sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O HOMO INTERPRES E O INTELLIGENS

A Memória e os Três Tipos de Pensamentos


O HOMO INTERPRES E O INTELLIGENS

Homo interpres é o homem inconsciente, representado pelos territó­rios da memória e pelo conjunto de fenômenos inconscientes que produzem o funcionamento da mente humana, dos quais destaco os fenômenos RAM, da psicoadaptação, da autochecagem, da âncora da memória, do autofluxo. Como estudaremos, eles são responsáveis pelo re­gistro das informações na memória, pela leitura da mesma e pela constru­ção das cadeias de pensamentos e das reações emocionais.
Homo intelligens é o homem consciente, representado pelo eu, o grande fenômeno consciente da inteligência. Através do eu, temos a consciência existencial, ou seja, a consciência de que existimos e de que há um mundo que existe e pulsa ao nosso redor. Além disso, temos a consciência de que pensamos e nos emocionamos e podemos administrar os pensamentos e as emoções.
O Homo intelligens é resultado do Homo interpres, pois todos os fenôme­nos que produzem a nossa consciência são inconscientes. Para confirmar esse fato, basta citar que não sabemos como penetramos nos labirintos da memória e resgatamos as informações que constituem os pensamentos cons­cientes.
O eu faz leitura da memória e constrói cadeias de pensamentos, porém, ao contrário daquilo em que até hoje a psicologia acreditou, a maioria dos pensamentos que diariamente produzimos não é produzida debaixo do controle consciente do eu, mas pelos complexos fenômenos que estão imersos no campo de energia inconsciente da alma humana.
O Homo interpres faz com que, freqüentemente, os processos de cons­trução dos pensamentos e da consciência existencial ultrapassem os limites da lógica. Por que o homem consciente é freqüentemente ilógico? Por que diante de pequenos problemas ele sofre grande impacto emocional e, as vezes, diante de grandes problemas mantém sua coerência e lucidez? Por que diante de uma pequena barata ou diante de elevador algumas pessoas têm reações fóbicas inadministráveis? O grande motivo desses paradoxos é que no seu território inconsciente há uma série de variáveis e fenômenos que ele não controla.
Quem controla todos os pensamentos produzidos no palco de nossa mente? E as emoções, quem consegue submetê-las plenamente ao governo de sua vontade? Podemos gerenciar o mundo mas é muito difícil adminis­trar a colcha de retalhos que constituem a nossa inteligência. A partir de agora, vamos estudar o cerne do funcionamento da mente e, talvez, o maior de todos os espetáculos do universo: o espetáculo da construção dos pensa­mentos.

A MEMÓRIA

A memória é uma das estruturas mais misteriosas e fundamentais da inteligência humana. Grande parte dos textos que produzi sobre a memó­ria não será abordada neste livro. A localização anatômica da memória no córtex cerebral, bem como a fisiologia e bioquímica da mesma não perten­cem à minha área de pesquisa, mas às neurociências. Aqui estudaremos algo mais importante do que sua anatomia. Analisaremos os seus papéis, investigaremos a memória como suporte da construção da racionalidade, do mundo intelectual.
O senso comum confunde erroneamente memória com inteligência. Para ele, quem tem melhor memória ou melhor capacidade de lembrança é mais inteligente. Esse conceito é desprovido de fundamento, pois estuda­remos que, ao contrário do que milhões de educadores pensam, não existe lembrança. Não há lembrança das informações contidas na memória, mas reconstrução das mesmas. Esse fato rompe com um dos mais sólidos paradigmas que sustenta a educação clássica. Os professores enfileiram os alunos durante toda a vida escolar para lhes transmitir informações, tendo a falsa crença de que a memória é um depósito delas. Todavia, a memória simplesmente não tem essa função.
A memória armazena a história intrapsíquica, que é composta de mi­lhões de experiências de prazer, medo, apreensão, tranqüilidade, raiva, que temos durante toda nossa vida, iniciando pela vida intra-uterina. Entretanto, pelo fato de a memória armazenar os segredos de nossa história, pensamos ingenuamente que a função dela é funcionar como depósito de informações. Assim, cremos falsamente que a hora que quisermos podere­mos usá-las de maneira pura — como retirar uma roupa do armário ou um alimento da dispensa. Armazenamos as informações na memória, mas, quando as lemos e utilizamos, elas não são mais exatamente as mesmas informações. É como você colocar uma peça de roupa no armário e depois de uma semana, quando for utilizá-la, ela mudou de cor, encolheu ou au­mentou.
Temos de ter consciência de que a leitura da memória é uma das mais importantes variáveis que participam da construção da inteligência. Exis­tem dezenas de outras variáveis que também participam dessa leitura. Por isso, o resgate das informações, principalmente das experiências do passa­do carregadas de emoções, nunca é uma lembrança pura, mas uma recons­trução distinta, ainda que minimamente, dessas experiências. Retomare­mos esse assunto adiante.

O REGISTRO DAS INFORMAÇÕES

Como as informações se armazenam na memória? Como as complexas experiências emocionais, tais como a insegurança, o prazer e as reações fóbicas, se registram na memória e ficam disponíveis para serem resgata­das? Essas questões são fundamentais.
Cada informação ou experiência psíquica é armazenada na memória como um sistema de código físico-químico, que chamo de representação psicossemântica, RPS. As RPSs são sistemas de códigos físico-quimicos que representam o significado (semântica) ou conteúdo das experiências psí­quicas (pensamentos, idéias, raciocínios analíticos, ansiedades, angústias existenciais, prazeres) e das informações psíquicas (nomes, números, sím­bolos lingüísticos, símbolos visuais, fórmulas matemáticas).
As "informações psíquicas" são mais objetivas; por isso, as RPSs que as representam na memória são mais bem organizadas. Essas condições facili­tam a leitura e a recordação ou interpretação das mesmas, que normalmen­te são realizadas com menos distorções.
As "experiências psíquicas" são mais subjetivas e complexas; portanto, são menos organizadas, e sua reconstrução pela interpretação é realizada com mais distorção. Dentre as experiências psíquicas, os pensamentos exis­tenciais, as idéias, os raciocínios analíticos, enfim, as construções psicodinâmicas dos pensamentos são mais organizadas do que as transformações da energia emocional, o que facilita a leitura e a interpretação das mesmas com mais fidelidade em relação às experiências psíquicas originais, ou seja, em relação às experiências psíquicas que deram origem às RPSs iniciais.
As experiências emocionais e motivacionais são complexas e difíceis de ser organizadas em sistemas de códigos físico-químicos; por isso, suas leituras e reconstrução pela interpretação são passíveis de ser recordadas ou reconstruídas interpretativamente com muitas distorções. Como organi­zar adequadamente, em sistemas de códigos físico-químicos, uma comple­xa experiência fóbica, uma angústia decorrente de algum problema exis­tencial ou uma experiência de prazer? As RPSs das experiências emocionais e motivacionais são sempre redutoras e simplistas em relação às mesmas.
A trajetória de pesquisa e produção de conhecimento sobre a memó­ria, do ponto de vista psicológico, psicodinâmico e psicossocial, inclui:
1. A qualidade e quantidade das RPSs, representações psicossemânticas das experiências psíquicas, arquivadas na memória.
2. As RPSs diretivas, ou seja, relacionadas diretamente com o estímulo interpretado.
3. As RPSs associativas, ou seja, relacionadas associadamente com o estímulo interpretado.
4. A lógica do processo de arquivamento das matrizes dos pensamen­tos essenciais.
5. As dificuldades de organização lógica do processo de arquivamento das experiências emocionais e motivacionais.
6. A morte do "eu sou" gerando o "fui histórico", ou seja, o caos psicodinâmico descaracterizando as experiências psíquicas do passa­do e arquivando-as na memória, para formar a história intrapsíquica.
7. A atuação do fenômeno RAM — registro automático da memória — produzindo um processo espontâneo e inevitável de formação da história intrapsíquica. A preferência do fenômeno RAM por registrar privilegiadamente as experiências que tenham mais tensão.
8. A redutibilidade da complexidade das experiências psíquicas, tais como as idéias, as análises, as angústias existenciais, as inseguranças, as reações fóbicas, etc, no processo de arquivamento fisico-químico das mesmas na memória e na conseqüente produção das RPSs. Por exemplo, uma RPS físico-química que representa uma angústia exis­tencial, vivenciada num determinado período histórico, é muito po­bre era relação à realidade da experiência em si.
9. Os mecanismos psicodinâmicos que promovem os níveis de estabili­dade e de disponibilidade histórica das RPSs, tais como: a qualidade dos estímulos da interpretação; a qualidade do processo de interpre­tação do observador num determinado momento; a qualidade dos impactos psicodinâmicos intelecto-emocionais das experiências re­sultantes do processo de interpretação; as condições psicodinâmicas de arquivamento dessas experiências como RPSs na memória e freqüência dos resgates da construção das RPSs, etc.
10. A descaracterização das RPSs na memória.
11. A interpretação das RPSs.
12. Os sistemas de relações existentes entre os códigos físico-químicos das RPSs e as experiências psíquicas.
13. Os sistemas de relações existentes entre os códigos físico-químicos da memória e os estímulos extrapsíquicos.
14. O processo de construção da história intrapsíquica na memória do feto.
15. O processo de construção da história intrapsíquica na memória na vida extra-uterina.
16. A leitura da memória pelos quatro fenômenos que fazem a leitura da mesma.
17. Os deslocamentos psicodinâmicos da âncora da memória nos seus territórios permitem a leitura, numa determinada circunstância psicossocial, de um grupo de RPSs diretivas e associativas para o fenômeno da autochecagem, do autofluxo e o eu construírem as matrizes dos pensamentos essenciais históricos.
Os pontos psicológicos, psicodinâmicos e psicossociais relativos à me­mória são muito complexos, semelhantemente aos pontos relativos aos pro­cessos de construção dos pensamentos. Por isso, seriam necessários muitos livros para abrangê-los todos.
Como podemos perceber através de todos estes pontos, a abordagem da memória é muito mais complexa do que os conceitos neurocientíficos relacionados com a memória de curto prazo e a memória de longo prazo.4 Deixarei de lado o uso da memória de longo prazo e de curto prazo por não considerá-lo adequado.

A MEMÓRIA EXISTENCIAL E A MEMÓRIA DE USO CONTÍNUO FORMANDO A HISTÓRIA INTRAPSÍQUICA

Existem dois tipos de memória. A memória existencial (ME) e a memó­ria de uso contínuo (MUC). Essas duas memórias formam a totalidade da história intrapsíquica de um ser humano, contendo, portanto, todos os se­gredos de sua vida. A memória existencial representa as experiências que vão sendo registradas ao longo da vida e a memória de uso contínuo representa as informações que vão sendo usadas e rearquivadas continuamente, tais como os endereços das residências e dos e-mails, os números telefôni­cos, as fórmulas matemáticas, as palavras que compõe uma língua. Por que conseguimos nos "lembrar" de maneira mais exata de determinadas infor­mações? Porque elas são usadas continuamente e, conseqüentemente, são novamente arquivadas, ficando mais disponíveis para serem lidas. Se dei­xarmos de usar determinadas informações, elas vão sendo substituídas e arquivadas na memória em zonas de acesso mais difícil.
Na base do desenvolvimento da dependência de drogas, das fobias, dos transtornos obsessivos e da síndrome do pânico existe uma produção contínua de idéias e experiências emocionais semelhantes, que vão sendo arquivadas em zonas privilegiadas da memória de uso contínuo, ficando, assim, mais disponíveis para serem lidas e, conseqüentemente, para repro­duzir novamente um desejo compulsivo por usar a droga, uma reação fóbica, uma idéia obsessiva ou precipitar um novo ataque de pânico.
O processo de arquivamento da memória humana não é segmentado como nos computadores. Nestes, os arquivos são segmentados e as infor­mações são arquivadas em sistemas de códigos ou endereços. Nos compu­tadores procuramos as informações através de rígidos e engessados siste­mas de códigos, da mesma forma como procuramos um livro numa biblio­teca. Na memória humana não ocorre assim, sua leitura não é unidirecional, mas multifocal. Nela, ao contrário dos computadores, os arquivos têm ca­nais de comunicação entre si. Além disso, o registro das informações é feito por um complexo sistema de significado ou conteúdo (representação psicossemântica- RPS). É como se pudéssemos entrar em diversos livros de uma biblioteca e utilizarmos o conteúdo deles ao mesmo tempo.
O sistema de leitura da história intrapsíquica é tão complexo, que uma pequena flor, um estímulo tão simples, pode nos levar ao passado e nos fazer resgatar momentos ricos de nossa infância que, aparentemente, não têm nada a ver com a anatomia da flor que está diante dos nossos olhos. Nos computadores, o estímulo da flor nos induziria a resgatar apenas a fauna, mas na memória humana ela pode nos induzir a resgatar as brinca­deiras, os momentos ingênuos, os passeios singelos e despreocupados. Do mesmo modo, um pequeno gesto de uma pessoa pode nos levar a ter reações de alegria, apreensão ou ansiedade, pois nos remete à leitura da memória que resgata conteúdos importantes de nossa história.
Lembro-me de duas educadoras que tinham reações fóbicas intensas diante de uma lagartixa. Uma delas tinha reações psicossomáticas dramáti­cas diante deste animal, desencadeava crises de vômitos. O problema não era mais a lagartixa, mas o monstro que ela criou dentro dela, ou seja, a representação ou significado deste animal que ela criou na sua memória.

O PASSADO NÃO É LEMBRADO, MAS RECONSTRUÍDO

Os processos de construção da inteligência desencadeados pela leitura da história intrapsíquica, principalmente pela memória existencial, são tão complexos que, ao estudá-los, compreendemos que não existe a "recor­dação" ou "lembrança" original das experiências do passado, mas uma interpretação em que reconstruímos essas experiências no palco de nos­sas mentes.
Não nos lembramos das experiências originais do passado; sempre re­construímos interpretativamente essas experiências a partir da leitura multifocal da história intrapsíquica e dos sistemas de variáveis intrapsíquicas do presente que atuam psicodinamicamente nessas experiências.
Nunca recordamos nem nos lembramos da essência das nossas dores emocionais, das nossas angústias existenciais, das nossas idéias etc, mas, como disse, as reconstruímos na mente. A história existencial (intrapsíquica) está morta essencialmente na memória. Para que ela possa ser utilizada na confecção das cadeias de pensamentos, nas transformações da energia emocional, ela tem de ser reconstituída (reconstruída) essencialmente. Tais reconstruções pela interpretação são passíveis de inúmeras distorções.
A realidade essencial das experiências psíquicas do passado sofreram o caos psicodinâmico. A medida que isso aconteceu, elas sofreram, ao mes­mo tempo, um processo de registro físico-químico na memória, gerando as RPSs. Quem registra automaticamente as experiências do passado? O fe­nômeno RAM. Ele, à medida que os pensamentos e as emoções são construídos no palco de nossas mentes, registra-os na memória do córtex cerebral, em forma de sistemas de códigos físico-químicos. Assim surgem as RPSs, que são representações físicas das experiências psíquicas. As RPSs são sistemas de códigos decorrentes, provavelmente, de arranjos eletrôni­cos ou atômicos em determinados sítios do córtex cerebral, onde se locali­za a memória, tais como complexo amigdalóide, o hipocampo, o sistema límbico,5 etc.
As RPSs são sistemas de códigos físico-químicos que representam semanticamente as experiências psíquicas que sofreram o caos psicodinâmico ao longo do processo de formação da personalidade. Porém, as RPSs, como arranjo físico-químico, seja atômico, eletrônico ou qualquer outro sistema de código, são e serão sempre "pobres", restritivas, em relação à experiên­cia original.
O primeiro beijo, o primeiro diploma, o primeiro desafio, o primeiro salário, a primeira derrota, nunca mais são resgatados de maneira pura, de maneira tão intensa. Toda "recordação" tem um débito emocional em rela­ção à experiência original. Embora esse assunto talvez nunca tenha sido estudado na psicologia, ele está no âmago do processo de formação da personalidade.
Os melhores momentos de prazer, bem como as mais amargas expe­riências de dor emocional, de solidão, de desespero e de ansiedade, foram registradas como sistemas de códigos físicos "frios", que precisarão dos fenômenos que lêem a memória para serem reconstruídos interpre­tativamente no campo da energia psíquica e assim ganharem "vida", reali­dade psíquica. Assim, tais sistemas de códigos saem da condição física do córtex cerebral para conquistar energia psíquica. Por que a memória é redutora e contraidora das experiências do passado, da história existen­cial? Porque o objetivo fundamental da memória é ser utilizado para pro­duzir continuamente novas experiências, idéias, pensamentos e emoções, e, assim, promover e até provocar a evolução psicossocial, o desenvolvi­mento da personalidade, da construção da inteligência como um todo.
Já pensou se pudéssemos resgatar o passado exatamente como ele é e se tivéssemos, ainda, a capacidade plena de lembrar de todas as experiên­cias contidas na memória? Isso poderia paralisar a produção de novas ex­periências, o que engessaria o desenvolvimento da inteligência.
Tem de haver a morte ou o caos do "eu sou", ou seja, da realidade das experiências psíquicas do presente, tais como os raciocínios analíticos, as idéias, as angústias existenciais, as ansiedades, os prazeres, etc, para que surja o "fui histórico", ou seja, para que ocorra o processo de registro des­sas experiências e se produza, conseqüentemente, a formação da história passada. A experiência mais bela que temos hoje tem de morrer, se de­sorganizar e ser armazenada fisicamente no córtex cerebral. Notem que nem mesmo o momento mais feliz de nossa vida dura mais do que horas ou dias.
O caos do "eu sou" expande a história intrapsíquica, ou seja, a descaracterização das experiências do presente expande o registro da me­mória. Para que possamos enriquecer nossa capacidade de pensar e de sentir do presente, precisamos enriquecer nossa memória. Todavia, para enriquecer a memória, os pensamentos e as emoções do presente têm que "morrer" e se registrar nela. "Morrendo", descaracterizando-se, eles abrem espaços para novas leituras da memória e para a produção de novos pensa­mentos e emoções.
A morte do presente é a única possibilidade de expansão do próprio presente, de enriquecimento do "eu sou", pois o presente se alimenta das informações. Se essas não forem acumuladas na memória, se paralisaria a evolutividade intelecto-emocional.
Notem que aprendemos milhões de informações na escola, mas quan­do adultos somos capazes de, no máximo, lembrar de milhares delas. O objetivo da memória não é dar um excelente suporte para que se processe a lembrança pura das experiências e das informações passadas, mas supor­te para produzir novas experiências e informações a partir da leitura do passado. Por isso, grande parte das informações se perde, o que fica é seu conteúdo, seu significado, que funcionarão como tijolos para novas cons­truções intelectuais.
O "eu sou" (as experiências do presente) sofre o caos psicodinâmico, desorganiza sua essência e simultaneamente registra-se na memória, tor­nando-se o "fui histórico", ou seja, a história intrapsíquica. Num processo de retorno ou rebote existencial, o "fui histórico" influencia o "eu sou", ou seja, os processos de construção da inteligência no momento existencial do presente. Porém, o "eu sou" tem dimensões distintas em relação ao fui histórico (o passado); ele representa o fui histórico somado às variáveis intrapsíquicas do presente. Assim, a cada momento da existência, o "eu sou" está experimentando o caos e se tomando o fui histórico, e renascen­do ou reorganizando-se como um "novo eu sou", expandindo as possibili­dades de construção das experiências e promovendo o processo de evolu­ção psicossocial do homem.
A realidade das dores, alegrias e ansiedades do passado findou-se e se tornou a história; a história, uma vez lida, renasce e participa da realidade do presente. Essa abordagem, mais uma vez, expressa a importância da união da Psicologia com a Filosofia num mesmo corpo teórico para com­preendermos o homem total.
Nossas idéias, emoções, análises estão sempre evoluindo no processo existencial, ainda que essa evolução não seja qualitativa. Na gênese das ansiedades há uma leitura contínua de determinadas zonas da memória que produzem reações ansiosas, que são descaracterizadas e registradas novamente, retroalimentando as áreas doentias de nossa história.
Ao contrário dos computadores, uma das mais marcantes características da mente humana não é a lógica, nem a mesmice intelectual nem a estabili­dade intocável, mas a evolução, a distinção, a diferenciação na produção intelectual. Todos gostaríamos de ter a lógica e a habilidade dos computado­res em resgatar informações da memória, mas se tivéssemos tal habilidade os computadores não existiriam, pois a inteligência humana não se desenvolve­ria e, portanto, não seria capaz de construí-los. O grande paradoxo é que só uma mente que não é estritamente lógica, como é a mente humana, poderia construir máquinas lógicas como a dos computadores.
Se a energia psíquica não estivesse num fluxo vital de transformações essenciais, em que se organiza, desorganiza e reorganiza continuamente, não haveria o homem pensante, não haveria a evolução intelectual da espé­cie humana.
A leitura das RPSs contidas na memória e a organização instantânea dessas RPSs na formação das cadeias das matrizes dos pensamentos essen­ciais e, conseqüentemente, na produção das experiências emocionais e na construção de pensamentos conscientes (dialéticos e antidialéticos) não é uma reprodução das experiências originais, não é uma recordação ou lem­brança essencial dessas experiências, mas uma interpretação do passado.
As cadeias de pensamentos essenciais, dialéticos e antidialéticos, bem como as experiências emocionais e motivacionais produzidas pelo resgate das RPSs, podem ter grande ou pouca relacionalidade com a realidade das experiências psíquicas vivenciadas no passado.
A cada momento em que resgatamos e reconstruímos uma experiência do passado, nós o fazemos de maneira diferente, com proximidade ou grande distanciamento em relação às dimensões intelecto-emocionais da experiência original. É por esse motivo que nossas recordações da interpre­tação reproduzem de maneira diferente as experiências do passado nos diversos momentos em que as recordamos. Em determinado momento, podemos recordar uma experiência de angústia existencial vivenciada no passado, ligada a uma perda, a uma frustração psicossocial ou a uma difi­culdade socioprofissional etc, e ficarmos comovidos com ela e, em outro momento, podemos recordá-la sem grandes emoções. Uma mãe pode re­cordar a perda de um filho com grande sofrimento num determinado mo­mento e, em outro momento, recordá-la sem grandes dores emocionais.
A experiência original e a freqüência da reconstrução das experiências passadas e a qualidade desses resgates formam as complexas tramas de RPSs que influenciarão na qualidade das novas recordações a serem pro­duzidas no futuro. Esse complexo mecanismo psicodinâmico e psicossocial, associado à atuação do fenômeno da psicoadaptação (a ser estudado), gera a diminuição dos níveis de intensidade emocional, seja de sofrimento ou de prazer, dos resgates das experiências emocionais. Assim, com o passar do tempo, todos os prazeres decorrentes das premiações (Oscar, Nobel, Grammy, títulos acadêmicos, títulos esportivos etc), dos elogios e dos bons momentos da vida, bem como todos os sofrimentos e todas as angústias decorrentes das perdas, frustrações, estímulos estressantes etc, diminuem de intensidade à medida que se processam os resgates da construção des­sas experiências. Se não ocorressem esses mecanismos, gravitaríamos em torno das experiências do passado e não promoveríamos uma revolução na construção de novas idéias que estimulariam o processo de formação da personalidade e o processo de evolução da história social do homem.
Quando uso neste livro a expressão "recordar o passado" ela não deve ser entendida, como foi dito, como uma reprodução original das experiên­cias do passado, mas uma reconstrução da interpretação, ou melhor, uma interpretação realizada a partir da leitura e manipulação das RPSs, contidas na história intrapsiquica que formam as matrizes dos pensamentos essen­ciais. A leitura da história intrapsiquica, a formação das matrizes dos pensa­mentos essenciais e a atuação psicodinâmica dessas matrizes sofrem in­fluência das variáveis intrapsíquicas do presente, tais como o fenômeno da psicoadaptação, a energia emocional e motivacional presente no momento da leitura da história intrapsiquica, o fenômeno da credibilidade autógena.
A história intrapsiquica, contida na memória, e a história social, contida nos livros, nos museus, na arquitetura, são irrevogáveis na sua essência original; ambas são invariavelmente interpretadas e reconstruídas nos bas­tidores da psique humana.
Embora os conceitos e postulados da neuroanatomia, da neurofisiologia e da bioquímica cerebral das neurociências, referentes à memória, sejam importantes e passíveis de serem usados na compreensão de algumas va­riáveis que participam do processo de construção da história intrapsiquica e dos demais processos da inteligência, é preciso avançar muito na compre­ensão da memória. Precisamos pesquisar e procurar compreender as com­plexas e sofisticadas esferas psicológicas, psicodinâmicas e psicossociais li­gadas à memória.
Todo ser humano que possui uma memória preservada, capaz de ar­mazenar as experiências psíquicas (construções psicodinâmicas) produzi­das pelos processos de construção da psique em forma de RPS (representa­ções psicossemânticas) desenvolverá, paulatinamente, ao longo do seu pro­cesso existencial, sua história intrapsiquica.
A qualidade da história intrapsiquica dependerá "diretamente" da qua­lidade das RPSs, que dependerá "diretamente" da qualidade das constru­ções psicodinâmicas, que dependerá "parcialmente" da qualidade dos estí­mulos socioeducacionais e do gerenciamento do eu sobre os processos de construção da inteligência.
Analisaremos que o gerenciamento do eu sobre os processos de cons­trução dos pensamentos possui limitações. Agora, a respeito dos estímulos socioeducacionais nos processos de construção dos pensamentos, a relação qualitativa entre eles com as construções psicodinâmicas (experiências psí­quicas) e, conseqüentemente, com a formação da história intrapsiquica, não é completa, mas parcial, pois dependerá da ação psicodinâmica de múltiplas variáveis intrapsíquicas. Por isso, um pai alcoólatra, agressivo e socialmente alienado poderá gerar dois filhos com personalidades total­mente distintas, pois a cada momento da interpretação eles possuem variá­veis intrapsíquicas qualitativamente diferentes, que interpretarão os estímu­los advindos do pai de maneira diferente, gerando construções psico-dinâmicas diferentes; que se arquivarão em suas memórias como RPSs diferentes; que produzirão histórias diferentes; que sofrerão leituras multifocais e financiarão a produção de matrizes de pensamentos essen­ciais diferentes; que sofrerão um processo de leitura virtual e produzirão pensamentos dialéticos e antidialéticos diferentes; que, finalmente, estimu­larão e redirecionarão o desenvolvimento da personalidade por trajetórias diferentes.
Todos esses complexos mecanismos ocorridos nos bastidores da mente poderão levar um filho a desenvolver uma personalidade que reproduz algumas características do pai alcoólatra, tais como o alcoolismo, reações agressivas, indiferença quanto às responsabilidades socioprofissionais etc, e outro filho a desenvolver uma personalidade totalmente diferente da dele, podendo ser avesso a bebidas alcoólicas ou ingeri-las com controle e ser emocionalmente dócil e tranqüilo.
O processo de interpretação, os processos de construção dos pensa­mentos, o processo de leitura da memória e os sistemas de variáveis intrapsíquicas existentes nos bastidores da mente são tão complexos que podem reduzir, abortar ou mesmo redirecionar as possíveis influências ge­néticas que poderiam contribuir para o desenvolvimento do alcoolismo e demais doenças psíquicas, tais como a depressão, a psicose maníaco-depressiva, os transtornos obsessivo-compulsivos etc.

OS PENSAMENTOS DIALÉTICOS

Os pensamentos dialéticos são conscientes, lógicos (embora possam, ser usados em análises ilógicas), bem organizados em cadeias psicodinâmicas, bem definidos psicolingüisticamente, gerenciados com facilidade pelo eu e, por isso, são utilizados com freqüência na análise, na síntese das idéias, nos discursos teóricos, na produção científica, na produção tecnológica, nas relações sociais. Os pensamentos dialéticos são expressos com facilida­de na comunicação social e interpessoal, pois são facilmente codificados pelo sistema nervoso central e pelo aparelho fonador; por isso são chama­dos aqui de "pensamentos dialéticos". Os pensamentos dialéticos, no en­tanto, têm dimensões muito maiores do que a expressa pela comunicação social e interpessoal através da verbalização. Por isso, freqüentemente, te­mos a sensação de que as palavras não conseguem expressar o conteúdo dos nossos pensamentos, das nossas idéias. A dimensão das idéias é maior do que a dimensão das palavras.
Os pensamentos dialéticos são psicolingüisticamente organizados e de­finidos porque a mente utiliza, ao longo do processo de formação da personalidade, os símbolos sonoros da linguagem verbalizada para constituí-los em códigos, para mimetizá-los psicolingüisticamente. A psicolingüística dos pensamentos dialéticos, que, as vezes, se parece com um som inaudível na mente, não é obviamente um som e nem tem a restritividade física dos símbolos sonoros produzidos pelas ondas sonoras mecânicas.
Os pensamentos dialéticos surgem a partir do processo de leitura vir­tual das matrizes dos pensamentos essenciais, que são pensamentos incons­cientes. Assim, o nascedouro dos pensamentos dialéticos, que são os pensa­mentos mais conscientes da mente, ocorre a partir dos pensamentos essen­ciais inconscientes.
O processo de leitura virtual das matrizes dos pensamentos essenciais é realizado por um fenômeno intrapsíquico, chamado de fenômeno LVD ou fenômeno da leitura virtual dialética. A leitura das matrizes de pensamen­tos essenciais pelo fenômeno LVD gera as cadeias psicodinâmicas dos pen­samentos dialéticos, conferindo-lhes um formato psicolingüístico conscien­te que mimetiza psicodinamicamente os símbolos sonoros. Desse fato, po­demos inferir que as matrizes dos pensamentos essenciais, ao serem construídas, já trazem na sua "estrutura psicodinâmica" arquivados na me­mória um sistema de relação lógica com os símbolos sonoros, que facilita o processo de leitura virtual do fenômeno LVD. Por isso, os pensamentos dialéticos possuem linearidade lógica, possibilitando sua utilização no de­senvolvimento da ciência e da racionalidade, embora seus processos de construção ultrapassem paradoxalmente os limites da lógica. Falaremos sobre esses sistemas de relação lógica quando estudarmos adiante os pen­samentos essenciais.
Lemos em milésimos de segundos a memória e produzimos as matrizes dos pensamentos essenciais inconscientes. Em milésimos de segundos de­pois, o fenômeno LVD faz um processo de leitura virtual dessas matrizes e gera os pensamentos dialéticos utilizados na comunicação interpessoal, na mídia, na literatura, na ciência. Tudo se passa tão rápido na mente, que não nos damos conta de como é que conseguimos ler a memória e produ­zir milhares de pensamentos dialéticos diariamente. Como já comentei, incorporamos nas cadeias de pensamentos dialéticos sujeitos, verbos, subs­tantivos, adjetivos etc, antes que tenhamos consciência deles. Como é pos­sível tal incorporação? Através das matrizes dos pensamentos essenciais inconscientes, o que prova a sua existência. Porém, diante disso, podemos inferir uma importantíssima pergunta psicossocial e filosófica: Pensamos o que queremos pensar ou apenas fazemos leituras virtuais dos pensamentos inconscientes, que são produzidos previamente sem a consciência crítica do "eu"? Se o pensamento consciente tem seu nascedouro no pensamento inconsciente, como o pensamento consciente tem controle sobre si mesmo? Até onde somos agentes históricos ou vítimas de processos que lêem a memória e constroem cadeias inconscientes de pensamentos sem a autori­zação do "eu"? É provável que as teorias psicológicas e filosóficas não en­traram nessas questões fundamentais. Creio que é impossível ter uma res­posta completa sobre esses assuntos, mas uma resposta parcial se encontra­rá nos meandros dos textos posteriores.
Quando pensamos sobre os mistérios que envolvem os processos de construção da ciência, ficamos estarrecidos com a nossa pobre e limitada ciência. Esta existe porque o homem pensa; mas quando a ciência resolve investigar a si mesma, sua origem como pensamento, ela enfrenta sua pró­pria debilidade e limitações.
Enquanto as cadeias de pensamentos essenciais são lidas pelo processo de leitura virtual, também é realizada uma leitura que identifica os símbo­los lingüísticos a serem usados na mimetização dialética. Os poliglotas têm que fazer, inclusive, uma opção de escolha do tipo de símbolos lingüísticos (língua) que usam em seus pensamentos. Por isso, afirmei que a leitura da história intrapsíquica arquivada na memória é multifocal. Porém, a versati­lidade, a liberdade criativa e a plasticidade construtiva das matrizes dos pensamentos essenciais, e das leituras virtuais dos pensamentos dialéticos, são muito mais expansivas, sofisticadas e complexas do que as produzidas pelas ondas mecânicas que constituem os símbolos sonoros.
Nas pessoas surdas, a mimetização psicolingüistica dialética é feita, ou pode ser feita, por símbolos visuais. Teoricamente, é possível produzir uma mimetização psicodinâmica a partir de estímulos mais "plásticos", "livres" e menos restritivos do que os produzidos a partir da linguagem verbalizada (símbolos sonoros) e da linguagem visual (símbolos visuais), pois o que importa no processo de leitura virtual é produzir uma mimetização psicodinâmica que possa dar uma movimentação psicolingüistica conscien­te aos pensamentos dialéticos. Quero dizer com isso, que é teoricamente possível ter uma psicolingüistica dos pensamentos dialéticos mais eficiente do que a que temos produzido e usado até hoje nas relações humanas e na produção científica. Seria bom que outros pesquisadores se dedicassem a descobertas de linguagens supradialéticas.
A mimetização psicodinâmica dos pensamentos dialéticos não é dada em si por eles, mas pelas matrizes de pensamentos essenciais históricos. A psicolingüistica dos pensamentos dialéticos é produzida a partir de uma sofisticada leitura virtual dessas matrizes.
Os pensamentos dialéticos são produzidos por uma leitura lógica das matrizes dos pensamentos essenciais e pela mimetização psicodinâmica dos símbolos físicos; por isso, são psicolingüisticamente bem-definidos e bem-traduzidos na verbalização. Os pensamentos antidialéticos são produzidos por uma leitura virtual mais difusa, provavelmente por outro fenômeno que não o LVD, ou então por um processo de leitura difusa desse fenôme­no. Por isso, pensamentos antidialéticos são psicolingüisticamente indefini­dos ou pouco definidos. Devido à psicolinguagem lógica dos pensamentos dialéticos e à facilidade com que o eu gerencia sua construtividade, elas são usadas na produção do conhecimento científico, do conhecimento coloqui­al, da comunicação verbal, na produção literária etc. De outro lado, devido à psicolinguagem dos pensamentos antidialéticos ser difusa, pouco defini­da e pouco administrada logicamente pelo eu, ela é utilizada mais para desenvolver as fantasias, a consciência do tempo, a consciência das dores emocionais, a consciência das inspirações, a consciência das angústias exis­tenciais, a consciência dos prazeres etc.
O pensamento antidialético define o indefinível, produz a consciência dos fenômenos que escapam à definição lógica dos pensamentos dialéticos. A produção de pensamentos antidialéticos freqüentemente fica "represa­da" na mente ou, às vezes, é traduzida pelas artes, pela pintura, escultura, música, teatro etc.
Os pensamentos antidialéticos também podem ser traduzidos pela co­municação verbal; porém, nesse caso, as imagens mentais, as fantasias, as "esculturas tempo-espaciais", a consciência das emoções etc, têm que ser formatadas pelos pensamentos dialéticos para depois serem verbalizadas. Nessa situação, dá para termos uma idéia da redutibilidade intelectual que os pensamentos dialéticos realizam quando tentam traduzir os pensamen­tos antidialéticos sobre as angústias existenciais, o prazer, a insegurança, a inspiração etc. Os pensamentos dialéticos reduzem as dimensões dos pen­samentos antidialéticos quando os traduzem dialeticamente e os canalizam pela verbalização. Essa abordagem evidencia que a consciência humana é construída por um intrincado sistema de códigos psicolingüísticos, um so­fisticado sistema de leitura desses códigos e um complexo processo de cointerferência entre os tipos de pensamentos.
Todos temos dificuldade para expressar dialeticamente os sofisticados e quase indescritíveis pensamentos antidialéticos. Freqüentemente, as "ca­deias psicodinâmicas dos pensamentos antidialéticos" são associadas e até mesmo "mescladas" com as "cadeias psicodinâmicas dos pensamentos dialéticos". Por isso, temos dificuldade para expressar toda a arquitetura psicodinâmica dos pensamentos que produzimos. Por isso também temos freqüentemente a sensação de que, apesar de termos abordado dialetica­mente, com tanto empenho, um determinado assunto, ainda ficou algo para dizer. Essa sensação de "algo não dito" é produzida, muitas vezes, pelos pensamentos antidialéticos que são difíceis de ser expressos. As pes­soas que vivenciam quadros dramáticos de depressão, síndromes do pânico, transtornos obsessivo-compulsivos etc, geralmente se frustram ao tentar expressar as dimensões da sua dor emocional e da sua angústia existencial, pois, além de conseguirem expressar dialeticamente muito pouco a cons­ciência antidialética de suas emoções, seus ouvintes, freqüentemente, re-constroem interpretativamente essas dores emocionais e angústias exis­tenciais de maneira reduzida e distorcida.
Os pensamentos dialéticos podem ser gerados tanto à deriva do eu, ou seja, sem a autorização do "eu" , sem a leitura desta pela história intrapsíquica, como podem ser construídos pelo determinismo do eu, pelo gerenciamento que ela exerce sobre os processos de construção dos pensamentos. Os pensamentos dialéticos construídos psicodinamicamente sob a autorização, determinismo lógico e controle do eu são mais organizados, mais adminis­trados, possuem uma base analítica mais profunda, têm uma cadeia psicodinâmica que considera mais os parâmetros da lógica e os referenciais históricos.
Os pensamentos dialéticos produzidos pelos demais fenômenos da mente são mais restritivos do ponto de vista analítico e dos parâmetros histórico-críticos. Os sonhos, produzidos pelo fenômeno do autofluxo (a ser estuda­do), possuem uma liberdade criativa e uma plasticidade construtiva riquíssima, mas sem uma base analítica sólida, sem parâmetros históricos passíveis de sofrer uma reciclagem crítica durante a construção das cadeias psicodinâmicas dos pensamentos dialéticos e antidialéticos.
Há uma rica interconexão entre os pensamentos dialéticos e antidialéticos produzidos pelos fenômenos inconscientes da mente e os pensamentos dialéticos e antidialéticos produzidos pelo gerenciamento do eu. Um pen­samento dialético e um antidialético produzidos pelo fenômeno do autofluxo ou pelo fenômeno da autochecagem da memória podem desencadear uma administração do eu, levando a uma continuidade da produção da cadeia psicodinâmica dos pensamentos. Porém, quando o eu dá continuidade às cadeias psicodinâmicas produzidas pelos demais fenômenos que lêem a memória, ele o faz através de uma construção mais analítica e histórico-crítica, ou seja, que considera mais os parâmetros da lógica e os referenciais históricos. Por exemplo, o fenômeno do autofluxo pode fazer uma leitura da memória e resgatar matrizes de pensamentos essenciais que, em última análise, poderão ser traduzidas dialeticamente e antidialeticamente como situações existenciais do passado, tais como uma experiência discriminatória, um grande elogio ou uma situação fóbica vivenciada na infância. Esses pensamentos dialéticos e antidialéticos podem desencadear a ação admi­nistrativa do eu que "atua construtivamente" nas cadeias psicodinâmicas dos pensamentos produzidos pelo fenômeno do autofluxo e, assim, acres­centar a elas a produção de novas idéias dialéticas e pensamentos antídialéticos, tais como crítica sobre os fatos envolvidos, resgate de causas, imaginação de personagens e circunstâncias etc.
Os processos de construção dos pensamentos envolvem, como enume­rei, pelo menos cerca de três dezenas de pontos sofisticados e complexos, muitos dos quais não poderão ser aqui comentados.

OS PENSAMENTOS ANTÍDIALÉTICOS

Os pensamentos antídialéticos são conscientes, embora nem sempre plenamente conscientes. Eles não são bem formatados psicolingüisticamente, ultrapassam freqüentemente os limites da lógica e necessitam da participa­ção estreita do fenômeno de uma credibilidade autógena para dar crédito conceituai aos mesmos. Devido à sua linguagem psíquica difusa, que advém mais da perceptividade da consciência do que da mimetização psicodinâmica dos símbolos sonoros e visuais, eu digo que eles têm uma antipsicolinguagem. Como disse, os pensamentos antídialéticos se expressam através de ima­gens mentais, conceitos difusos, fantasias, consciência das experiências emocionais e motivacionais.
No processo de formação da personalidade, primeiro se desenvolvem os pensamentos antídialéticos e, depois, pouco a pouco, o eu vai se organi­zando e aprendendo a produzir e gerenciar a construção de pensamentos dialéticos e exercer a difícil tarefa de traduzir e expressar dialeticamente o pool de pensamentos antídialéticos produzidos diariamente na mente. Toda criança deficiente mental que tem preservadas algumas áreas da memória tem uma rica construção de pensamentos antídialéticos; mas ela, depen­dendo do grau de comprometimento da memória e, conseqüentemente, do desenvolvimento da história intrapsíquica, poderá ter grande dificulda­de para organizar o eu e desenvolver o processo de gerenciamento sobre a construção de pensamentos dialéticos.
O grande desafio socioeducacional em relação às crianças deficientes mentais, que merecem o nosso mais profundo respeito e dedicação, é levá-las a organizar as cadeias psicodinâmicas dos pensamentos dialéticos se­gundo os critérios existentes nos parâmetros da realidade extrapsíquica e nos referenciais histórico-críticos contidos na memória. Os profissionais que cuidam de crianças deficientes mentais precisam catalisar as microrrevoluções das idéias existentes nos bastidores da mente das mesmas, visando expandir a formação da história intrapsíquica e o processo de construção dos pensamentos.
Os pensamentos antídialéticos são úteis para produzir complexas e difusas antecipações de situações do futuro, resgates de experiências passadas, imaginar circunstâncias existenciais e tempo-espaciais, desenvolver consciência sobre as angústias existenciais, a insegurança, as reações fóbicas, o prazer. Quando vivemos uma experiência fóbica ou sentimos angústia devido a algum problema existencial, temos consciência antídialética sobre essas experiências, mas não conseguimos descrevê-las dialeticamente com facilidade, ou seja, não conseguimos traduzi-las com facilidade pela lingua­gem psíquica dialética e, muito menos, traduzi-las pela verbalização; por isso, como disse, é comum termos a sensação de que não conseguimos nos expressar para os nossos ouvintes.
Há um verdadeiro "truncamento da comunicação" na tradução dialética dos pensamentos antidialéticos e na tradução antídialética das experiências emocionais e motivacionais. O "truncamento da comunicação" entre as experiências emocionais, a consciência antídialética dessas experiências e a tradução reduzida da consciência antídialética pelos pensamentos dialéticos e, conseqüentemente, pela verbalização e gesticulação, ocorre em todos os níveis das relações humanas, gerando as mais variadas incompreensões e até as mais variadas atitudes anti-humanísticas dos ouvintes. Os ouvintes freqüentemente não conseguem, através do processo de subjetivação deri­vado do processo de interpretação, reconstruir interpretativamente as di­mensões das idéias, da insegurança, da angústia existencial, das dores emo­cionais e do prazer que o "outro" vivência realmente dentro de si mesmo. Por isso, uma dramática experiência emocional, tais como um ataque de pânico ou uma reação claustrofóbica, pode ser compreendida pelo ouvinte ou pelo observador como se fosse uma banalidade emocional e não como uma reação de grande sofrimento.
O truncamento da comunicação ocorre também nas artes. Nelas, as obras dos artistas são sempre reduzidas em relação às obras antidialéticas arquitetadas psicodinamicamente nos bastidores e palcos conscientes das suas mentes. A construção dos pensamentos do autor é maior do que a expressão dessa construção, ou seja, do que sua obra, mesmo da sua obra-prima. Porém, costuma-se admirar mais a obra do que o autor porque a obra, construída nos meandros da mente do autor, logo experimenta o caos psicodinâmico, enquanto que a obra exterior do artista (escultura, pintura, obra literária etc.) resiste ao tempo e permanece em museus, em exposições. Por isso, tem-se a sensação de que a obra contemplada é mais sofisticada e completa do que a obra produzida nos meandros da psique humana.
O "truncamento da comunicação dialética-antidialética" ocorre tam­bém na relação psicoterapeuta-paciente. Muitos psicoterapeutas, pelo fato de não conhecerem as complexas relações entre a experiência emocional, a consciência antídialética e a consciência dialética, não conseguem desenvolver um processo de interpretação e, conseqüentemente, um proces­so de subjetivação da experiência do paciente mais condizente com o que ele é. Assim, não conseguem avaliar as dimensões da dor emocional e da angústia existencial do paciente, o que dificulta sua atuação como psicoterapeuta, catalisador e redirecionador do gerenciamento do eu do pacien­te sobre os processos de construção da inteligência e sobre os conflitos psicossociais e estímulos estressantes que vivência.
As relações médico-paciente, executivo-empregado, professor-aluno, pai-filho etc, estão saturadas de desencontros, de "truncamentos da comunica­ção dialética-antidialética". Já é uma tarefa difícil formatar os pensamentos antidialéticos que não têm uma psicolingüística definida e traduzi-los na linguagem dialética verbal; agora, imagine o leitor se o processo de interpre­tação do "outro", como geralmente acontece, for realizado superficial­mente... Essa é uma das maiores causas da violação histórica dos direitos humanos.
Na comunicação interpessoal, há uma redução e distorção nas dimen­sões da reconstrução do outro mais intensa e complexa do que podemos imaginar. Por isso, muitos pais, professores, executivos, psicoterapeutas etc, por não questionarem e reorganizarem continuamente seus processos de subjetivação decorrentes de seus processos de interpretação, pensam que estão dialogando com o "outro" e conhecendo-o, quando, na realidade, estão dialogando com eles mesmos, conhecendo a si mesmos. Por isso, o que falam ou pensam do outro se relaciona muito mais com o que são do que com o que o outro é.

OS PENSAMENTOS ESSENCIAIS

Os pensamentos essenciais são os pensamentos inconscientes que dão origem aos conscientes, ou seja, aos dialéticos e aos antidialéticos. Se os pensamentos conscientes são virtuais, portanto, destituídos de realidade, quem é que os forma? São os pensamentos essenciais. Uma vez que eles sofrem um processo de leitura virtual, eles dão origem a um dos mais fan­tásticos fenômenos da ciência: aos pensamentos conscientes.
Os pensamentos essenciais recebem esse nome porque se constituem da essência intrínseca da energia psíquica. Portanto, diferentemente dos pensamentos dialéticos e antidialéticos, que são de natureza virtual, eles são de natureza real, são constituídos de matrizes de códigos de energia psíquica. Só podemos investigá-los indiretamente através da pesquisa empírica aberta.
Hoje, talvez, já tenhamos pensado nos compromissos que teremos ama­nhã ou nos problemas que enfrentamos ontem. O tempo não existe, o amanhã e o ontem são produtos imaginários, virtuais, de nossas mentes. O que é virtual não pode ser produzido por si mesmo, pois é desprovido de realidade; como, então, produzimos os pensamentos imaginários? Na reali­dade, eles foram produzidos porque fizemos uma leitura da memória, gera­mos os pensamentos essenciais, que são sistemas de códigos "reais" de energia psíquica. Esses sistemas de códigos sofreram uma leitura virtual que, por sua vez, gerou os fantásticos pensamentos imaginários sobre os problemas de ontem e de amanhã.
Os pensamentos essenciais são produzidos através da leitura da história intrapsíquica realizada pelos fenômenos da autochecagem, do autofluxo, da âncora da memória e pelo eu. Toda vez que a memória é lida, ocorre a formação das matrizes dos pensamentos essenciais.
É um erro científico achar que os pensamentos dialéticos e antidialéticos sejam formados diretamente da leitura da memória. A leitura da memória não é simplesmente um resgate de informações, mas uma organização des­sas informações, e essa organização não é virtual, mas essencial, real. Por­tanto, as matrizes dos pensamentos essenciais, que são de natureza essen­cial, é que são formadas através das milhares de leituras da memória reali­zadas diariamente.
Comentei que as experiências psíquicas (idéias, raciocínios analíticos, angústia existencial, ansiedade, insegurança etc.) e as informações psíqui­cas (símbolos lingüísticos, símbolos visuais, nomes, números etc.) são arqui­vadas como sofisticados sistemas de códigos fisico-químicos na memória, que chamo de representação psicossemântica (RPS). A leitura das RPSs geram as matrizes dos códigos dos pensamentos essenciais históricos.
A leitura das RPSs, que representam as informações simples (os núme­ros de telefone, endereço residencial etc.) e os nomes (de pessoas, livros, animais etc.) contidas na memória de uso contínuo, gera matrizes de pensa­mentos essenciais que representam com determinada fidelidade os siste­mas de códigos fisico-químicos das RPSs, as quais, por sua vez, represen­tam com mais fidelidade as informações do passado que deram origem às mesmas. De outro lado, a leitura das RPSs, que representam as experiên­cias psíquicas contidas na memória existencial, não representam com fide­lidade os códigos fisico-químicos das mesmas na memória, pois tal leitura não é uma simples lembrança das experiências do passado, mas, como disse, uma interpretação das mesmas que é influenciada por diversos siste­mas de variáveis intrapsíquicas.
Além disso, a leitura das RPSs que representam as experiências existen­ciais não é apenas uma sofisticada interpretação das mesmas, mas uma nova reorganização das mesmas, gerando complexas e particulares cadeias de matrizes de pensamentos essenciais históricos, que darão origem às com­plexas e particulares experiências emocionais e às complexas e particulares cadeias psicodinâmicas de pensamentos dialéticos e antidialéticos.
As cadeias das matrizes dos pensamentos essenciais não são, portanto, apenas originárias da leitura das RPSs contidas na memória, mas também de rapidíssimas e refinadíssimas manipulações psicodinâmicas inconscien­tes das mesmas. Todos os dias, reconstruímos diversas experiências psíqui­cas ligadas ao nosso passado, tais como um elogio, uma ofensa, as palavras de um amigo, um momento de excitação, uma situação conflitante.
As RPSs que representam essas experiências na memória são sistemas de códigos físico-químicos frios, sem vida intelecto-emocional. A leitura dessas RPSs desencadeia uma interpretação que reorganiza o caos da ener­gia psíquica e dá "cores" e "sabores" intelecto-emocionais a elas. Além disso, a leitura das RPSs são reorganizadas de modo particular, gerando não apenas resgates das experiências psíquicas do passado passíveis de distorções, mas reconstruções pela interpretação que geram novas cadeias das matrizes dos pensamentos essenciais e novas experiências emocionais.
Quando uma mãe perde um filho, as reconstruções pela interpretação das RPSs, ao longo do tempo, que representam psicossemanticamente esse filho na memória, geram cadeias de matrizes de pensamentos essenciais e, conseqüentemente, pensamentos dialéticos e antidialéticos sobre o mesmo, bem como transformações da energia emocional e motivacional. Por isso, ela tem emoções diferentes em momentos em que se lembra do filho.
Se a memória fosse um "baú que armazenasse a energia psíquica" das experiências existenciais, e as recordações não fossem, como afirmei, re­construções pela interpretação das RPSs que representam essas experiên­cias na memória, mas fossem resgates das experiências originais, então, toda vez que essa mãe recordasse a perda do filho, ela teria que sentir o sofrimento vivenciado no momento da consciência da perda do mesmo, nos mesmos níveis, o que, felizmente, não ocorre; caso contrário, as angús­tias existenciais se perpetuariam na mesma intensidade ao longo de toda a trajetória de vida.
A recordação das experiências relativas às perdas, aos elogios, às ofen­sas, aos momentos de hesitação, às reações fóbicas, ao prazer, às frustra­ções psicossociais etc, não apenas são resgates das RPSs, mas reconstru­ções psicodinâmicas que manipulam rapidissimamente essas RPSs, geran­do novas cadeias psicodinâmicas dos pensamentos essenciais, dialéticos e antidialéticos, bem como novas experiências emocionais. Parece que nos­sas recordações nos remetem à reprodução original das experiências psí­quicas do passado; porém, se formos analisar qualitativa e quantitativamente as "arestas psicodinâmicas" das idéias e emoções produzidas nessas recor­dações, verificaremos que elas, freqüentemente, são micro ou macrodistintas.
As reconstruções pela interpretação priorizam o processo evolutivo da personalidade e da história psicossocial, que, por sua vez, rompe com a reprodução idêntica e paralisante das experiências psíquicas do passado. A personalidade humana e a história psicossocial evoluem não apenas pela determinação consciente do "eu", mas também por processos intrapsíquicos inevitáveis.
As reconstruções pela interpretação das experiências passadas produ­zem inevitáveis micro ou macrotraições da interpretação que promovem a revolução das idéias e o desenvolvimento psicossocial do homem, estabele­cendo um dos mais importantes princípios da evolução da personalidade humana e das sociedades como um todo.
A personalidade humana e as sociedades evoluem, não apenas porque o homem é capaz de realizar uma produção de conhecimento científico e socioeducacional com coerência e lógica, mas também porque a fonte que gera essa produção é sustentada por processos que ultrapassam os limites da lógica. Até na física e nas demais ciências naturais a produção de conhe­cimento é sustentada por processos que ultrapassam os limites da lógica. Essa é uma das áreas mais importantes da teoria da interpretação; por isso ela deveria ser incorporada por todas as teorias.
As matrizes dos pensamentos essenciais produzidas pelos fenômenos da mente nem sempre sofrem ação do fenômeno responsável por realizar o processo de leitura virtual e, conseqüentemente, nem sempre geram pensa­mentos dialéticos e antidialéticos. Embora muitas dessas matrizes não so­fram uma leitura virtual consciente, elas geram reações emocionais, instin­tivas e reações motoras (musculares) inconscientes. As teorias do "condi­cionamento" e de "estímulo-resposta" que dão suporte teórico às psicoterapias comportamentais e cognitivas, embora desconheçam os processos de construção dos pensamentos, estão ligadas invariavelmente à construção, à práxis e ao registro contínuo das matrizes de pensamentos essenciais na memória.
Os fenômenos inconscientes que lêem a história intrapsíquica produ­zem continuamente inúmeras cadeias psicodinâmicas das matrizes dos pen­samentos essenciais, que geram diariamente tanto uma revolução das idéias dialéticas e antidialéticas como centenas ou milhares de reações emocio­nais, reações instintivas e movimentos musculares que não são apreendidos conscientemente.
As matrizes dos pensamentos essenciais têm de produzir diversos siste­mas de relação lógica para financiar o desenvolvimento dos processos de construção dos pensamentos e da consciência existencial.
Sem a existência dos sistemas de relações lógicas produzidas pelas matrizes dos pensamentos essenciais, não seria possível organizar as cadei­as psicodinâmicas dos pensamentos e produzir idéias, análises, inferências, sínteses, reconstrução da interpretação do passado, e relacioná-las com o mundo extrapsíquico, intrapsíquico e com a história intrapsíquica.
A dialética dos conceitos, das idéias, não é produzida pela contrapartida da negação. Pensei durante anos que a contrapartida da negação produzis­se os conceitos e definições dos fenômenos e objetos que contemplamos. Eu pensava que um objeto, tal como um sofá, distinto de milhares de ou­tras coisas, ou seja, de uma casa, de um astro, de um caderno, de uma janela, era definido pela contrapartida da negação, gerando os conceitos, as idéias. Porém, na medida em que pesquisei os sistemas de relações dos pensamentos essenciais, percebi que são eles que desencadeiam o finan­ciamento dialético das idéias, produzem as diretrizes lógicas dos pensa­mentos, dos conceitos, das definições. Destacarei, no momento, três im­portantes sistemas de relação produzidos pelas matrizes dos pensamentos essenciais.
Primeiro, as matrizes dos pensamentos essenciais têm de manter um sistema de relação com os códigos físico-químicos do cérebro captados pelo sistema sensorial e, por extensão, elas têm de manter um sistema de relação com os estímulos extrapsíquicos contidos no meio ambiente, tais como os fenômenos físicos, o comportamento humano, o comportamento dos animais.
Sem esse sistema de relação, não seria possível fazer uma ponte de ligação entre os complexos estímulos extrapsíquicos, que se constituem de milhares ou milhões de detalhes visuais, sonoros, táteis, gustativos, e as matrizes dos pensamentos essenciais. Sem a ponte de ligação entre as ma­trizes de pensamentos essenciais históricos e os sistemas de códigos dos estímulos extrapsíquicos não seria possível produzir pensamentos dialéticos e antidialéticos capazes de gerar uma consciência existencial sobre o mun­do extrapsíquico, não seria possível identificar e discriminar os estímulos contidos nesse mundo.
Segundo, as matrizes dos pensamentos essenciais têm de manter um sistema de relação com as RPSs arquivadas na memória, ou seja, com as representações psicossemânticas das experiências e das informações psí­quicas contidas na história intrapsíquica. Sem esse sistema de relação, não seria possível identificar na memória do córtex cerebral um estímulo extra­psíquico (elogio, ofensa, rejeição, apoio etc.) e nem um estímulo intrapsíquico (reações fóbicas, prazer, angústia existencial, idéias).
A ponte de ligação entre as matrizes dos pensamentos essenciais histó­ricos e os sistemas de códigos físico-químicos dos estímulos extrapsíquicos, comentada no "primeiro sistema de relação", passa invariavelmente pela mediação desse segundo sistema de relação. Os sistemas de relações entre as matrizes dos pensamentos essenciais e as RPSs arquivadas na memória financiam a ponte de ligação entre essas matrizes e os sistemas de códigos físico-químicos. Sem esses sistemas de relação, o mundo extrapsiquico e a nossa história intrapsíquica não teriam conexão. Não teríamos consciência do mundo; estaríamos mergulhados num indescritível vácuo da inconsciência existencial.
Terceiro, as matrizes de pensamentos essenciais têm de manter um sistema de relação com o processo de leitura virtual que produz as cadeias psicodinâmicas dos pensamentos dialéticos e antidialéticos. Sem esse siste­ma de relação, não seria possível haver uma relacionalidade entre os pen­samentos dialéticos e antidialéticos e os fenômenos físicos, o comportamen­to das pessoas e todos os elementos do mundo extrapsiquico. Não seria possível nem mesmo haver uma consciência antidialética sobre as emoções que vivenciamos no passado e uma consciência dialética sobre as inúmeras idéias, raciocínios analíticos, intempéries existenciais, relações interpessoais etc, também vivenciadas no passado.
Sem os sistemas de relação das matrizes dos pensamentos essenciais com os estímulos extrapsíquicos, com a história intrapsíquica e com o pro­cesso de leitura virtual que formam as cadeias psicodinâmicas dos pensa­mentos dialéticos e antidialéticos, não seria possível produzir os processos de construção dos pensamentos e da consciência existencial. Com isso, não haveria a construção da consciência do mundo intrapsíquico e do mundo extrapsiquico. Identificamos as expressões faciais das pessoas e percebe­mos que elas estão tristes, alegres, apreensivas. Como temos segurança nes­ta identificação? Através do sistema de relação lógica entre o estímulo físi­co e as etapas do processo de construção de pensamentos.
O eu, ao produzir as cadeias psicodinâmicas das matrizes dos pensa­mentos essenciais, não tem consciência de como se processa essa produ­ção, porque a leitura da memória, o impressionante resgate das informa­ções, em meio a bilhões de opções existentes, e a manipulação psicodinâmica das RPSs são processos realizados inconscientemente. As matrizes de pen­samentos essenciais são produzidas inconscientemente e em milésimos de segundos; depois de serem produzidas, elas sofrem um processo de leitura virtual que gera os pensamentos dialéticos e antidialéticos na esfera da virtualidade, desencadeando a formação da consciência existencial num determinado momento.
Precisamos procurar aprender não apenas a utilizar os pensamentos, mas a compreender os processos de construção dos pensamentos, os fenô­menos e as variáveis que neles atuam, em frações de segundos, para gerar os três tipos fundamentais de pensamentos, e a indescritível e sofisticada consciência existencial. Precisamos ir além da produção de conhecimento explicacionista e psicologista sobre o comportamento humano, e do discur­so teórico superficial sobre o inconsciente, para investigar os processos de construção dos pensamentos, que nascem e se desenvolvem clandestina­mente nos bastidores da psique humana.
Sem investigar os processos de construção da inteligência não compre­enderemos a formação da consciência humana, da identidade psicossocial, nem entenderemos quais são os limites do gerenciamento do eu sobre os pensamentos. Sem tal investigação não compreenderemos também os pa­radoxos que envolvem a única espécie pensante desse planeta. Embora sejamos detentores do espetáculo da inteligência, as cenas de guerras e violação dos direitos humanos macularam as principais páginas de nossa história.


É preciso compreender os fenômenos que estão na base do funciona­mento da mente para enxergarmos por que nos tornamos gigantes na ciên­cia e na tecnologia, mas pequenos no desenvolvimento das funções mais altruístas da inteligência, tais como a tolerância, a solidariedade, a capaci­dade de pensar antes de reagir, de expor e não impor as idéias.

Um comentário:

  1. Saudações cordiais. Temo que só após determinar que procedimento resultou esta exposição poderei esboçar um comentário válido, permanecendo no entanto, reserva pelos marcadores e consequente desfasamento com a linha seguida pela Psicologia no novo contexto mundial. Muito grato pela partilha.

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