terça-feira, 14 de março de 2023

Lou Andreas Salomé

 Lou Andreas Salomé 

 O amor é uma ocasião ⚘


"A vida humana, ah!

A vida, sobretudo, é poesia.

Inconscientes, nós a vivemos, dia a dia.

Passo a passo –

mas em sua intangível plenitude

ela vive e nos traduz em poesia"

ANDREAS-SALOMÉ, L. 


A mulher,  intelectualidade - feminilidade e sensibilidade 


Salomé nasceu em S. Petersburgo no ano 1861, como Louise von Salomé. Existem abordagens de seu estilo de vida e personalidade sob vários ângulos, principalmente sobre seu lugar na vida dos homens com os quais ela se relacionou. 


Antes da psicanálise


Salomé faleceu aos 76 anos na cidade de Gottingen, onde viveu com seu marido Prof. Andreas. Poucos dias após sua morte, um caminhão com soldados da Gestapo parou em sua porta e recolheu todos os livros de sua biblioteca, com o argumento de que ela era psicanalista – uma ciência judaica – por ter sido colaboradora e amiga íntima de Sigmund Freud e por sua biblioteca estar cheia de livros de autores judeus.


Salomé era bela e voluntariosa. e Segundo sua amiga íntima Hélène Klingenberg, seus olhos azuis eram tão brilhantes que “Quando Salomé entra numa sala, era como se o sol tivesse aparecido”. Lou era chamada de “a feiticeira de Hainberg” pelas mulheres que moravam em Göttingen, por viver afastada da cidade, não frequentar as reuniões universitárias e viajar sozinha com outros homens enquanto casada com Prof. Andreas. Uma mulher comparada à lua pelas suas múltiplas faces.


Para sua época Lou pode ser considerada amoral não só devido a sua vida amorosa pouco usual, mas também pelos relatos e descrições sobre ela em que parece não existir o sentimento da transgressão, mas de ser coerente com seus sentimentos e suas ideias.


Alguns de seus críticos a consideravam impassível à felicidade ou à devastação que sua passagem e sua relação podiam provocar nos outros, como uma indomável e poderosa força da natureza, demoníaca, primitiva e sem fraquezas femininas. Porém, seus amigos discordavam dessa abordagem de Lou: para eles, ela era generosa, humana, despretensiosa com riso contagiante e espírito desarmante.


Lou resumiu sua vida da seguinte forma: “Sinto-me à vontade na felicidade”. Essa teimosia em ser feliz a fazia ser diferente. Uma persistência na busca do prazer indiferente ao meio a sua volta, como os felinos.


No primeiro Lou se refere ao amor como união, já que em toda criação jorra amor, e todo amor é ato criador e se relaciona com o amor que o criador tem por si. Amar é conhecer alguém que colore todo o mundo à sua volta, todas as coisas. Para o amor permanecer, há que manter a liberdade individual e não contaminá-lo com a ferocidade sexual. Muitos, quando amam, tendem a incluir o outro em seu universo ou entrar no universo do outro. Ocorre a morte da criação. Por isso, quando as pessoas se separam após um longo período juntas, elas florescem, porque o nós não foi capaz de carregar o eu. Ninguém suporta comer todos os dias a mesma comida mesmo sendo a mais requintada. Vai acabar em tédio. Assim, os dois amantes nunca devem procurar se conhecer perfeitamente.


Quanto ao erotismo, Salomé considerava difícil de ser conciliado com a fidelidade, já que a sexualidade implica um sinal de ascensão para conexões vitais ainda mais amplas. Por isso, a vida erótica natural funda-se no princípio da infidelidade.


Nessas produções Salomé discorre sobre arte, religião, sociedade, a mulher, maternidade, masculino e feminino, trabalho intelectual, união dos amantes. Todos os temas analisados pela sua ótica de amor e erotismo traduzem sua forma de encarar a vida, os amores, o trabalho. Essas duas obras encarnam o estilo de vida de Lou Andreas-Salomé. Quando ela se aprofundou na psicanálise, passou a usar os conceitos na sua visão de mundo, que se manteve inalterada. Foi essa percepção do amor e erotismo que guiou sua vida com os homens.


No Congresso de 1911 havia 55 participantes. Ao ser apresentada a Freud, ele achou graça no entusiasmo quase infantil de Salomé. Enquanto iam conversando, Freud foi ficando intrigado com aquela mulher – da qual já ouvira falar – pela sua insistência em ser otimista e alegre.


Inquirida por Freud sobre o motivo por que se dedicar com tanta intensidade à Psicanálise, Lou respondeu: (a) um interesse objetivo, (b) encontrar-se diante de uma ciência em gestação; e (c) a satisfação íntima que disso decorre.


Após o Congresso Salomé solicita fazer parte da reunião das quartas e, com a aquiescência de Freud, ela chega a Viena em 1912, num momento de dissidências. Foi bem aceita pelo grupo e ficava em silêncio, ouvindo e tricotando, levando Freud a desconfiar de que ela não entendia a profundidade dos conceitos elaborados, mas no momento seguinte se espantava com suas articulações e sínteses aprofundadas, até se referir a ela como a “mais dedicada dos intèrpretes”, “a poeta da psicanálise”, aquela cuja inteligência Freud adjetivou como demoníaca


A autora parte da sexualidade, do ponto de vista mais fisiológico, para descrever a base do erotismo, e depois vai estabelecendo relações entre este e a arte, a religião, a sociedade. Desenvolve também as vicissitudes do erotismo na mulher e na maternidade.


Ao longo do tempo Salomé foi emergindo como grande “entendedora” da metapsicologia freudiana. Vista por alguns como a “mãe da psicanálise”, seus escritos contêm otimismo e amor à vida se centrando na sexualidade feminina, no amor,


Lou se dedicou à psicanálise com a mesma intensidade e paixão com que se dedicou a tudo o mais em sua vida. Atendia uma média de dez pacientes por dia e todo tipo de perturbação psíquica! Após uma gripe forte que a fez perder cabelo, sente-se envelhecida, doente, e Freud a convida a estar com ele em Viena. Ela aceita e nessa viagem torna-se amiga de Ana e confidente do velho Freud. Depois que retorna a sua cidade Freud lhe escreve, em novembro de 1912: “[...] gosto de fixar meu olhar em alguém [quando falo], ontem fixei meu olhar, como se estivesse enfeitiçado no lugar que lhe era reservado.

A primeira publicação de Lou na Imago IV foi O anal e o sexual (1916).


Sobre o erotismo anal em O anal e o sexual (1916), Salomé analisa que é um ensaio para o erotismo genital e reproduz a luta entre desejo e prazer. A proximidade física entre ânus e genitália significa que no ato sexual a morte (território dos excrementos) é transmitida pelas forças da vida e da reprodução. O erotismo anal se relaciona à importância dos primeiros anos de vida .


Freud  cita seu trabalho numa nota de rodapé de 1920 nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, no item sobre atividades masturbatórias da zona anal.


Para Salomé, o período anal se liga à “alegria criadora”, na medida em que representa uma tentativa de unificação entre o eu e o mundo que existia antes do primeiro recalcamento da libido, quando o mundo em redor considerou “ruins” as fezes, que deviam ser tratadas de forma desprezível. As mudanças e as renovações da vida estão ligadas a esse período, um devir que pode se separar de si mesmo, se transformar em eliminação e atrair o estranho, transformando-se novamente em si mesmo. Liga prazer/defecação e futuro/transitoriedade com analidade. Relaciona a posse do objeto de paixão com a relação inicial com excrementos.


Outro conceito sobre o qual Salomé se debruçou foi o narcisismo, para ela muito além do “amor a si mesmo”. Lou tinha muito cara a si a ideia de comunhão com o mundo, alegria de viver, estar ligada a todas as coisas viventes e não viventes. O narcisismo é um conceito limite, tem dupla função: é o reservatório, o substrato de todas as manifestações do psiquismo, incluindo a mais individualizada e sutil, como também de toda recaída, toda tendência à regressão. A tarefa da psicanálise, específica, como se refere Lou, é aprofundar no fundo narcísico para travar combate com o patológico, com formações regressivas, para liberar a energia vital criadora.


Na relação amorosa, quanto mais intensa e exclusiva, mais existe o combate para afirmação do eu, já que há uma ameaça sobre a conservação do eu. Na análise da interdependência do amor e do ódio, Salomé analisa que, para o homem que odeia no sentido pulsional, não basta destruir, ele também usufrui do sofrimento do outro. Torturar a quem não se ama mais é angustiante e desvia de outros objetivos, só quando há atrativo erótico que a crueldade é despertada, surgindo a pulsão do poder e fazendo disso um meio de alegria.


Sobre a pulsão de morte analisa o seu positivo: que a vida vale a pena, apesar de qualquer falta de ilusão a respeito.


O amor sexual, a criação artística e o fervor sexual estão ligados a uma mesma força vital. Para Lou o amor sexual é belo e perigoso, portanto não devemos esperar que dure. Deve-se usar dele como uma grande forçca regeneradora como ela fez, satisfazendo seus desejos eróticos e produzindo, produzindo, produzindo. Hoje temos estudos sobre o narcisismo, o objeto narcisado, a metapsicologia do recalque e o comprometimento decorrente de seu excesso, estudo sobre ideais e sublimação. Lendo as obras dos pioneiros, percebemos as sementes de estudos futuros. Nesse pensar incluo obras de Lou Andreas-Salomé.


 Velhos ou novos paradigmas ?


“(…) para quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento, cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo por si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser: é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamamento para longe.”

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