sábado, 28 de dezembro de 2013

A CRISE DA FORMAÇÃO DE PENSADORES

A CRISE DA FORMAÇÃO DE PENSADORES

A crise da formação de pensadores tem atingido frontalmente as univerdades, por culpa, como tenho dito, não dos professores e dos pesquisadores, mas de um processo educacional engessado, unifocal, que pouco esti­mula o debate das idéias, o desenvolvimento das artes mais nobres da inteli­gência, a consciência crítica sofiopolítica. O sistema acadêmico assistiu passivamente ao surgimento da globalização da informação pelos meios de comunicação a partir da segunda metade do século XX. A globalização da informação, apesar dos seus benefícios, trouxe duas das maiores "drogas" da inteligência humana: a massificação da cultura e do pensamento. Quan­do estudamos o conceito de democracia das idéias, vimos que o Homo intelligens (o homem consciente) vive uma diversidade de pensamentos dialético e antidialético inevitável devido ao sistema de variáveis intra-psíquicas ocorrido no Homo interpres (o homem inconsciente). A massificação da cultura e do pensamento não consegue jamais conter a diversidade de pensamentos, mas engessa a liberdade, a plasticidade, a criatividade da construção de pensamentos, encerrando a inteligência humana num cárcere.
A Educação não tem introduzido os universitários no centro da história humana. Provavelmente, muitos universitários, pelo fato de estarem aco­metidos com o mal do logos estéril, estejam na periferia da história ou até alijados dela. O fenômeno da psicoadaptação, que deveria romper o con­formismo e animar a criatividade, os tem conduzido a se adaptarem às misérias sociais. Devido à crise de interiorização, este importantíssimo fe­nômeno da inteligência tem embotado os seus sentimentos e reduzido seus ideais, gerando uma vida vazia, que não tem por que lutar.
Diversos desses universitários jamais ouviram falar ou se importaram com o dramático e indescritível genocídio dos Tutsis em Ruanda, que não foi menos dramático do que o holocausto judeu. Embora alijados da histó­ria, muitos deles estão inseridos vorazmente no mercado de consumo, no último lançamento da moda, nos modelos de carros mais incrementados, nos programas de computadores mais modernos. Ruanda não pertence ao mapa dos seus interesses, os miseráveis da África não lhes dizem respeito, os conflitos na ex-Iugoslávia não os angustiam, a fome no nordeste brasilei­ro não os incomoda, a discriminação dos negros não os perturba. O desmatamento da Floresta Amazônica, bem como os demais problemas ambientais, incluindo o efeito estufa, são problemas da próxima geração. O mundo tem de gravitar em torno dos seus interesses e das suas necessida­des, pois, apesar de incorporarem a cultura acadêmica, eles não têm fome e sede de cidadania e humanismo.
Felizmente, a psique humana é complexa e, mesmo na miséria material e social, é possível extrair se riqueza emocional e dignidade humana, que podem não ser conquistadas quando se une fartura material e superficialidade intelectual. Como citei, distinguir os princípios da matemática finan­ceira da matemática emocional é uma das características multifocais de um pensador. Por exemplo, no interior de Moçambique, a miséria é tanta que só há milho para se alimentar, mas, mesmo assim, muitos moçambicanos cantam e dançam ao preparar seus alimentos. Eles são considerados estatis­ticamente miseráveis pela ONU (Organização das Nações Unidas), mas são ricos na arte da contemplação do belo, mais ricos do que muitos da­queles que são listados pela revista Forbes como os homens mais ricos do mundo.
Como estimularemos a formação de pensadores, se na educação clássi­ca não se estimula a arte da pergunta, da dúvida e da crítica? Como produ­ziremos homens lúcidos, aptos a julgar o mundo que os circunda, se eles não conhecem o sistema de distorção que ocorre no processo de interpre­tação? Como poderemos gerar homens que pensam, se eles não sabem quais são os tipos e a natureza dos pensamentos que são produzidos no palco da mente humana e como eles são produzidos? Como produziremos pessoas que pensam antes de reagir, se nada conhecem sobre o fenômeno do gatilho da memória? Como produziremos homens saudáveis no territó­rio da emoção, se eles nunca souberam que existe um universo de pensa­mentos produzidos pelo fenômeno do autofluxo, sem qualquer autorização do eu, que pode se tornar tanto uma grande fonte de prazer como de terror? Como produziremos homens sábios, se eles não aprenderem a in­tervir no seu mundo psíquico e a gerenciar seus pensamentos e emoções?
Deveria haver em todas as escolas cursos que abordassem o processo de construção de pensamentos e de formação de pensadores humanistas, que promovessem um debate de idéias sobre o funcionamento da mente e sobre os grandes problemas biopsicossociais da nossa espécie. Esses cursos deveriam fornecer subsídios aos estudantes para desenvolverem a arte de pensar e a consciência sociopolítica.
Somos a espécie mais fantástica da bioesfera terrestre, estamos no topo da inteligência de milhões de espécies, mas, muitas vezes, a mercadoria que usamos na resolução dos conflitos humanos é a força, a agressividade ou a omissão, e não a arte de pensar, de analisar as variáveis, de ouvir despreconceituosamente, de aprender a ceder quando necessário, de exer­citar a tolerância, de reconhecer as necessidades do outro.
A atitude sociopolítica coerente e lúcida é mais exigida quanto mais conturbadas e conflitantes forem as circunstâncias psicossociais; porém, infelizmente, é nessas circunstâncias que a omissão é cultivada. Na Segun­da Guerra Mundial, muitos políticos e lideranças sociais se calaram diante do holocausto judeu. Optaram pelo silêncio, um silêncio inaceitável, diante da miséria desse povo. O silêncio sociopolítico ainda é amplamente prati­cado diante de muitas misérias humanas. Muitas vezes esse silêncio só é rompido quando a imprensa mais séria faz eloqüentes denúncias. A im­prensa, às vezes, erra, exagera, conspira contra a privacidade, mas é ela ainda uma das áreas mais saudáveis e inteligentes da sociedade. Sem uma imprensa livre e crítica, seríamos uma espécie mais doente, pois a omissão, a impunidade, a discriminação e muitas outras formas de violação dos di­reitos humanos seriam amplamente cultivadas.
Creio que a mais grave doença da nossa espécie não é a AIDS, o cân­cer, a depressão, mas a perda generalizada do sentido psicossocial de espé­cie, que se torna uma grande fonte de violação dos direitos humanos.
Somos americanos, alemães, japoneses, ingleses, franceses, italianos, brasileiros, brancos, negros, palestinos, judeus, etc, mas não somos psicossocialmente a mesma espécie. Somos uma espécie dividida, segmen­tada, dilacerada psicossocialmente. Somos uma única espécie, mas não honramos a condição de possuirmos o espetáculo indescritível da constru­ção da inteligência. Conservamos apenas os laços genéticos, mas perdemos ou, talvez, nunca tenhamos conquistado as características mais nobres da inteligência capazes de financiar uma macrovisão da espécie humana, de alicerçar a práxis da teoria da igualdade, de construir coletivamente os sentimentos globais mais altruístas da psique. Globalizamos a cultura e a economia, mas não globalizamos a cidadania, o humanismo e a democra­cia das idéias; não globalizamos o sentido psicossocial de espécie.
Se compreendêssemos melhor a natureza dos pensamentos, os papéis da memória, as dificuldades do "eu" em gerenciar a energia psíquica, o fenômeno da psicoadaptação e a atuação rapidíssima dos fenômenos in­conscientes que constroem as complexas cadeias de pensamentos, sería­mos mais tolerantes e menos havidos a nos discriminar.
Leis, policiamento, apelo emocional, não resolverão nossos conflitos sociais fundamentais; servirá apenas para amenizá-los, pois as raízes dos nossos problemas estão nas origens da inteligência, nos fundamentos do processo de formação da personalidade, no funcionamento da mente.
Espero que este livro possa não apenas contribuir para expandir o mundo das idéias sobre o funcionamento da mente e a construção de pensamentos e se tornar fonte de pesquisa na Psicologia, na Filosofia, na Psiquiatria, na Sociologia, na Educação, mas também contribuir para a formação de pen­sadores humanistas, de engenheiros de idéias, de poetas intelectuais, de homens que aprendem a se interiorizar e procurar na sinuosa e curta traje­tória da existência humana as funções mais nobres da inteligência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário