, as famílias ilustres da Europa matavam e morriam em defesa da Cadeira de São Pedro, a 'galinha dos ovos de ouro' da nobreza européia e outros "HALLEY, HenryH. Op. c/f., p. 686. 51 segmentos da elite mercantilista, ambas com as mesmas pretensões: o comando da Santa Sé e sua principal força alavancadora, o dinheiro. João X temia o filho de Marózia, João XI, que, com dezoito anos, também pretendia assumir, em pouco tempo, o Trono de Pedro - para isso esperando contar com o apoio de sua mãe. Por sua vez, João XI era filho adulterino do Papa Sérgio III, o Boca de Porco, e de Marózia (capítulo III). Já Teodora II não tinha pressa em se desfazer do parceiro, pois o mesmo, além de fazê-la feliz, ainda arranjava outros amantes para complementá-la em suas fantasias eróticas. Teodora II ia constantemente aos aposentos de João X no Vaticano e o arrastava pelas vestes pontifícias para os macios colchões de seu luxuoso dormitório no Palácio de Latrão, para mais uma sessão de sexo... Enquanto o casal gozava o tempo no Vaticano, Marózia e seu filho João XI preparavam uma conspiração para fazer João X esfumaçar-se para sempre da terra dos vivos. Os dois arquitetaram vários planos; nenhum deu certo, pois Teodora tinha agentes pagos para proteger João de possíveis atentados de inimigos, provavelmente enviados por sua irmã. Para evitar o pior, reforçou a segurança no Latrão e deu ordens aos guardas para afastar qualquer impostor ou penetra que ousasse aproximar-se da residência do Pontífice. Se Locusta ou o escravo Palas estivessem vivos, talvez a execução do Papa por envenenamento se tivesse consolidado, pois, no primeiro século da Era Cristã, estes mercenários criminosos destruíram inúmeros opositores de três césares, Tibério, Calígula e Cláudio. João X, o Papa fornicador e adúltero, prosseguia seu primado felicíssimo da vida ao lado de Teodora II, sem se importar com o resto do mundo, mesmo sabendo dos perigos que rodeavam o palácio pontifício. Nos meados do Século X, toda a Europa estava imersa em densas trevas, cercada por uma leva de povos semi-selvagens que viviam como 52 intropófagos e vagavam por vastas extensões da Ásia e da África, i | talhando o medo entre os civilizados. João X desejava evangelizálos c batizá-los, trazendo-os para o aprisco católico e assim transformais is em filhos de Deus. Pelo contrário, sua concubina, Teodora II, era favorável à escravização total dos povos aborígenes para trabalhos Forçados nos campos do Velho Mundo. A família dos Teofilato era possuidora de grandes latifúndios em várias partes da Europa, i R] H·cialmente na Itália, berço de seus ancestrais, favorecendo o emprego de mão-de-obra escrava em suas extensas lavouras. A mulher do senador Teofilato, Teodora I, bem como suas duas I ilhas Teodora II e Marózia, possuíam vários escravos, os quais eram Utilizados tanto para satisfazer suas necessidades materiais quanto as ïcxuais. Tais servos eram, na sua maioria, jovens de boa linhagem étnica, I ,ipturados nas florestas da Escandinávia ou na Germânia dos Tcutônicos. João X era a favor da cristianização e alfabetização desses pobres infelizes adoradores de totens, que utilizavam os crânios de Seus inimigos mortos como recipientes em que bebiam água e hidromel. Em meados de 928, Teodora II e João X encabeçaram a campanha l le alforriação dos escravos dos Teofilato, para descontentamento de Marózia e de seus cortesãos, todos unidos para esmagar o odioso inimigo da prostituta e de seu filho João XI. Nesta época, os senhores leudais em toda a Europa disputavam com os papas a posse das terras, muitas vezes indo ao campo de batalha para resolver suas querelas, fazendo correr rios de sangue sobre o solo do Velho Continente. Os vultosos lucros provenientes do arrendamento das terras da Igreja aos cavaleiros vassalos trouxe enorme prosperidade aos pontífices daquela época — como no caso de João X, que dissipava o tesouro de São Pedro com sua concubina Teodora II nas bacanais palacianas do Vaticano, enquanto muitos pobres pereciam pela fome. A poliandra Marózia e seus cortesãos tramavam dia e noite a morte do Papa, 53 aguardando pacientemente a ocasião propícia para o desfecho la(al, enquanto seu amante, Leão VI, ansiava um dia chegar a assumir o Trono de Pedro. No natal de 928, o Palácio de Latrão estava em festa. João X abriu os luxuosos salões da opulenta corte pontifícia e recebeu a alta elite européia da época, para as comemorações alusivas ao nascimento do Salvador Jesus. Não é necessário dizer que só o que havia de melhor foi consumido naquela magna festa, de causar inveja aos deuses do Olimpo. Teodora II e o Papa João X encontravam-se luxuosamente vestidos (ele trajando resplandecente indumentária, como outrora Herodes Agripa I no anfiteatro de Cesaréia; ela lembrando uma ninfa em dia de apoteose na morada dos deuses, no instante da chegada de Zeus...). O banquete festivo durou uma semana, com resultados onerosos para os já exauridos cofres do Vaticano, tantas vezes saqueados por essas ratazanas insaciáveis, em seus apetites carnais e voluptuosos. Quando tudo passou, veio a ressaca da grande festa: João X e sua concubina, ainda sob os efeitos do vinho fermentado, recolheram-se aos seus aposentos no Latrão e, após entregaram-se mais uma vez aos apetites e prazeres carnais que o diabo tanto aprecia, dormiam um letárgico sono. Seus guardas, bastante cansados, cochilavam displicentemente ao lado de suas armas. O palácio papal estava vulnerável ao ataque do inimigo. Marózia, andando na ponta dos pés, entrou na residência pontifícia e chegou silenciosamente aos aposentos onde João e Teodora dormiam nus, de costas um para o outro. Conduzindo embaixo das vestes um punhal cintilante, envenenado com arsênico, para empurrá-lo na garganta do Papa se preciso fosse, Marózia ocultou-se entre as várias cortinas e esperou pacientemente que sua irmã se levantasse e se dirigisse ao seu próprio quarto, porta seguinte à do dormitório do Pontífice. A noite avançava com suas 54 tri vas aterrad( iras, tudo acontecendo exatamente como a ferina Marózia I irevira; Teodora, a amásia de João X, levantou-se do leito do parceiro i dirigiu-se aos seus aposentos privados, continuando a dormir como antes. Avançando a passos firmes e silenciosos, Marózia apanhou um travesseiro e, com as duas mãos, cobriu o rosto do sonolento primaz da Itália, comprimindo-lhe a garganta e sufocando-lhe a respiração, Ité matá-lo por asfixia. Com João X morto, o Trono de São Pedro passou agora a pertencer ;i seu amante Leão VI - que iria governar a Igreja por apenas um ano, vindo a falecer do mesmo modo que seu antecessor, asfixiado também por um travesseiro, nas mãos da prostituta Marózia...18 1 WOODROW, Ralph. Op. c/f., p. 96. 55 CAPÍTULO VI LEÃO VI (de 928 a 929) 57 Um dos amantes da pol¡andra Marózia epois da supressão do Papa João X, pelas mãos de sua amásia Marózia, filha do senador romano Teofílato e de Teodora I, Leão VI chegou ao trono papal e a Igreja Católica Romana assistiu a uma interminável seqüência de assassinatos brutais e de abomináveis imoralidades, concretizando um período de inigualável impiedade nos anais da História humana. Marózia logrou designar seu amante Leão VI como sucessor do pontífice João X, mas ele permaneceu no sólio pontifício por apenas um ano. Seu curto papado findou também por asfixia, quando Marózia soube que uma outra mulher, mais depravada do que ela, o havia conquistado. Durante 14 anos este infeliz viveu em Roma sob um regime de semi-clausura, num dos vários palácios dos Teofílato, à disposição de sua amante — que o procurava para encontros amorosos e o mantinha estreitamente vigiado por seus criados, para evitar que o varão se relacionasse com outras mulheres. Marózia, como poliandra e devassa que era, sabia dividir bem seu tempo entre um amante e outro. Estes infestavam sua alcova palaciana, localizada nos arredores de Roma, para onde atraía os muitos 59 pretendentes. Como os destinos da Igreja Romana estiveram, durante anos, sob a tutela desta meretriz devassa, foi fácil controlar, à maré de seus caprichos, toda uma corja de papas desmoralizados e subservientes. Leão VI, por exemplo, sabia da conduta pregressa da amante com outros parceiros, mas continuava a partilhar do leito pecaminoso, deixando-se dominar pela influência do dinheiro e do poder. Marózia ambicionava agora alçar ao Trono de São Pedro seu filho de dezoito anos, João XI, e nomear o amante para outra função, lotando-o à mercê de suas vontades numa das dependências do Palácio de Latrão — ou, quem sabe, eliminá-lo quando assim o entendesse. Outro filho de Marózia, de nome Alberico, também pleiteava o pontificado, já que a Cadeira de Pedro era excelente 'vaca leìteim e todos desejavam ordenhá-la, sempre que surgisse a ocasião. Porém, enquanto Marózia estivesse viva, tal pretensão era praticamente impossível, uma vez que ela mantinha ferrenho controle sobre os concorrentes; além disso, a velha rameira dispunha de uma rede de espiões e mercenários a seu serviço em toda a Itália e países circunvizinhos, pagos a preço de ouro. Até mesmo os amantes da astuta meretriz eram vigiados. Todos eles tinham seus passos incessantemente monitorados, facilitando a manutenção do poder em suas mãos. Marózia, juntamente com a mãe Teodora I e a irmã Teodora II, formavam uma espécie de Tñunvirato da Prostituição, obrigando seus frágeis e desmoralizados amantes a rastejar debaixo de suas saias. No exemplo, o Papa Leão VI, que vivia a mendigar aos pés de sua dona... Em meados do ano 929, Marózia aumentou seu séquito de servidores sexuais, deixando de lado, por alguns meses, antigos parceiros da mocidade, entre os quais o Santo Papa Leão VI, o qual ficou enclausurado em seus aposentos no Vaticano, à espera de sua vez, 60 i nquanto Marózia usufruía os prazeres carnais com seus inúmeros ii >mpanheiros de vida mundana. Por essa época, abundavam em toda a Europa levas de pregadores Itinerantes, anunciando suas prédicas escatológicas temperadas por terríveis imprecações contra os pecadores. Eram seguidos I icneticamente por uma multidão de peregrinos penitentes, que v;igavam desordenadamente pelas estradas e caminhos do Velho Continente. Simultaneamente, faziam-se os preparativos para as primeiras cruzadas da Igreja contra os sarracenos, A maioria dos cristãos daquele tempo acreditava piamente que o mundo acabaria no ano mil da nossa era — o que levou muitos a se desfazerem de seus bens, entregando-os à Igreja Católica em troca de garantias de vida eterna, por esta prometida a seus devotos e fiéis seguidores. Através desse procedimento nada louvável conseguiu o clero acumular enormes fortunas, sobretudo em terras e ouro, transformando o Vaticano numa espécie de potência religiosa detentora de direitos exclusivos sobre a alma dos homens. Desta forma, ao sabor de seus próprios interesses econômicos, a Santa Sé os mercadejava, chantageando nobres e burgueses. A corte papalina de Leão VI e seu antro de prostituição, dirigido por Marózia e outras meretrizes palacianas, distribuía indulgências a todos aqueles que estivessem dispostos a entregar seus bens à Santa (?) Igreja Católica. Murmurava-se que toda a Europa encontrava-se infestada de demônios, materializados em bruxas, lobisomens, mulassem- cabeça e burras de padres, que arrastavam para os abismos infernais os pecadores não arrependidos — especialmente aqueles ricos e avarentos, que se recusassem a doar seus bens para a Santa Madre Igreja... Estes queimariam então suas almas no Inferno, por toda a Eternidade... 61 Utilizando-se destes artifícios os Teofílato, representados por Teodora I, Teodora II e Marózia, transformaram o Vaticano em enorme posto de arrecadação pecuniária, tendo o Papa Leão VI como mero representante dos interesses econômicos da família. No mês de novembro de 929, Marózia conquistou mais dois amantes, para melhor atender a seus insaciáveis instintos carnais. Enquanto isso, continuou mantendo no Vaticano, enclausurado em seus aposentos, o Santo Padre Leão VI... Vingando-se de sua concubina, o suposto Sucessor de Pedro arranjou também uma amante, ainda mais depravada que Marózia! A História não declinou seu nome, mas acusou-a de praticar a sodomia e entregar-se aos pecados da carne com seus parceiros sexuais, na baixa zona do meretrício romano. E mais: a mercenária rameira tinha por hábito despir vários homens em sua alcova para, em seguida, submetêlos ao ritual da felação, o ponto alto da bacanal. Essa era a substituta de Marózia na preferência do Santo Padre Leão VI. Ao descobrir a infidelidade de seu amante-Papa, Marózia convidouo para um encontro íntimo. Depois de embriagá-lo em seus aposentos no Vaticano, sufocou-o com um travesseiro, matando-o. O Trono de São Pedro estava novamente vago; para ocupá-lo, Marózia nomeou seu filho João XI, que encabeçou um dos pontificados mais depravados e corruptos encontrados nos registros da História. Como se tantas iniqüidades não bastassem, João XI também passou a viver maritalmente com a própria mãe.19 WOODROW, Ralph. Op. cit, p. 96. 62 ÅUMIQ _ £ A P Í T U L Q L V Ï I JOÃO XI (de 9 3 1 a 935) 63 Vivendo maritalmente com a própria mãe ¾^¾)¢ã¾ ecorrido pouco tempo do assassinato do Papa Leão VI, a Igreja passou a ser dirigida por João XI - filho de sua algoz, Marózia, com o Papa Sérgio III, o Boca de Porco -, inaugurando nova era de crimes e imoralidades nos corredores do Vaticano. Em se tratando de devassidão e perversão sexual, o novo Pontífice nada ficou a dever aos reis Bera, de Sodoma e Birsa, de Gomorra,20 os quais governavam os seus respectivos reinos incentivando a luxúria e o homossexualismo entre seus habitantes. No pontificado de João XI as imoralidades e constrangimentos à Igreja não eram diferentes dos praticados em Sodoma e Gomorra nos dias daqueles reis efeminados e promíscuos da terra de Canaã. João XI também equivaleu-se, na conduta dissoluta, a Bagôas (amante de Alexandre, o Grande), ao imperador romano Calígula e a Tigelino (parceiro de Nero), que realizavam tremendas orgias e bacanais palacianas, juntando suas concubinas e seus pervertidos amásios. João XI, o Papa de apenas 18 anos, continuou a manter como grande prostíbulo o Palácio de Latrão (a residência oficial dos pontífices), a serviço da carnalidade e do mundanismo, promovendo D Gn (14, 2) 65 intermináveis festas sexuais para deleite de seu pervertido séquito de aliados. A primeira vítima de sua tara foi a própria mãe, instada a aceitá-lo como amante... "Sérgio III vivia abertamente com a cortesã Maro\ia, originando os maiores escândalos; seu filho tornou-se Papa com a idade de dezoito anos, com o nome de João XI, sendo acusado pelos Cardeais epelos Bispos de viver em incesto com apropria mãe e ser cúmplice dos mais nefandos crimes de adultério, tiro, homicídios eprofanações".21 E mais: A The CatholicEncyclopedia diz: "Alguns, tomando L·iutprandeo L·iber ^Pontificalis (Uvro dos Pontífices) como autoridade, afirmam que João XI era filho natural de Sérgio III, o Boca de Porco. Através das intrigas de sua mãe, que reinava naquele tempo em Roma, ele chegou à Cadeira de São Pedro. Mas, ao opor-se a alguns inimigos de sua mãe, João XI foi vencido e colocado na prisão, onde morreu por envenenamento" ?2 João XI era hostilizado por seus muitos inimigos, que desejavam eliminá-lo do convívio dos vivos, um modo seguro de afastá-lo da Cadeira Pontifícia. Era preciso deixar vago o notavelmente rentável Trono de Pedro, para que fosse ocupado por seus opositores. Por volta de 934, João XI é pressionado pelo irmão Alberico, o qual pleiteava o trono papal para seu filho João XII, mil vezes mais devasso que seu tio João XI (o Pontífice mais salafrário do século X, assunto do próximo capítulo). Para Alberico, também filho de Marózia, o afastamento do irmão João XI da Cadeira de Pedro era uma garantia à preservação dos interesses da família Teofilato, ameaçados por vários segmentos da oposição. Em agosto de 935, João XI, visando aumentar as receitas da Igreja, passou a cobrar impostos dos prostíbulos, não só de Roma, mas de todas as cidades da Europa; viu, assim, engrossarem as fileiras da oposição ao seu prelado. Sequioso de amenizar os protestos dos opositores, prometeu-lhes o Paraíso, caso contribuíssem para os cofres da Santa Igreja Católica, que careciam de recursos capazes de reabilitar 21 PORTO, A. Campos. A Igreja Católica e a Maçonarìa, Aurora, Rio de Janeiro, 1957, p. 262. 22 WOODROW, Ralph. Op. c/f., p. 96. 66 ,i •..unir financeira do Vaticano. Os inimigos de João XI não lhe davam trégua, conspirando dia e noite para eliminá-lo na primeira oportunidade, pois seus desatinos ultrapassaram todos os limites da tolerância humana. No ano 935, foão foi atacado em seu castelo residencial e levado como prisioneiro por um grupo de condottieri (mercenários italianos que lutavam por dinheiro). Foi jogado numa imunda masmorra, acorrentado por pés e mãos a um pesado tronco de madeira. Durante três meses João XI ficou entregue à cruel sanha de seus inimigos, que o torturavam pela fome e pela sede, sem que sua mãe Marózia pudesse fazer alguma coisa para tirá-lo daquela desumana prisão. Finalmente, em novembro de 935, João XI apareceu morto, ainda acorrentado ao tronco, do mesmo modo que seus inimigos o haviam deixado, totalmente entregue à própria sorte. Os adversários o tinham eliminado aos poucos, utilizando dosagens controladas de veneno (arsênico), na alimentação. Ainda assim, seu irmão Alberico lutou durante vinte anos antes de finalmente conquistar a Cadeira de São Pedro para seu filho João XII, enfrentando a ferrenha oposição dos papas Leão VII, Estevão VIII, Martínho III e Agapito II, todos inimigos mortais dos Teofilato. Ao assumir João XII o trono papal, o Vaticano prosseguiu sendo o mesmo velho cenário de orgias e bacanais, como nos dias de Teodora I, Teodora II e Marózia, a tróica pecaminosa e sanguinolenta cuja poderosa influência manobrou o papado durante cerca de 30 anos. João XII, neto de Marózia, inspirou mais outra era de devassidão total, que poderia ruborizar de vergonha as meretrizes Frinéia, Aspásia, Cleópatra e Messalina, nas regiões baixas do Limbo... 67 CAPÍTULO VIII JOÃO XII (de 955 a 964) 69 Violando virgens e viúvas e vivendo com a concubina de seu pai om a morte da prostituta Marózia, seu filho Alberico (sob influência de São Odon, monge de Cluny), respeitou os processos canônicos da eleição. Os seguintes quatro papas assim eleitos foram homens dignos, a quem ele deixou o governo espiritual.23 Mas fez eleger, por fim, seu filho de 18 anos João Otaviano, que tornou a manchar o trono papal com sua vida depravada... Mudou de nome, passando a chamar-se João XII, mas não mudou de vida, sendo outro dos mais indignos papas de toda a História. A The Catholic Encyclopedia descreve-o como "homem ordinário e imoral, cuja vida foi tal que era chamado de cafajeste, e a corrupção moral em Roma tornou-se o assunto do ódio geral'. Em 6 de novembro, um sínodo composto de cinqüenta bispos italianos e alemães foi reunido na Basílica de São Pedro; João XII foi acusado de sacrilégio, simonia, perjúrio, assassinato, adultério e incesto. Pediram-lhe que fizesse sua defesa por escrito. Em vez disso, João XII, recusando-se a reconhecer a autoridade do sínodo, pronunciou 1 NEGROMONTE, Pe. Álvaro. Op. c/f., p. 77. 71 sentença de excomunhão contra todos os participantes da assembl< ia, pela tentativa de eleger outro Papa em seu lugar. Vingou-se de maneira sangrenta nos líderes da oposição. O cardeal-diácono João teve sua mão direita arrancada. O bispo de Speyer foi chicoteado. Um alto paladino oficial perdeu o nariz e as orelhas. "João XII morreu em 14 de maio de 964, oito dias após ter sido, de acordo com os boatos, paralisado por um ataque num ato de adultério".2A O notável Luitprand, bispo católico de Cremona, contemporâneo destes eventos, escreveu: "Nenhuma mulher honesta ousava aparecer em público, pois o papa João não tinha qualquer respeito, fossem elas moças solteiras, mulheres casadas ou viúvas — elas estavam certas de serem desonradas por ele, até mesmo sobre as tumbas dos Santos Apóstolos, Pedro e Paulo". A coleção católica da vida dos papas, o Liber Pontificalis, informa-nos: "Ele gastou toda a sua vida no adultério". Fazendo jus a muitos de seus antecessores João XII mantinha, nas cercanias de Roma, um harém com dezenas de mulheres à sua disposição. Era motivo de incessantes falatórios, por parte de seus inimigos, naquela grande cidade, cujo solo está encharcado com o sangue inocente dos mártires do cristianismo.25 Para cúmulo, João XII viveu amasiado abertamente com sua própria madrasta, provocando a indignação e o ódio do povo romano.26 Alberico, seu pai, era constantemente presenteado com valiosas peças de roupa banhadas a ouro e outros preciosos objetos, como lenitivo para suas aflições, enquanto seu rebento adulterino não hesitava em apossar-se de sua própria concubina... Depois de usar e abusar de seus favores, devolvia-a ao ultrajado pai, que a recebia de braços abertos, desejando-lhe boas vindas... 24 The Catholic Encycloped¡a, ¡n WOODROW, Ralph, op. c/f.. 25 Ap (6, 9) 26 HALLEY, HenryH. Op. cit, p. 686. 71 Para as donzelas de Roma, João XII oferecia riquíssimos presentes, ¢m troca de favores sexuais e freqüência a orgias, prometendo-lhes ftinda, como recompensa sublime, o perdão desses atos pecaminosos... < in ienas delas foram desvirginadas pelo Papa tarado e enviadas como (ivelhinhas, devidamente umedecidas com o santo sêmen do ungido Sucessor de Pedro, ao convento das monjas, para serem admitidas (i mio noviças e posteriormente tornarem-se freiras. João XII, em suas bacanais, costumava levar suas amantes a seus luxuosos aposentos, onde as submetia a sessões de sexo oral. Referindose a ele, o bispo de Orleans definiu-o como "monstro da culpa, impregnado de sangue e impurezas" e como "anticristo sentado no Templo de Deus". Igualmente a outros antes e depois dele, tal Papa cometeu sacrilégio em relação ao uso indevido dos objetos sagrados da Igreja — como o cálice e o hostiário. João utilizou indiscriminadamente o cálice da Igreja, nele bebendo com suas concubinas o vinho da sua própria condenação.27 Defendeu também, explicitamente, a venda de cargos eclesiásticos (a chamada simonià) e a comercialização das ossadas dos mártires cristãos. Em 963, João XII autorizou que seus ordenanças exumassem milhares de caveiras de supostos mártires dos cemitérios de Calixto e Marcelino, pondo-as à venda nas paróquias da Itália, a preços exorbitantes. Baixou ainda um decreto determinando, a quem quer que fosse, a absolvição dos pecados e a garantia da salvação eterna, bastando para isso tocar uma caveira de cristão e desde que uma quantia em dinheiro fosse endereçada à Igreja, mesmo que o mais aberrante dos crimes tivesse sido cometido... Foi esta a época do maior tráfico e comercialização de supostas ossadas de santos mortos nas perseguições dos imperadores anticristãos, trazendo à Igreja Católica e aos seus 271Co(11,27) 73 \ papas enorme prosperidade material, enrique* endo mais e mais o imoral fausto do Vaticano. Muitos europeus inescrupulosos fizeram grande fortuna traficando caveiras humanas, alegando estarem vendendo uma autêntica relíquia de um determinado santo ou santa da devoção de algum católico fervoroso. Era comum em toda a Europa, àquela época, encontrar, em paróquias e capelas, grande quantidade de ossadas à venda, principalmente na Espanha, Portugal e Itália, berço do catolicismo arcaico e conservador. João XII autorizara os bispos e clérigos a negociarem estes santos restos mortais por um valor o mais elevado possível, tendo o cuidado de não vender ossos de hereges como sendo de cristãos... As ossadas tinham que estar em boas condições, sem manchas e muito menos ferrugem; caso apresentassem tais defeitos, estaria ali o primeiro sinal de resquícios de heresia. Eram então imediatamente encaminhadas ao Santo Papa para excomunhão, maldição e anatematização e incineradas, a seguir, numa das fogueiras do Vaticano. Quem não quisesse comprar relíquias a vendedores ambulantes podia procurá-la nos ossários das capelas e paróquias da Europa, sem a interferência daqueles atravessadores e supostamente a preços bem mais em conta... Segundo Woodrow, "Havia deuses que presidiam cada momento da vida de um homem — deuses da casa e do jardim, da comida e da bebida, da saúde e da doenfa";28 como esta idéia das divindades associadas aos eventos cotidianos já se encontrava solidamente estabelecida na Roma paga, deu-se apenas um passo para que aqueles mesmos conceitos fossem incorporados aos interesses da Igreja de Roma. Uma vez que os pagãos relutavam em abandonar seus deuses — a menos que pudessem encontrar correspondentes no cristianismo —, 28 WOODROW, Ralph. Op. c¡t, pp. 96-7. 74 ili usi s i deusas ganhavam novos nomes, como santos... A velha idéia lli deuses ligados a certas profissões e datas do calendário tem tinuado a crença católica romana em santos, como a tabela abaixo nu istrará. Durante o pontificado de João XII, as paróquias e capelas . I ' •• elha Europa proviam monges devotos para atender e explicar, aos i i>tupradores de santos, a especialidade que cada um deles exercia nas esferas i spirituais e no panteão católico... Temos até hoje padroeiros de datas e categorias profissionais:29 Atores, São Genário, (25 de agosto); banqueiros, São Mateus (21 de setembro); Mendigos, São Lázaro (17 de dezembro); Atletas, São Sebastião (20 de janeiro); Pedreiros, Santo Estevão (26 de dezembro); Açougueiros, Santo Adriano (28 de setembro); Fabricantes de velas, São Bernardo (20 de agosto); Cozinheiros, Santa Marta (29 de julho); Dentistas, Santa Apolônia (9 de fevereiro); Comediantes, São Vi to (15 de junho); Floristas, Santa Dorotéia (6 de fevereiro); Chapeleiros, São Tiago (11 de maio); Donas de casa, Sant'Anna (26 de julho); Caçadores, São Hubert (3 de novembro); Bibliotecários, São Jerônimo (30 de setembro); Mineiros, Santa Bárbara (4 de dezembro); Músicos, Santa Cecília (22 de novembro); Tabeliães, São Marcos (25 de abril); Pintores, São Lucas (18 de outubro); Estucadores, São Bartolomeu (24 de agosto); Marinheiros, São Brendan (16 de maio); Cantores, São Gregório (12 de março); • WOODROW, Ralph. Op. c¡t, pp. 31-3. 75 Cirurgiões, São Cosme e São Damião (27 de setembro); Coletores de impostos, São Mateus (21 de setembro). Os católicos romanos também têm santos ligados, entre outras, aos seguintes elementos e circunstâncias do cotidiano:30 Mulheres estéreis, Santo Antônio; bebedores de cerveja, São Nicolau; Crianças, São Domenico; Animais domésticos, Santo Antônio; Migrantes, São Francisco de Assis; Problemas, São Eustáquio; Fogo, São Lourenço; Enchentes, São Colombo; Relâmpagos, raios e trovões, Santa Bárbara; Amantes, São Rafael; Velhas, Santo André; Pobres, São Lourenço; Mulheres grávidas, São Gerardo; Tentação, São Ciríaco; Para prender ladrões, São Gervásio; Para ter filhos, Santa Felicitas; Para ganhar um marido, São José; Para ganhar uma esposa, SantAnna; Para achar coisas perdidas, Santo Antônio; Dos endividados, Santa Edwirges; Das causas impossíveis, Santo Expedito. Da mesma forma, os seguidores do catolicismo habituaram-se também a dirigir orações a certos santos, no intuito de combater os seguintes problemas de saúde.r3 1 3 Idem. 1 Ibidem. 76 [rtrite, São Tiago; A lord¿das de cachorro, São Hubert; l·/<ï/das de cobra, Santo Hilário; Cegueira, Santa Luzia; Câncer, São Peregrino; Cãibras, São Maurício; Surde^ São Cadoc; Doenças do peito, Santa Ágata; Doenças da garganta, Santo Blaso; Epilepsia, nervos, São Vito; Febre, São Jorge; Doenças dos pés, São Victor; Pedras na vesícula, São Libério; Gota, Santo André; Dores de cabeça, São Denis; Doenças do coração, São João de Deus; Insanidade mental, Santa Dimpna; Doenças da pele, São Roque; Esterilidade, São Giles; Dependência alcoólica, Santo Onofre. Na gestão de João XII, os vendedores de caveiras proliferaram em toda a Europa, conduzindo sobre mulas e éguas cargas de ossadas acondicionadas em rústicos caixões de madeira. Eram invariavelmente acompanhados por dois esqueléticos frades mendicantes, descalços e tonsurados, trajando surradas túnicas nas quais ia desenhada uma cruz de Santo André. Acompanhando a caravana, iam dois representantes do Papa, conclamando todos os pecadores a comprarem as santas relíquias, que garantiriam a salvação do Fogo do Inferno. Centenas de pessoas postavam-se à beira do caminho, ajoelhadas e cobertas por vestes negras, exclamando em coro uníssono: 'Santas Relíquias, perdoai os nossos pecados', enquanto os dois salafrários monges 77 suspendiam no ar restos de uma caveira, ainda exalando um mau cheiro (le fazer < >s abutres vomitarem... Enquanto assim expunham as ossadas, < >utros dois auxiliares dos espertos frades pesavam, numa tosca balança, ;i quantidade solicitada pelos fiéis - que piamente acreditavam estar, naqueles pedaços de osso, a garantia da salvação de suas almas... "Coleções de relíquias, tais como pedaços de cru^ e ossos de santos, tornaramse moda. O simples olhar às 5005 relíquias de Frederico da Saxônia era tido como poderoso o suficiente para reduzir o tempo de uma pessoa no Purgatório por cerca de 2 milhões de anos.". 3 2 João XII morreu do mesmo modo que viveu - em pecado. Ao ser flagrado por um conde italiano num ritual de felação com sua esposa, pego de surpresa e sob ameaça de ter seu corpo trespassado por uma lança, sofreu um enfarte e morreu sobre o corpo da amante, para a felicidade geral de centenas de mulheres, ex-presas fáceis de suas investidas voluptuosas.33 32 CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos, Edições Vida Nova São Paulo 1992 ¤ 227 33 WOODROW, Ralph. Op. cit., pp. 96-7. ' a , " · μ " ' - 78 CAPITULO IX LEÃO VIII (de 9 6 4 a 965) 79 Envenenando os inimigos de Marózia urante as gestões pontifícias de Agapito II (946-955) e João XII (955-964) houve uma pequena e quase imperceptível interferência política, da parte de um monge a serviço da meretriz e assassina Marózia, nos negócios da Igreja. Seu nome: Leão VIII, um indivíduo que foi - nada mais, nada menos -, o | responsável pelo envenenamento dos inimigos e até amantes daquela terrível e assustadora mulher. Este obscuro monge esteve, durante muitos anos, a serviço dos Teofilato, exercendo as funções de espião e agente secreto entre os corredores do Vaticano e as alcovas de Teodora I, Teodora II e sua protetora e confidente Marózia. Leão VIII destacava-se por trajar indumentária negra e um capuz de formato cônico, chegando a aterrorizar não só as crianças como também as pessoas adultas, com seu aspecto grosseiro e asqueroso. Por baixo de suas negras vestes, trazia um punhal afiado e envenenado com arsênico, para com ele atravessar o corpo daquele que fosse, inadvertidamente, escalado para morrer... Marózia costumava servir-se sexualmente de seus amantes por pouco tempo, logo se desfazendo deles e substituindo-os por outros, entrando seus antigos parceiros na lista negra de Leão VIII, que 'organizava' o assassinato de mais uma inocente vítima. Os ex-parceiros de Marózia desapareciam sucessiva e misteriosamente, não deixando rastros que pudessem indicar seu paradeiro. A História indica que eram jogados nos precipícios da rocha Tarpéia, habitatà& chacais, hienas, lobos e leões, que viviam de alimentarse destes pobres infelizes.34 A meretriz assassina intercedia junto a seu amante, o Papa Sérgio III, para que o mesmo facilitasse o acesso do Paraíso Celestial às almas de seus ex-amásios, agora finados. Sérgio a atendia, prometendo-lhe escancarar os portões do Céu para os outrora parceiros de fornicação e adultério, conduzindo-os para junto de Deus e deixando Marózia radiante de alegria, por ter conquistado para o Cristo de Nazaré outra leva de salvos e remidos do pecado, graças ao poder do Papa Boca de Porco... Com a morte natural de Marózia, Leão VIII tencionava assassinar o Papa João XII, seu neto, e ocupar a Cadeira de São Pedro, a Vaca leiteira' que atraía a cobiça dos nobres e burgueses da velha Europa. O monge criminoso vinha arquitetando uma maneira de envenená-lo ou, quem sabe, apunhalá-lo traiçoeiramente, quando a ocasião lhe fosse propícia. Com a súbita morte de João XII (num ato de adultério em 964), o Trono de São Pedro pôde finalmente ser ocupado pelo monge envenenador, que, a partir de então, decidiu fornecer gratuitamente, a quem quer que fosse, seu perdão para os pecados e o salvo-conduto para as almas que almejassem os santos céus. Assim, milhares de pessoas de toda a Europa compareceram ao Palácio de Latrão, no Vaticano, sequiosas de obter um passaporte para 34 TRANQÜILO, Caio Suetôn¡o. A Vida dos Doze Césares, Ediouro, Rio de Janeiro, s/d, p. 37. 02 | eternidade. A supersticiosa multidão, espicaçada pelo fanatismo fi ligioso, proclamava em altos brados: 'Salve ó Deus o Santo Papa, o protetor das almas penadas!' ou então 'Salve, ó Virgem Mãe, o Santo Padre da tspada dos sarracenos! \35 Lnquanto isso, o Pontífice hipócrita estendia as mãos sobre a i IK >rosa gentalha, em sua maioria integrada por rezadores de novenas, peregrinos mendicantes, carolas devotos e pregadores itinerantes - llém dos costumeiros vendedores de rosários e benzedores de velas. Antes de dispersar a crédula multidão, Leão VIII lançou seu apelo los católicos de toda a Europa, para que pegassem em armas e barrassem o avanço dos demoníacos turcos otomanos, que :iproximavam-se como um furacão irrompendo sobre os continentes asiático, africano e europeu, dizimando tudo que encontravam pela I icnte. O populacho, emocionado pelas sensibilizantes palavras do Salafrário Pontífice, respondeu numa só voz: 'Salvaremos, O santo padre, ,i Madre Igreja das investidas de Satanás', e 'Viva Nossa Senhora, a boa Mãe dos aflitos', enquanto alguns se chicoteavam, em sangrento ritual de auto-flagelação, penitenciando-se de seus pecados.36 Leão VIII morreu no ano de 965, profundamente convicto da salvação de sua conturbada alma... 15 Biografia dos Papas. Editora das Américas, Vol. XVII, São Paulo, 1952. :K Idem. 83 CAPITULO X BENTO XI (de 972 a 974) 85 Encarcerando os adversários e matando-os pela fome pós a morte do 'imundo' Papa Leão VTII, a Igreja pensou respirar aliviada, ao livrar-se deste terrível administrador que assolou a Europa e contaminou ainda mais o já impuro Vaticano. Mas em seu lugar foi eleito um não menos salafrário e cretino: Bento XI, herdeiro de Caim e afilhado de Satã, tão negro e ambicioso como Judas Iscariotes. Seu pontificado foi banhado no sangue dos seus adversários e concorrentes ao trono papal, sendo quase todos mortos nas masmorras do Castelo de Sant'Ângelo, vitimados pela fome e maus tratos infligidos pelos agentes deste suposto sucessor do Apóstolo Pedro. Bento XI tinha dois fortes opositores: o burguês Crescêncio e o cardeal Franco. O primeiro, chefe de uma facção política que lhe era desfavorável. O segundo, seu concorrente natural no processo sucessório. Com o acirramento da disputa, nasceram mais duas alas da oposição, que apoiavam os dois citados e repudiavam a permanência de Bento XI à frente da Igreja — tantas vezes vilipendiada por maus pastores e outros pseudo-sucessores do Pescador da Galiléia. Naquele final de milênio, encontrava-se a Europa ameaçada por 87 hordas bárbaras vindas do Oriente Médio, que se auto-denominavam (( uno Guerreiros de Alá e Herdeiros de Maomé astecimento (pelo qual os clérigos e seus dependentes tinham que pagar as despesas de viagem do Pontífice enquanto o mesmo estivesse em sua região), do direito de espólio (pelo qual a propriedade pessoal do alto clero era transmitida ao Papa, após a morte), do Dinheiro de Pedro (pago anualmente pelos leigos, em muitas regiões) e da renda dos cargos vacantes, bem como de outras numerosas taxas'''.41 Ao ver-se na posse do Tesouro de São Pedro, Bonifácio VII fugiu para Constanfinopla, temendo a vingança de seu inimigos — os próprios cardeais —, que também tiveram suas economias abocanhadas por ele. Viveu por algum tempo na clandestinidade, só voltando a Roma para prender e matar de fome um dos seus piores inimigos, João XIV 42 41 CAIRNS, Earle E. Op. cit., p. 201. 42 PORTO, A. Campos. Op. cit., p. 262. 95 CAPITULO XII JOÃO XV (de 985 a 996) 97 ¡ Cobiçoso, ladrão e corrupto om o fim trágico de Bonifácio VII nas mãos de seus inimigos, a Santa Igreja Católica e Romana passa a ser governada por um virtuoso seguidor de Mamon, em cuja personalidade combinavam-se, de modo admirável, a ambição de um Judas, a capacidade de aliciar de um Simão e a ausência de escrúpulos de um Al Capone... Este indigno Pontífice transformou o Vaticano num feudo privado, distribuindo as finanças da Igreja entre seus parentes e ganhando para si mesmo a reputação de ser "cobiçoso de lucro imundo, e corrupto em todos os seus atos".43 No ano de 990, objetivando aumentar as receitas da Santa Sé, João XV comandou a venda de preciosas relíquias pertencentes a diversos ícones do cristianismo, começando por São José e seu equipamento de marcenaria — bem como os arreios que pertenceram ao jumentinho que conduziu a Virgem Maria e o menino Jesus ao Egito, pedaços de madeira do barco de pesca do apóstolo Pedro, restos de comida que alimentaram o pobre Lázaro (que comia das migalhas caídas da mesa de um rico), pedaços de pano da túnica de Jesus, dividida entre os 43 WOODROW, Ralph. Op.ão XII, o imoral neto de Marózia (que decretara a venda de caveiras de supostos mártires cristãos), João XV também tirou vantagens materiais do povo que habitava aquela época de trevas e ignorância, amealhando fortunas para si e sua família.45 Este Papa teve a petulância de cobrar de cada fiel daquele tempo um imposto sobre invocação ou mesmo intercessão dos santos, abocanhando outra grande fatia de proventos para os já abarrotados cofres de sua propriedade e de seus apaniguados aliados. Tal procedimento dá-nos a entender que o Papa João XV tinha controle exclusivo sobre todos os santos do panteão católico, muitos deles de procedência duvidosa. Como grande parte dos santos do martirológio católico proveio da tradição oral dos antigos romanos, há possíveis falhas quanto a seus nomes e atributos divinos, sendo humanamente impossível, já naqueles obscuros tempos, determinar-se o nome exato de uma pessoa, quando tantas morriam, anonimamente, nas arenas. João XV, além de nepotista, era simoníaco, ou seja, dava os melhores empregos para os seus familiares e vendia cargos eclesiásticos e outros objetos supostamente sagrados como perdão dos pecados e passaporte para os céus. Em sua gestão pontifícia, o Vaticano consolidou-se em sólida empresa multinacional de arrecadação do pecúnio sagrado, 44 ALMEIDA, Abrãao de. Op. c/f., pp. 80-6. 45 SCHAFF, David S. Nossa Crença e a de Nossos Pais, Imprensa Metodista, São Paulo, 1964, p. 446. 100 p( rdendo apenas para o poderio financeiro do duque Guilherme de Aqu¡tânia - o mesmo que doou terras para a construção do Mosteiro de (`luny, no século X. Enquanto João XV acumulava tesouros e mais tesouros para si e para os seus, vários inimigos conspiravam diuturnamente para afastálo do Vaticano; foi enfim destronado no ano de 996. 101 CAPÍTULO XIII BENTO VIII (de 1012 a 1024) 103 Corrupção e suborno P M I ¢ Ì Í I¾ om grande número de papas e antipapas brigando entre si pela suposta Cadeira de Pedro, o Vaticano manteve-se um covil de salteadores, balcão de inescrupulosas negociatas entre corruptos e corruptores, todos eles candidatos ao pontificado romano, o posto mais cobiçado naquelas obscuras eras. Bento VIII, o avarento, outro seguidor de Mamon, fora antecedido por Sérgio IV, conhecido por Pietro Buccaporä (à semelhança de Sérgio III), que permaneceu como Papa por apenas três anos, fazendo entretanto um governo razoável e pacífico. O Papa Bento VIII descendia da família dos Teofilato, portentosos magnatas italianos que dominaram, durante décadas, a política, a economia e sobretudo a Igreja — naquele período atravessando a Era daPornocraãa, assunto mencionado nesta obra. Naquele início do século X, a Igreja Católica Romana estimulava a venda a granel de cargos eclesiásticos para nobres, burgueses e príncipes vassalos — prática que se denomina sintonia, ou seja, a venda de funções consideradas sagradas pela Igreja de Roma — e o tráfico das milagrosas relíquias pertencentes aos mártires do cristianismo. Quanto ao Trono de Pedro, a escolha recaía sobre aquele que oferecesse mais à cúpula cardinalícia, composta por nobres e burgueses da elite européia — sedentos, como sempre, de dinheiro e poder. 105 Bento VIII foi o responsável pelo fortalecimento do Dogma do Purgatório, doutrina idealizada por Gregório I, o Grande, (590-604), e transformado em princípio de fé pelo Papa Eugênio IV (Gabriel Condulmaro) no Concilio de Florença, em 1439.46 O Papa que mais arrecadou dinheiro com a venda de favores relacionados com o purgatório foi exatamente Bento VIII, no período de sua gestão pontifícia, de 1012 a 1024. Católicos de várias partes do mundo iam ao Vaticano para adquirir não só um lugarzinho no Céu, mas também o direito de não passar pelo Purgatório, benefício transformado agora na maior fonte de arrecadação do Patrimônio de Pedro. Diante da imensa turba de devotos, o Papa fazia distribuir velas de várias cores, que simbolizavam os diversos estágios que a alma teria de atravessar, no percurso entre o final da existência terrena e o pouco confortável Purgatório, com suas temperaturas que chegavam no máximo a derreter chumbo... Enquanto o sagaz Pontífice benzia e distribuía velas ao poviléu ignorante, um arauto em altos brados conclamava os fiéis a adquirir a salvação de suas almas, naquele momento, em mãos do Santo Papa. Como descendente direto de Marózia, a mais imoral entre os Teofilato, Bento também chegou ao papado através da corrupção e do suborno, aliciando cardeais e príncipes da Igreja. Por doze anos a Igreja Romana suportou este negocista seguidor de Simão, o mágico (At 8, 18) e de Geazi, o propinador (2 Rs 5, 20), praticando toda sorte de nepotismos e fisiologismos, arruinando seus fiéis, que aceitavam comer o pão que o capeta amassou e assou pessimamente. Ao morrer, Bento VIII legou imenso patrimônio aos seus familiares e amigos, enquanto legiões de seus paroquianos continuavam roendo ossos.47 46 ALMEIDA, Abrãao de. Op. cit, p. 101. AT WOODROW, Ralph. Op. cit, p. 98. 106 CAPÍTULO XIV BENTO IX (de 1033 a 1045) 107 Assassino, adúltero e ladrão eses após o passamento de Bento VIII, João XIX — um endinheirado senhor da alta elite romana —, também adquiriu direitos sobre o papado, por vultosa quantia. "Sendo ele um leigo, foi necessário que fosse passado por todas as ordens clericais em um só did\Aÿ, Com esta artimanha, fez seu pontificado estender-se por oito anos, de 1024 a 1032, tempo suficiente para encher seus bolsos e dar ainda mais tranqüilidade à sua já equilibrada família, herdeira de imensas fortunas. Seu slogan era: 'Não ao casamento e tudo a Mamorì, ou seja, nenhuma permissão ao matrimônio e toda prioridade ao vil metal. João XIX erguera uma estátua à deusa Fortuna, tomando-a como sua musa inspiradora e monumento ao deus do dinheiro (Mamon), seu protetor. O advento de sua morte acarretou novos desacertos e turbulências para a Igreja Romana, que transferiu o comando para um filho de Belial e afilhado de Caim — seu nome: Bento IX, sinônimo de excrescência e aberração. Segundo Woodrow, "Bento IN foi feito Papa ainda jovem, com 12 anos de idade (alguns relatos di^em 20), através de uma barganha de dinheiro 18 WOODROW, Ralph. Op. c/f., p. 98. 109 com as poderosas famílias que dominavam Roma".1" I [\c "cometeu assassinatos 6 adultérios à plena lu^ do dia, roubou peregrinos sobre as covas dos mártires e tornou-se um criminoso medonho, até que o povo o lançou fora de Roma".5" A The Catholic Encyclopedia diz: "Bento IX foi uma desgraça para a Cadeira de Pedro". Simonia — a compra e venda do ofício papal - tornouse tão comum, e a corrupção tão pronunciada, que governantes seculares dominaram a Igreja. O rei Henrique III foi designado por Clemente II (1046-1047) para o ofício de Papa, "por que nenhum clérigo romano podia ser encontrado que estivesse livre da poluição da simonia e da fornicaçãd\51 Bento IX fazia qualquer negócio, não importava com quem, contanto que houvesse dinheiro envolvido, quer fosse limpo, quer sujo. O que lhe interessava era opecúnio, e nada mais. Dos papas mencionados pelo autor ao longo desta obra, nenhum deles chegou talvez a tanta venalidade quanto este imoral e pseudo pontífice, discípulo de Judas Iscariotes, vendilhão e simoníaco. Em 1045, Bento IX cometeu o ato mais indigno e escandaloso de todo o seu pontificado: a venda do trono papal a um portentoso comerciante italiano, por uma soma não-especificada de dinheiro. Esse poderoso magnata assumiu a Cadeira de São Pedro com o nome de Gregório VI, havendo então naquele momento três papas constituídos, cada qual alegando ser o Pontífice legítimo (dentre eles Silvestre III, que ficou apenas dois meses no poder, brigando com Gregório VI - Giovanni Graziano - e o vendilhão Bento IX). "Henrique III, imperador do Santo Império RomanOj convocou então um Sínodo em Sutri, em 1046. Como conseqüência, Bento IX e Silvestre III foram depostos e Gregório VI obrigado a renundar, em favor de Clemente II (Su¿dger, 49 Idem. 50 HALLEY, HenryH. Op. c/f., p. 686. 51 Idem. 110 / arde de Motsleben I ìornburgf. Mas Clemente morreu logo e seu sucess< >r, outro indicado por Henrique, também teve vida curta. Henrique nomeou então seu primo, Bruno, que assumiu a Igreja como Leão IX. "Com a ascensão de L·eão IX, teve fim uma longa era de papas medíocres, porque ele e seus sucessores eram homens dignos e interessados numa reforma, nos termos do programa de Cluny. O Sínodo de Sutri marcou, então, o momento mais baixo do poder do papado na Idade Média'.52 Bento IX ficou 12 anos no poder, na sua primeira gestão; na segunda, dois meses, após os quais foi expulso por Gregório VI; na terceira, um ano, contra a vontade de todos os que queriam vê-lo bem distante de Roma e dos bolsos dos romanos, tantas vezes roubados por ele. Ao perder a Cadeira de Pedro e não se dando por satisfeito, recrutou, secretamente, uma corja de bandoleiros mercenários, que passou a atacar os peregrinos que visitavam os túmulos dos mártires cristãos nos cemitérios de Roma. O próprio Bento comandou a súcia de malfeitores no assalto a esses devotos intercessores das almas e fiéis pagadores de promessas, apossando-se de seus míseros, porém suados, recursos. Foi entretanto reconhecido pelos peregrinos, que se organizaram em campanha para escorraçá-lo dos campos santos, tentando dele se livrar; enquanto isso, seus cupinchas continuaram a espalhar o terror e o medo entre as levas de religiosos e penitentes do antigo império dos Césares, berço do catolicismo universal. Bento IX e sua corja de salteadores não perdoavam sequer os relicários das igrejas e catacumbas romanas, que guardavam objetos sacros e imagens dos santos do catolicismo, muitos revestidos de ouro e pedras preciosas de valor incalculável em qualquer época da História. 52 Ibidem. 111 Os peregrinos ricos eram assaltados e mortos por grupos de bandoleiros a serviço deste infame Papa, que assalariava mensageiros da morte e da destruição. Atravessando época de grandes diferenças sociais e profunda ignorância, a Velha Europa continuava sendo terreno favorável ao cultivo não só do misticismo contemplativo, mas também do fanatismo religioso, herdados da concepção medieval da Igreja Romana desde os dias de Constantino Magno, no 4.º século, atraindo milhões de peregrinos para santuários supostamente santos - dentre eles o de São Tiago de Compostela, na Espanha. Bento IX e seus latrocidas comparsas embrenhavam-se nos esconderijos dos cemitérios e catacumbas romanos para assaltar e roubar os incautos romeiros e devotos visitantes. Os túmulos dos mártires transformaram-se em perigosas armadilhas para os que visitavam as galerias subterrâneas da Velha Roma e eram presas fáceis desses meliantes seguidores de Gestas e Barrabás. Através destes vis expedientes, Benedito e seus malditos salteadores lograram amealhar grandes fortunas, chegando ao fim de suas vidas como nababos, potentados de um reino de crimes, vício e corrupção.53 53 CAIRNS, Earle E. Op. cit, p. 164. H2 p!l:¡!i!:è§¾l l l l i l ¡ i l i l ï l i:-;:?5¾¾í.:.li!!f *Pr¿ Æ !¡¡ : :• i :- 1? ¾w:Sïj A - .. A¿ x • ' • > . . - . ' • • B «Ä*. i CAPITULO XV INOCENCIO III (Lotário de Segni - de 1198 a 1216) 113 Afogando a Europa no sangue de inocentes cristãos evangélicos apa de 1198 a 1216, Inocêncio foi eminente teórico da teocracia pontificial. A seu ver, o Papa era um intermediário terreno entre Deus e os reis. Deste ponto de vista decorreram seus desentendimentos com Filipe Augusto, da França. Ainda por sua iniciativa, foi empreendida a quarta cruzada — que teve como único resultado a tomada e o saque de Constantinopla (1204); a cruzada contra os albigenses, pela qual também foi responsável, trouxe muito mais benefícios aos Capeto do que à Igreja. Dos 265 papas entronizados até o momento (incluindo João Paulo II), Inocêncio III foi o Pontífice que mais sangue derramou, ao longo da trajetória da Igreja Católica, com suas sangrentas guerras, cruzadas, conversões forçadas, inquisições e autos-de-fé, de que tivemos notícia pelos anais da História. Sua crueldade em nada ficaria a dever a genocidas como Genghis Khan, Hitler, Stálin e Pol Pot, os mais desumanos dos ditadores terrestres. Nicola Aslan enfatiza: "Estando em guerra com vários barões e vassalos, o Conde Raimundo VI, de Toulouse, recebeu a visitado legado papal. Apresentandose como mediador, o enviado do Papa anunciou que seriam feitas a reconäliação e apa% com a condição de que as tropas reunidas servissem para a destruição dos 115 albigenses. Porém, o Conde Raimundo VI não quis darpa¿ ragem em seus I Istados para que seus inimigos matassem os seus próprios súditos".5* Villemain, em Cours de Uttérature Française escreve, relativamente às conseqüências desse gesto de independência e soberania: "Então o sanguinário pacificador declarou-o ásmático e rebelde à Igreja, lançando-lhe a anátema, depois escreveu à corte de Roma". O Papa Inocêncio III, por sua vez, enviou a Raimundo uma carta cheia de insultos, ameaçando-o de arrebatar-lhe os domínios "que recebera da Igreja Universal' (a Católica, obviamente). Estamos no período mais alto da teocracia, que pretendia estender o seu domínio sobre toda a Cristandade, não somente de jure, mas também de fato. Em 14 de janeiro de 1208 - tendo um pequeno vassalo do Conde Raimundo VI morto o legado Pedro de Castelnau, que na véspera havia injuriado o Conde de Toulouse, porque este não se mostrava zeloso em cumprir sua promessa de exterminar os súditos heréticos - , teve início a Cruzada dos Albigenses. "Não foi somente o assassinato aádental do legado o fator que produziu esta guerra funesta", diz Villemain. A própria heresia dos albigenses não foi a causa única. Reinava, desde há muito tempo, uma luta entre o pensamento livre e o poder da Igreja, entre a poesia e a pregação. Deste entrechoque constantemente dardejavam palavras amargas e cruéis, que feriam o poder de Roma e que pareceriam um escândalo em nosso tempo. A vida desordenada do clero fornecia copiosos elementos à amargura desta censura leiga. Já há muitos anos, os próprios santos se queixavam da conduta dos padres. "Quem me darâ\ dizia São Bernardo de Claraval, "ver, antes de morrer, a Igreja de Deus como era nos seus primeiros dias?' O Papa Inocêncio III escreveu então ao clero e à nobreza da França, para ordenar uma cruzada contra os heréticos, a seguir desligando do juramento de fidelidade os súditos de Raimundo VI - mas, ao mesmo 54 ASLAN, Nicola. História Geral da Maçonaria: Período Operativo, Aurora, pp. 106-8. ÍÌ6 \ Cruzados cristãos foram organizados não apenas para libertar Jerusalém, mas também para massacrar hereges, como os Valdenses e os Albigenses. O Papa Inocêncio III patrocinou a carnificina e deu garantias de vida eterna a todos que participaram da santa matança. tempo, oferecendo os seus Estados a qualquer católico que os quisesse conquistar. Durante todo o ano, os emissários do Papa percorreram a França, pregando aos semi-bárbaros do norte a cruzada contra os heréticos do sul. Concederlhes- iam, para isso, os mesmos direitos e as mesmas indulgências de que gozavam os cruzados da Terra Santa. Uma multidão de prelados e de barões pôs-se então em marcha, seguidos por vassalos, mercenários, aventureiros e bandidos de todas as nações. Tais tropas, segundo alguns historiadores, chegaram a atingir a cifra de 500.000 homens. O exército dos cruzados reuniu-se em Lião. Para esta expedição, que foi julgada extremamente rendosa, banqueiros, usurários e ricos mercadores adiantaram capitais, como se a mesma fosse uma empresa puramente comercial. Deveriam ser reembolsados com vinho, trigo, estofos e mesmo domínios e castelos tomados aos albigenses. Isto, de certo modo, explicaria a inclemência da repressão a eles movida. No entanto os cruzados, embora tendo assumido compromissos comerciais com os agiotas, combatiam primordialmente pela pureza da Fé. Em 21 de Julho de 1209, sob o comando de Raimundo de Toulouse — que se tinha finalmente submetido, impressionado com as 117 providências tomadas por Inocêncio III —, o exército dos cruzados faz o cerco a Beziers. Intimados por seu próprio bispo a fazer a entrega dos heréticos, os habitantes da cidade recusaram-se com energia e responderam: "Re/atai ao L·egado que a nossa ädade é boa e forte, que Nosso Senhor não deixará de nos trazer socorros e que, antes de nos entregarmos, comeremos nossospróprios-filhos''\55 Um grupo de defensores, burgueses célebres em todo o sul pela sua energia, saiu em ataque aos aventureiros cruzados. Surpreendidos de início, os cruzados repeliram finalmente os habitantes de Beziers e penetraram na cidade. Uma parte do exército seguiu-os, dando início ao massacre. A cidade foi saqueada e depois incendiada, queimando durante dois dias. Ninguém escapou. Fernand Niel, em Æbigeois et Cathares, faz o seguinte comentário: "Heréticos, católicos, mulheres e crianças, todos foram confundidos neste gigantesco massacre, que relembrou os dias das invasões bárbarai\ Os chefes católicos aplaudiram esta milagrosa vitória e cada qual exagerou o mais que pôde o número de vítimas. Foram até a cifra de 100.000, mas 30.000 parece ser uma avaliação razoável. Existe, contudo, um fato certo: o de que todos os habitantes foram mortos. Prossegue Niel: "No decorrer do massacre, coloca-se uma árcunstânáa sobre a qual houve prolongadas dissertações. Foi perguntado ao abade de Cister, Arnaldo Amalrico, legado do Papa, de que maneira os heréticos seriam distinguidos dos católicos, para que estes fossem poupados. Arnaldo Amalrico teria respondido: Matai-os todos, Deus reconhecerá os seus?' Naturalmente esta frase foi violentamente controvertida. A maioria dos historiadores a considera apócrifa, mas os seus argumentos repousam, aqui também, sobre razões sentimentais. Reproduzida por um monge alemão, Cesário Heisterbach, que não participara da cruzada, mas a quem fora relatada, não existe nenhuma prova histórica de que não tenha sido pronunciada. Ela é, ao contrário, cruelmente confirmada pelos fatos. "Qualquer que seja a autoridade dos escritores que lhe negam a autentiádade, é sem dúvida prudente ater-se à opinião do beneditino Dom Vaissette, o grande historiador da província do L·anguedoc, o qual, sem aceitá-la 55 Idem. 56 Ibidem 118 incondicionalmente, não a coloca completamente em dúvida"'. Os homens que participaram do sangrento massacre receberam do Papa Inocêncio III a certeza de que iriam direto para o Paraíso, sem escala, desviando-se do purgatório. "Em L·avaur, em 1211, o governador foi enforcado e a esposa lançada dentro de um poço e esmagada com pedras. Quatrocentas pessoas nesta cidadeforam queimadas vivas. Os cruzados assistiram à missa solene pela manhã e, em seguida, passaram a tomar outras cidades da área. Neste cerco, estima-se que 100.000 albigenses (protestantes) caíram em um só dia. Seus corpos foram amontoados juntos e queimados" ?1 Inocêncio III continuou incentivando o total extermínio de hereges, apóstatas e opositores da Igreja Romana, garantindo aos que executassem as matanças dos inimigos da Fé, o privilégio de, no Céu, sentarem-se ao lado de Jesus, da Virgem Maria e do castíssimo São José... Os católicos e outros fanáticos daqueles tempos acreditavam piamente que o Papa tivesse o poder de abrir e fechar os Portões da , Salvação, quando bem entendesse... WOODROW, Ralph. Op. c/f., p.113. ÍI9 CAPITULO XVI GREGÓRIO IX (Ugo, Conde de Segni - de 1227 a 1241) 121 Proibindo a leitura da Bíblia aos leigos e empilhando cadáveres de hereges e apóstatas om a morte de Inocêncio III, ocorrida em 1216, seu sucessor Honório III (Cencio Savelli) governou a Igreja Romana por um período de 11 anos — de 1216 a 1227 —, tendo exercido dignamente a função pontifícia, numa época em que a satânica inquisição preparava o terreno para nele semear o pavor e a morte contra aqueles que se opunham à doutrina católica e aos vigários de Cristo na Terra — os papas. Honório III foi substituído por Gregório IX, este uma besta-fera sanguinária e sedenta de violência, dedicado a exterminar, pelo poder de seu mandato, alguns milhares de opositores do credo romano, dentre os quais os albigenses e os valdenses (ambos crentes evangélicos), que praticavam um cristianismo quase nos moldes da primitiva Igreja Cristã, sem nenhum vínculo com o sistema pecaminoso e iníquo deste mundo, com sua glória efêmera e seu injusto poder. Gregório IX contava, naquele momento, com o apoio de São Luiz (Luiz IX) da França, filho da rainha Branca de Castela e inimigo mortal de quem quer que se opusesse à Santa Igreja Romana e ao representante 58 Biografia dos Papas. Editora das Américas, Vol. XVII, São Paulo, 1952, p. 222. 123 de Cristo na Terra, o Papa.58 Com o crescimento acelerado dos gru] >< iS evangélicos em várias partes da Europa, especialmente naquele país, a Igreja de Roma une suas forças às do rei Luiz IX e esmaga cruelmente os redutos protestantes, não sendo poupadas nem mesmo as inocentes criancinhas, exterminadas como pestilentas heréticas. Gregório IX e seus sanguinários agentes faziam pilhas e mais pilhas de cadáveres de supostos hereges em vários lugares da França, não sendo permitido pela Igreja Romana o sepultamento desses injustiçados irmãos, vítimas do ódio e do fanatismo doentio deste insano Papa, devoto e seguidor de Belial. Seus corpos mutilados e putrefatos permaneciam à margem das estradas e caminhos, servindo de alimento a abutres e outros animais. Os habitantes de Albi e Toulouse, indignados com as maldades daquela súcia de criminosos, levantaram o estandarte da revolta e partiram para a revanche, atacando os cínicos agentes de Gregório IX e matando vários deles. Em Avignonet, todos os membros do infame tribunal inquisitorial foram massacrados pela turba revoltada. Em 1244, os irmãos albigenses se refugiaram na montanha-fortaleza de Montségur, local considerado mais adequado para sua defesa, em caso de ataque do inimigo. Naquele ano, o infame Gregório IX organizou uma poderosa cruzada, integrada por milhares de bandoleiros mercenários, todos pagos a preço de ouro e indultados em seus pecados por aquele Pontífice das trevas, a serviço não do cristianismo, e sim, de seus interesses. A fortaleza de Montségur foi então ferozmente atacada pelos selvagens cruzados, que, apesar de sofrerem muitas baixas, conseguiram tomá-la dos albigenses e passá-los no fio da espada. Cerca de 2.000 homens e mulheres foram amarrados em estacas e brutalmente queimados por ordem de Gregório IX, que autorizou a corja de assassinos a saquear os bens daqueles infelizes irmãos levando-os para si.59 59 HALLEY, Henry. Op. cit, p, 689. Ì24 No decorrer dos anos, a inquisição caçou os albigenses temanescentes. O último deles foi supostamente queimado na estaca em Languedoc, em 1330. O livro Medieval Heresy menciona: "A. queda do albigensismo foi a principal medalha da inquisição'. Gregório IX afogou a Europa no sangue daqueles inocentes seguidores do Salvador Jesus, deixando sobre o solo do Velho Mundo milhares de cadáveres insepultos destes humildes irmãos, que nenhum delito cometeram para merecer tamanha maldade — pelo contrário, amaram com fervor seus semelhantes e viveram como os primitivos cristãos, que tudo partilhavam, igualmente, entre si. (At 4, 32) 125 CAPITULO XVII INOCENCIO IV (Sinibaldo Fieschi - de 1243 a 1254) 127 Aprovando o emprego da tortura om a morte do sanguinário Gregório IX, ocorrida em 1241, Celestino IV (Goffredo Castiglioni) assumiu seu lugar por apenas 2 meses, vindo a falecer em seguida. Com a vacância da Cadeira de São Pedro, Inocêncio IV passa a dirigir o Vaticano, com um ferrenho propósito no coração: introduzir o emprego da tortura nos tribunais inquisitoriais — que até então eram função exclusiva dos juizes leigos e não dos inquisidores religiosos. '•^;```"¾.., • • • : • • : ; . ; ` - · • • " . ; • • w / m ÈÊfti ¾&o J¡¡r~~j g*.i^ v$rm JB¾^M¿¢ae«^^l Alguns anos antes de Agostinho, em 382, o Sínodo Romano, sob a presidência do Papa Dâmaso, remeteu alguns cânones aos bispos da Gália (hoje França), declarando expressamente que "Não são livres de pecado os funcionários civis que condenaram pessoas à morte, deram sentenças injustas e exerceram a tortura judiciária'''.60 Vinte anos depois daquele Sínodo, ocorreu uma virada de 180° no pensamento do magistério pontifício da Igreja. O Papa Inocêncio I, em sua epístola de n.º VI, declara: "Pediram-nos a opinião sobre aqueles que, após haverem recebido o batismo, tiveram cargos públicos e exerceram a 60 Brasil: Nunca Mais. 13.' ed. Vozes, Petróp¤lis, 1985, pp. 284-6. 129 tortura, ou aplicaram sentenças capitais. A esse respeito nada nos foi transmitido". Tinha início, pois, o consentimento implícito às normas processuais romanas, mesmo com a suposta cristianização do império. Alguns achavam que a Igreja não devia reprovar o uso da espada no Direito Penal, uma vez que isso decorria da própria 'vontade' de Deus. E, considerando-se que o Estado, após Constantino, contava com um número sempre maior de funcionários cristãos, exigir que se mantivesse frente a ele a mesma atitude crítica de Tertuliano de Cartago, de Lactâncio, de Agostinho e de todos os que sentiam de perto a perseguição, significava - aos olhos da nova teologia do poder - impedir a justiça penal de seguir o seu curso 'normal'. Com as invasões bárbaras, a tortura diminui e as fontes conhecidas só retomaram o tema por ocasião da conversão dos búlgaros, em 866. A eles escreveu o Papa Nicolau I, para esclarecê-los sobre questões dogmáticas e morais - entre as quais o costume que tinham, antes de abraçar a fé cristã, de torturar os criminosos. O Papa insistiu na supressão da tortura, acentuando que "a confissão deve ser espontânea, pois a tortura não é admitida nem pela lei divina e nem pela lei humand\ Recomenda ainda que, em lugar dos suplícios, apele-se às testemunhas e exija-se o juramento sobre os Evangelhos. A reintrodução da tortura nos processos penais No século XII, o Direito Penal Ocidental retoma princípios do Direito Romano Imperial e reintroduz a tortura judiciária - apesar de, à mesma época, afirmar o Decretum Gratiani: "A confissão não deve ser obtidapela tortura", como escreve o Papa Alexandre. No século seguinte, no entanto, a tortura passaria a fazer parte dos códigos processuais, especialmente nos dos Estados centralizados, como a Castella de Afonso X, a Sicília de Frederico II e a França de Luís IX (São Luiz). 130 TORTURA DA RODA E DO FOGO A Igreja Católica pede desculpas à humanidade por atrocidades como esta, representativa do furor dos inquisidores, que, sedentos de sangue e represálias, banhavam-se em satânico prazer sempre que lhes fosse dado estender suas garras para triturar indefesas criaturas - cujo crime único seria o de possuir crença religiosa distinta da que seus algozes entendiam como sendo a única divina e verdadeira. 131 AVIRGEM DE FERRO Espécie de contêiner oco, com o tamanho e a forma de uma mulher, trazia facas fixadas em seu interior, de tal maneira e sob tal pressão que a vítima era lacerada por seu abraço mortal. Este instrumento de tortura era aspergido com 'água benta' e trazia uma inscrição em Latim que, em sua tradução, significava "Glória seja dada somente a Deus". AMANJEDOURA Um dos métodos de tortura mais populares era o uso deste terrível aparelho, uma longa caixa dentro da qual o acusado era amarrado, pelas mãos e pés, de costas, e esticado por cordas. Este processo deslocava as juntas e causava grande sofrimento. Usava-se enormes torqueses para arrancar as unhas ou ferros aquecidos ao rubro eram aplicados às partes sensíveis do corpo. Havia ainda o 'Parafuso de Polegares', para desarticular os dedos, e as chamadas 'Botas Espanholas', empregadas para esmagar as pernas e os pés. 132 Sentindo por todo o corpo as ardências decorrentes dos métodos bestiais e desumanos empregados pelos carrascos, a mando dos inquisidores, a pobre vítima sofria também as 'dores da alma', enquanto os algozes arrancavam-lhe pedaços de carne com tenazes em brasa. Estas práticas ocorriam nos porões da Casa dos Tormentos, ed¡fíc¡o-sede do terrível tribunal, em Lisboa, onde as maiores crueldades eram praticadas na pessoa dos condenados pela mesma instituição. VÔO DA MORTE Era um dos métodos de tortura infligidos pelos inquisidores, a serviço da Igreja Católica Romana, para arrancar confissões dos acusados. 133 Simultaneamente, a Igreja passa a admitil o uso processual da tortura: em 1244, o Papa Inocêncio IV aprova a legislação penal de Frederico II e, em 1252, em seu Ad Ext¿rpanda, aceita que uos hereges, sem mutilação e sem perigo de vida, podem ser torturados, afim de revelar os próprios erros e acusar os outros, como sefa% com os ladrões e salteadores". É o retorno oficial ao sistema penal romano, fundado na auto-acusação e na confissão do réu. Esta trágica involução reflete-se na obra do maior pensador medieval, Tomás de Aquino. Em fins do século XIII, ao tratar das injúrias contra as pessoas, na parte moral de sua Suma Teológica (questão 64), ele se refere à mutilação, à flagelação dos filhos e dos servos e ao encarceramento. Mas não menciona a tortura, exceto em sua Expositio Super]ok "Sucede às ve%es que, quando um inocente ê acusado falsamente perante umjui% este, para descobrir a verdade, o submete à tortura, agindo segundo a justiça; mas a causa disso é a falta de conheámento humano". São Tomás admite pois que, não havendo outro recurso para se apurar a verdade, é justa a aplicação da tortura, mesmo sobre um inocente. Tal posição inaugura, na Igreja, a adoção da tortura como prática sistemática de preservação da disciplina religiosa e passa a ser oficialmente aceita nos processos de heresia, não obstante não ser recomendada sua aplicação, de forma direta, por religiosos, padres e bispos. A inquisição faz escola na arte de torturar A mais notória obra sobre o uso da tortura pela Igreja é o Manual dos Inquisidores, de Nicolau Emérico (1320-1399). Sobre o interrogatório do acusado, o inquisidor recomenda: "Aplicar-se-lhe-á a tortura, afim de se lhe poder tirar da boca toda a verdade". O capítulo 5, que traz como título "Sobre a tortura'., tem como frase introdutória:`"Tortura-se o acusado, com o fim de ofa^er confessar os seus crimes". Quem tortura, os eclesiásticos Ou o 134 braço secular:' A esta indignação responde o frade italiano que comand< »u a Inquisição na região espanhola de Aragón: "Quando começou a estabelecerse a Inquisição, não eram os inquisidores que aplicavam a tortura aos acusados, com medo de incorrerem em irregularidades. Esse cuidado incumbia aos juizes leigos, conforme a Bula Ad Extirpanda, do Papa Inocêncio TV, na qual esse Pontífice determina que devem os Magistrados obrigar com torturas os hereges (esses assassinos das almas, esses ladrões da fé cristã e dos sacramentos de Deus) a confessar os seus crimes e a acusar outros hereges seus cúmplices". Isto no princípio; posteriormente, tendo-se verificado que o processo não era assaz secreto e que isso era inconveniente para a Fé, achou-se que era mais cômodo e salutar atribuir aos inquisidores o direito de serem eles mesmos a infligir a tortura, sem ser preciso recorrer aos juizes leigos - sendo-lhes ainda outorgado o poder de mutuamente se relevarem das irregularidades em que, às vezes, por acaso, incorressem. Prossegue a Bula de Inocêncio: "De ordinário, utilizam os nossos inquisidores cinco espécies de tormentos no decorrer da tortura. Como isso são coisas sabidas de toda agente, não irei deter-me neste assunto. Podem consultar-se Paulo, Grilando, L·ocato, etc. ]á que o Direito Canônico não prevê particularmente este ou aquele suplício, poderão os juizes servir-se daqueles que acharem mais aptos para conseguirem do acusado a confissão de seus crimes. Não se deve, porém, fa^er uso de torturas inusitadas". Marcílio menciona 14 espécies de tormentos e acaba por afirmar que imaginou ainda outros, como a privação do sono (também referida e aprovada por Grilando e Locato)... Continua Inocêncio IV: "E porcerto um costume louvável aplicar a tortura aos criminosos, mas reprovo veementemente esses juizes sanguinários que, por quererem vangloriar-se, inventam tormentos de tal modo cruéis que os acusados morrem durante a tortura ou acabam por perder alguns dos membros".,61 Apesar das ressalvas, este foi o legado deixado por Inocêncio IV e seus celerados. 61 Idem. 135 CAPITULO XVIII NICOLAU III (Gaetano Orsini - de 1277 a 1280) 137 A parte mais baixa do inferno oucos anos após o pontificado de Inocêncio IV, a Igreja Romana viu a Cadeira de Pedro ser ocupada por Giovanni Gaetano Orsini — a quem Dante Alighieri, ao visitar o Vaticano, chamaria de "parte mais baixa do inferne?'`.62 A gestão de Nicolau III (nome ¡`ÿ~) assumido por Orsini) foi, quase toda ela, íí^v*v¾Sî^ í¾6^*f¦¿/Ä vº l t ada a s questões litigiosas correntes entre dois ambiciosos monarcas europeus: Carlos de Anjou, da França, e Rodolfo de Habsburgo da Alemanha, que sonhavam abocanhar as terras da Igreja espalhadas pela Europa, especialmente aquelas localizadas dentro de suas possessões territoriais.63 Como Nicolau costumava agir tão astutamente quanto as raposas, foi fácil transformar seus dois adversários de ontem em aliados de então, obtendo, através de sua hábil diplomacia, outras mais cessões territoriais para o Patrimônio de São Pedro. O Papa utilizou a seguinte esperteza: todos os soberanos europeus, com exceção de Carlos de Anjou e Rodolfo de Habsburgo passariam a ser tributários da Santa Igreja Romana, além de arcarem com as futuras cruzadas e guerras : WOODROW, Ralph. Op. c/f., p. 99. s Novíssima Enciclopédia Delta Larousse. Editora Delta. Rio de Jane¡ro,l982, vol. 5, p. 1436. 139 que a Santa Sé possivelmente encetaria contra seus muitos inimigos. E mais: Nicolau III ameaçou fechar o Céu a sete chaves e escancarar as salas do Inferno àqueles que se lhe opusessem em suas pretensões, arvorando-se em guarda-chaves destas duas instituições de utilidade divina. A população européia entrou em total desespero, temerosa com tão grave ameaça; estando em jogo a salvação da própria alma, o que seria daqueles que morressem naquele período, caso Sua Santidade resolvesse cumprir a palavra? Como entrariam na Eternidade sem o passaporte do Santo Padre? Assim, milhares de fiéis em todo o território europeu puseram suas posses a serviço da Santa Igreja Romana e de seu paladino maior, São Nicolau III, o guarda-chaves do Céu e do Inferno, para que ele mantivesse fechado somente este último — visando o bem das pobres almas e sossego das famílias enlutadas. Desta forma, o Pontífice espertalhão encheu não só os cofres do Vaticano de ouro e pedras preciosas, como também os de seus parentes e amigos de rapinagem, acumulando tremenda fortuna. Durante o período em que se manteve à frente do Trono de São Pedro, Nicolau III chantageou sadicamente os apavorados católicos, os quais, mesmo entregando seus bens para terem direito ao Céu aberto, continuavam pressionados por esse suposto sucessor do Pescador — que lhes cobrava também o tributo do Purgatório, pelas almas que por lá fossem passar... Enquanto isso, este ambicioso pontífice financiava, discretamente - como já vimos fazerem outros seus companheiros de batina -, várias concubinas, em diversos mosteiros da Europa, que com ele colaboravam organizando encontros licenciosos. O arrendamento das terras da Igreja gerava uma enorme receita para os cofres do Vaticano, aumentando não só o seu poder econômico, como também sua influência política sobre vários governantes europeus, que temiam a interferência papal em seus assuntos internos. 140 A ¡ngercn< ia da l;>ivja era uma constante nos conflitos com os Estados, < i que fazia <>s governantes seculares conflitarem-se com os papas (que 11 ilgavam-se no direito de se intrometer em questões que não lhes diziam respeito), terminando essas querelas em sangrentas batalhas e com a perda de milhares de vidas humanas, inutilmente sacrificadas. Nicolau III, era, em verdade, um Pontífice mais diplomata que guerreiro, não chegando a equiparar-se a um Inocêncio III ou mesmo a um Urbano VI (da primeira Cruzada). Com seus estratagemas conseguiu, em sua gestão, aumentar em muito os territórios da Igreja e acumulou um verdadeiro tesouro em ouro, prata e pedras preciosas para o Erário de São Pedro. Em relação ao aspecto moral de sua vida, nada temos a enaltecer, pois sua conduta lúbrica e fornicadora foi por demais divulgada, não desmerecendo a indignidade de um monumento orgíaco, ao lado de pervertidos como Calígula, Nero e seus três almofadinhas, Tigelino, Dorífero e Esporo — um pecaminoso quinteto a serviço da pederastia e de Satanás. Nicolau III também contribuiu bastante, com sua aberrante lascívia, para o estado de decadência espiritual que a Igreja Romana vinha sofrendo desde a gestão de Sérgio III (o Boca de Porco), às primeiras décadas do décimo século, com tremendos reflexos negativos para o Vaticano. "Mas a humanidade desiludida dos papas e de toda a hierarquia da Igreja Católica terá sempre o caminho certo que à conduzirá a Deus, pois Ele é a sublime perfeição e dará sempre ao homem ensejo de saber que não está só, porque O tem a acompanhá-lo em todos os momentos'''`.M PORTO, A. Campos. Op. cìt, p. 266. ` I 4 I CAPITULO XIX BONIFÁCIO VIII (Benedeto Gaetano - de 1294 a 1303) 143 Enganador, traiçoeiro e herético onifácio VIII iniciou seu pontificado passando sobre o direito de seu antecessor, Celestino V (Pietro de Morrono) — que governou a Igreja Romana por apenas 5 meses, sendo forçado a abdicar do trono papal e bater em retirada, caso quisesse continuar vivo. Vejamos o que diz Gonzalez: "Quando Nicolau IV morreu, os cardeais vaálaram na eleição. O ideal franáscano tinha penetrado em suas fileiras e alguns pensavam que o novo Papa deveria encarnar estes ideais, enquanto outros insistiam na necessidade de o Papa ser uma pessoa conhecedora das intrigas e ambições do mundo" ·65 Por fim, foi eleito Celestino V, um franciscano do grupo dos 'espirituais'. Quando este se apresentou em Aquila, descalço e montado em um jumento, muitos pensaram que as profecias de Joaquim de Fiore estavam sendo cumpridas. Começava a nova era do Espírito, em que a Igreja seria dirigida pelo ideal monástico. Continua Gonzalez: "Celestino, depois de um pontificado breve, decidiu abdicar. A.presentou-se diante dos cardeais, despojou-se das insígnias papais, sentou-se no chão e declarou ninguém seria capa·^ defia%ê-lo mudar de idéid\ • GONZALEZ, Justo L A Era dos Altos Ideais. Edições Vida Nova, São Paulo, pp. 184-5. 145 Seu sucessor, Bonifácio VIII, começou a treinai no século XIII, e morreu no XIV (1294-1303). Em sua bula Unam Sanctam, o ideal do papado onipotente chegou à sua expressão máxima: "Uma espada deve estar sob a outra, e a autoridade temporal deve estar sujeita àpotestade espiritual (...) por isto, se àpotestade terrena se aparta do caminho reto, será julgada pela espiritual (...) mas se ela se aparta da suprema autoridade espiritual, então somente pode ser julgada por Deus, e não pelos humanos (...) por outro lado, declaramos, diremos e definimos o que é absolutamente necessário para a salvação de todas as criaturas humanas que estejam sob o Pontífice romano"?6 Mas apesar destas palavras de tão alto som, foi precisamente durante o reinado de Bonifácio que ficou evidenciado que a decadência do papado começara: Bonifácio VIII foi o inventor do Ano Santo. Desta forma, tinha encontrado um meio para se enriquecer com o dinheiro das nações católicas... Woodrow nos fala a respeito: "Em conflitos com cardeais e reis, numerosas acusações foram trazidas contra o Papa Bonifáäo VIII. Historiadores protestantes, geralmente, mas até mesmo modernos escritores católicos (...) classificam-no entre os papas iníquos como um homem ambicioso, arrogante e impiedoso, enganador e traiçoeiro, sendo todo o seu pontificado um registro de maldades".61 Conforme a The Catholic Encyclopedia, dificilmente qualquer heresia, simonia, grosseria e inatural imoralidade, idolatria, mágica, ameaça de perda da Terra Santa, morte de Celestino V, etc. lhe seriam perdoadas. Não é necessário insistir que todas as acusações trazidas contra ele poderiam não ser verdadeiras, mas nenhuma delas também poderia ser dispensada... Durante seu reinado, o poeta Dante Alighieri visitou Roma e descreveu o Vaticano como um "esgoto de corrupção". Ele destinou Bonifácio (ao lado dos papas Nicolau III e Clemente V) às "partes mais baixas do inferno". 66 Idem. 67 WOODROW, Ralph. Op. c/f., pp. 99. 146 Embora procurando enfatizar alguns aspectos bons de Bonifá( i< >, "os historiadores católicos (...) admitem, contudo, a explosiva violência e ofensiva fraseologia de alguns dos seus documentos públicos",6* Um exemplo desta 'ofensiva fraseologia' seria sua declaração de que "go%ar e deitar-se carnalmente com mulheres ou com meninos não é mais pecado do que esfregar as mãos". Em outras ocasiões, aparentemente naqueles momentos 'explosivos', ele professou 'ser ateu' e teria chamado Cristo de 'hipócrita'.69 Bonifácio VIII viveu durante todo o seu pontificado em conflito com o rei francês Filipe IV, o Belo. Cultivava discordâncias também com Guilherme de Nogaret e tinha em Sciarra Colonna - membro de uma poderosa família italiana que perdeu suas terras e foi obrigada a exilar-se logo depois da eleição deste ambicioso Pontífice - seu mais encarniçado inimigo. Todos os bens dos Colonna foram negociados com os Orsini, outros endinheirados da panelinha de Bonifácio VIII e íntimos de suas maracutaias. Em setembro de 1303, Bonifácio VIII teve seus aposentos invadidos por Sciarra Colonna e Guilherme de Nogaret, sendo esbofeteado e conduzido como refém a um quase secreto esconderijo para lá perecer, mas o povo italiano sublevou-se e expulsou os invasores franceses, libertando o Papa do cativeiro. Em outubro de 1303, Bonifácio veio a falecer, em decorrência dos maus-tratos recebidos de seus inimigos, que não eram poucos. 68 GONZALEZ, Justo L. A Era dos Sonhos Frustrados. Edições Vida Nova, São Paulo, 1981, pp. 37, 41-3. 69 Idem. 147 CAPÍTULO XX CLEMENTE V (Bertrand de Got - de 1305 a 1314) 149 Mantendo sua amante com o tesouro da Igreja om a morte de Benedito XI (Niccoló Boccasini), Clemente V assumiu a Cadeira de São Pedro no ano de 1305 e personificou um dos pontificados mais escandalosos da história do papado. Este pseudo-sucessor do Pescador da Galiléia presidiu o Concilio de Viena (1311-1312), em que foi abolida a Ordem dos Templários. Foi o primeiro Papa a instalar-se em Avinhão, França. Clemente V também passou à História como o responsável pelo início do chamado Cativeiro Babilônico, período em que os papas (a partir do rei francês Filipe IV, o Belo) passaram a viver em Avinhão (Avignon), sob a tutela dos monarcas da pátria de Joana D'Arc e de Voltaire. A permanência dos papas em solo francês durou 70 anos — duração idêntica à da estadia dos judeus na Babilônia, nos dias de Nabucodonosor e Belsazar. Em conseqüência desse distanciamento, ocorriam constantes atritos entre os pontífices nomeados por Roma e os indicados por Avinhão — um deles tido como Papa legítimo e o outro como antipapa —, o que gerou terríveis confrontos entre italianos e franceses, pela primazia da posse da vaquinha leiteira-, a cobiçada Cadeira de São Pedro. 151 < [emente V e Filipe IV, o Belo, entabularam exemplar parceria, em Si tratando de corrupção e roubalheira; tramaram ainda para obter a extinção da Ordem Templária e o extermínio de seus líderes nas fogueiras inquisitoriais da Santa Sé, no intuito de se apossarem do espólio daquela rica instituição de formação militar e religiosa. Os dois embusteiros conspiraram para a queda dos Templários com perfídia sem igual, sendo a calúnia e o falso testemunho as principais artimanhas dessa maldita dupla das trevas. Sem aparente justificativa, os Templários foram acusados de se terem unido aos turcos e traído os demais cruzados —, como também de negarem a divindade de Cristo, de cuspirem no crucifixo, de praticarem a magia negra e de lerem sacrificado crianças em honra ao diabo, na abjeta forma de Bafomet. Em 6 de junho de 1306 Clemente V, em carta enviada de Bordéus, ordenou aos grão-mestres do Templo e do Hospital para que viessem secretamente à França, com eles trazendo seus mais fiéis cavaleiros, a fim de organizar uma cruzada em conjunto com os reis da Armênia e de Chipre. Dizia ter resolvido deliberar com eles porque estes, mais que quaisquer outros, estariam melhor abalizados para oferecer-lhe opiniões úteis sobre o assunto. A este chamado atendeu Jacques de Molay, grão-mestre dos Templários, que entrou na França escoltado por 60 cavaleiros escolhidos entre os veteranos das cruzadas. John Charpentier observou: "Parece um rei magnífico que retoma a posse do seu reino, depois de tê-lo deixado para cumprir uma expedição longínqua. Um exéráto de turcopoles, montado sobre cavalos árabes, e uma multidão de escravos o seguem. A,rrasta em suas bagagens sabres, lanças, escudos e elmos ricamente adamascados, 150.000 florins de ouro, não se sabendo quantos grandes torneses de prata — a carga de do%e cavalos robustos... Como estamos longe da austeridade de Hugo de Payns e de seus companheiros.^`.70 Ao escrever a Jacques de Molay pedindo-lhe que se dirigisse à França, ™ ASLAN, Nicola. Op. c/f., p. 146. 152 onde seria deliberada a organização de uma nova cruzada, Clemente V informava-o do seu desejo de ver associados Templários e Hospitalários, perguntando-lhe também a opinião da Milícia. Saberia ele que a destruição desta estava desde logo em deliberação, senão decidida, por Filipe? "É possível", diz Charpentier.71 Em 1307, Filipe IV, o Belo, autorizaria a confraria dos mercadores da Água de Paris a reconstruirse, o que sucessivamente, fizeram as outras confrarias. Ao receber Jacques Molay em sua corte, o rei Filipe prodigalizoulhe elogios, cumulando-o de honrarias e festas, como se aquele fora um príncipe de sangue real. No princípio do ano, assistiu à recepção de um novo cavaleiro no Templo, enquanto o chanceler do reino Guilherme Nogaret prosseguia em seu trabalho de difamação, há longo tempo empreendido. O Grão-Mestre do Templo continuava sem de nada suspeitar. Em 14 de setembro de 1307, a arrestação dos Templários estava já minuciosamente preparada. Bailios e senecais receberam cartas lacradas, com ordem de só abri-las quase um mês depois, em um dia predeterminado. O que chegou a nós do texto dessas instruções referese às acusações contra a Ordem do Templo formuladas aos ouvidos do rei — que dava, assim, voz de prisão a todos os irmãos da referida instituição, sem exceção alguma, e que assim fossem mantidos, aguardando o julgamento da Igreja. Ordenava ainda que os seus bens móveis e imóveis fossem apreendidos, indicando os detalhados procedimentos para tanto. Na madrugada de uma sexta-feira, 13 de outubro de 1307, os Templários foram presos em toda a França, sem que oferecessem a menor resistência. Em Paris, a traiçoeira operação foi dirigida pelo chanceler Nogaret — e assim foram conduzidos para diversos conventos e prisões 150 homens, entre cavaleiros, serventes, domésticos e artífices, inclusive o grão-mestre Jacques e vários outros dignitários. Os presos foram submetidos a interrogatório pelo inquisidor-geral Guilherme Imbert, 71 Idem. 153 confessor do rei, o qual agiu sem mandai o regulai e empregando < rua brutalidade.72 Morreram nos suplícios 25 Templários, que não tiveram outra alternativa: ou confessavam os crimes que lhes eram imputados oU seriam condenados à morte, em sofrimentos espantosos. Em 1311, o Concilio de Viena (França) confirmou a bula de Clemente V (submetid( > ao poder de Filipe IV, o Belo) abolindo a Ordem dos Templários. Em 18 de março de 1314 procedeu-se à execução de Jacques de Molay — queimado vivo em Paris, na ilha dos judeus, por ordem do rei e com o consentimento do Papa Clemente. Ch. Seignobos, em sua l·iistoire de Ia Civili%atión duM.oyen.Age etDans les Temps Modernes, traça um ligeiro retrato do rei Filipe IV, afirmando: "São L·uís arrecadava de seus domínios o necessário para cobrir as suas despesas e além, pois, quando morreu, foi encontrado dinheiro em seus cofres. Filipe IV, apesar de ser muito mais rico, passou o seu reinado a ter necessidade de dinheiro e a inventar meios para arranjá-lo. Tinha empreendido guerras desastrosas contra o rei da Inglaterra e os rendimentos dos bens da coroa não eram suficientes" .7?l Entre alguns expedientes de que ele, imaginosamente, lançou mão para ampliar o tesouro real e, claro, suas próprias posses, figura a alteração do valor das moedas dezesseis vezes no decurso de dez anos, em relação à libra (que no tempo de São Luís, caiu a 6,50 fr.), tanto que "ninguém mais sabia quanto possuía". Além disso, expulsou os judeus e fez condenar os Templários, para confiscar-lhes os bens.74 Com relação a seu comparsa, o Papa Clemente V, o que dele dizem os historiadores está longe de ser lisonjeiro. Assim, Louis Chochod ÇHistoire de Ia Magie et de ses Dogmes) escreve: "O Papa Clemente V — personagem oblíquo e devasso — mantinha com grandes despesas uma concubina, a bela Madame Brunissend de Talleyrand-Terigord, que lhe custava, diriam, mais Ibidem. Idem. Ibidem. 154 do que as obrai da Terra Santa. Sempre com falta de dinheiro, e 'vora¦^como uma nuvem de gafanhotos', não valia, moralmente falando, mais do que o rei` deT`rançd'. De acordo com o autor do livro O Vaticano, Clemente não se preocupava muito com as finanças da Santa Sé, mas se acreditarmos em J.W Draper ÇHistoire du DéveloppementIntellectuelde l'Europé), "Clemente V deixou enormes riquezas e, o que é pior, não teve receio de escandalizar a I `j/ropa pela sua munificência com relação à bela Condessa de Ta¡leyrand, sua amante''. Quanto a esta mulher, que acompanhava o Papa por toda parte, compartilhando das homenagens prestadas ao Vigário de Cristo, René Gilles (L·es Templiers: Sont-ils Coupablesì) comenta: "VI crônica assegura que Brunissend custava muito caro a Clemente V e acrescenta que seus criados tinham adquirido uma espeäal habilidade em saquear todos aqueles que faliam a honra de hospedar o Tapa, a dama e seu séquito quando viajavam? `. A que outras conclusões mais poderíamos chegar? As citações são por demais eloqüentes. O assunto se resume ao mesmo denominador: dinheiro! Como poderiam tão famélicos soberanos resistir à tentação de apoderar-se de tesouros assim atrevidamente guardados? Por conseguinte, a isto resume-se a história da Idade Média — e, particularmente, a dos Templários.75 Apesar de toda a lama que, durante séculos, foi despejada sobre eles, para justificar o assalto de que foram vítimas, um fato é indiscutível: seus bens e seu dinheiro desapareceram, divididos entre um rei e um Papa... Idem, pp. 145-9. 155 CAPITULO XXI JOÃO XXIII (Baltazar de Cossa - d e l 4 l O a l 4 l 5 ) 157 Adúltero, sodomita e criminoso o decorrer do Concilio de Constança (1414- 1415), cinco papas se digladiavam em combate hercúleo pela posse da Cadeira de São Pedro; eram eles: Gregório XII (Ângelo Correr), Bento XIII (Pedro de Luna), Clemente VII, Alexandre V e João XXIII* (principal protagonista deste capítulo). Antes de apossar-se do trono pontifício, João XXIII exercia desenvoltamente o ofício de pirata e praticamente controlava a cidade de Bolonha (Itália), vigiando-a com mão de ferro e impondo-se politicamente sobre um conclave lá realizado, desta forma usurpando o direito dos demais cardeais de concorrerem à cadeira papalina e tomando-a para si. Logo que João XXIII assumiu o trono papal, atacou o rei Ladislau de Nápoles, no intuito de assaltar aquela rica cidade, saqueando-a e fugindo em seguida do contra-ataque dos napolitanos, que o botaram para correr. O Pontífice pirata ainda não havia renunciado, apesar da mudança de cargo, à sua vida de ladrão e salteador; mostrando que não se olvidara dos vícios de antanho, estando bem mais apto a exercer a profissão de um Barrabás ou de um Gestas... João XXIII, como bom tirano que era, não respeitou a decisão do Concilio de Pisa — que escolheu o cardeal Pedro Filareto, Arcebispo de * Não confundir este infame antipapa com o sério João XXIII, que dirigiu a Igreja de 1958 a 1963 e convocou o Concilio Vaticano II. 159 João Huss (1373-1415), reitor da Universidade de Praga, Boêmia. Pregou contra o culto às imagens e outras idolatrias, mostrando que na Bíblia não havia fundamentos para a existência do Purgatório. Por isso, foi queimado vivo em praça pública. Milão, para o ministério papal, com o nome de Alexandre V. Pelo contrário, preparou sinistra maquinação para finalmente eliminá-lo. Na primeira oportunidade que apareceu, ocupou seu lugar no Palácio de Latrão, o poderoso QG dos papas. João XXIII assassinou Alexandre V e sucedeu-o no trono pontifício. Uma vez conseguido o seu intento, cometeu outros hediondos crimes contra a religião, sendo por fim julgado e deposto pelo Concilio de Constança. Woodrow diz o seguinte: "Durante o Concilio de Constança, três papas e algumas ve%es quatro, estiveram lá toda a manhã amaldiçoando uns aos outros e chamando seus oponentes de anticristos, demônios, adúlteros, sodomitas, inimigos de Deus e dos homens. Um destes 'papas', João XXIII, foi acusado por trinta e sete testemunhas (na maioria bispos epadres) defornicação, adultério, incesto, sodomia, simonia, roubo e assassinato! Uma legião de testemunhas depôs comprovando que ele havia seduzido e violado trezentas freiras. Seu próprio secretário, Niem, disse que ele havia, em Bolonha, montado um harém, onde não menos de aumentas meninas tinham sido vítimas de sua lubricidadê`'`.76 Ao todo, o Concilio condenou-o por cinqüenta e quatro crimes, da pior espécie. Um registro do Vaticano oferece esta informação a respeito do seu reinado imoral: "Sua Santidade, o Papa João, cometeuperversidades com a esposa do seu irmão, incesto com santas freiras, relações sexuais com virgens, adultério com casadas, e todos os tipos de crimes sexuais. Foi (...) totalmente devotado ao sono e outros desejos carnais, totalmente adverso à vida e ao ensino de Cristo... Ele era chamado publicamente de o diabo encarnada'. Desejoso de aumentar sua fortuna, o Papa João fixou impostos sobre quase tudo — incluindo a prostituição, o jogo e a usura. Por tudo isso, ele tem sido chamado de "ornais depravado criminoso que já ocupou o tronopapal\77 1 WOODROW, Ralph. Op. c/f., p. 100. Idem. ÌÓO CAPITULO XXII PIO II (Enea Silvio Piccolomini - de 1458 a 1464) 161 Ensinando aos jovens as perfídias da sedução de mulheres om a morte do Papa Calixto III (Afonso Bórgia), avô do futuro Alexandre VI (Rodrigo Bórgia), que pontificou no período de 1455 a 1458, a Igreja Romana elegeu Enea Silvio Piccolomini (Pio II) para o Trono de Pedro, um homem tão depravado quanto seus antecessores (os pontífices Sérgio III, João XII, Clemente V e João XXIII). Durante os seis anos de seu pontificado, Pio II manteve-se quase que exclusivamente empenhado na organização de uma cruzada contra os turcos, os quais ameaçavam a Europa com suas hostes bárbaras e sua religião anticristã, o Islamismo. A queda de Constantinopla, ocorrida cinco anos antes da ascensão deste Papa, trouxe medo e apreensão à maior parte dos habitantes da Europa, que ouvia, não sem preocupação, os relatos dos sobreviventes entre os peregrinos cristãos que eram massacrados e roubados por quadrilhas de salteadores — compostas, na maioria, por árabes beduínos e turcos otomanos, ferozes adversários dos seguidores do cristianismo. Apesar da boa vontade de Pio II em combater os incréus seguidores de Maomé, na prática quase nada foi feito para impedir os abusos dos sarracenos contra os cristãos que visitavam Jerusalém e outros santos lugares de Israel. Quanto aos predicados morais do Papa renascentista, 163 nada ficariam a dever a indivíduos como Tigelino, Dorífero, Esporo ou mesmo um Caio César Calígula, famosíssimos nos anais da prostituição romana de seu tempo. Pio II não era um papa celibatário, mantendo várias concubinas com as quais se relacionava, gerando muitos filhos, apesar dos protestos de segmentos conservadores e contrários ao casamento dos tartufos de saia, que, ao longo dos séculos, insistiram na manutenção dos votos de castidade. Sua postura máscula e elegante atraia inúmeras varoas, que se deixavam levar por seus galanteios licenciosos e suas intenções lúbricas, nunca lhe faltando uma subserviente gazela nas suas secretas alcovas, distribuídas pelos espaçosos corredores do Vaticano. Este Papa fornicadör e sensual ensinava abertamente aos jovens vários métodos de atrair mulheres e mantê-las como meros "sacos de pancadas e de esperma" de seus abusos e caprichos.78 Em sua gestão pontifícia, o ministério das vestais foi abolido e enaltecidas as virtudes de Vênus, a deusa do amor, do erotismo e da sensualidade, que passou a receber o culto e a aprovação de nobres romanos ligados ao renascentismo italiano do século XV, desejando enfatizar a grandeza da cultura latina e as tradições romanas de coloração paga. Figuras importantes da prostituição universal foram reabilitadas para servir como fonte de inspiração aos escultores e pintores daquele século dinâmico e inovador- destacando-se a nudez e o olhar malicioso de Frinéia, a poetisa de Safo e seu gineeeu de lésbicas, Messalina e o mancebo Caius Silius e, por último, as Valquírias do panteão teutônico. Woodrow afirma que "O Papa Pio II era considerado pai de muitos filhos ilegítimos. Ele falava abertamente dos métodos que usava para seduzir mulheres, encorajava os jovens afazer o mesmo e até oferecia-se para instruí-los em uma metodologia de auto-indulgênád`'`.79 Biografia dos Papas, p. 221. WOODROW, Ralph. Op. c/t, p.WO. 164 Colecionando mulheres e bens materiais escandaloso pontificado de Pio II teve continuidade com o do italiano Paulo II, sobrinho do Cardeal Eugênio IV — este último elegeu-se Papa em 1431 e conduziu sua gestão até 1447, quando veio buscá-lo a morte. Paulo II foi, durante anos, um rico comerciante de jóias e artigos de ourivesaria, além de dedicado apreciador das atividades artísticas e culturais de seu tempo. Como já anteriormente mencionado, a eleição de um Pontífice dependia, muitas vezes, da influência política e do poder econômico de que viesse a dispor, não sendo levados em conta os predicados morais, éticos e comportamentais, fundamentais para a formação do bom caráter e postura coerente dos indivíduos. Entretanto, nem tudo era prostituição na corte papalina. Havia também homens santos, de conduta moral ilibada, que reprovavam aquela situação de decadência espiritual e esforçavam-se por uma mudança urgente na imagem da Igreja. Paulo II, como potentado do dinheiro, cresceu o olho para os negócios da Santa Sé e passou a articular, junto às altas esferas do Vaticano, os meios de ingressar na carreira eclesiástica. Nisto foi ajudado 167 por seu tio, o Papa Eugênio IV - o mesmo que queimou foana D'Arc em 1431, em Ruão (França). Não temos os pormenores da nego< i;ii.i entre Paulo II e a cúpula cardinalícia, concernentes à sua eleição para < > pontificado, mas de uma coisa temos certe2a: cada cardeal saiu, no mínimo, com os bolsos forrados por reforçada propina em dinheiro. Paulo II, ao assumir o trono de Pedro, mudou de profissão. Mas não de vida, continuando normalmente a manter concubinas nos vários haréns de sua propriedade, localizados em diversas regiões da Itália. O mais estranho de tudo é que a Cúria Romana tinha total conhecimento da vida pregressa do imoral Pontífice mas fazia vistas grossas, permitindo-lhe transformar-se num califa sensual, junto às suas viçosas odaliscas... Paulo II amava o dinheiro e as mulheres, principais ídolos de sua mundana existência, sendo a função papal apenas um trampolim para a locupletação de seu desejo desenfreado por poder político e satisfação carnal. De acordo com o teólogo porto-riquenho Gonzalez, "Paulo II era um oportunista que, quando soube que seu tio Eugênio IV tinha sido feito Papa, decidiu que a carreira eclesiástica lhe prometia mais que o comerão a que se dedicava. (...) Seu interesse principal era acumular objetos de arte, em particular jóias e artigos de ourivesaria. Seu gosto pela pompa tornou-se proverbial. O fato de agora ser Papa nãofe^ com que ele abandonasse suas concubinas, que a corte, ao que parece, reconhecia publicamente. Ele se dedicou a recuperar a glória da Roma paga, mandando restaurar os arcos do triunfo dos imperadores Tito e Sétimo Severo, como também a estátua de Marco Aurélio. Morreu ainL·jovem de apoplexia, em consequênäa de seus excessos sexuais, de acordo com cronista da época. Sua tiara papal valia mais que o preço de um palácio" .m GONZALEZ, Justo L Op. c/f., p. 149. 168 Um papa nepotista, corrupto e propinador a gestão papal de Sixto IV, a Igreja Romana atingiu outro ápice de sua corrupção e decadência espiritual, representando-se como instituição de compra e venda de cargos eclesiásticos a quem quer que fosse — de preferência aos que pagassem mais. Os rateios entre os integrantes da cúpula cardinalícia do Vaticano incluíam não só o valor estipulado pela nomeação como também vultosa propina em forma de ágio. Foi a fase áurea do nepotismo, do fisiologismo, do ágio e do suborno, beneficiando sobretudo os familiares de Sixto IV, que eram em grande número, todos visando ordenhar a vaquinha leiteira da Santa Igreja: as finanças do Vaticano. O pontificado deste ambicioso bispo de Roma voltava-se primordialmente para os interesses de sua família — especialmente seus cinco sobrinhos, quase todos eleitos cardeais, quando não nomeados para postos relevantes da alta hierarquia da Santa Sé. Desta forma viviam de abocanhar as benesses que o sistema lhes oferecia. Sixto IV rivalizou, em luxúria e entretenimento mundano, com os césares. Em riqueza e pompa, ele e os seus parentes sobrepujaram as antigas famílias romanas. 171 A conspiração e a guerra tornaram-se operações corriqueiras no dia-a-dia do governo deste Papa, que utilizava os representantes da Igreja como seus agentes plenipotenciários nas negociações junl<> às cortes européias, visando a obtenção de terras e outras vantagens para o suposto Tesouro de Pedro. Se não houvesse guerra, não haveria também perspectiva de dias melhores para os cofres da Igreja, que nutria-se financeiramente dos resultados favoráveis das batalhas travadas com a sua conivência e incentivo, fazendo da morte um meio de vida. Conforme a análise histórica de Gonzalez, "SL·cto IVcomprou o papado, fazendo-se eleger com base em promessas e presentes quefe^ aos cardeais. Durante seu pontificado o nepotismo e corrupção chegaram a níveis nunca vistos. A essênäa da sua política consistiu em enriquecer sua família, em particular seus ánco sobrinhos. Um destes, Juliano delia Rovere, mais tarde ocuparia o o mesmo trono, com o nome de Júlio II. Sob Sìxto a Igreja se transformou em mero negado de família. Toda a Itália se viu às voltas com guerras e conpirações, cujo único objetivo era conquistar territórios, riquezas e honras para os sobrinhos do Papá".81 "Seu sobrinho predileto, Pedro Riário, tinha vinte e seis anos quando foi feito cardeal,patriarca de Constantinopla e Arcebispo deFlorença. Seus vidos e excessos ficaram famosos em toda a Itália, e se d¿% que foi em conseqüência deles que ele veio a morrer, poucos anos depois. Outro deles, ]erônimo Riário, urdiu uma trama na qual um dos Mediei foi assassinado diante do altar, enquanto ouvia missa, por um sacerdote. Quando os familiares e amigos do defunto se vingaram, enforcando o sacerdote assassino, o Papa excomungou toda a cidade de Florença, por ter violado a pessoa sagrada de um sacerdote, e lhe declarou guerra''. "(...) Para manter esta política e a pompa de seus sobrinhos, ele impôs a todos os territórios papais o monopólio do trigo. O melhor grão era vendido para encher as arcas papais, e o povo somente recebia o pão da pior qualidade. Mas apesar de tudo isto, a posteridade conhece Sixto IVcomo o mecenas que mandou construirá Capela Sixtina, chamada assim em sua honrã``. B` GONZALEZ, Justo L Op. c/f., pp. 149-50. 82 Ibidem. Ì72 TORQUEMADA e seu circo de horrores O monge dominicano Frei Tomás deTorquemada (1420-1498) conduziu a cruel Inquisição Espanhola e sistematizou o uso de instrumentos de tortura para obter confissões. sC¾£¾? : :: S::í;: . . •A A ~ · . .„ fP ^K\-Í-:¶Í&½Wľ-'^ s ' «™#»~·» l/3 A CASA DOS TORMENTOS Construída num subterrâneo, tinha todos os dispositivos para que os gritos lancinantes dos torturados não fossem ouvidos externamente. Nesta gravura vê-se o 'Suplício do Tronco'. A CADEIRA INQUISITÓRIA A pobre vítima sofria indescritível agonia, enquanto era obrigada a sentar-se nua, para ser interrogada, neste aparato diabólico, coberto de pregos afiados. A PRENSA DE ESTICAMENTO Nos porões da tortura, local sinistro, rodeado de sombras, carregado de vibrações dolorosas e odiosas, onde o cheiro repulsivo do sangue humano e da carne queimada tornaram-se estigmas degradantes, ocorreram - em segredo para os homens, mas visíveis a Deus - os mais abomináveis crimes cometidos na face da Terra. 174 V O MÉTODO DO CNUTE Diante da frieza atroz dos Inquisidores, tremiam mart¡rizadas as carnes dos hereges nus. Nesta estampa do século XVIII, a punição é aplicad com um chicote de couro trançado, o cnute. `·> ARODAPARAO DESPEDAÇAMENTO Aqueles que tivessem a infelicidade de ser acusados de heresia pelos insanos inquisidores a serviço da Igreja Católica eram rotineiramente tratados com a máxima crueldade. OS INQUISIDORES Ao presidirem os tormentos dos condenados, vestiam-se com longos hábitos negros e usavam um capuz ou chapéu em feitio de cone, que lhes dava seguramente um aspecto sinistro de ave de rapina e os tornava verdadeiramente hediondos. A TORTURA DO REBENQUE A Inquisição não tinha interesse em eliminar a sua vítima; o prazer consistia em fazê-la sofrer uma dolorosa e lenta agonia. 176 Joana D'Arc (1412-1431), heroina dos exércitos franceses, tornou-se mais uma das inúmeras vítimas da Inquisição. Execrada publicamente como herética e feiticeira, Joana foi condenada e queimada viva em Ruão, no ano de 1431. Ì77 O TERROR DA ESTRAPADA Amarrada com mãos e pós às costas, a vítima era içada do alto de uma verga e precipitada várias vezes seguidas sobre uma fogueira. Este método de tortura, que a Igreja Católica empregou nos tempos da Inquisição, manteve-se como um espetáculo público por 500 anos e tirou a vida de milhares de pessoas inocentes. O COLAR DE ESPINHOS Esta incômoda bijuteria fazia o pescoço, os ombros e a mandíbula gangrenarem, o que rapidamente causava septicemia e a morte da vítima. ACARDA Era usada para rasgara carne; os inquisidores não poupavam nenhuma parte do corpo. O ESMAGA-JOELHOS Os braços, as pernas ou as juntas da vítima eram despedaçados ou dilacerados pelos parafusos. 178 CAPÍTULO XXV INOCÊNCIO VIII (Giovanni Battista Cibo - de 1484 a 1492) 179 Corrupto, mundano e mulherengo uinhentos anos antes das litigâncias em torno da questão de perdoar pecados em troca de dinheiro, já vários papas haviam lançado mão da estratégia de venda de indulgências para mais facilmente encher os bolsos com o pecúnio arrecadado com a venda de moradas no Céu. O leitor facilmente encontrará aqui outras referências àquele embuste que serviu (e serve ainda hoje!) para tirar vantagens das viúvas, dos pobres ignorantes ou mesmo dos fanáticos alienados pelo ardor religioso. O exemplo de Inocêncio VIII de lotear o Céu entre os devotos e admiradores rendeu-lhe bons dividendos financeiros e trouxe-lhe prestígio político e respeitabilidade perante os segmentos elitizados que o apoiavam, especialmente os Mediei e os Bórgia, ambos detentores de grande parte da riqueza européia naquela tumultuada época. Seu principal passatempo consistia em visitar os muitos haréns que espalhara em pontos diversos de Roma — para onde se recolhia com suas concubinas e sua numerosa prole, buscando encontrar, em ambos, um lenitivo para suas mazelas espirituais, que muito lhe afligiam o corpo e a alma. 181 ) . Woodrow afirma: "O Papa Inocênäo V7IIfoipaì de dezesseis filhos com várias mulheres. A The Catholic Encyclopedia menciona apenas 'dois filhos ilegítimos, Franceschetto e Teodorina' dos dias de 'umajuventude licenáosa'. Co/i/o numerosos outros papas, ele multiplicou ofiíáos eclesiásticos e vendeu-os por vastas somas de dinheiro. Permitiu até touradas na Praça de São Pedra'`.83 Prossegue Woodrow: "Inocênäo VTIIfoi eleito depois de haver jurado pelo que havia de mais sagrado que respeitaria os direitos dos outros cardeais, que não nomearia mais do que um da suafiamília, e que poria a Sé Romana em ordem. Mas assim que se viu de posse da tiara papal, declarou que o poder do Papa era supremo, e que por isso não preásava se sujeitar a nenhuma promessa. Ele foi o primeiro Papa a reconhecer publicamente seus vários filhos ilegítimos, que cumulou de honras e riquezas. (...) Jì venda de indulgênáas transformou-se em um negóäo vergonhoso, sob a administração e a serviço de um de seusfilhos'''.84 Em 1484, Inocêncio quis livrar a cristandade de bruxas, através de uma bula — o resultado foi a morte de centenas de mulheres, cujo único crime era o de serem impopulares, ou talvez um pouco excêntricas. "Estafoi a única medida deste pontífice que, nem mesmo deforma remota, poderia ser considerada como uma tentativa de reformar a vida religiosa ',85 3 WOODROW, Ralph. Op. c/f., p.101. 4 /atem. 5 GONZALEZ, Justo L Op. c/f., p.150. 182 P.APÍTULO XXVI ALEXANDRE VI (Rodrigo Borgia - de 1492 a 1503) 183 Pervertido, criminoso e amante da própria filha os trinta papas aqui historicizados, nenhum deles alcançou o nível de permissividade, depravação e lascívia atingido por Rodrigo Borgia, - ou melhor, Alexandre VI -, de nacionalidade espanhola e neto do Papa Calixto III, (Alfonso Borgia), que dirigiu a Igreja Romana de 1455 a 1458. Alexandre VI escolheu o papado como trampolim para galgar os píncaros do poder político europeu, fazendo tremer as monarquias mais sólidas do Velho Mundo e tirar o sono dos grandes mandatários daquele tempo. Seu poderoso exército de mercenários tinha uma única finalidade: atacar cidades, espoliá-las financeiramente e em seguida retirar-se apressadamente, levando os frutos do roubo — como outrora fizeram Átila e suas hostes bárbaras. Seu filho César Borgia tinha fome de poder e sede de sangue; viveu toda a sua existência para o exercício da guerra, das trapaças políticas e das conspirações palacianas, perpetrando matanças sangrentas entre seus incontáveis inimigos, em toda a Europa. Três dos filhos de Rodrigo Borgia, César, Giovanni e Lucrécia foram, durante muito tempo, objetos de manipulação do próprio pai, que os utilizava para desenvolver interesses econômicas, costurando alianças e acordos 185 políticos pela via de conchavos matrimoniais entre o clã dos Borgia e as facções pró-Alexandre VI. Hipocritamente, este astuto seguidor de Maquiavel tinha as três principais virtudes animalescas de um político: sorriso de hiena, abraço de tamanduá e tapinha de leão... No comando da Igreja Romana, Alexandre VI adotou uma postura criminosa e parasitária, "vendendo os cargos sagrados para se enriquecer, nomeando cardeais para envenená-los depois, em banquetes que lhes ofereáa, com o único fim de lhes conquistar os bens (pois, em virtude de uma lei que ele próprio havia promulgado, a Santa Sé era herdeira forçada de todos os prelados). Ura assim que todos os cardeais nomeados por Æexandre VI eram escolhidos entre pessoas de fortuna, dado que desta forma, aplicando a lei que ele mesmo promulgara, o resto era facílimo; era só matar cada um que fosse nomeado e recolher os seus bens".se, Com ele o papado chegou ao ponto culminante de sua corrupção. Alexandre era um homem forte e implacável, que praticava em público todos os pecados capitais — exceto a gula, pois tinha pouco apetite... Conta-se que o povo dizia: "AlexandreJoga fora as chaves, os altares e até o Cristo. E no fim das contas ele tem este direito, pois os comprou".87 Enquanto toda a Europa tremia diante do avanço dos turcos, o papa estabeleceu relações, em segredo, com o sultão Baiaceto, celebrando uma espécie de trégua que permitia a ambos prosseguir em sua senda de atrocidades. Enquanto isso suas concubinas, esposas legais de alguns de seus subalternos, deram-lhe filhos que Alexandre reconheceu. Os mais famosos foram César, Giovanni e Lucrécia Borgia. Mesmo nem sempre havendo inegável certeza da veracidade das piores histórias que se contam desta família — seus crimes múltiplos e seus incestos — o que restou, mesmo se as descontamos, é corrupção 86 PORTO, A. Campos. Op. cit, pp. 261-2. 87 Idem I I 186 Jerônimo Savonarola (1452-1498) pregou contra a vida imoral do Papa Alexandre VI (Rodrigo Borgia), que vivia ¡ncestuosamente com a própria filha, Lucrécia Borgia. O Pontífice, cheio de ódio, resolveu livrar-se do monge incômodo, mandando-o à fogueira como herege. César Borgia (1475-1507), filho do Papa Alexandre VI, irmão de Giovanni e Lucrécia Borgia. Lucrécia Borgia (1480-1519) filha e amante do Papa Alexandre VI. 187 -W G¡ul¡a Farnese, que a historiadora inglesa Sarah Bradford descreveu como "úä¡mo amor da apaixonada vida de Rodrigo Bórgia", foi sua amante antes e depois de sua condução ao papado. O relacionamento do papa com Giulia, 43 anos mais nova que ele, escandalizou a Itália. 188 c ;mil>u ,i<> sem limites. Suas conspirações e suas guerras banharam a Itália em sangue e mancharam o papado de modo indelével. Alexandre morreu repentinamente — "Suspeitam os historiadores que depois de beber um veneno que tinha preparado para uma outra pessoa. (...) Seu filho César, que tinha planos de se apoderar do papado quando o pai morresse, estava de cama por causa da mesma doença — ou do mesmo veneno — e não pôde concretizar seus prq/etos" .8S Alexandre VI, antes de tornar-se Papa, enquanto cardeal e arcebispo, "viveu em pecado com uma senhora de Roma, Vano%%a Cattanei, e com afilha dela, Rosa, com quem teve cinco filhos. No dia de sua coroação, ele designou seu filho — um jovem de temperamento vil e péssimos hábitos — como arcebispo de Valênáá" .89 Muitos consideram Alexandre VI como o mais corrupto entre os papas da Renascença. "Ele viveu em incesto público com suas duas irmãs e com sua própria filha, L·ucréäa Borg¿a, de quem se di^_ que teve um filho. (...) Em 31 de outubro de 1501, promoveu uma orgia de sexo no Vaticano que não foi igualada em terrível horror nos anais da história humana"?0 ä GONZALEZ, Justo L ¤p. c/f., pp. 150-1. ä WOODROW, Ralph. Op. c/t, pp.101-2. 3 Idem. 189 \ CAPITULO XXVII LEAOX (Giovanni de Mediei - de 1503 a 1513) 191 Passatempos voluptuosos e venda de moradas no Céu om o envenenamento e a morte de Alexandre VI (1503), finalmente termina a era dos pontífices imorais e fornicadores, sendo eleito para a cadeira papalina o italiano Francesco Todeschini Piccolomini, que passou a chamar-se Pio III. Uma de suas irmãs havia sido amante do Papa Alexandre VI — este aspecto vindo a facilitar a sua eleição para a Cadeira de São Pedro. Entretanto, nela permaneceu por apenas 2 meses, vindo a falecer em seguida. O trono papal foi então entregue ao também italiano Giovanni de Mediei, membro de uma poderosa família de banqueiros florentinos (como Cosme e Lourenço de Mediei, figuras exemplares do Renascimento), proporcionando à cidade de Florença poder e prestígio sem par, adotando o nome Leão X. Usufruindo do privilégio de pertencer a uma família muito rica, Leão X comprou, aos 8 anos de idade, o cargo de Arcebispo e, aos 13, o de Cardeal...91 Através de expedientes infames como este, os donos do vil metal acabavam por deter a palavra final, no momento de escolher o suposto Sucessor de Pedro, entre os altos escalões da burguesia européia — sequiosa como sempre de poder e cargos rentáveis (como 193 o de Cardeal e o de Papa)... Ao assumir o sólio pontifício, Leão X encontrou o tesouro do Vaticano em total bancarrota, dadas as constantes espoliações por parte de sucessivos papas corruptos — que violaram inescrupulosamentc i »fl cofres da Santa Sé e beneficiaram a si próprios no exercício de suas funções. De Sérgio III (o Boca de Porco) a Alexandre VI, a ladroagem agiu sem restrições no papado, fazendo corar de vergonha em seus túmulos gatunos de renome na história, como Barrabás e Gestas, que poderiam figurar no Panteão dos Meliantes como meros inocentes, se comparados àquelas ratazanas abatinadas. Leão X intentava prosseguir a construção da Basílica de São Pedro, no Vaticano. Para tanto, necessitava de mais recursos, que permitissem a conclusão das obras inacabadas por seus antecessores de raposice, indo captar fundos através da venda de indulgências (o perdão dos pecados), junto aos católicos da Europa - já pesadamente sacrificados sob a volumosa carga tributária a eles imposta pela Igreja, através de seus vorazes príncipes eclesiásticos. Mas tais dificuldades financeiras não lhe diziam respeito: Leão X vivia nababescamente instalado em um suntuoso palácio no Vaticano, rodeado por uma corte licenciosa e lasciva, onde o nome de Cristo em raramente pronunciado... As suas prioridades eram os assuntos relacionados ao poderio financeiro dos Mediei de Florença, dos Gonzaga de Mâhtua, dos Montefeltro de Urbino, dos Este de Ferrara e dos Aragão de Nápoles, sem esquecer alguns outros eminentes mandachuvas de Roma... Duas eram as fraquezas de Leão X: a caça ao javali e a promoção de festas sexuais regadas a álcool. Diz a The CatholicEncyclopedia: "(Esse 91 HALLEY, Henry H. Op. c/f., p.691. j Ì94 mundan< > Pontífice) entregou-se sem restrições aos divertimentos que lhe eram jorneádos com pródiga abundânáa. Ele foi possuído por um amor insanável ,i<> prazer (...) Gostava de dar banquetes e divertimentos caros, acompanhados po\ orgia e bebedeira"`.92 * Leão X passou aos anais da História como o Papa das IndulgênäetS\ em última análise, foi ele quem açulou o movimento reformista iniciad< i em 1517 que tinha, de um lado, o monge agostiniano Martinho Luter< > e, do outro, a Igreja Católica Romana, ocasionando assim a divisão da cristandade ocidental entre católicos e protestantes, na segunda década do século XVI.93 Leão X foi o único Papa que teve a coragem de vender abertamente 'terrenos' no Céu em troca de dinheiro, escancarando as portas da Eternidade para quem quisesse investir qualquer quantia em vida, para posterior ressarcimento após a morte, recebendo os seguintes benefícios: isenção total do Purgatório e do Inferno; o privilégio de sentar-se ao lado da Virgem Maria, de Jesus Cristo e do castíssimo São José; beijar o corpo chaguento de São Lázaro e os pés de Santa Maria Madalena; passear no jumentinho de São José pelos campos do Paraíso; conversar com a jumenta de Balaão (Nm 22, 28); e, por último, rezar o terço em companhia de Nossa Senhora e dos demais Santos diariamente, ao pôr-do-sol... Leão X morreu em 1513 convicto de que, no Céu, encontraria cada um daqueles a quem ele facilitara os meios de adquirir, em vida, um lugarzinho garantido, em troca do vil metal de Mamon... Outro Mediei, alguns anos depois, viria a assumir o pontificado romano, com o nome de Clemente VII . Giulio de Mediei foi o mesmo que se desentendeu com o adúltero Henrique VIII da Inglaterra, devido a um troca-troca de mulheres... 92 WOODROW, Ralph. Op. c/f., p. 103. 93 ALMEIDA, Abraão de. Op. c/f., pp. 58-65. 195 `i CAPÍTULO XXVIII PAULO III (Alessandro Farnese - de 1534 a 1549) 197 Queimando protestantes por prazer assados os turbulentos anos do pontificado de Leão X frente aos movimentos reformistas iniciados por Lutero no início do século XVI, a Santa (!) Igreja Católica transferiu o Trono de Pedro para um carniceiro cardeal italiano — comparável a Caim e a Genghis Khan. Batizado com o nome de Alessandro Farnese, este Papa tornou-se conhecido como Paulo III. A Igreja Católica carecia, naquele momento, de um Pontífice que fosse não só corajoso, mas também truculento e bastante disposto a enfrentar os protestantes que ameaçavam os alicerces da secular Igreja Romana, utilizando como armas as 'falsas heresias de Lutero e Calvino — segundo eles, dois anticristos vindos do Inferno para destruir a Santa Doutrina do Salvador Jesus. Em 1534, Paulo III recebeu no Vaticano a visita de um cavaleiro basco de 43 anos, chamado Inácio de Loyola. Junto a dois de seus companheiros, Pedro Fabro e Diogo Laynez, provenientes da Espanha, vinham eles a Roma em busca da aprovação da Companhia de Jesus por parte da Santa Sé — ou melhor, da Ordem Jesuíta, fundada com o exclusivo propósito de combater a Reforma Protestante encabeçada 199 por Martinho Lutero no século XVI. Inácio de Loyola e seus companheiros se comprometeram, diante do Santo Papa, afa^erpicadinho dos protestantes que atravessassem seu caminho, não poupando quem quer que fosse — luteranos, anabatisl as, calvinistas, presbiterianos, albigenses ou valdenses; estavam iodos votados ao extermínio, não sem antes sofrerem amargas sessões de tortura. A respeito, vejamos o conteúdo $ O Juramento dos Jesuítas, encontrai l( > no livro Congregaáonalde Relatórios, à página 3.362, que diz: "Prometo, na presença de Deus e da Virgem Maria e de ti, meu pai epìritual, superior da Ordem Geral dos Jesuítas (...) e pelas entranhas da Santíssima Virgem, defender a doutrina contra os usurpadores protestantes liberais e maçons, sem hesitar".`H "(...) Prometo e declaro que farei e ensinarei a guerra lenta e secreta contra os hereges (...) Tudo farei para extirpá-los da face da terra, não pouparei idade, nem sexo, nem cor (...) Farei arruinar, escalpar, estrangular e queimar vivos esses hereges. Farei arrancar seus estômagos e o ventre de suas mulheres e esmagarei a cabeça de suas crianças contra a parede, afim de exterminar-lhes a raça".95 " (...) Quando não puderfa%er isso publicamente, usarei secretamente o veneno na châvena de chá, a corda de estrangular, o laço, o punhal e a bala de chumbo. Com este punhal molhado no meu sangue farei minha rubrica como testemunho1. (...) Se eu for falso ou perfuro, podem, meus irmãos os soldados do Papa, cortar minhas mãos epés, e minha garganta de orelha a orelha; minha barriga seja aberta e queimada com enxofre, e que minha alma seja torturada pelos demônios para sempre no Inferno" ?b Paulo III foi o responsável pelo assentamento dos tribunais inquisitoriais na Espanha e em Portugal, com o objetivo de intimidar a M STOUFFER, Paulo. Documentário: O Estado do Vaticano. Livraria Evangélica Reviver, São Paulo, 1992 ¤ 15 95 Idem. æ Ibidem. 200 ação missionária dos pregadores evangélicos na Península Ibérica. Sua sede de sangue nunca foi saciada, mesmo tendo queimado milhares de judeus, protestantes e opositores políticos nas fornalhas do Santo Oficie > - o famigerado e satânico tribunal de sangue da Santa Sé, que da virtude maior tinha mesmo só o nome... Paulo III inspirava-se em seu mentor maior, Asmodeu, capeta da morte e da destruição, para dizimar as comunidades cristãs evangélicas da velha Europa e silenciar os inimigos do Vaticano, além de conceder indulgências plenas a quem 'descobrisse' um herege e o entregasse ao Tribunal do Santo Ofício para que fosse transformado em cinzas. Entre as incontáveis vítimas deste sanguinário Pontífice, figura o missionário inglês William Tyndale, morto na fogueira pelo crime de ter traduzido o Novo Testamento do Latim para a língua inglesa. Sua imolação ocorreu na cidade de Antuérpia (Bélgica), em 1536, depois que William foi traído por um agente a serviço da satânica Santa (!) Inquisição. O espia seguiu-lhe os passos cautelosamente, até fazê-lo cair na armadilha da Santa Sé - por si só já uma perigosa arapuca... Paulo III convocou ainda o Concilio de Trento, em 1545, com a presença de 200 bispos, tendo condenado os erros protestantes e confirmado as doutrinas católicas, por eles negadas. Decretou ainda numerosas medidas para a disciplina eclesiástica, muitas ainda em vigor em nossos dias, como a polêmica obrigatoriedade do celibato aos sacerdotes. O Concilio de Trento, pelas dificuldades que enfrentou, pelo teor dás decisões tomadas e influência gerada, foi o mais longo e importante encontro de prelados católicos, tendo durado 18 anos - de 1545 a 201 William Tyndale (1484-1536), foi uma das milhares de vítimas de Paulo III. Valendo-se da obra de John Wycl¡fT, traduziu para o Inglês o Novo Testamento e enviou centenas de cópias à Inglaterra, secretamente. Esta grande obra sofreu intensa perseguição, mas gerou frutos. Antes de ser finalmente executado, ele acerbamente gritou: "Senhor, abri os olhos do rei da Inglaterra.1" TORTURA NO CATRE Como revela a História, este pavoroso suplício consistia em atrelar-se a vítima a um catre ou tronco e retalhar-lhe as solas dos pés, untá-las com azeite e chegá-las ao fogo lento. Acossada em tais condições, pelos exasperados sofrimentos, a vítima confessava o que seus algozes desejassem; tal confissão significava a condenação à morte na fogueira. Muitos outros suplícios atrozes eram também praticados. As vitimas sofriam vexames e insultos, humilhações e maus-tratos que a Inquisição fora sempre tão fértil em inventar, para sofrimento dos milhares de vítimas que fez durante séculos. Os infelizes tinham as unhas e os dentes violentamente arrancados, bem como as carnes dos braços e coxas, e as solas dos pés queimadas com tenazes em brasa; os punhos eram retorcidos e deslocados. Tais calvários eram lentos e não matavam com rapidez, mas torturavam até ao paroxismo do horror, afirmando os mandatários daquela execrável instituição que semelhantes tratos seriam, antes, benemerentes, porque predisporiam as almas heréticas ao próprio salvamento das sombras infernais, após a morte... Entretanto, o que as vítimas padeciam era simplesmente tudo o que de mais indigno já foi dado ao gênero humano conceber. 202 Luis de Carvajal e sua família são torturados pelo Tribunal da Inquisição no México; detalhe de uma gravura de El Libro Rojo, séc. XVII. 1563. Entre os muitos dogmas então aprovados pela Madre Igreja encontravam-se "a missa pelas almas do Purgatório" e as duas 'visitas semanais da Virgem Maria' a essa instituição de utilidade penitencial (certamente com o fito de aliviar o calor das santas fornalhas...).97. O pontificado de Paulo III teve reflexos negativos não só na América espanhola como também no Brasil, através da ação dos colonizadores, homens cobiçosos e embrutecidos que obedeciam as diretrizes dos padres europeus e representavam os interesses dos mandatários da Espanha e Portugal — notórios seguidores dos mandamentos de Mamon e de Fortuna, deidades do dinheiro e da prosperidade, na mitologia paga. Paulo III autorizou os sacerdotes e aventureiros exploradores a assarem os indígenas que se opusessem à conversão e ao batismo da 97 Biografia dos Papas, p. 221. 203 Os judeus, di;ii(>min;ulc>:.'i:nsl;u>:; novos', eram obrigados a suportar penitências públicas humilhantes, vestidos grotescamente e empunhando tochas. Nesta gravura francesa do século XVI, conservada na Biblioteca Nacional de Madri, é retratado um condenado pela Inquisição Espanhola, usando uma túnica denominada sambenito, que servia'pãra diferenciá-lo dos demais cristãos. Igreja de Roma, a única possuidora das chaves do Purgatório, do Céu e do Inferno, enviando para qualquer dos três quem bem entendesse. Os sacerdotes católicos dispunham das principais ferramentas para a abertura e fechamento daquelas três instituições de procedência divina, como água benta, incenso, ostensório, defumadores, cruz de benzedor e ritual para amarração, entre outras feitiçarias. Paulo III recomendara aos padres missionários, enviados junto com os colonizadores ao Novo Mundo, à América Espanhola e ao Brasil, que não dessem tréguas aos inimigos de Roma àquela época — os huguenotes franceses e seus terríveis corsários, que espalhavam não só o terror em alto-mar contra os navios mercantes, mas também a heresia protestante. "Para tais adversários", dizia o Santo Padre, "fechem as portas do Purgatório e as do Céu, deixando abertas somente as do Inferno, que bem receberá os míseros seguidores de L·utero e Calvino"`.98 Paulo III faleceu em 1549, convicto, como tantos outros antecessores seus, de haver contribuído, com seus infames tribunais de inquisição e suas ardentes fogueiras, para o engrandecimento da Igreja Católica Apostólica Romana e para a ruína de seus opositores. 98 CRISTIANI, Monsenhor. Breve História das Heresias, Flamboyant, 1962, p, 53. 204 ;;"'.:* f:' .„«i'`*`" ';;‰¾ CAPÍTULO XXIX GREGÓRIO XIII (Ugo Boncompagni - de 1572 a 1585) 205 Patrocinador da Matança de São Bartolomeu ansados de esperar por mudanças, muitos membros do movimento pró-reforma dentro da Igreja Católica culminaram por aderir ao protestantismo. Por volta de 1560, numerosos aristocratas franceses e seus apoiadores juntaram-se aos huguenotes, nome dado aos crentes da França, que cada vez mais se tornavam ativistas. Suas reuniões públicas eram fonte de provocação e antagonismo. Em 1558, por exemplo, milhares deles se reuniram em Paris, durante quatro dias seguidos, para cantar salmos. Tudo isso irritava os poderosos príncipes da Santa Igreja, bem como às massas de católicos. Instigado pelo cardeal Carlos de Lorena, o rei Henrique II (que havia sucedido ao pai, Francisco I) promulgou em junho de 1559 o Edito de Ecouen. Seu objetivo declarado era "erradicar a infame gentalha luterana"?9 Tal decisão desencadeou uma campanha de terror contra os huguenotes, em Paris. Entretanto, Henrique II morreu algumas semanas mais tarde, devido a ferimentos sofridos numa competição. Seu filho e herdeiro, agora o rei Francisco II, instigado pela família Guise, renovou o edito que previa a pena de morte para os protestantes renitentes. 99 DESPERTAI. Watchtower Bible and Trad Soc¡ety of Pennsy!vania e Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1997, pp. 5-9. 207 Francisco II veio a morrer no ano seguinte e sua mãe, (!atarina dl Mediei, governou em lugar do irmão de Francisco (Carlos IX, qui contava somente dez anos de idade), com intenções pacificado 11 Contudo, a política de reconciliação de Catarina não agradava aos Guise, que estavam decididos a erradicar o protestantismo. Em 1561, Catarina organizou um seminário em Poissy, perto de Paris, que reuniu teólogi ia católicos e protestantes e no édito publicado em janeiro de 1562, ela concedeu aos protestantes a liberdade de se reunirem para cultos fora das cidades. Os católicos ficaram furiosos e assim preparou-se o cenári< > para o triste evento que veio a ocorrer dois meses depois: o massacre de um grupo de protestantes num celeiro da aldeia de Vassy, conforme nos revelou a passagem da História. As primeiras três guerras A chacina de Vassy desencadeou a primeira de uma série de oito guerras religiosas, que mergulharam a França num horror de matanças mútuas, de 1562 a meados da década de 1590. Embora houvesse também questões políticas e sociais em jogo, o banho de sangue tinha como motivação primária a religião. A Batalha de Dreux, em dezembro de 1562, que ceifou 6.000 vidas, pôs fim à primeira guerra religiosa. A Pa% de Amboise (assinada em março de 1563) concedeu aos huguenotes nobres certa liberdade para a realização de cultos em alguns lugares predeterminados. Entretanto, algum tempo depois, "a segunda guerra foipreãpitadapelo temor dos huguenotes de uma conspiração católica internacionaí\ diz The ÌS¡eu> Encyclopedia Britannica}m Naquele tempo, era comum que os magistrados católicos condenassem cidadãos à forca, simplesmente pelo fato de se professarem huguenotes. Em 1567, uma tentativa huguenote de seqüestrar o rei Carlos IX e sua mãe, Catarina, foi o estopim da segunda 100 Idem. 208 A satânica rainha francesa Catarina de Méd¡c¡ e seu filho Carlos IX, os principais algozes do sangrento episódio da Noite de São Bartolomeu. A execução dos conjurados de Amboise, em março de 1560 (segundo gravura de Périssin). 209 \ Pio IV PioV Cardeal Carlos de Lorena Estas quatro personagens foram os principais mentores do Massacre de São Bartolomeu, que provocou a morte de 70 mil protestantes franceses em 24 de agosto de 1572. ¾ ¾ Massacre da Noite de São Bartolomeu, em que milhares de protestantes foram mortos pelos reis católicos franceses (gravura do Musée Cantonal des Beaux-Arts, Lausanne) Desenho em que é satirizada a cumplicidade não só do clero romano, mas também do vulgo, que faz o que sempre fez: saúda o vencedor, sem perguntar de onde veio, nem para onde vai; vocifera injúrias junto ao patibulo do que morre mártir por ele, ou aplaude a tirania, quando esta passa cercada de pompas que o deslumbram... 2ll A religião da cristandade Incorreu em pesada culpa pelo derramamento de sangue promovido, através das perseguições e execuções dos que liam, traduziam ou mesmo apenas possuíam a Bíblia entre seus pertences... Antônio José da Silva, o 'Judeu' (1705-1739) Acusado de heresia pela Inquisição Portuguesa, foi encarcerado em Lisboa. Lá permaneceu durante sete meses, até que no dia 17 de outubro de 1739 veio a saber que seria executado no dia seguinte. Teve, se assim se pode dizer, a sorte de ter sido garroteado antes de ser levado à fogueira... Antônio da Silva era judeu brasileiro, nascido no Rio de Janeiro. Só no Brasil, cerca de 140 pessoas foram queimadas vivas (20 em efígie) e 3.488 penitenciadas, entre 1721 e 1777. Miguel Servet (1511-1553) Uma das principais vítimas do sangüinário João Calvino. Giordano Bruno (1548-1600) Filósofo e astrônomo, sua condenação à fogueira pela Igreja Católica iniciou a perseguição aos cientistas no séc. XVII. 212 guerra. Depois de mencionarem uma batalha especialmente sangrenta em Saint-Denis, nos arredores de Paris, os historiadores Will e Arid Durant escreveram: "Mais uma ve% a França se perguntava que religião era aquela que levava os homens a tal morticínio"}{)X Mais à frente, em março de 1568, a Paz de Longjumeau devolveu aos huguenotes a relativa tolerância de que eles já desfrutavam antes, sob a Paz de Amboise. Os católicos, contudo, revoltados, recusaramse a cumprir os termos da paz. Assim, em setembro, irrompeu a terceira guerra. Num subseqüente tratado de paz, os huguenotes foram . favorecidos com concessões ainda maiores: cederam-se-lhes cidades fortificadas, incluindo o porto de La Rochelle e um importante príncipe protestante (o almirante de Coligny) foi nomeado para o conselho do rei. Os católicos novamente se enfureceram... Massacre na Noite de São Bartolomeu Cerca de um ano depois, em 22 de agosto de 1572, o almirante Gaspar de Coligny sobreviveu a um atentado em Paris, quando saía do Palácio do Louvre a caminho de casa. Furiosos, os protestantes ameaçaram tomar medidas duras de retaliação, caso não se fizesse justiça rapidamente. Em uma reunião secreta, o jovem rei Carlos IX, sua mãe Catarina de Mediei e vários príncipes, decidiram eliminar Coligny. Para evitar represálias, ordenaram também a morte de todos os protestantes que haviam chegado a Paris para assistir ao casamento do protestante Henrique de Navarra com a filha de Catarina, Margarete de Valois — a 'rainha Margot'. Na noite de 24 de agosto, os sinos da igreja de Saint-Germain-LAuxerrois, do outro lado do Louvre, deram o sinal para o início do massacre. O duque de Guise e seus homens invadiram o prédio onde Coligny dormia. Coligny foi morto e atirado pela janela, e seu corpo foi mutilado. O 101 Ibidem. 213 duque católico bradava: "Mataia todos!E ordem do r«V'."" Daquela tl( >i i • até o dia 29 de agosto, cenas de horror continuaram a macular as rua8 de Paris. Alguns chegaram afirmar que as águas do Sena tingiram sé de vermelho com o sangue dos milhares de huguenotes assassinad< >s. Outras cidades também tiveram seus próprios banhos de sangue. As estimativas variam entre 30.000 a 70.000 mortos; contudo, a maioria dos historiadores assente em que foram pelo menos 50.000. "Umfato tão macabro quanto o próprio massacrê\ disse um historiador, "foi a alegria que ele suscitou".102 Ao saber da matança, o Papa Gregório XIII ordenou uma cerimônia em ação de graças e enviou congratulações a Catarina de Mediei. Ordenou também a cunhagem de uma medalha especial, comemorativa da matança dos huguenotes e autorizou a pintura de um quadro do massacre, que trazia os dizeres: "O Papa aprova a morte de Colignj". Depois do massacre, Carlos IX alegadamente teve visões de suas vítimas e bradava para sua enfermeira: "Que mau conselho segui! O meu Deus, perdoai-me.1" .m O rei francês morreu em 1574, aos 23 anos de idade, e foi sucedido pelo seu irmão, Henrique III. Mais guerras religiosas Naquele ínterim, a população católica continuava a ser instigada pelos seus líderes contra os huguenotes. Em Toulouse, clérigos católicos exortaram seus seguidores: "Matai a todos, pilhai; somos vossos pais. Nós vos protegeremos".104 Por meio de violenta repressão o rei, os parlamentares, os governadores e os capitães deram o exemplo — e as massas de católicos os seguiram... Contudo, os huguenotes retaliaram. Dois meses depois do massacre da Noite de São Bartolomeu, deram início à quarta guerra religiosa. "" Idem. `º2 Idem. `·» Ibidem. 104 Idem. 214 ()nde excediam aos católicos em número, destruíam imagens, crucifixos c altares em igrejas; até mesmo matavam. "Deus não quer que nenhuma cidade ou pessoa seja poupada", declarou João Calvino, o líder do protestantismo francês, em seu panfleto Déclaration pour maintenir Ia vrayefoy (Declaração para a manutenção da fé verdadeira).105 Seguiram-se mais quatro guerras religiosas. A quinta terminou em 1576, com um acordo de paz assinado pelo rei Henrique III, concedendo aos huguenotes plena liberdade de culto em toda a França. A ultra-católica cidade de Paris, com o tempo, revoltou-se e expulsou Henrique III, considerado conciliador demais com relação aos huguenotes. Os católicos formaram um governo de oposição, a Santa Liga Católica, liderada por Henrique de Guise. Finalmente, na oitava guerra, conhecida como a Guerra dos Três Henriques, houve uma aliança de Henrique III (católico) com seu futuro sucessor, Henrique de Navarra (protestante), contra Henrique de Guise (católico). Henrique III fez com que Henrique de Guise fosse assassinado, mas, em agosto de 1589, o próprio Henrique III foi assassinado por um monge dominicano... Assim, Henrique de Navarra, que havia sido poupado 17 anos antes, no massacre da Noite de São Bartolomeu, tornou-se o rei Henrique IV. Mas como Henrique IV era huguenote, Paris recusou submeter-se a ele. A Santa Liga Católica organizou oposição armada, em todo o país. Henrique ganhou várias batalhas, mas quando um exército espanhol chegou à França, para apoiar os católicos, ele decidiu renunciar ao protestantismo e converteu-se à Fé católica... Coroado em 27 de fevereiro de 1594, Henrique entrou em Paris, onde o povo, totalmente cansado de guerras internas, saudou-o como rei. Findaram assim as guerras religiosas francesas, depois de mais de 30 anos em que católicos e protestantes periodicamente mataram-se uns aos outros. Em 13 de abril de 1598, Henrique IV baixou o histórico Édito de 105 Ibidem. 215 Nantes, que autorizava a liberdade de consciência e de culto aos protestantes. Segundo o Papa, o edito foi "a pior coisa que se poder/d imaginar, pois concedia liberdade de consciência a todos, a coisa mais terrível do mundd``'.106 Os católicos, em toda a França, acharam que o édito violava a promessa feita por Henrique de apoiar o seu credo. A Igreja não descansou até que, mais ou menos um século depois, Luís XIV revogou o Édito de Nantes, iniciando nova perseguição, desta vez ainda mais acirrada, contra os huguenotes. Frutos das guerras Em fins do século XVI, a prosperidade da França encontrava-se em declínio. Metade do teino fora sitiada, saqueada, seqüestrada com exigência de resgate, ou devastada. Os soldados exigiam demais do povo, levando a revoltas de camponeses. A população protestante, dizimada por sentenças de morte, massacres, exílios e retratações, chegou ao século XVII bastante diminuída em número. Aparentemente, os católicos haviam vencido as Guerras Religiosas Francesas. Mas, teria Deus abençoado tal vitória? Evidentemente, não. Cansados de toda a matança em Seu nome, muitos franceses se tornaram acessos a qualquer religião. Foram os precursores do que tem sido denominado orientação anticristã. Os verdadeiros provocadores do Massacre de São Bartolomeu Depois da matança no celeiro de Vassy em março de 1562, os ódios entre católicos e protestantes acirraram-se a tal ponto que as perspectivas de uma sangrenta guerra entre os dois lados eram iminentes, dadas as provocações e os insultos maquinados por um grupo de celerados criminosos dirigido e orientado pelo terrível cardeal de Lorena, Carlos, irmão do duque de Guise (e provável conselheiro de Satanás nos assuntos demoníacos do Inferno...). 106 Idem. 216 A corja de assassinos compunha-se dos seguintes malfeitorel¦ Giovanni Ângelo de Mediei (Pio IV, 1559-1565), o Carniceiro deMeritidol; Antônio Chislieri (Pio V, 1565-1572), o atiçador n.º 1 das divergências entre católicos e protestantes (huguenotes) e principal conspirador da carnificina de São Bartolomeu, perpetrada em agosto de 1572; o duque Francisco de Guise, presidente da Liga Católica francesa e o retalhador de carne humana Gregório XIII, sucessor do sanguinolento Pio V no Trono de Pedro.107 Entre 1562 e 1572, esses dois papas das trevas, no decorrer de seus mandatos, conspiraram silenciosamente nos corredores do Vaticano para o extermínio dos huguenotes e de seu principal líder, Gaspar de Coligny - macabro sonho, concretizado naquela trágica noite de 24 de agosto. Há quem afirme que, logo após o massacre daqueles irmãos, a cabeça do pastor Coligny foi enviada a Roma e recebida com grande alegria por Gregório XIII e sua cúpula satânica.108 "A. corte papal recebeu a notíäa com imensa satisfação, tendo o Papa Gregório se deslocado em procissão à igreja de São Luís em sinal de gratidão a Deus e à Santa Virgem, celebrando uma missa em ação de graças por tão gloriosa matança. Seu comparsa de iniqüidades, o luäférico cardeal Carlos de Lorena, acompanhavao nessa maldita caminhada, sendo ambos confortados, diabolicamente, por seus protetores infernais. Gregório XIII ordenou que a casa da moeda papal confecáonasse vários camafeus de metal comemorando o terrível acontecimento. As moedas mostravam um anjo com a espada numa das mãos e uma cru^ na outra, diante de quem um grupo de huguenotes, com o horror nas faces, estava fugindo}09 As palavras Ugonottorum Stranges 1572 (que significam ,¿4 matança dos huguenotes 1572) foram inscritas naquelas moedas. Para tais iníquos, as Santas Escrituras recomendam: "Continue o injusto fazendo a injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; continue o justo na prática da justiça e continue o santo a santificar-sê\ (Ap 22, 11) ALMEIDA, Abraão de. ¤p. cit., pp. 124-28. WOODROW, Ralph. Op. cit, p. 114. Idem.. 2Ì7 CAPÍTULO XXX PIO XII (Eugênio Pacelli - de 1939 a 1958) Filhote do nazi-fascismo e cúmplice da matança dos judeus na 2.a Guerra úncio na Alemanha, cardeal em 1929, Pio XII tornou-se, desde então, secretário de Estado de Pio XI — a quem sucedeu em 2 de março de 1939, acumulando novamente a função de secretário de Estado, a partir de 1944. Durante a Segunda Guerra Mundial, Pio XII concedeu asilo a numerosos refugiados, sobretudo judeus; seria, contudo, criticado por seu 'silêncio oficial' diante das atrocidades nazistas. No plano doutrinai e disciplinar, Pio XII, um Pontífice autoritário, mostrou-se fiel à linha tradicional da Igreja Católica Romana. Em 1950, definiu como dogma a Assumpção da Virgem Maria. Pio XII, até hoje, é acerbamente criticado pela maioria dos historiadores e outros estudiosos devido à sua omissão durante o extermínio de mais de 6 milhões de judeus pelas tropas do sanguinário ditador Adolf Hitler durante a 2.a Grande Guerra Mundial, de 1939 a 1945. Inúmeras obras foram e continuam sendo publicadas, por renomados escritores, sobre o polêmico Papa de l·îitler, que fechou os olhos para o sofrimento do povo mais perseguido de toda a História humana, os filhos de Israel. Pio XII assistiu de braços cruzados ao morticínio de 6 milhões e meio de irmãos semitas diante do Moloch 221 hitlerista e nadaJez para ímpedí-lo — pelo contrário, apoiou a política e o programa de extermínio da raça judaica pelo governo do Terceiro Reich alemão. As provas são abundantes nos arquivos históricos da diplomacia do Vaticano nas últimas seis décadas do século XX, ou seja, de 1939 ao ano 2000, com comprovações documentais que envolvem autoridades seculares e religiosas de vários países simpatizantes, tanto quanto a Santa Sé — favor/avel à ideologia nazi-fascista. 7 Pio XII freqüentou o círculo íntimo de amizades de Hitler, participando quase diariamente das decisões governamentais do ditador alemão, por força de suas atribuições como Núncio de Pio XI durante a ascensão do Terceiro Reich teutônico, de 1933 a 1945. Sua omissão é quase imperdoável, já que também foi cúmplice da fuga de vários criminosos de guerra nazistas para a América Latina, através da chamada Operação Odessa, que instituiu uma organização obscura de coloração nazi-fascista, filha da parceria entre a Santa Sé e três de seus devotos filhos: Hitler, Mussolini e Franco. Esta cumplicidade auxiliou no fornecimento de passaportes falsos a assassinos como Adolf Eichmann, Ante Pavelic, Walter Rauff, Klaus Barbie e tantos outros, que fugiram para países como Argentina, Bolívia, Paraguai e Brasil — este último, hospedeiro de Joseph Mengele e Gustav Franz Wagner, que residiram em São Paulo. Pio XII também colaborou com Hitler na transferência do ouro roubado aos judeus para os cofres da Suíça (que entretanto mantevese neutra, bem como Portugal e Suécia). O tesouro permaneceu oculto nos bancos daquele país até bem recentemente, sendo atualmente reclamado judicialmente por parentes das vítimas do nazismo. Segundo a opinião crítica de alguns historiadores, o plano era dividir tudo que fosse confiscado dos judeus entre o Reich nazista e o Vaticano, caso a 222 Alemanha ganhasse a guerra... Felizmente, tal coisa não aconteceu. E não há quem possa negar que a Santa Igreja Romana conhece, como ninguém, os mandamentos do Decálogo, que advertem: "Não furtarãi" (Êx 20, 15), e também: "Não cobiçarás a casa do teu próximo" (Êx 20, 17)... Mesmo assim no decurso da História, como pudemos constatar em inúmeras passagens desta obra, nem sempre foi respeitado o direito do semelhante, quando ausente da presença de seus bens. Muita lama tem sido jogada na pessoa de Pio XII, principalmente no que se refere à sua vida privada com uma possível amante, a freira alemã Pasqualina Lehnert, sua camareira e confidente de longos anos (antes e depois de sua eleição para o pontificado romano). Esta opinião é expressada pelo historiador católico inglês John Cornwell, ao afirmar que "a freira Pasqualina L·ehnert, fidelíssima governanta, que acompanhou Pio XII até a morte, chegando a provocar äúmes na irmã do Pontífice na%i-fasästa, teria tido relações amorosas com esse Papa, carnais ou platônicas"`.110 Pio XII governou a Igreja Católica por 19 anos, perdendo em termos de duração no poder apenas para o Papa João Paulo II (que no ano 2000 completou 22 anos de pontificado à frente do Vaticano, cultivando excelente credibilidade não só entre os católicos do mundo, mas também entre os grandes estadistas do século XX, como Ronald Reagan, Margareth Thatcher, François Mitterrand, Helmut Kohl e Mikhail Gorbachev, a ele agradecidos pelos relevantes serviços prestados na derrocada do agonizante comunismo soviético).111 O polonês Karol Wojtyla (João Paulo II) foi recrutado pelo Grupo dos Sete (G-7, os países mais poderosos da Terra) para desestabilizar 1,0 CORNWELL, John. O Papa de Hitler: A História Secreta de Pio XII. Imago Editora, Rio de Janeiro, 2000, pp. 108 e 127-8. `" ALMANAQUE ABRIL. Editora Abril, 21." ed., São Paulo, 1995, pp. 499 e 556. 223 Mussolini firmando o Tratado de Latrão com altos funcionários da Igreja, obtendo o apoio do clero católico para a Itália fascista em 1929. A al¡ança-erttre"o Vaticano, Mussolini e Hitier foi selada no início dos anos 30, com a assinatura da Concordata Religiosa (1934). Pio XI (1857-1939) recebe no Vaticano o ditador nazista Adolf Hitier, para consolidar o pacto entre a Igreja Católica e o Terceiro Reich. Pio XII nos altos círculos do nazismo alemão em 1938, quando exercia a nunciatura apostólica. Hitier e Cesare Orsenigo, núncio apostólico do Vaticano no dia de aniversário do ditador, em 1939. 224 lldefonso Schuster, arcebispo de Milão e colaborador de Pio XII, repassou, entre 1929 e 1945, milhões de dólares para o governo de Hitier, através do agente secreto Guido Zimmer. O dinheiro enviado para a Alemanha serviu para acelerar o processo de dominação da Europa pelos exércitos do Führer. A Ideologia nazista adotou um 'cristianismo positivo', que juntou todas as religiões na igreja do Novo Reich. Poucos lhe opuseram resistência. Nas fotos: dois bispos católicos (acima), e um bispo evangélico (ao lado), fazendo a saudação hitlerista a figurões da alta hierarquia governamental da Alemanha. Lamentavelmente, tanto Católicos quanto Protestantes apoiaram o nazi-fascismo. A freira Pasqualina Lehnert, fidelíssima governanta que acompanhou Pio XII até à morte, chegando a provocar ciúmes na irmã do Pontífice nazi-fascista. Segundo o livro O Papa de Hitier: A História Secreta de Pio XII, do católico inglês John Cornwell, a referida freira teria tido relações amorosas com Pio XII, carnais ou platônicas. / 225 0 pseudo socialismo do leste europeu, começando poi sua l em II.M.II. i Pi ilônia, que se desvencilhou das garras do Urso Vermelho e deu 11 1 H >ntapé inicial para que as repúblicas da URSS lhe seguissem o exempl< > c` apressassem o rompimento com o Bloco de Moscou e seus arrogantes ( amaradas. A maioria dos católicos do mundo talvez ainda não tenha claramente percebido a brilhante jogäda^do^poderoso G-7, no que se referiu à escolha de João Paulo II para o trono papal em outubro de 1978. A estratégia consistiu em buscar reforços para melhor desferir o golpe de misericórdia no moribundo comunismo soviético, já combalido pelas iniciativas de Mikhail Gorbachev (as famosas glasnost -transparência e perestroika—1&constxu.ç2.0), pondo fim à Guerra Fria entre russos e americanos no raiar da década de 90. A nomeação de um cardeal do mundo comunista para o comando supremo do Vaticano era de muita importância para atenuar as tensões do bloco da chamada Cortina de Ferro e abrir os canais de negociação entre Ocidente e Oriente, no intuito de extinguir a corrida armamentista que nutria a Guerra Fria e dar início à tentativa de coexistência pacífica entre as duas maiores superpotências. A visita de João Paulo II à Polônia, sua terra natal, visou otimizar a eficiente cruzada mundial em favor do fim das divergências ideológicas entre soviéticos e americanos, possibilitando a abertura da Rússia aos países de economia capitalista, como realmente temos visto acontecer, )oão Paulo II colaborou, assim, de modo relevante na destruição do comunismo soviético, conforme intenção do G-7, trazendo o capitalismo selvagem, comandado pelos Estados Unidos e seus principais parceiros, para uma posição unilateral e privilegiada - ou seja, cantando de galo sozinho... O que dirá dele o futuro?... 226 •. brios do Vaticano :m ÏAI'A\IJIII ¡NVll·:i,uNliAMM A IIIIMANIHAIH ' REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMANAQUE ABRIL Editora Abril, São Paulo, 1995. ALMEIDA, Abraão de. A Reforma Protestante. Editora CPAD, Rio de Janeiro, 1983. ANDERSON, Roy A. Revelações do Apocalipse. Casa Publicadora Brasileira, Talui. 1988. ASLAN, Nicola. História Geral da Maçonaria: Período Operativo. Aurora, Rio de Janeiro, s/d. Biografia dos Papas. Editora das Américas, Vol. XVII, São Paulo, 1952. Brasil: Nunca Mais. Vozes, Petrópolis, 1985. CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. Edições Vida Nova, São Paulo, 1992. CORNWELL, John. O Papa de Hitler: a História Secreta de Pio XII. Imago, Rio de Janeiro, 2000. CRISTIANI, Monsenhor. Breve História das Heresias. Livraria Editora Flamboyant, 1962. DESPERTAI! Revista da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, EUA, 1997. D 'OLIVEIRA, Ernesto Luiz. Roma, a Igreja e o Anticristo. 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