A Memória e os Três Tipos de Pensamentos
O HOMO INTERPRES E O INTELLIGENS
Homo interpres é o homem inconsciente, representado pelos territórios
da memória e pelo conjunto de fenômenos inconscientes que produzem o
funcionamento da mente humana, dos quais destaco os fenômenos RAM, da
psicoadaptação, da autochecagem, da âncora da memória, do autofluxo. Como
estudaremos, eles são responsáveis pelo registro das informações na memória,
pela leitura da mesma e pela construção das cadeias de pensamentos e das
reações emocionais.
Homo intelligens é o homem consciente, representado pelo eu, o grande
fenômeno consciente da inteligência. Através do eu, temos a consciência
existencial, ou seja, a consciência de que existimos e de que há um mundo que
existe e pulsa ao nosso redor. Além disso, temos a consciência de que pensamos
e nos emocionamos e podemos administrar os pensamentos e as emoções.
O Homo intelligens é
resultado do Homo interpres, pois todos os fenômenos que produzem a
nossa consciência são inconscientes. Para confirmar esse fato, basta citar que
não sabemos como penetramos nos labirintos da memória e resgatamos as
informações que constituem os pensamentos conscientes.
O eu faz leitura da memória e
constrói cadeias de pensamentos, porém, ao contrário daquilo em que até hoje a
psicologia acreditou, a maioria dos pensamentos que diariamente produzimos não
é produzida debaixo do controle consciente do eu, mas pelos complexos fenômenos
que estão imersos no campo de energia inconsciente da alma humana.
O Homo interpres faz com
que, freqüentemente, os processos de construção dos pensamentos e da
consciência existencial ultrapassem os limites da lógica. Por que o homem
consciente é freqüentemente ilógico? Por que diante de pequenos problemas ele
sofre grande impacto emocional e, as vezes, diante de grandes problemas mantém
sua coerência e lucidez? Por que diante de uma pequena barata ou diante de
elevador algumas pessoas têm reações fóbicas inadministráveis? O grande motivo
desses paradoxos é que no seu território inconsciente há uma série de variáveis
e fenômenos que ele não controla.
Quem controla todos os
pensamentos produzidos no palco de nossa mente? E as emoções, quem consegue
submetê-las plenamente ao governo de sua vontade? Podemos gerenciar o mundo mas
é muito difícil administrar a colcha de retalhos que constituem a nossa
inteligência. A partir de agora, vamos estudar o cerne do funcionamento da
mente e, talvez, o maior de todos os espetáculos do universo: o espetáculo da
construção dos pensamentos.
A MEMÓRIA
A memória é uma das
estruturas mais misteriosas e fundamentais da inteligência humana. Grande parte
dos textos que produzi sobre a memória não será abordada neste livro. A localização
anatômica da memória no córtex cerebral, bem como a fisiologia e bioquímica da
mesma não pertencem à minha área de pesquisa, mas às neurociências. Aqui
estudaremos algo mais importante do que sua anatomia. Analisaremos os seus
papéis, investigaremos a memória como suporte da construção da racionalidade,
do mundo intelectual.
O senso comum confunde
erroneamente memória com inteligência. Para ele, quem tem melhor memória ou
melhor capacidade de lembrança é mais inteligente. Esse conceito é desprovido
de fundamento, pois estudaremos que, ao contrário do que milhões de educadores
pensam, não existe lembrança. Não há lembrança das informações contidas na
memória, mas reconstrução das mesmas. Esse fato rompe com um dos mais sólidos
paradigmas que sustenta a educação clássica. Os professores enfileiram os
alunos durante toda a vida escolar para lhes transmitir informações, tendo a
falsa crença de que a memória é um depósito delas. Todavia, a memória
simplesmente não tem essa função.
A memória armazena a história
intrapsíquica, que é composta de milhões de experiências de prazer, medo,
apreensão, tranqüilidade, raiva, que temos durante toda nossa vida, iniciando
pela vida intra-uterina. Entretanto, pelo fato de a memória armazenar os
segredos de nossa história, pensamos ingenuamente que a função dela é funcionar
como depósito de informações. Assim, cremos falsamente que a hora que quisermos
poderemos usá-las de maneira pura — como retirar uma roupa do armário ou um
alimento da dispensa. Armazenamos as informações na memória, mas, quando as
lemos e utilizamos, elas não são mais exatamente as mesmas informações. É como
você colocar uma peça de roupa no armário e depois de uma semana, quando for
utilizá-la, ela mudou de cor, encolheu ou aumentou.
Temos de ter consciência de
que a leitura da memória é uma das mais importantes variáveis que participam da
construção da inteligência. Existem dezenas de outras variáveis que também
participam dessa leitura. Por isso, o resgate das informações, principalmente
das experiências do passado carregadas de emoções, nunca é uma lembrança pura,
mas uma reconstrução distinta, ainda que minimamente, dessas experiências.
Retomaremos esse assunto adiante.
O REGISTRO DAS INFORMAÇÕES
Como as informações se
armazenam na memória? Como as complexas experiências emocionais, tais como a
insegurança, o prazer e as reações fóbicas, se registram na memória e ficam
disponíveis para serem resgatadas? Essas questões são fundamentais.
Cada informação ou
experiência psíquica é armazenada na memória como um sistema de código
físico-químico, que chamo de representação psicossemântica, RPS. As RPSs são
sistemas de códigos físico-quimicos que representam o significado (semântica)
ou conteúdo das experiências psíquicas (pensamentos, idéias, raciocínios
analíticos, ansiedades, angústias existenciais, prazeres) e das informações
psíquicas (nomes, números, símbolos lingüísticos, símbolos visuais, fórmulas
matemáticas).
As "informações
psíquicas" são mais objetivas; por isso, as RPSs que as representam na
memória são mais bem organizadas. Essas condições facilitam a leitura e a
recordação ou interpretação das mesmas, que normalmente são realizadas com
menos distorções.
As "experiências
psíquicas" são mais subjetivas e complexas; portanto, são menos
organizadas, e sua reconstrução pela interpretação é realizada com mais
distorção. Dentre as experiências psíquicas, os pensamentos existenciais, as
idéias, os raciocínios analíticos, enfim, as construções psicodinâmicas dos
pensamentos são mais organizadas do que as transformações da energia emocional,
o que facilita a leitura e a interpretação das mesmas com mais fidelidade em
relação às experiências psíquicas originais, ou seja, em relação às
experiências psíquicas que deram origem às RPSs iniciais.
As experiências emocionais e
motivacionais são complexas e difíceis de ser organizadas em sistemas de
códigos físico-químicos; por isso, suas leituras e reconstrução pela
interpretação são passíveis de ser recordadas ou reconstruídas
interpretativamente com muitas distorções. Como organizar adequadamente, em
sistemas de códigos físico-químicos, uma complexa experiência fóbica, uma
angústia decorrente de algum problema existencial ou uma experiência de
prazer? As RPSs das experiências emocionais e motivacionais são sempre
redutoras e simplistas em relação às mesmas.
A trajetória de pesquisa e
produção de conhecimento sobre a memória, do ponto de vista psicológico,
psicodinâmico e psicossocial, inclui:
1. A qualidade e quantidade
das RPSs, representações psicossemânticas das experiências psíquicas,
arquivadas na memória.
2. As RPSs diretivas, ou
seja, relacionadas diretamente com o estímulo interpretado.
3. As RPSs associativas, ou
seja, relacionadas associadamente com o estímulo interpretado.
4. A lógica do processo de
arquivamento das matrizes dos pensamentos essenciais.
5. As dificuldades de
organização lógica do processo de arquivamento das experiências emocionais e
motivacionais.
6. A morte do "eu
sou" gerando o "fui histórico", ou seja, o caos psicodinâmico
descaracterizando as experiências psíquicas do passado e arquivando-as na
memória, para formar a história intrapsíquica.
7. A atuação do fenômeno RAM
— registro automático da memória — produzindo um processo espontâneo e
inevitável de formação da história intrapsíquica. A preferência do fenômeno RAM
por registrar privilegiadamente as experiências que tenham mais tensão.
8. A redutibilidade da
complexidade das experiências psíquicas, tais como as idéias, as análises, as
angústias existenciais, as inseguranças, as reações fóbicas, etc, no processo
de arquivamento fisico-químico das mesmas na memória e na conseqüente produção
das RPSs. Por exemplo, uma RPS físico-química que representa uma angústia existencial,
vivenciada num determinado período histórico, é muito pobre era relação à
realidade da experiência em si.
9. Os mecanismos
psicodinâmicos que promovem os níveis de estabilidade e de disponibilidade
histórica das RPSs, tais como: a qualidade dos estímulos da interpretação; a
qualidade do processo de interpretação do observador num determinado momento;
a qualidade dos impactos psicodinâmicos intelecto-emocionais das experiências
resultantes do processo de interpretação; as condições psicodinâmicas de
arquivamento dessas experiências como RPSs na memória e freqüência dos resgates
da construção das RPSs, etc.
10. A descaracterização das
RPSs na memória.
11. A interpretação das RPSs.
12. Os sistemas de relações
existentes entre os códigos físico-químicos das RPSs e as experiências
psíquicas.
13. Os sistemas de relações
existentes entre os códigos físico-químicos da memória e os estímulos
extrapsíquicos.
14. O processo de construção
da história intrapsíquica na memória do feto.
15. O processo de construção
da história intrapsíquica na memória na vida extra-uterina.
16. A leitura da memória
pelos quatro fenômenos que fazem a leitura da mesma.
17. Os deslocamentos
psicodinâmicos da âncora da memória nos seus territórios permitem a leitura,
numa determinada circunstância psicossocial, de um grupo de RPSs diretivas e
associativas para o fenômeno da autochecagem, do autofluxo e o eu construírem
as matrizes dos pensamentos essenciais históricos.
Os pontos psicológicos,
psicodinâmicos e psicossociais relativos à memória são muito complexos,
semelhantemente aos pontos relativos aos processos de construção dos
pensamentos. Por isso, seriam necessários muitos livros para abrangê-los todos.
Como podemos perceber através
de todos estes pontos, a abordagem da memória é muito mais complexa do que os
conceitos neurocientíficos relacionados com a memória de curto prazo e a
memória de longo prazo.4 Deixarei de lado o uso da memória de longo
prazo e de curto prazo por não considerá-lo adequado.
A MEMÓRIA EXISTENCIAL E A MEMÓRIA DE USO CONTÍNUO FORMANDO A HISTÓRIA INTRAPSÍQUICA
Existem dois tipos de
memória. A memória existencial (ME) e a memória de uso contínuo (MUC). Essas
duas memórias formam a totalidade da história intrapsíquica de um ser humano,
contendo, portanto, todos os segredos de sua vida. A memória existencial
representa as experiências que vão sendo registradas ao longo da vida e a
memória de uso contínuo representa as informações que vão sendo usadas e
rearquivadas continuamente, tais como os endereços das residências e dos
e-mails, os números telefônicos, as fórmulas matemáticas, as palavras que
compõe uma língua. Por que conseguimos nos "lembrar" de maneira mais
exata de determinadas informações? Porque elas são usadas continuamente e,
conseqüentemente, são novamente arquivadas, ficando mais disponíveis para serem
lidas. Se deixarmos de usar determinadas informações, elas vão sendo
substituídas e arquivadas na memória em zonas de acesso mais difícil.
Na base do desenvolvimento da
dependência de drogas, das fobias, dos transtornos obsessivos e da síndrome do
pânico existe uma produção contínua de idéias e experiências emocionais
semelhantes, que vão sendo arquivadas em zonas privilegiadas da memória de uso
contínuo, ficando, assim, mais disponíveis para serem lidas e,
conseqüentemente, para reproduzir novamente um desejo compulsivo por usar a
droga, uma reação fóbica, uma idéia obsessiva ou precipitar um novo ataque de
pânico.
O processo de arquivamento da
memória humana não é segmentado como nos computadores. Nestes, os arquivos são
segmentados e as informações são arquivadas em sistemas de códigos ou
endereços. Nos computadores procuramos as informações através de rígidos e
engessados sistemas de códigos, da mesma forma como procuramos um livro numa
biblioteca. Na memória humana não ocorre assim, sua leitura não é
unidirecional, mas multifocal. Nela, ao contrário dos computadores, os arquivos
têm canais de comunicação entre si. Além disso, o registro das informações é
feito por um complexo sistema de significado ou conteúdo (representação
psicossemântica- RPS). É como se pudéssemos entrar em diversos livros de uma
biblioteca e utilizarmos o conteúdo deles ao mesmo tempo.
O sistema de leitura da
história intrapsíquica é tão complexo, que uma pequena flor, um estímulo tão
simples, pode nos levar ao passado e nos fazer resgatar momentos ricos de nossa
infância que, aparentemente, não têm nada a ver com a anatomia da flor que está
diante dos nossos olhos. Nos computadores, o estímulo da flor nos induziria a
resgatar apenas a fauna, mas na memória humana ela pode nos induzir a resgatar
as brincadeiras, os momentos ingênuos, os passeios singelos e despreocupados.
Do mesmo modo, um pequeno gesto de uma pessoa pode nos levar a ter reações de
alegria, apreensão ou ansiedade, pois nos remete à leitura da memória que
resgata conteúdos importantes de nossa história.
Lembro-me de duas educadoras
que tinham reações fóbicas intensas diante de uma lagartixa. Uma delas tinha
reações psicossomáticas dramáticas diante deste animal, desencadeava crises de
vômitos. O problema não era mais a lagartixa, mas o monstro que ela criou
dentro dela, ou seja, a representação ou significado deste animal que ela criou
na sua memória.
O PASSADO NÃO É LEMBRADO, MAS RECONSTRUÍDO
Os processos de construção da
inteligência desencadeados pela leitura da história intrapsíquica,
principalmente pela memória existencial, são tão complexos que, ao estudá-los,
compreendemos que não existe a "recordação" ou "lembrança"
original das experiências do passado, mas uma interpretação em que
reconstruímos essas experiências no palco de nossas mentes.
Não nos lembramos das
experiências originais do passado; sempre reconstruímos interpretativamente
essas experiências a partir da leitura multifocal da história intrapsíquica e
dos sistemas de variáveis intrapsíquicas do presente que atuam
psicodinamicamente nessas experiências.
Nunca recordamos nem nos
lembramos da essência das nossas dores emocionais, das nossas angústias
existenciais, das nossas idéias etc, mas, como disse, as reconstruímos na
mente. A história existencial (intrapsíquica) está morta essencialmente na
memória. Para que ela possa ser utilizada na confecção das cadeias de
pensamentos, nas transformações da energia emocional, ela tem de ser
reconstituída (reconstruída) essencialmente. Tais reconstruções pela
interpretação são passíveis de inúmeras distorções.
A realidade essencial das
experiências psíquicas do passado sofreram o caos psicodinâmico. A medida que
isso aconteceu, elas sofreram, ao mesmo tempo, um processo de registro
físico-químico na memória, gerando as RPSs. Quem registra automaticamente as
experiências do passado? O fenômeno RAM. Ele, à medida que os pensamentos e as
emoções são construídos no palco de nossas mentes, registra-os na memória do
córtex cerebral, em forma de sistemas de códigos físico-químicos. Assim surgem
as RPSs, que são representações físicas das experiências psíquicas. As RPSs são
sistemas de códigos decorrentes, provavelmente, de arranjos eletrônicos ou
atômicos em determinados sítios do córtex cerebral, onde se localiza a
memória, tais como complexo amigdalóide, o hipocampo, o sistema límbico,5
etc.
As RPSs são sistemas de
códigos físico-químicos que representam semanticamente as experiências
psíquicas que sofreram o caos psicodinâmico ao longo do processo de formação da
personalidade. Porém, as RPSs, como arranjo físico-químico, seja atômico,
eletrônico ou qualquer outro sistema de código, são e serão sempre
"pobres", restritivas, em relação à experiência original.
O primeiro beijo, o primeiro
diploma, o primeiro desafio, o primeiro salário, a primeira derrota, nunca mais
são resgatados de maneira pura, de maneira tão intensa. Toda
"recordação" tem um débito emocional em relação à experiência
original. Embora esse assunto talvez nunca tenha sido estudado na psicologia,
ele está no âmago do processo de formação da personalidade.
Os melhores momentos de
prazer, bem como as mais amargas experiências de dor emocional, de solidão, de
desespero e de ansiedade, foram registradas como sistemas de códigos físicos
"frios", que precisarão dos fenômenos que lêem a memória para serem
reconstruídos interpretativamente no campo da energia psíquica e assim
ganharem "vida", realidade psíquica. Assim, tais sistemas de códigos
saem da condição física do córtex cerebral para conquistar energia psíquica.
Por que a memória é redutora e contraidora das experiências do passado, da
história existencial? Porque o objetivo fundamental da memória é ser utilizado
para produzir continuamente novas experiências, idéias, pensamentos e emoções,
e, assim, promover e até provocar a evolução psicossocial, o desenvolvimento
da personalidade, da construção da inteligência como um todo.
Já pensou se pudéssemos
resgatar o passado exatamente como ele é e se tivéssemos, ainda, a capacidade
plena de lembrar de todas as experiências contidas na memória? Isso poderia
paralisar a produção de novas experiências, o que engessaria o desenvolvimento
da inteligência.
Tem de haver a morte ou o
caos do "eu sou", ou seja, da realidade das experiências psíquicas do
presente, tais como os raciocínios analíticos, as idéias, as angústias
existenciais, as ansiedades, os prazeres, etc, para que surja o "fui
histórico", ou seja, para que ocorra o processo de registro dessas
experiências e se produza, conseqüentemente, a formação da história passada. A
experiência mais bela que temos hoje tem de morrer, se desorganizar e ser
armazenada fisicamente no córtex cerebral. Notem que nem mesmo o momento mais
feliz de nossa vida dura mais do que horas ou dias.
O caos do "eu sou"
expande a história intrapsíquica, ou seja, a descaracterização das experiências
do presente expande o registro da memória. Para que possamos enriquecer nossa
capacidade de pensar e de sentir do presente, precisamos enriquecer nossa
memória. Todavia, para enriquecer a memória, os pensamentos e as emoções do
presente têm que "morrer" e se registrar nela. "Morrendo",
descaracterizando-se, eles abrem espaços para novas leituras da memória e para
a produção de novos pensamentos e emoções.
A morte do presente é a única
possibilidade de expansão do próprio presente, de enriquecimento do "eu
sou", pois o presente se alimenta das informações. Se essas não forem
acumuladas na memória, se paralisaria a evolutividade intelecto-emocional.
Notem que aprendemos milhões
de informações na escola, mas quando adultos somos capazes de, no máximo,
lembrar de milhares delas. O objetivo da memória não é dar um excelente suporte
para que se processe a lembrança pura das experiências e das informações
passadas, mas suporte para produzir novas experiências e informações a partir
da leitura do passado. Por isso, grande parte das informações se perde, o que
fica é seu conteúdo, seu significado, que funcionarão como tijolos para novas
construções intelectuais.
O "eu sou" (as experiências
do presente) sofre o caos psicodinâmico, desorganiza sua essência e
simultaneamente registra-se na memória, tornando-se o "fui
histórico", ou seja, a história intrapsíquica. Num processo de retorno ou
rebote existencial, o "fui histórico" influencia o "eu
sou", ou seja, os processos de construção da inteligência no momento
existencial do presente. Porém, o "eu sou" tem dimensões distintas em
relação ao fui histórico (o passado); ele representa o fui histórico somado às
variáveis intrapsíquicas do presente. Assim, a cada momento da existência, o
"eu sou" está experimentando o caos e se tomando o fui histórico, e
renascendo ou reorganizando-se como um "novo eu sou", expandindo as
possibilidades de construção das experiências e promovendo o processo de evolução
psicossocial do homem.
A realidade das dores,
alegrias e ansiedades do passado findou-se e se tornou a história; a história,
uma vez lida, renasce e participa da realidade do presente. Essa abordagem,
mais uma vez, expressa a importância da união da Psicologia com a Filosofia num
mesmo corpo teórico para compreendermos o homem total.
Nossas idéias, emoções,
análises estão sempre evoluindo no processo existencial, ainda que essa
evolução não seja qualitativa. Na gênese das ansiedades há uma leitura contínua
de determinadas zonas da memória que produzem reações ansiosas, que são
descaracterizadas e registradas novamente, retroalimentando as áreas doentias
de nossa história.
Ao contrário dos
computadores, uma das mais marcantes características da mente humana não é a
lógica, nem a mesmice intelectual nem a estabilidade intocável, mas a
evolução, a distinção, a diferenciação na produção intelectual. Todos
gostaríamos de ter a lógica e a habilidade dos computadores em resgatar
informações da memória, mas se tivéssemos tal habilidade os computadores não
existiriam, pois a inteligência humana não se desenvolveria e, portanto, não
seria capaz de construí-los. O grande paradoxo é que só uma mente que não é
estritamente lógica, como é a mente humana, poderia construir máquinas lógicas
como a dos computadores.
Se a energia psíquica não
estivesse num fluxo vital de transformações essenciais, em que se organiza,
desorganiza e reorganiza continuamente, não haveria o homem pensante, não
haveria a evolução intelectual da espécie humana.
A leitura das RPSs contidas
na memória e a organização instantânea dessas RPSs na formação das cadeias das
matrizes dos pensamentos essenciais e, conseqüentemente, na produção das
experiências emocionais e na construção de pensamentos conscientes (dialéticos
e antidialéticos) não é uma reprodução das experiências originais, não é uma
recordação ou lembrança essencial dessas experiências, mas uma interpretação
do passado.
As cadeias de pensamentos
essenciais, dialéticos e antidialéticos, bem como as experiências emocionais e
motivacionais produzidas pelo resgate das RPSs, podem ter grande ou pouca
relacionalidade com a realidade das experiências psíquicas vivenciadas no
passado.
A cada momento em que
resgatamos e reconstruímos uma experiência do passado, nós o fazemos de maneira
diferente, com proximidade ou grande distanciamento em relação às dimensões
intelecto-emocionais da experiência original. É por esse motivo que nossas
recordações da interpretação reproduzem de maneira diferente as experiências
do passado nos diversos momentos em que as recordamos. Em determinado momento,
podemos recordar uma experiência de angústia existencial vivenciada no passado,
ligada a uma perda, a uma frustração psicossocial ou a uma dificuldade
socioprofissional etc, e ficarmos comovidos com ela e, em outro momento,
podemos recordá-la sem grandes emoções. Uma mãe pode recordar a perda de um
filho com grande sofrimento num determinado momento e, em outro momento,
recordá-la sem grandes dores emocionais.
A experiência original e a
freqüência da reconstrução das experiências passadas e a qualidade desses
resgates formam as complexas tramas de RPSs que influenciarão na qualidade das
novas recordações a serem produzidas no futuro. Esse complexo mecanismo
psicodinâmico e psicossocial, associado à atuação do fenômeno da psicoadaptação
(a ser estudado), gera a diminuição dos níveis de intensidade emocional, seja
de sofrimento ou de prazer, dos resgates das experiências emocionais. Assim,
com o passar do tempo, todos os prazeres decorrentes das premiações (Oscar,
Nobel, Grammy, títulos acadêmicos, títulos esportivos etc), dos elogios e dos
bons momentos da vida, bem como todos os sofrimentos e todas as angústias
decorrentes das perdas, frustrações, estímulos estressantes etc, diminuem de
intensidade à medida que se processam os resgates da construção dessas
experiências. Se não ocorressem esses mecanismos, gravitaríamos em torno das
experiências do passado e não promoveríamos uma revolução na construção de
novas idéias que estimulariam o processo de formação da personalidade e o
processo de evolução da história social do homem.
Quando uso neste livro a
expressão "recordar o passado" ela não deve ser entendida, como foi
dito, como uma reprodução original das experiências do passado, mas uma
reconstrução da interpretação, ou melhor, uma interpretação realizada a partir
da leitura e manipulação das RPSs, contidas na história intrapsiquica que
formam as matrizes dos pensamentos essenciais. A leitura da história
intrapsiquica, a formação das matrizes dos pensamentos essenciais e a atuação
psicodinâmica dessas matrizes sofrem influência das variáveis intrapsíquicas
do presente, tais como o fenômeno da psicoadaptação, a energia emocional e
motivacional presente no momento da leitura da história intrapsiquica, o
fenômeno da credibilidade autógena.
A história intrapsiquica,
contida na memória, e a história social, contida nos livros, nos museus, na
arquitetura, são irrevogáveis na sua essência original; ambas são
invariavelmente interpretadas e reconstruídas nos bastidores da psique humana.
Embora os conceitos e
postulados da neuroanatomia, da neurofisiologia e da bioquímica cerebral das
neurociências, referentes à memória, sejam importantes e passíveis de serem
usados na compreensão de algumas variáveis que participam do processo de
construção da história intrapsiquica e dos demais processos da inteligência, é
preciso avançar muito na compreensão da memória. Precisamos pesquisar e
procurar compreender as complexas e sofisticadas esferas psicológicas,
psicodinâmicas e psicossociais ligadas à memória.
Todo ser humano que possui
uma memória preservada, capaz de armazenar as experiências psíquicas
(construções psicodinâmicas) produzidas pelos processos de construção da
psique em forma de RPS (representações psicossemânticas) desenvolverá,
paulatinamente, ao longo do seu processo existencial, sua história
intrapsiquica.
A qualidade da história
intrapsiquica dependerá "diretamente" da qualidade das RPSs, que dependerá
"diretamente" da qualidade das construções psicodinâmicas, que
dependerá "parcialmente" da qualidade dos estímulos
socioeducacionais e do gerenciamento do eu sobre os processos de construção da
inteligência.
Analisaremos que o
gerenciamento do eu sobre os processos de construção dos pensamentos possui
limitações. Agora, a respeito dos estímulos socioeducacionais nos processos de
construção dos pensamentos, a relação qualitativa entre eles com as construções
psicodinâmicas (experiências psíquicas) e, conseqüentemente, com a formação da
história intrapsiquica, não é completa, mas parcial, pois dependerá da ação
psicodinâmica de múltiplas variáveis intrapsíquicas. Por isso, um pai
alcoólatra, agressivo e socialmente alienado poderá gerar dois filhos com
personalidades totalmente distintas, pois a cada momento da interpretação eles
possuem variáveis intrapsíquicas qualitativamente diferentes, que
interpretarão os estímulos advindos do pai de maneira diferente, gerando
construções psico-dinâmicas diferentes; que se arquivarão em suas memórias como
RPSs diferentes; que produzirão histórias diferentes; que sofrerão leituras
multifocais e financiarão a produção de matrizes de pensamentos essenciais
diferentes; que sofrerão um processo de leitura virtual e produzirão
pensamentos dialéticos e antidialéticos diferentes; que, finalmente, estimularão
e redirecionarão o desenvolvimento da personalidade por trajetórias diferentes.
Todos esses complexos
mecanismos ocorridos nos bastidores da mente poderão levar um filho a
desenvolver uma personalidade que reproduz algumas características do pai
alcoólatra, tais como o alcoolismo, reações agressivas, indiferença quanto às
responsabilidades socioprofissionais etc, e outro filho a desenvolver uma
personalidade totalmente diferente da dele, podendo ser avesso a bebidas
alcoólicas ou ingeri-las com controle e ser emocionalmente dócil e tranqüilo.
O processo de interpretação,
os processos de construção dos pensamentos, o processo de leitura da memória e
os sistemas de variáveis intrapsíquicas existentes nos bastidores da mente são
tão complexos que podem reduzir, abortar ou mesmo redirecionar as possíveis
influências genéticas que poderiam contribuir para o desenvolvimento do
alcoolismo e demais doenças psíquicas, tais como a depressão, a psicose
maníaco-depressiva, os transtornos obsessivo-compulsivos etc.
OS PENSAMENTOS DIALÉTICOS
Os pensamentos dialéticos são
conscientes, lógicos (embora possam, ser usados em análises ilógicas), bem
organizados em cadeias psicodinâmicas, bem definidos psicolingüisticamente,
gerenciados com facilidade pelo eu e, por isso, são utilizados com freqüência
na análise, na síntese das idéias, nos discursos teóricos, na produção
científica, na produção tecnológica, nas relações sociais. Os pensamentos
dialéticos são expressos com facilidade na comunicação social e interpessoal,
pois são facilmente codificados pelo sistema nervoso central e pelo aparelho
fonador; por isso são chamados aqui de "pensamentos dialéticos". Os
pensamentos dialéticos, no entanto, têm dimensões muito maiores do que a
expressa pela comunicação social e interpessoal através da verbalização. Por
isso, freqüentemente, temos a sensação de que as palavras não conseguem
expressar o conteúdo dos nossos pensamentos, das nossas idéias. A dimensão das
idéias é maior do que a dimensão das palavras.
Os pensamentos dialéticos são
psicolingüisticamente organizados e definidos porque a mente utiliza, ao longo
do processo de formação da personalidade, os símbolos sonoros da linguagem
verbalizada para constituí-los em códigos, para mimetizá-los
psicolingüisticamente. A psicolingüística dos pensamentos dialéticos, que, as
vezes, se parece com um som inaudível na mente, não é obviamente um som e nem
tem a restritividade física dos símbolos sonoros produzidos pelas ondas sonoras
mecânicas.
Os pensamentos dialéticos
surgem a partir do processo de leitura virtual das matrizes dos pensamentos
essenciais, que são pensamentos inconscientes. Assim, o nascedouro dos
pensamentos dialéticos, que são os pensamentos mais conscientes da mente,
ocorre a partir dos pensamentos essenciais inconscientes.
O processo de leitura virtual
das matrizes dos pensamentos essenciais é realizado por um fenômeno
intrapsíquico, chamado de fenômeno LVD ou fenômeno da leitura virtual
dialética. A leitura das matrizes de pensamentos essenciais pelo fenômeno LVD
gera as cadeias psicodinâmicas dos pensamentos dialéticos, conferindo-lhes um
formato psicolingüístico consciente que mimetiza psicodinamicamente os símbolos
sonoros. Desse fato, podemos inferir que as matrizes dos pensamentos
essenciais, ao serem construídas, já trazem na sua "estrutura
psicodinâmica" arquivados na memória um sistema de relação lógica com os
símbolos sonoros, que facilita o processo de leitura virtual do fenômeno LVD.
Por isso, os pensamentos dialéticos possuem linearidade lógica, possibilitando
sua utilização no desenvolvimento da ciência e da racionalidade, embora seus
processos de construção ultrapassem paradoxalmente os limites da lógica.
Falaremos sobre esses sistemas de relação lógica quando estudarmos adiante os
pensamentos essenciais.
Lemos em milésimos de
segundos a memória e produzimos as matrizes dos pensamentos essenciais
inconscientes. Em milésimos de segundos depois, o fenômeno LVD faz um processo
de leitura virtual dessas matrizes e gera os pensamentos dialéticos utilizados
na comunicação interpessoal, na mídia, na literatura, na ciência. Tudo se passa
tão rápido na mente, que não nos damos conta de como é que conseguimos ler a
memória e produzir milhares de pensamentos dialéticos diariamente. Como já
comentei, incorporamos nas cadeias de pensamentos dialéticos sujeitos, verbos,
substantivos, adjetivos etc, antes que tenhamos consciência deles. Como é possível
tal incorporação? Através das matrizes dos pensamentos essenciais
inconscientes, o que prova a sua existência. Porém, diante disso, podemos
inferir uma importantíssima pergunta psicossocial e filosófica: Pensamos o que
queremos pensar ou apenas fazemos leituras virtuais dos pensamentos
inconscientes, que são produzidos previamente sem a consciência crítica do
"eu"? Se o pensamento consciente tem seu nascedouro no pensamento
inconsciente, como o pensamento consciente tem controle sobre si mesmo? Até
onde somos agentes históricos ou vítimas de processos que lêem a memória e
constroem cadeias inconscientes de pensamentos sem a autorização do
"eu"? É provável que as teorias psicológicas e filosóficas não entraram
nessas questões fundamentais. Creio que é impossível ter uma resposta completa
sobre esses assuntos, mas uma resposta parcial se encontrará nos meandros dos
textos posteriores.
Quando pensamos sobre os
mistérios que envolvem os processos de construção da ciência, ficamos
estarrecidos com a nossa pobre e limitada ciência. Esta existe porque o homem
pensa; mas quando a ciência resolve investigar a si mesma, sua origem como
pensamento, ela enfrenta sua própria debilidade e limitações.
Enquanto as cadeias de
pensamentos essenciais são lidas pelo processo de leitura virtual, também é
realizada uma leitura que identifica os símbolos lingüísticos a serem usados
na mimetização dialética. Os poliglotas têm que fazer, inclusive, uma opção de
escolha do tipo de símbolos lingüísticos (língua) que usam em seus pensamentos.
Por isso, afirmei que a leitura da história intrapsíquica arquivada na memória
é multifocal. Porém, a versatilidade, a liberdade criativa e a plasticidade
construtiva das matrizes dos pensamentos essenciais, e das leituras virtuais
dos pensamentos dialéticos, são muito mais expansivas, sofisticadas e complexas
do que as produzidas pelas ondas mecânicas que constituem os símbolos sonoros.
Nas pessoas surdas, a
mimetização psicolingüistica dialética é feita, ou pode ser feita, por símbolos
visuais. Teoricamente, é possível produzir uma mimetização psicodinâmica a
partir de estímulos mais "plásticos", "livres" e menos
restritivos do que os produzidos a partir da linguagem verbalizada (símbolos
sonoros) e da linguagem visual (símbolos visuais), pois o que importa no
processo de leitura virtual é produzir uma mimetização psicodinâmica que possa
dar uma movimentação psicolingüistica consciente aos pensamentos dialéticos.
Quero dizer com isso, que é teoricamente possível ter uma psicolingüistica dos
pensamentos dialéticos mais eficiente do que a que temos produzido e usado até
hoje nas relações humanas e na produção científica. Seria bom que outros
pesquisadores se dedicassem a descobertas de linguagens supradialéticas.
A mimetização psicodinâmica
dos pensamentos dialéticos não é dada em si por eles, mas pelas matrizes de
pensamentos essenciais históricos. A psicolingüistica dos pensamentos
dialéticos é produzida a partir de uma sofisticada leitura virtual dessas
matrizes.
Os pensamentos dialéticos são
produzidos por uma leitura lógica das matrizes dos pensamentos essenciais e
pela mimetização psicodinâmica dos símbolos físicos; por isso, são
psicolingüisticamente bem-definidos e bem-traduzidos na verbalização. Os
pensamentos antidialéticos são produzidos por uma leitura virtual mais difusa,
provavelmente por outro fenômeno que não o LVD, ou então por um processo de
leitura difusa desse fenômeno. Por isso, pensamentos antidialéticos são
psicolingüisticamente indefinidos ou pouco definidos. Devido à psicolinguagem lógica
dos pensamentos dialéticos e à facilidade com que o eu gerencia sua
construtividade, elas são usadas na produção do conhecimento científico, do
conhecimento coloquial, da comunicação verbal, na produção literária etc. De
outro lado, devido à psicolinguagem dos pensamentos antidialéticos ser difusa,
pouco definida e pouco administrada logicamente pelo eu, ela é utilizada mais
para desenvolver as fantasias, a consciência do tempo, a consciência das dores
emocionais, a consciência das inspirações, a consciência das angústias existenciais,
a consciência dos prazeres etc.
O pensamento antidialético
define o indefinível, produz a consciência dos fenômenos que escapam à
definição lógica dos pensamentos dialéticos. A produção de pensamentos
antidialéticos freqüentemente fica "represada" na mente ou, às
vezes, é traduzida pelas artes, pela pintura, escultura, música, teatro etc.
Os pensamentos antidialéticos
também podem ser traduzidos pela comunicação verbal; porém, nesse caso, as
imagens mentais, as fantasias, as "esculturas tempo-espaciais", a
consciência das emoções etc, têm que ser formatadas pelos pensamentos
dialéticos para depois serem verbalizadas. Nessa situação, dá para termos uma
idéia da redutibilidade intelectual que os pensamentos dialéticos realizam
quando tentam traduzir os pensamentos antidialéticos sobre as angústias
existenciais, o prazer, a insegurança, a inspiração etc. Os pensamentos
dialéticos reduzem as dimensões dos pensamentos antidialéticos quando os
traduzem dialeticamente e os canalizam pela verbalização. Essa abordagem
evidencia que a consciência humana é construída por um intrincado sistema de
códigos psicolingüísticos, um sofisticado sistema de leitura desses códigos e
um complexo processo de cointerferência entre os tipos de pensamentos.
Todos temos dificuldade para
expressar dialeticamente os sofisticados e quase indescritíveis pensamentos
antidialéticos. Freqüentemente, as "cadeias psicodinâmicas dos
pensamentos antidialéticos" são associadas e até mesmo
"mescladas" com as "cadeias psicodinâmicas dos pensamentos
dialéticos". Por isso, temos dificuldade para expressar toda a arquitetura
psicodinâmica dos pensamentos que produzimos. Por isso também temos
freqüentemente a sensação de que, apesar de termos abordado dialeticamente,
com tanto empenho, um determinado assunto, ainda ficou algo para dizer. Essa
sensação de "algo não dito" é produzida, muitas vezes, pelos
pensamentos antidialéticos que são difíceis de ser expressos. As pessoas que
vivenciam quadros dramáticos de depressão, síndromes do pânico, transtornos
obsessivo-compulsivos etc, geralmente se frustram ao tentar expressar as
dimensões da sua dor emocional e da sua angústia existencial, pois, além de
conseguirem expressar dialeticamente muito pouco a consciência antidialética
de suas emoções, seus ouvintes, freqüentemente, re-constroem
interpretativamente essas dores emocionais e angústias existenciais de maneira
reduzida e distorcida.
Os pensamentos dialéticos
podem ser gerados tanto à deriva do eu, ou seja, sem a autorização do
"eu" , sem a leitura desta pela história intrapsíquica, como podem
ser construídos pelo determinismo do eu, pelo gerenciamento que ela exerce
sobre os processos de construção dos pensamentos. Os pensamentos dialéticos
construídos psicodinamicamente sob a autorização, determinismo lógico e
controle do eu são mais organizados, mais administrados, possuem uma base
analítica mais profunda, têm uma cadeia psicodinâmica que considera mais os
parâmetros da lógica e os referenciais históricos.
Os pensamentos dialéticos
produzidos pelos demais fenômenos da mente são mais restritivos do ponto de
vista analítico e dos parâmetros histórico-críticos. Os sonhos, produzidos pelo
fenômeno do autofluxo (a ser estudado), possuem uma liberdade criativa e uma
plasticidade construtiva riquíssima, mas sem uma base analítica sólida, sem
parâmetros históricos passíveis de sofrer uma reciclagem crítica durante a
construção das cadeias psicodinâmicas dos pensamentos dialéticos e
antidialéticos.
Há uma rica interconexão
entre os pensamentos dialéticos e antidialéticos produzidos pelos fenômenos
inconscientes da mente e os pensamentos dialéticos e antidialéticos produzidos
pelo gerenciamento do eu. Um pensamento dialético e um antidialético
produzidos pelo fenômeno do autofluxo ou pelo fenômeno da autochecagem da
memória podem desencadear uma administração do eu, levando a uma continuidade
da produção da cadeia psicodinâmica dos pensamentos. Porém, quando o eu dá
continuidade às cadeias psicodinâmicas produzidas pelos demais fenômenos que
lêem a memória, ele o faz através de uma construção mais analítica e
histórico-crítica, ou seja, que considera mais os parâmetros da lógica e os
referenciais históricos. Por exemplo, o fenômeno do autofluxo pode fazer uma
leitura da memória e resgatar matrizes de pensamentos essenciais que, em última
análise, poderão ser traduzidas dialeticamente e antidialeticamente como
situações existenciais do passado, tais como uma experiência discriminatória,
um grande elogio ou uma situação fóbica vivenciada na infância. Esses
pensamentos dialéticos e antidialéticos podem desencadear a ação administrativa
do eu que "atua construtivamente" nas cadeias psicodinâmicas dos
pensamentos produzidos pelo fenômeno do autofluxo e, assim, acrescentar a elas
a produção de novas idéias dialéticas e pensamentos antídialéticos, tais como
crítica sobre os fatos envolvidos, resgate de causas, imaginação de personagens
e circunstâncias etc.
Os processos de construção
dos pensamentos envolvem, como enumerei, pelo menos cerca de três dezenas de
pontos sofisticados e complexos, muitos dos quais não poderão ser aqui
comentados.
OS PENSAMENTOS ANTÍDIALÉTICOS
Os pensamentos antídialéticos
são conscientes, embora nem sempre plenamente conscientes. Eles não são bem
formatados psicolingüisticamente, ultrapassam freqüentemente os limites da
lógica e necessitam da participação estreita do fenômeno de uma credibilidade
autógena para dar crédito conceituai aos mesmos. Devido à sua linguagem
psíquica difusa, que advém mais da perceptividade da consciência do que da
mimetização psicodinâmica dos símbolos sonoros e visuais, eu digo que eles têm
uma antipsicolinguagem. Como disse, os pensamentos antídialéticos se expressam
através de imagens mentais, conceitos difusos, fantasias, consciência das
experiências emocionais e motivacionais.
No processo de formação da
personalidade, primeiro se desenvolvem os pensamentos antídialéticos e, depois,
pouco a pouco, o eu vai se organizando e aprendendo a produzir e gerenciar a
construção de pensamentos dialéticos e exercer a difícil tarefa de traduzir e
expressar dialeticamente o pool de pensamentos antídialéticos produzidos
diariamente na mente. Toda criança deficiente mental que tem preservadas
algumas áreas da memória tem uma rica construção de pensamentos antídialéticos;
mas ela, dependendo do grau de comprometimento da memória e, conseqüentemente,
do desenvolvimento da história intrapsíquica, poderá ter grande dificuldade
para organizar o eu e desenvolver o processo de gerenciamento sobre a
construção de pensamentos dialéticos.
O grande desafio
socioeducacional em relação às crianças deficientes mentais, que merecem o
nosso mais profundo respeito e dedicação, é levá-las a organizar as cadeias
psicodinâmicas dos pensamentos dialéticos segundo os critérios existentes nos
parâmetros da realidade extrapsíquica e nos referenciais histórico-críticos
contidos na memória. Os profissionais que cuidam de crianças deficientes
mentais precisam catalisar as microrrevoluções das idéias existentes nos
bastidores da mente das mesmas, visando expandir a formação da história
intrapsíquica e o processo de construção dos pensamentos.
Os pensamentos antídialéticos
são úteis para produzir complexas e difusas antecipações de situações do
futuro, resgates de experiências passadas, imaginar circunstâncias existenciais
e tempo-espaciais, desenvolver consciência sobre as angústias existenciais, a
insegurança, as reações fóbicas, o prazer. Quando vivemos uma experiência
fóbica ou sentimos angústia devido a algum problema existencial, temos
consciência antídialética sobre essas experiências, mas não conseguimos
descrevê-las dialeticamente com facilidade, ou seja, não conseguimos
traduzi-las com facilidade pela linguagem psíquica dialética e, muito menos,
traduzi-las pela verbalização; por isso, como disse, é comum termos a sensação
de que não conseguimos nos expressar para os nossos ouvintes.
Há um verdadeiro
"truncamento da comunicação" na tradução dialética dos pensamentos
antidialéticos e na tradução antídialética das experiências emocionais e
motivacionais. O "truncamento da comunicação" entre as experiências
emocionais, a consciência antídialética dessas experiências e a tradução
reduzida da consciência antídialética pelos pensamentos dialéticos e, conseqüentemente,
pela verbalização e gesticulação, ocorre em todos os níveis das relações
humanas, gerando as mais variadas incompreensões e até as mais variadas
atitudes anti-humanísticas dos ouvintes. Os ouvintes freqüentemente não
conseguem, através do processo de subjetivação derivado do processo de
interpretação, reconstruir interpretativamente as dimensões das idéias, da
insegurança, da angústia existencial, das dores emocionais e do prazer que o
"outro" vivência realmente dentro de si mesmo. Por isso, uma dramática
experiência emocional, tais como um ataque de pânico ou uma reação
claustrofóbica, pode ser compreendida pelo ouvinte ou pelo observador como se
fosse uma banalidade emocional e não como uma reação de grande sofrimento.
O truncamento da comunicação
ocorre também nas artes. Nelas, as obras dos artistas são sempre reduzidas em
relação às obras antidialéticas arquitetadas psicodinamicamente nos bastidores
e palcos conscientes das suas mentes. A construção dos pensamentos do autor é
maior do que a expressão dessa construção, ou seja, do que sua obra, mesmo da
sua obra-prima. Porém, costuma-se admirar mais a obra do que o autor porque a
obra, construída nos meandros da mente do autor, logo experimenta o caos
psicodinâmico, enquanto que a obra exterior do artista (escultura, pintura,
obra literária etc.) resiste ao tempo e permanece em museus, em exposições. Por
isso, tem-se a sensação de que a obra contemplada é mais sofisticada e completa
do que a obra produzida nos meandros da psique humana.
O "truncamento da
comunicação dialética-antidialética" ocorre também na relação
psicoterapeuta-paciente. Muitos psicoterapeutas, pelo fato de não conhecerem as
complexas relações entre a experiência emocional, a consciência antídialética e
a consciência dialética, não conseguem desenvolver um processo de interpretação
e, conseqüentemente, um processo de subjetivação da experiência do paciente
mais condizente com o que ele é. Assim, não conseguem avaliar as dimensões da
dor emocional e da angústia existencial do paciente, o que dificulta sua
atuação como psicoterapeuta, catalisador e redirecionador do gerenciamento do
eu do paciente sobre os processos de construção da inteligência e sobre os
conflitos psicossociais e estímulos estressantes que vivência.
As relações médico-paciente,
executivo-empregado, professor-aluno, pai-filho etc, estão saturadas de
desencontros, de "truncamentos da comunicação
dialética-antidialética". Já é uma tarefa difícil formatar os pensamentos
antidialéticos que não têm uma psicolingüística definida e traduzi-los na
linguagem dialética verbal; agora, imagine o leitor se o processo de interpretação
do "outro", como geralmente acontece, for realizado superficialmente...
Essa é uma das maiores causas da violação histórica dos direitos humanos.
Na comunicação interpessoal,
há uma redução e distorção nas dimensões da reconstrução do outro mais intensa
e complexa do que podemos imaginar. Por isso, muitos pais, professores,
executivos, psicoterapeutas etc, por não questionarem e reorganizarem continuamente
seus processos de subjetivação decorrentes de seus processos de interpretação,
pensam que estão dialogando com o "outro" e conhecendo-o, quando, na
realidade, estão dialogando com eles mesmos, conhecendo a si mesmos. Por isso,
o que falam ou pensam do outro se relaciona muito mais com o que são do que com
o que o outro é.
OS PENSAMENTOS ESSENCIAIS
Os pensamentos essenciais são
os pensamentos inconscientes que dão origem aos conscientes, ou seja, aos
dialéticos e aos antidialéticos. Se os pensamentos conscientes são virtuais,
portanto, destituídos de realidade, quem é que os forma? São os pensamentos
essenciais. Uma vez que eles sofrem um processo de leitura virtual, eles dão
origem a um dos mais fantásticos fenômenos da ciência: aos pensamentos conscientes.
Os pensamentos essenciais
recebem esse nome porque se constituem da essência intrínseca da energia
psíquica. Portanto, diferentemente dos pensamentos dialéticos e antidialéticos,
que são de natureza virtual, eles são de natureza real, são constituídos de
matrizes de códigos de energia psíquica. Só podemos investigá-los indiretamente
através da pesquisa empírica aberta.
Hoje, talvez, já tenhamos
pensado nos compromissos que teremos amanhã ou nos problemas que enfrentamos
ontem. O tempo não existe, o amanhã e o ontem são produtos imaginários,
virtuais, de nossas mentes. O que é virtual não pode ser produzido por si
mesmo, pois é desprovido de realidade; como, então, produzimos os pensamentos
imaginários? Na realidade, eles foram produzidos porque fizemos uma leitura da
memória, geramos os pensamentos essenciais, que são sistemas de códigos
"reais" de energia psíquica. Esses sistemas de códigos sofreram uma
leitura virtual que, por sua vez, gerou os fantásticos pensamentos imaginários
sobre os problemas de ontem e de amanhã.
Os pensamentos essenciais são
produzidos através da leitura da história intrapsíquica realizada pelos
fenômenos da autochecagem, do autofluxo, da âncora da memória e pelo eu. Toda
vez que a memória é lida, ocorre a formação das matrizes dos pensamentos
essenciais.
É um erro científico achar
que os pensamentos dialéticos e antidialéticos sejam formados diretamente da
leitura da memória. A leitura da memória não é simplesmente um resgate de
informações, mas uma organização dessas informações, e essa organização não é
virtual, mas essencial, real. Portanto, as matrizes dos pensamentos
essenciais, que são de natureza essencial, é que são formadas através das
milhares de leituras da memória realizadas diariamente.
Comentei que as experiências
psíquicas (idéias, raciocínios analíticos, angústia existencial, ansiedade,
insegurança etc.) e as informações psíquicas (símbolos lingüísticos, símbolos
visuais, nomes, números etc.) são arquivadas como sofisticados sistemas de
códigos fisico-químicos na memória, que chamo de representação psicossemântica
(RPS). A leitura das RPSs geram as matrizes dos códigos dos pensamentos
essenciais históricos.
A leitura das RPSs, que
representam as informações simples (os números de telefone, endereço residencial
etc.) e os nomes (de pessoas, livros, animais etc.) contidas na memória de uso
contínuo, gera matrizes de pensamentos essenciais que representam com
determinada fidelidade os sistemas de códigos fisico-químicos das RPSs, as
quais, por sua vez, representam com mais fidelidade as informações do passado
que deram origem às mesmas. De outro lado, a leitura das RPSs, que representam
as experiências psíquicas contidas na memória existencial, não representam com
fidelidade os códigos fisico-químicos das mesmas na memória, pois tal leitura
não é uma simples lembrança das experiências do passado, mas, como disse, uma
interpretação das mesmas que é influenciada por diversos sistemas de variáveis
intrapsíquicas.
Além disso, a leitura das
RPSs que representam as experiências existenciais não é apenas uma sofisticada
interpretação das mesmas, mas uma nova reorganização das mesmas, gerando
complexas e particulares cadeias de matrizes de pensamentos essenciais
históricos, que darão origem às complexas e particulares experiências
emocionais e às complexas e particulares cadeias psicodinâmicas de pensamentos
dialéticos e antidialéticos.
As cadeias das matrizes dos
pensamentos essenciais não são, portanto, apenas originárias da leitura das
RPSs contidas na memória, mas também de rapidíssimas e refinadíssimas
manipulações psicodinâmicas inconscientes das mesmas. Todos os dias,
reconstruímos diversas experiências psíquicas ligadas ao nosso passado, tais
como um elogio, uma ofensa, as palavras de um amigo, um momento de excitação,
uma situação conflitante.
As RPSs que representam essas
experiências na memória são sistemas de códigos físico-químicos frios, sem vida
intelecto-emocional. A leitura dessas RPSs desencadeia uma interpretação que
reorganiza o caos da energia psíquica e dá "cores" e
"sabores" intelecto-emocionais a elas. Além disso, a leitura das RPSs
são reorganizadas de modo particular, gerando não apenas resgates das
experiências psíquicas do passado passíveis de distorções, mas reconstruções
pela interpretação que geram novas cadeias das matrizes dos pensamentos
essenciais e novas experiências emocionais.
Quando uma mãe perde um
filho, as reconstruções pela interpretação das RPSs, ao longo do tempo, que
representam psicossemanticamente esse filho na memória, geram cadeias de
matrizes de pensamentos essenciais e, conseqüentemente, pensamentos dialéticos
e antidialéticos sobre o mesmo, bem como transformações da energia emocional e
motivacional. Por isso, ela tem emoções diferentes em momentos em que se lembra
do filho.
Se a memória fosse um
"baú que armazenasse a energia psíquica" das experiências
existenciais, e as recordações não fossem, como afirmei, reconstruções pela
interpretação das RPSs que representam essas experiências na memória, mas
fossem resgates das experiências originais, então, toda vez que essa mãe
recordasse a perda do filho, ela teria que sentir o sofrimento vivenciado no
momento da consciência da perda do mesmo, nos mesmos níveis, o que, felizmente,
não ocorre; caso contrário, as angústias existenciais se perpetuariam na mesma
intensidade ao longo de toda a trajetória de vida.
A recordação das experiências
relativas às perdas, aos elogios, às ofensas, aos momentos de hesitação, às
reações fóbicas, ao prazer, às frustrações psicossociais etc, não apenas são
resgates das RPSs, mas reconstruções psicodinâmicas que manipulam
rapidissimamente essas RPSs, gerando novas cadeias psicodinâmicas dos
pensamentos essenciais, dialéticos e antidialéticos, bem como novas
experiências emocionais. Parece que nossas recordações nos remetem à
reprodução original das experiências psíquicas do passado; porém, se formos
analisar qualitativa e quantitativamente as "arestas psicodinâmicas"
das idéias e emoções produzidas nessas recordações, verificaremos que elas,
freqüentemente, são micro ou macrodistintas.
As reconstruções pela
interpretação priorizam o processo evolutivo da personalidade e da história
psicossocial, que, por sua vez, rompe com a reprodução idêntica e paralisante
das experiências psíquicas do passado. A personalidade humana e a história
psicossocial evoluem não apenas pela determinação consciente do "eu",
mas também por processos intrapsíquicos inevitáveis.
As reconstruções pela
interpretação das experiências passadas produzem inevitáveis micro ou
macrotraições da interpretação que promovem a revolução das idéias e o
desenvolvimento psicossocial do homem, estabelecendo um dos mais importantes
princípios da evolução da personalidade humana e das sociedades como um todo.
A personalidade humana e as
sociedades evoluem, não apenas porque o homem é capaz de realizar uma produção
de conhecimento científico e socioeducacional com coerência e lógica, mas
também porque a fonte que gera essa produção é sustentada por processos que
ultrapassam os limites da lógica. Até na física e nas demais ciências naturais
a produção de conhecimento é sustentada por processos que ultrapassam os
limites da lógica. Essa é uma das áreas mais importantes da teoria da
interpretação; por isso ela deveria ser incorporada por todas as teorias.
As matrizes dos pensamentos
essenciais produzidas pelos fenômenos da mente nem sempre sofrem ação do
fenômeno responsável por realizar o processo de leitura virtual e,
conseqüentemente, nem sempre geram pensamentos dialéticos e antidialéticos.
Embora muitas dessas matrizes não sofram uma leitura virtual consciente, elas
geram reações emocionais, instintivas e reações motoras (musculares)
inconscientes. As teorias do "condicionamento" e de
"estímulo-resposta" que dão suporte teórico às psicoterapias
comportamentais e cognitivas, embora desconheçam os processos de construção dos
pensamentos, estão ligadas invariavelmente à construção, à práxis e ao registro
contínuo das matrizes de pensamentos essenciais na memória.
Os fenômenos inconscientes
que lêem a história intrapsíquica produzem continuamente inúmeras cadeias
psicodinâmicas das matrizes dos pensamentos essenciais, que geram diariamente
tanto uma revolução das idéias dialéticas e antidialéticas como centenas ou
milhares de reações emocionais, reações instintivas e movimentos musculares
que não são apreendidos conscientemente.
As matrizes dos pensamentos
essenciais têm de produzir diversos sistemas de relação lógica para financiar
o desenvolvimento dos processos de construção dos pensamentos e da consciência
existencial.
Sem a existência dos sistemas
de relações lógicas produzidas pelas matrizes dos pensamentos essenciais, não
seria possível organizar as cadeias psicodinâmicas dos pensamentos e produzir
idéias, análises, inferências, sínteses, reconstrução da interpretação do
passado, e relacioná-las com o mundo extrapsíquico, intrapsíquico e com a
história intrapsíquica.
A dialética dos conceitos,
das idéias, não é produzida pela contrapartida da negação. Pensei durante anos
que a contrapartida da negação produzisse os conceitos e definições dos
fenômenos e objetos que contemplamos. Eu pensava que um objeto, tal como um
sofá, distinto de milhares de outras coisas, ou seja, de uma casa, de um
astro, de um caderno, de uma janela, era definido pela contrapartida da
negação, gerando os conceitos, as idéias. Porém, na medida em que pesquisei os
sistemas de relações dos pensamentos essenciais, percebi que são eles que
desencadeiam o financiamento dialético das idéias, produzem as diretrizes
lógicas dos pensamentos, dos conceitos, das definições. Destacarei, no
momento, três importantes sistemas de relação produzidos pelas matrizes dos
pensamentos essenciais.
Primeiro, as matrizes dos
pensamentos essenciais têm de manter um sistema de relação com os códigos
físico-químicos do cérebro captados pelo sistema sensorial e, por extensão,
elas têm de manter um sistema de relação com os estímulos extrapsíquicos
contidos no meio ambiente, tais como os fenômenos físicos, o comportamento humano,
o comportamento dos animais.
Sem esse sistema de relação,
não seria possível fazer uma ponte de ligação entre os complexos estímulos
extrapsíquicos, que se constituem de milhares ou milhões de detalhes visuais,
sonoros, táteis, gustativos, e as matrizes dos pensamentos essenciais. Sem a
ponte de ligação entre as matrizes de pensamentos essenciais históricos e os
sistemas de códigos dos estímulos extrapsíquicos não seria possível produzir
pensamentos dialéticos e antidialéticos capazes de gerar uma consciência
existencial sobre o mundo extrapsíquico, não seria possível identificar e
discriminar os estímulos contidos nesse mundo.
Segundo, as matrizes dos
pensamentos essenciais têm de manter um sistema de relação com as RPSs
arquivadas na memória, ou seja, com as representações psicossemânticas das
experiências e das informações psíquicas contidas na história intrapsíquica.
Sem esse sistema de relação, não seria possível identificar na memória do
córtex cerebral um estímulo extrapsíquico (elogio, ofensa, rejeição, apoio
etc.) e nem um estímulo intrapsíquico (reações fóbicas, prazer, angústia
existencial, idéias).
A ponte de ligação entre as
matrizes dos pensamentos essenciais históricos e os sistemas de códigos
físico-químicos dos estímulos extrapsíquicos, comentada no "primeiro
sistema de relação", passa invariavelmente pela mediação desse segundo
sistema de relação. Os sistemas de relações entre as matrizes dos pensamentos
essenciais e as RPSs arquivadas na memória financiam a ponte de ligação entre essas
matrizes e os sistemas de códigos físico-químicos. Sem esses sistemas de
relação, o mundo extrapsiquico e a nossa história intrapsíquica não teriam
conexão. Não teríamos consciência do mundo; estaríamos mergulhados num
indescritível vácuo da inconsciência existencial.
Terceiro, as matrizes de
pensamentos essenciais têm de manter um sistema de relação com o processo de
leitura virtual que produz as cadeias psicodinâmicas dos pensamentos dialéticos
e antidialéticos. Sem esse sistema de relação, não seria possível haver uma
relacionalidade entre os pensamentos dialéticos e antidialéticos e os
fenômenos físicos, o comportamento das pessoas e todos os elementos do mundo
extrapsiquico. Não seria possível nem mesmo haver uma consciência antidialética
sobre as emoções que vivenciamos no passado e uma consciência dialética sobre
as inúmeras idéias, raciocínios analíticos, intempéries existenciais, relações
interpessoais etc, também vivenciadas no passado.
Sem os sistemas de relação
das matrizes dos pensamentos essenciais com os estímulos extrapsíquicos, com a
história intrapsíquica e com o processo de leitura virtual que formam as
cadeias psicodinâmicas dos pensamentos dialéticos e antidialéticos, não seria
possível produzir os processos de construção dos pensamentos e da consciência
existencial. Com isso, não haveria a construção da consciência do mundo
intrapsíquico e do mundo extrapsiquico. Identificamos as expressões faciais das
pessoas e percebemos que elas estão tristes, alegres, apreensivas. Como temos
segurança nesta identificação? Através do sistema de relação lógica entre o
estímulo físico e as etapas do processo de construção de pensamentos.
O eu, ao produzir as cadeias
psicodinâmicas das matrizes dos pensamentos essenciais, não tem consciência de
como se processa essa produção, porque a leitura da memória, o impressionante
resgate das informações, em meio a bilhões de opções existentes, e a
manipulação psicodinâmica das RPSs são processos realizados inconscientemente.
As matrizes de pensamentos essenciais são produzidas inconscientemente e em
milésimos de segundos; depois de serem produzidas, elas sofrem um processo de
leitura virtual que gera os pensamentos dialéticos e antidialéticos na esfera
da virtualidade, desencadeando a formação da consciência existencial num
determinado momento.
Precisamos procurar aprender
não apenas a utilizar os pensamentos, mas a compreender os processos de
construção dos pensamentos, os fenômenos e as variáveis que neles atuam, em
frações de segundos, para gerar os três tipos fundamentais de pensamentos, e a
indescritível e sofisticada consciência existencial. Precisamos ir além da
produção de conhecimento explicacionista e psicologista sobre o comportamento
humano, e do discurso teórico superficial sobre o inconsciente, para
investigar os processos de construção dos pensamentos, que nascem e se
desenvolvem clandestinamente nos bastidores da psique humana.
Sem investigar os processos
de construção da inteligência não compreenderemos a formação da consciência
humana, da identidade psicossocial, nem entenderemos quais são os limites do
gerenciamento do eu sobre os pensamentos. Sem tal investigação não
compreenderemos também os paradoxos que envolvem a única espécie pensante
desse planeta. Embora sejamos detentores do espetáculo da inteligência, as
cenas de guerras e violação dos direitos humanos macularam as principais
páginas de nossa história.
É preciso compreender os
fenômenos que estão na base do funcionamento da mente para enxergarmos por que
nos tornamos gigantes na ciência e na tecnologia, mas pequenos no
desenvolvimento das funções mais altruístas da inteligência, tais como a
tolerância, a solidariedade, a capacidade de pensar antes de reagir, de expor
e não impor as idéias.
Saudações cordiais. Temo que só após determinar que procedimento resultou esta exposição poderei esboçar um comentário válido, permanecendo no entanto, reserva pelos marcadores e consequente desfasamento com a linha seguida pela Psicologia no novo contexto mundial. Muito grato pela partilha.
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