905 a 1918: a formação do escritor Jean-Paul Sartre era filho de Jean-Baptiste Marie Eymard Sartre, oficial da marinha francesa2 e de Anne-Marie Sartre (Nascida Anne Marie Schweitzer). Quando seu filho nasceu, Jean-Baptiste tinha uma doença crônica adquirida em uma missão na Cochinchina. Após o nascimento de Jean-Paul, ele sofreu uma recaída e retirou-se com a família para Thiviers, sua terra natal, onde morreu em 21 de setembro de 1906.3 Jean-Paul, órfão de pai, e então com 15 meses, muda-se para Meudon com sua mãe, onde passam a viver na casa de seus avós maternos. O avô de Sartre, Charles Schweitzer nasceu em uma tradicional família protestante alsaciana da qual faz parte, entre outros, o famoso missionário Albert Schweitzer, sobrinho de Charles. Ao fim da guerra franco-prussiana, Charles optou pela cidadania francesa e tornou-se professor de alemão em Mâcon onde conheceu e casou-se com Louise Guillemin, de origem católica, com quem teve três filhos, George, Émile e Anne-Marie.4 Após o regresso de Anne-Marie, os quatro viveram em Meudon até 1911. O pequeno "Poulou", como Jean-Paul era chamado, dividia o quarto com a mãe. Em seu romance autobiográfico "As Palavras" (Les Mots) confessa que desde cedo a considerava mais como uma irmã mais velha do que como mãe.5 De sua infância ao fim da adolescência, Sartre vive uma vida tipicamente burguesa, cercado de mimos e proteção.6 Até os 10 anos foi educado em casa por seu avô e por alguns preceptores contratados. Com pouco contato com outras crianças, o menino tornou-se, em suas próprias palavras, um "cabotino"7 e aprendeu a usar a representação para atrair a atenção dos adultos com sua precocidade.8
Em 1911, a família Schweitzer mudou-se para Paris. Passa a ter acesso à biblioteca de obras clássicas francesas e alemãs pertencente ao seu avô. Após aprender a ler, Jean-Paul alterna a leitura de Victor Hugo, Flaubert, Mallarmé, Corneille, Maupassant e Goethe,9 com os quadrinhos e romances de aventura que sua mãe comprava semanalmente às escondidas do avô. Sartre considerava serem essas suas "verdadeiras leituras", uma vez que a leitura dos clássicos era feita por obrigação educacional.10 A essas influências, junta-se o cinema, que frequentava com sua mãe e que se tornaria mais tarde um de seus maiores interesses. Sartre conta em "As Palavras" que escrevia histórias na infância também como uma forma de mostrar-se precoce. Suas primeiras histórias eram cópias de romances de aventura, em que apenas alguns nomes eram alterados, mas ainda assim faziam sucesso entre os familiares.11 Era incentivado pela mãe, pela avó, pelo tio (que o presenteou com uma máquina de escrever) e por uma professora, a sra. Picard, que via nele a vocação de escritor profissional. Aos poucos, o jovem Sartre passou a encontrar sua verdadeira vocação na escrita.12 Apenas seu avô o desencorajava da escrita e o incentivava a seguir carreira de professor de letras. Sem enxergar nele o talento que os demais viam, mas conformado com o fato de que seu neto "tinha a bossa da literatura",13 incentivou Sartre a tornar-se professor por profissão e escrever apenas como segunda atividade.14 Assim, Sartre atribui ao avô a consolidação de sua vocação de escritor: "Perdido, aceitei, para obedecer a Karl, a carreira de escritor menor. Em suma, ele me atirou na literatura pelo cuidado que desprendeu em desviar-me dela".15 Em 14 de abril de 1917 sua mãe casa-se novamente, com Joseph Mancy, que passa a ser co-tutor de Sartre. Livre da dependência dos pais, Anne-Marie muda-se com Sartre para a casa de Mancy em La Rochelle.16 Nesta cidade litorânea, Sartre toma contato pela primeira vez com imigrantes árabes, chineses e negros. Mais tarde ele reconheceria esse período como a raiz de seu anticolonialismo e o início do abandono dos valores burgueses.17 [editar]1921 a 1936: a formação do filósofo Em 1921 retorna ao Liceu Henri IV, agora como interno. Encontra Paul Nizan e os dois tornam-se amigos inseparáveis. De 1922 a 1924, ambos estudam no curso preparatório do liceu Louis-le-Grand, onde se preparam para o concurso da École Normale Superieure. Nessa época despertou seu interesse pela filosofia. Sua primeira influência importante foi a obra de Henri Bergson. Em 1924 ingressou na École Normale Supérieure na mesma turma de Nizan, Daniel Agache e Raymond Aron.18 Músico e ator talentoso e sempre disposto a participar de brincadeiras e eventos sociais, Sartre torna-se muito popular entre os colegas.19 Os alunos da escola se dividem em grupos de afinidades religiosas ("ateus" e "carolas"), e facções políticas: Socialistas, comunistas, reacionários, pacifistas. Sartre adere aos ateus e aos pacifistas20 e enquanto Aron e Nizan aderem aos círculos socialistas e comunistas e começam a participar da vida política francesa, Sartre mantém o individualismo e o desinteresse pela política que conservaria até o fim da Segunda Guerra. No campo filosófico, além de Bergson, passou a ler Nietzsche, Kant, Descartes e Spinoza. Já na escola começa a desenvolver as primeiras ideias de uma filosofia da liberdade leiga, da oposição entre os seres e a consciência, do absurdo e da contingência que ele viria a desenvolver posteriormente em suas grandes obras filosóficas. Seu principal interesse filosófico é o indivíduo e a psicologia.21
Em 1928 presta o exame de mestrado e é reprovado. Durante o ano de preparação para a segunda tentativa, estuda com Nizan e René Maheu na Sorbonne. Conhece a namorada de Maheu, Simone de Beauvoir que mais tarde se tornaria sua companheira e colaboradora até o fim da vida. Maheu havia apelidado Simone de Beauvoir de "Castor", devido à semelhança de seu nome com Beaver (Castor em inglês) e também "porque ela trabalhava como um castor".22 23 Sartre assume o apelido e passa a chamá-la de Castor pessoalmente e em todas as cartas que lhe escreveu. Na segunda tentativa do mestrado, Sartre passa em primeiro lugar, no mesmo ano em que Beauvoir obtém a segunda colocação.24 25 Sartre e Beauvoir nunca formaram um casal monogâmico. Não se casaram e mantinham uma relação aberta. Sua correspondência é repleta de confidências sobre suas relações com outros parceiros. Além da relação amorosa, eles tinham uma grande afinidade intelectual. Beauvoir colaborou com a obra filosófica de Sartre, revisava seus livros e também se tornou uma das principais filósofas do movimento existencialista. Sua obra literária também inclui diversos volumes autobiográficos, que frequentemente relatam o processo criativo de Sartre e dela mesma. Entre 1929 e 1931, Sartre presta o serviço militar e torna-se soldado meteorologista.26 Escreve alguns contos e começa a trabalhar em seu primeiro romance, "Factum sur la contingeance" (Panfleto sobre a contingência), que depois viria a se chamar "La Nausée" (A náusea). Embora tenha se candidatado ao cargo de auxiliar de catedrático no Japão, ele é nomeado professor de filosofia de um liceu em Havre onde permanece até 1936.27 Sartre ainda seria professor em Laon e Paris até 1944, quando abandonou definitivamente o magistério. Em 1933, ele é apresentado à fenomenologia de Husserl por Raymond Aron, que havia retornado de um período como bolsista do Institut Français em Berlim. Percebendo a semelhança dessa corrente à sua própria teoria da contingência, Sartre fica fascinado e imediatamente começa a estudar a fenomenologia através de uma obra introdutória.28 Por sugestão de Aron, candidata-se à mesma bolsa e, aprovado, permanece em Berlim entre 1933 e 1934. Durante esta viagem, estuda a fundo a obra de Husserl e conhece também a filosofia de Martin Heidegger. Publica em 1936 o artigo La Transcendence de l'Égo (A Transcendência do Ego), uma crítica à teoria do Ego Husserliana que por sua vez se baseava no Cogito cartesiano. Sartre desafia o conceito de que o ego é um conteúdo da consciência e afirma que ele está fora da consciência, no mundo e a consciência se dirige a ele como a qualquer outro objeto do mundo. Este é um dos primeiros passos para livrar a consciência de conteúdos e torná-la o "Nada" que mais tarde seria um dos conceitos-chave do existencialismo. De volta à França, continua a trabalhar nas mesmas ideias e entre 1935 e 1939 escreve L'Imagination (A Imaginação), L'Imaginaire (O Imaginário) e Esquisse d'une théorie des émotions (Esboço de uma teoria das emoções). Volta então suas pesquisas para Heiddegger e começa a escrever L´Être et le néant (O ser e o nada). Em 1938 publica o romance La Nausée (A náusea) e a coletânea de contos Le mur (O muro). A náusea apresenta, em forma de ficção, o tema da contingência e torna-se seu primeiro sucesso literário, o que contribui para o início da influência de Sartre na cultura francesa e no surgimento da moda existencialista que dominou Paris na década de 1940.
Em 1939 Sartre volta ao exército francês, servindo na Segunda Guerra Mundial como meteorologista. Em Nancy é aprisionado no ano de 1940 pelos alemães, e permanece na prisão até abril de 1941. De volta a Paris, alia-se à Resistência Francesa, onde conhece e se torna amigo de Albert Camus (do qual já conhecia a obra e sobre quem já havia escrito um ensaio elogioso a respeito do livro O Estrangeiro). A amizade entre Sartre e Camus perdurará até 1952, quando os dois rompem a relação publicamente devido à publicação do livro do Camus O Homem Revoltado no qual Camus ataca criticamente o Stalinismo. Sartre defendia uma relação de colaboração critica com o regime da URSS e permitiu a publicação de uma crítica desastrosa sobre o livro do Camus em sua revista Les Temps Modernes (crítica esta que Camus respondeu de maneira extremamente dura) e que foi a gota d´água para o fim da relação de amizade). Mas até o final da vida Sartre admirará Camus, como ele mesmo expressa nas entrevistas que teve com Simone de Beauvoir em 1974 - e que ela publicou postumamente. Em 1943 publica seu mais famoso livro filosófico, L'Être et le Néant (O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica), que condensa todos os conceitos importantes da primeira fase de seu sistema filosófico. Sua participação na Resistência não é aceita por todos, e o filósofo Vladimir Jankélévitch o reprova por sua "falta de engajamento político" durante a ocupação alemã, e vê em seus posteriores combates em prol da liberdade uma tentativa de se redimir por esta atitude. Em 1945, ele cria e passa a dirigir junto a Maurice Merleau-Ponty a revista Les Temps Modernes (Tempos Modernos), onde são tratados mensalmente os temas referentes à literatura, filosofia e política. Além das contribuições para a revista, Sartre escreve neste período algumas de suas obras literárias mais importantes. Sempre encarando a literatura como meio de expressão legítima de suas crenças filosóficas e políticas, escreve livros e peças teatrais que tratam das escolhas que os homens tomam frente às contingências às quais estão sujeitos. Entre estas obras destacam-se a peça Huis Clos (Entre quatro paredes) (1945) e a trilogia Les Chemins de la liberté (Os caminhos da Liberdade) composta pelos romances L'age de raison (A idade da razão) (1945), Le Sursis (Sursis) (1947) e Le mort dans l'âme (Com a morte na alma) (1949). No período mais prolífico de sua carreira escreve ainda várias peças de teatro e ensaios. Na década de 1950 assume uma postura política mais atuante, e abraça o comunismo. Torna-se ativista, e posiciona-se publicamente em defesa da libertação da Argélia do colonialismo francês. A aproximação do marxismo inaugura a segunda parte da sua carreira filosófica em que tenta conciliar as ideias existencialistas de autodeterminação aos princípios marxistas. Por exemplo, a ideia de que as forças sócio-econômicas, que estão acima do nosso controle individual, têm o poder de modelar as nossas vidas. Escreve então sua segunda obra filosófica de grande porte, La Critique de la raison dialectique (A crítica da razão dialética) (1960), em que defende os valores humanos presentes no marxismo, e apresenta uma versão alterada do existencialismo que ele julgava resolver as contradições entre as duas escolas. Considerado por muitos o símbolo do intelectual engajado, Sartre adaptava sempre sua ação às suas ideias, e o fazia sempre como ato político. Em 1963 Sartre escreve Les Mots (As palavras, lançado em 1964), relato autobiográfico que seria sua despedida da literatura. Após dezenas de obras literárias, ele conclui que a literatura funcionava como um substituto para o real comprometimento com o mundo. Em 1964 recebe o Nobel de Literatura, que ele recusa pois segundo ele "nenhum escritor pode ser transformado em instituição". Morre em 15 de abril de 1980 no Hospital Broussais (em Paris). Seu funeral foi acompanhado por mais de 50 000 pessoas. Está enterrado no Cemitério de Montparnasse em Paris. No mesmo túmulo jaz Simone de Beauvoir.29
Cronologia
1905 - Sartre nasce em Paris em 21 de junho. 1907 - Morte de seu pai. Muda-se para a casa do avô materno, em Meudon; retorna a Paris quatro anos depois. 1924 - Sartre matricula-se na Escola Normal Superior, em Paris. Conhece Simone de Beauvoir. 1931 - É nomeado professor de filosofia no Havre. 1936 - Sartre publica A Imaginação e A Transcendência do Ego. 1940 - Servindo na guerra, Sartre é feito prisioneiro pelos alemães e enviado a um campo de concentração. 1941 - Liberto, volta à França e entra para a Resistência. Funda o movimento Socialismo e Liberdade. 1943 - Publica O Ser e o Nada. 1945 - Sartre dissolve Socialismo e Liberdade e funda, com Merleau-Ponty, a revista Les Temps Modernes. 1952 - Sartre ingressa no Partido Comunista Francês. 1956 - Rompe com o Partido Comunista. Escreve O Fantasma de Stálin. 1960 - Sartre publica Crítica da Razão Dialética. 1964 - Publica As Palavras. Recusa o Nobel de Literatura por acreditar que "nenhum escritor pode ser transformado em instituição" 1968 - Durante a revolta estudantil na França e em várias partes do mundo, Sartre põe-se ao lado dos estudantes da barricada. 1970 - Sartre assume simbolicamente a direção do jornal esquerdista La Cause de Peuple, em protesto à prisão de seus diretores. 1971 - Publica O Idiota da Família. 1973 - Colabora na fundação do jornal libertário Libération. 1980 - Morre em 15 de abril.
Obras
L'imagination (A imaginação), ensaio filosófico - 1936 La transcendance de l'égo (A transcendência do ego), ensaio filosófico - 1937 La nausée (A náusea), romance - 1938 Le mur (O muro), contos - 1939 Esquisse d'une théorie des émotions (Esboço de uma teoria das emoções), ensaio filosófico - 1939 L'imaginaire(O imáginário), ensaio filosófico - 1940 Les mouches (As moscas), teatro - 1943 L'être et le néant (O ser e o nada), tratado filosófico - 1943 Réflexions sur la question juive (Reflexões sobre a questão judaica), ensaio político - 1943 Les Lettres Nouvelles (A República da Silêncio), ensaio filosófico - 1944 Huis clos (Entre quatro paredes), teatro - 1945 Les Chemins de la liberté (Os Caminhos da Liberdade) trilogia, compreendendo: L'age de raison (A idade da razão), romance - 1945 Le sursis (Sursis), romance - 1947 La mort dans l'Âme (Com a morte na alma), romance - 1949 Morts sans sépulture (Mortos sem sepultura), teatro - 1946 L'Existentialisme est un humanisme (O existencialismo é um humanismo), transcrição de uma conferência proferida em 1946 - Texto posteriormente rejeitado por Sartre. La putain respectueuse (A prostituta respeitosa), teatro - 1946 Qu'est ce que la littérature? (O que é a literatura?), ensaio - 1947 Baudelaire - 1947 Les jeux sont faits (Os dados estão lançados), romance - 1947 Situations, vários volumes que reúnem ensaios políticos literários e filosóficos - 1947 a 1965 Les Mains Sales (As mãos sujas), teatro - 1948 L'Engrenage (A engrenagem), teatro - 1948 Orphée noir (Orfeu negro), teatro - 1948 Le diable et le bon dieu (O diabo e o bom deus), teatro - 1951 Saint Genet, comédien et martyr (Saint Genet, ator e mártir), biografia de Jean Genet - 1952 Les séquestrés d'Altona (Os sequestrados de Altona) - 1959 Critique de la raison dialectique - Tome I: théorie des ensembles pratiques (Crítica da razão dialética, Tomo I), tratado filosófico - 1960 Furacão sobre Cuba (escrito juntamente com Fernando Sabino e Rubem Braga) - 1961 Les mots (As palavras), autobiografia - 1964 L'idiot de la famille - Gustave Flaubert de 1821 a 1857 (O idiota de família), biografia inacabada de Gustave Flaubert. Apenas dois dos quatro volumes planejados foram escritos - 1971 (vol. I) - 1972 (vol. II)
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