Capítulo 12
Há um Mundo a Ser Descoberto nos Bastidores da Mente
Todas as teorias, ideologias
sociopolíticas, produções artísticas, poesias, discursos literários, diálogos
interpessoais etc, são "peças intelectuais" construídas nos
bastidores inconscientes da inteligência e expressas na "crosta" ou
"palcos conscientes da mesma".
Temos consciência da produção
intelectual que geramos, mas não temos consciência dos processos que geram
essa produção intelectual nos bastidores inconscientes. Portanto, há um mundo a
ser descoberto no âmago intrapsíquico de cada ser humano, um mundo que possui
fenômenos tão complexos e sofisticados que são capazes de organizar as idéias,
produzir as análises, confeccionar os paradigmas socioculturais, formatar os
discursos teóricos das ciências, produzir os pensamentos antecipatórios, resgatar
as experiências passadas, construir a consciência existencial do mundo que
somos e em que estamos, transformar a energia emocional e motivacional etc. Um
mundo contido nos "bastidores inconscientes da mente, psique ou alma
humana".
A psique não é um campo de
energia estático e nem psicodinamicamente equilibrado, mas um campo de energia
em contínuo estado de desequilíbrio psicodinâmico, em contínuo estado de
transformação essencial, onde se processam as faculdades intelectuais, que são
responsáveis pela rica produção de pensamentos, emoções e motivações diárias.
Precisamos revisar, como disse, o falso conceito existente na Psicologia
referente à busca do "equilíbrio psíquico". A psique humana é um
campo de energia psíquica em contínuo estado de desequilíbrio psicodinâmico.
Esse estado é fundamental para que o homem se torne uma complexa e contínua
"usina de pensamentos e emoções".
O inconsciente foi abordado
genericamente em algumas teorias psicológicas. Porém, aqui, ele será visto com
um pouco mais de detalhe, principalmente no que tange aos processos que
constroem o mundo dos pensamentos e que nos transformam na espécie mais
misteriosa e brilhante da biosfera terrestre. Estamos no topo da inteligência
de mais de trinta milhões de espécies, porém raramente percebemos o valor e a
complexidade da construção da inteligência. Nos bastidores da mente opera-se
um rico conjunto de fenômenos que constroem a história intrapsíquica dentro da
memória, que a lêem, que produzem as cadeias de pensamentos, que formam a
consciência existencial e que transformam a energia emocional. Os fenômenos que
atuam no universo inconsciente são sofisticadíssimos. Por exemplo, eles lêem a
memória, em milésimos de segundo, resgatam com extrema fineza os
"verbos" em meio a bilhões de informações e os inserem nas cadeias
psicodinâmicas dos pensamentos, antes que estas sejam conscientizadas. Como
isso é possível? A inteligência é tão fantástica, que produzimos milhares de
verbos diariamente e nem sequer ficamos perturbados com a indescritível proeza
de resgatá-los, nos labirintos "escuros" da memória, e conjugá-los
antes de termos consciência deles. Provavelmente, muitos teóricos da
Psicologia e das Neurociências não investigaram nem produziram conhecimento
sobre os fenômenos que alicerçam a construção do pensamento.
Os fenômenos e as variáveis
inconscientes que sustentam o processo de construção dos pensamentos são tão
complexos que ao investigá-los podemos ficar confusos devido à quantidade e
qualidade das dúvidas que surgirem. Tais fenômenos operam-se em pequenas
frações de segundo, organizando microcampos de energia psíquica, que são
traduzidos nos palcos conscientes da inteligência como idéias, pensamentos
antecipatórios, recordações, pensamentos que refletem preocupações
existenciais etc.
Os fenômenos inconscientes
geram os fenômenos conscientes. Parece tão simples pensar que não nos damos
conta que só conseguimos ser seres pensantes, seres que têm consciência de si e
do mundo circundante porque temos um mundo real e inimaginável submerso à
consciência.
Não apenas a construção das
idéias, dos pensamentos antecipatórios, das análises, das sínteses, das
ansiedades, das reações fóbicas etc. é extremamente complexa, mas também a
desorganização das mesmas igualmente o é. O espetáculo da construção dos
pensamentos não se encerra quando eles são produzidos e encenados nos palcos
conscientes da inteligência. O espetáculo continua, pois as "peças
intelectuais" (os pensamentos) são psicodinâmicas, ou seja, uma vez
produzidas imediatamente elas se desorganizam, vivenciam o caos, abrindo as
possibilidades para a construção psicodinâmica de novas "peças
intelectuais". Assim, pelo fato de os pensamentos serem construídos num
campo de energia especial, o campo de energia psíquica, cuja essencialidade
ultrapassa os limites da previsibilidade e linearidade das leis físico-químicas,
imediatamente após serem construídos, eles desorganizam seus microcampos de
energia psíquica, experimentam o caos, abrindo possibilidades psicodinâmicas
para a construção de novos pensamentos.
Só conseguimos produzir
milhares de pensamentos diariamente porque todos eles experimentam
continuamente um processo de desorganização. Cada um dos "microcampos de
energia psíquica" produzidos nos bastidores da psique, e que se expressam
como pensamentos e idéias conscientes, sofrem instantaneamente um caos
dramático que os desorganiza por completo. Nenhum ser humano consegue impedir
que seus pensamentos, inclusive suas emoções e motivações se desorganizem. O
caos da energia psíquica é irresistível. A idéia mais brilhante se desorganiza
imediatamente após ser produzida. As emoções se desorganizam mais lentamente,
mas mesmo as emoções mais românticas experimentam o caos psicodinâmico.
O amor e todas as
experiências mais intensas do universo emocional, sejam elas agradáveis ou
angustiantes, caminham diariamente para o caos e se reorganizam em outras
emoções.
As emoções e os pensamentos
novos só voltam ao cenário da mente se as anteriores forem desorganizadas e de
novo reconstruídas. Portanto, a psique humana vive um fluxo vital de
transformações essenciais. Esse princípio é universal e atinge inevitavelmente
todo ser humano em toda a sua trajetória existencial.
Não sei se os leitores já
ficaram, como eu, perturbados em saber como foram geradas as idéias, as reações
ansiosas, os pensamentos antecipatórios etc, encenados a cada minuto nos palcos
de nossas consciências, e para onde elas foram e como se descaracterizaram.
Essas questões retratam a essência intrínseca do homem. Pois toda a produção
intelecto-emocional, seja científica ou coloquial, prazerosa ou angustiante,
possui um conjunto de fenômenos que arquiteta seu nascedouro e sua
desorganização. Procurei observar tais fenômenos atentamente. Nesse processo
de observação e exploração usei diversos procedimentos intelectuais complexos
e, ao mesmo tempo, fiz centenas e até milhares de perguntas sobre eles para
conseguir algumas respostas teoricamente mais consistentes, que fugissem ao
psicologismo.
Em meu processo de observação
e investigação, eu ficava intrigado pelo fato de que num instante produzimos
construções intelecto-emocionais sofisticadíssimas, sem termos consciência de
como lemos a memória e de como elas foram produzidas nos labirintos da psique,
e noutro instante elas desaparecem e se desorganizam sem darmos conta de
"para onde" foram, de "como" e do "porquê" de
elas terem ido. Na realidade, elas não foram para nenhum lugar; apenas
vivenciaram o caos. Os microcampos de energia psíquica que se organizam
psicodinamicamente como idéias e emoções se desorganizam inevitavelmente.
Assim, o campo de energia psíquica preserva sua integralidade essencial.
O CAOS DA ENERGIA PSÍQUICA E O FLUXO VITAL DOS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA
Muitos pensam que o caos é
destrutivo, paralisante, mas na realidade ele expande as possibilidades de
construção dos fenômenos. Esse princípio vale tanto para a Física como para a
Psicologia. A transformação da energia psíquica abre um caminho para a
operacionalização dos sistemas de variáveis intrapsíquicas.
Se os pensamentos e as
emoções não experimentassem continuamente o caos psicodinâmico, novos
pensamentos e emoções não seriam produzidos, a mente sofreria um
congestionamento intelectual paralisante, seria criativamente estéril e, com
isso, as conseqüências seriam dramáticas, pois não seríamos ricos seres que
pensam e se emocionam continuamente. O homem é um ser intensamente preocupado
em construir, mas não reflete que, sem o caos da energia psíquica, capaz de
desorganizar toda construção psicodinâmica intelectual e emocional, o Homo
sapiens não existiria.
Nas doenças psíquicas, tais
como nos transtornos obsessivo-compulsivos, nas depressões, nas síndromes de
pânico, o caos intrapsíquico e os processos de construção dos pensamentos estão
qualitativamente alterados. Na síndrome do pânico, por exemplo, ocorre
operacionalização súbita do fenômeno da autochecagem da memória, que lê em
milésimos de segundo a memória e constrói instantaneamente cadeias
psicodinâmicas de pensamentos, com conteúdo dramático, ligados às idéias de
morte, desmaio e descontrole, que, por sua vez, provoca também subitamente um
caos no processo de transformação da energia emocional, gerando uma reação
fóbica intensa e incontrolável, que atua no córtex cerebral e provoca uma
sintomatologia psicossomática, caracterizada por taquicardia, dispnéia (falta
de ar), sudorese (suor intenso) etc.
Não quero entrar em detalhes,
no momento, sobre as doenças psíquicas; o que quero enfatizar é que,
independentemente da etiologia ou causa das mesmas, independentemente da
crítica que possamos fazer aos postulados das neurociências ligados aos
neurotransmissores ou aos postulados psicológicos ligados a conflitos psíquicos
e psicossociais, o fato é que, ao estudar o processo de construção dos
pensamentos, verificaremos que há uma exacerbação psicodinâmica do caos intrapsíquico
em algumas dessas doenças, tais como na síndrome do pânico e nas reações
fóbicas. Essa exacerbação dificulta o gerenciamento do "eu" sobre os
pensamentos, as ansiedades, as preocupações existenciais, as angústias. Por
isso, essas pessoas vivenciam continuamente pensamentos e emoções que não
querem pensar e sentir. Porém, excetuando as doenças psíquicas, em que a
exacerbação psicodinâmica do caos da energia psíquica pode reduzir o
gerenciamento do "eu", ele é saudável e fundamental para expandir as
possibilidades de construção da inteligência.
Sem o processo de
desorganização da energia psíquica e sem a ação psicodinâmica dos fenômenos
intrapsíquicos que o reorganizam, não teríamos como explicar o fluxo vital dos
pensamentos e das emoções, a extrema velocidade, fineza construtiva e
sofisticação psicodinâmica dos processos de construção que ocorrem no palco de
nossas mentes. Sem a força intrapsíquica irresistível e desorganizadora do caos
da energia psíquica e sem a atuação psicodinâmica rapidíssima e refinadíssima
dos fenômenos que o reorganizam, o Homo sapiens não seria um engenheiro
de idéias, um construtor de pensamentos antecipatórios, de análises, de
inferências.
Poucos homens conseguem ter
sucesso em ser um grande empresário, um respeitado político, um grande
cientista, um exímio artista, mas todos conseguem realizar o maior de todos os
sucessos intelectuais, o sucesso mais espetacular, que é ser um engenheiro de
idéias, ura construtor de pensamentos. Todos somos engenheiros de idéias, embora
nem sempre qualitativos, que vivem uma agenda intelectual complexa. Todo ser
humano, por menos cultura que tenha, possui uma mente sofisticadíssima. Até as
crianças deficientes mentais e as pessoas que sofreram lesões cerebrais, mas
que têm preservadas determinadas áreas de memória, possuem uma mente complexa,
pois são capazes de processar um registro parcial da história intrapsíquica,
sofrer a atuação psicodinâmica dos fenômenos que a lêem e produzir cadeias
psicodinâmicas dos pensamentos, ainda que sem parâmetros lógicos, que se
desorganizarão e se reorganizarão em outros pensamentos.
Desprovidos dos fenômenos que
lêem a memória e do fluxo vital da energia psíquica, seríamos animais
não-pensantes, sem consciência existencial, sem identidade, sem distinguir seu
ser do restante do universo, sem produzir história, sem ter consciência das
dores e necessidades psicossociais, sem estabelecer relações interpessoais
conscientes, sem idéias, artes, ciência nem livros, enfim, sem uma
"agenda" intelectual diária fascinante.
O campo de energia psíquica
vive um contínuo e inevitável fluxo de transformações essenciais,
operacionalizadas por um riquíssimo conjunto de variáveis da interpretação,
expresso por um conjunto intrincado e co-interferente de fenômenos que atuam
inconscientemente. Precisamos compreender os fenômenos que reorganizam o caos
da energia psíquica e que geram, conseqüentemente, os quatro grandes processos
de construção da inteligência: o processo de construção de pensamentos, o
processo de formação da consciência existencial, o processo de formação da
história intrapsíquica e o processo de transformação da energia emocional e
motivacional.
Como vimos, esses processos
são produzidos por mais de três dezenas de fenômenos intrínsecos que co-interferem
no inconsciente. Claro que deve haver um número muito maior do que três dezenas
de fenômenos. Porém, dentro das minhas limitações como pesquisador, detectei
esse número na minha trajetória de pesquisa e produção de conhecimento. O
processo de co-interferência desses fenômenos é tão complexo que nos torna
diferentes a cada momento existencial. Somos micro ou macrodistintos a cada
momento existencial, pois a cada momento produzimos novos pensamentos, emoções
e desejos, ainda que diante dos mesmos estímulos.
Temos estudado os fenômenos
mais importantes que atuam no processo de construção dos pensamentos. Vimos
que eles co-interferem de maneira particular a cada momento existencial. Até
onde conheço, penso que as grandes teorias psicológicas, psicossociais e
filosóficas (principalmente as epistemológicas) não estudaram os processos de
construção da inteligência a partir dos sistemas de co-interferências de
variáveis que atuam nas diversas etapas da interpretação em que são gerados os
pensamentos e as emoções.
Essa carência de estudo se
deve ao fato de que os teóricos se preocuparam mais em produzir conhecimento
sobre o discurso do pensamento dialético (consciente) e as manifestações das
emoções do que sobre o nascedouro e as origens desses pensamentos e emoções, ou
seja, sobre a natureza intrínseca da energia psíquica, a organização da
história existencial (intrapsíquica) na memória, a leitura da memória, a
organização dos microcampos de energia psíquica a partir dessa leitura, a
formação das matrizes dos pensamentos essenciais (inconsciente), as cadeias dos
pensamentos dialéticos, a desorganização caótica da energia psíquica, pois
esses fenômenos estão no pré-conhecimento e na pré-transformação da energia
emocional.
É insuficiente fazer uma
abordagem genérica dos fatores sociais, psicológicos e genéticos que
influenciam o processo de formação da personalidade e o discurso dos
pensamentos, mas não sobre os sistemas de variáveis que concebem o nascedouro,
a natureza, os limites e o alcance dos pensamentos e emoções.
Os sistemas de
co-interferências das variáveis, associados aos processos de construção que
eles geram, são
conhecimento, é questionar
seu processo de produção. Educar é transmitir o conhecimento estimulando os
princípios psicossociais e filosóficos que inspiram a formação de pensadores; é
levar os alunos a serem caminhantes nas trajetórias do próprio ser. Educar não
é dar títulos acadêmicos e nem convencer os alunos do tanto que eles sabem, mas
convencê-los do tanto
de extrema complexidade e
extensão; por isso, são assunto para vários livros.
DA AURORA DA VIDA FETAL ATÉ O ÚLTIMO SUSPIRO DE VIDA
O campo de energia psíquica
vive urn fluxo vital contínuo e inevitável de transformações essenciais, que
são percebidas como pensamentos, idéias, emoções, motivações, diálogos, sonhos
etc. Os fenômenos intrínsecos da mente que lêem a memória e produzem as "matrizes
de pensamentos essenciais históricos", e que são inconscientes, iniciam o
processo de reorganização da energia psíquica, provocando transformações na
energia emocional preparando "uma pista de decolagem virtual"
(leitura virtual) para a formação dos pensamentos conscientes dialéticos
(psicolingüisticamente organizados: idéias, pensamentos, análises) e
antidialéticos (psicolingüisticamente difusos: imagens mentais, fantasias,
impressões).
A leitura da história
intrapsíquíca gera os microcampos de energia, que são expressos por matrizes de
pensamentos inconscientes. As matrizes de pensamentos essenciais inconscientes
geram as idéias, as análises, as sínteses, os pensamentos antecipatórios, as
expectativas, inseguranças, reações de tolerância, complacência, os sentimentos
de amor, de ódio, de raiva, etc. enfim, todas as finas construções
intelecto-emocionais. Assim, o campo de energia psíquica está continuamente
sofrendo a ação do pool de fenômenos que reorganizam o caos, que em
seguida se desorganiza novamente. Assim, o campo de energia psíquica se
organiza, desorganiza e se reorganiza continuamente a cada momento
existencial, iniciando-se na vida intra-uterina e perpetuando-se por toda a
trajetória da vida humana.
Pensar e ser inteligente não
são opções intelectuais do Homo intelligens, do homem pensante, mas são
frutos de Uma produção inevitável, contínua e espontânea de pensamentos na
psique humana. Podemos monitorar a qualidade da produção das idéias, dos
pensamentos, mas não conseguimos evitá-la.
O homem vive sob o regime da
revolução das idéias. Desde a aurora da vida fetal ele produz continuamente
matrizes de pensamentos essenciais inconscientes. Na vida extra-uterina, essas
matrizes conquistarão pouco a pouco uma pista de decolagem virtual e se
tornarão pequenos pensamentos conscientes, que pouco a pouco gerarão idéias
mais complexas.
Se tivermos uma macrovisão da
mente, poderemos dizer que o ser humano vive desde a vida intra-uterina uma
leitura contínua e inevitável da memória, que resultará numa produção contínua
das matrizes de pensamentos essenciais, que, por sua vez, resultará nos
pensamentos conscientes. O homem é um engenheiro espontâneo de idéias. Ele não
apenas produz idéias porque o "eu" determina que ele deva produzir
idéias, mas porque o seu campo de energia psíquica se encontra num fluxo vital
contínuo e inevitável de organização, desorganização e reorganização
essencial.
O fluxo vital da energia
psíquica indica que há na psique, pelo menos desde a aurora da vida fetal até o
último suspiro existencial, uma operação inevitável dos processos de construção
dos pensamentos. Essa operação faz com que cada ser humano seja um produtor de
artes, de ciência, de técnicas, de relações sociais, de comunicação, enfim, um
ser que vive sob o regime da revolução das idéias, o que enseja o processo de
formação da personalidade e desenvolvimento da história psicossocial humana
como um todo.
Os fetos pensam, e pensam
muito, embora não pensem os dois tipos fundamentais de pensamentos conscientes,
os pensamentos dialéticos e os antidialéticos, mas as matrizes dos pensamentos
essenciais inconscientes que geram emoções contínuas. A criança pensa
continuamente nas suas necessidades, vive explorando o mundo que a circunda,
desenvolve fantasias e sonhos num fluxo vital.
Quem são os
"mestres" dos fetos, que os ensinam a explorar o meio intra-uterino e
os seus próprios corpos e desenvolver malabarismos nas piscinas de líquido
amniótico? Quem são os "mestres" das crianças, após seus primeiros
anos de vida, que as ensinam a identificar, no meio de centenas de milhares ou
até de milhões de informações contidas em sua memória, que as dores e
angústias que experimentam são cólicas, sentimentos de abandono, fome, sede
etc. ? São os fenômenos que atuam nos bastidores da mente que lêem a memória
instintivo-genética e a memória histórico-existencial, e reorganizam o caos do
campo da energia psíquica e estabelecem os processos de construção da
inteligência.
Qualquer um se perderia numa
cidade estranha ao procurar uma pessoa com um endereço incompleto; mas as
crianças, desde a sua mais tenra infância e sem nenhum "endereço
consciente", penetram nas complexas e obscuras "cidades inconscientes
da memória" e encontram os endereços das informações corretas para
expressar seus desejos, suas pequenas idéias. Os adultos também realizam esse
espetáculo da construção centenas ou milhares de vezes por dia, sem saber como
penetram com extremo acerto e rapidez nos labirintos de suas memórias. Quem são
os nossos mestres? Os professores das escolas e os pais são apenas atores
coadjuvantes dos fenômenos que atuam nos bastidores da mente. São eles que
causam a revolução inevitável das idéias, que promovem o processo evolutivo da
personalidade.
Os leitores estão
continuamente sob o regime da revolução das idéias e, provavelmente, hoje
produziram milhares delas. Os cientistas, os políticos, os psicólogos, os
pais, os ideólogos, as pessoas místicas, enfim, todo e qualquer ser humano está
produzindo um universo de pensamentos, análises, resgate de experiências
passadas, antecipação de situações do futuro, inseguranças, expectativas,
pensamentos sobre circunstancialidades existenciais.
A CONSTRUÇÃO MULTIFOCAL DOS PENSAMENTOS É INEVITÁVEL E NÃO PODE SER DETIDA
Quem pode deter os processos de
construção dos pensamentos? Ninguém! É impossível deter o fluxo vital da
energia psíquica.
Ainda que uma pessoa se
enclausure para fins místicos, como os anacoretas, ela não conseguirá
interromper o fluxo dos pensamentos, o fluxo das idéias. Mesmo uma pessoa
autista, que tem relações tão frágeis com o mundo extrapsíquico, produz
pensamentos continuamente, ainda que desorganizados ou que não remetam à
socialização. Uma pessoa pode usar toda a sua capacidade intelectual para
resistir à revolução das idéias, mas não terá êxito e, além disso, a própria
tentativa de interrupção dos pensamentos já é um pensamento, já é uma idéia.
Não existe o "nada intelectual", o "vácuo de pensamento",
pois a "consciência do nada" é a "idéia ou pensamento do
nada" e não o "nada em si".
A operação espontânea dos
fenômenos que lêem a memória e que constroem cadeias de pensamentos, estimulam
a formação do equipamento intelectual que estruturam os alicerces da
personalidade. Todos os membros de nossa espécie formam, a cada geração, suas
personalidades, e isso independentemente do ambiente e das condições sociais,
econômicas, culturais em que vivem. O desenvolvimento qualitativo da
personalidade depende das variáveis extrapsíquicas, mas o processo em si da
formação da personalidade depende apenas da operação dos fenômenos
inconscientes. Se o eu não atuar na inteligência e não produzir uma revolução
de idéias qualitativas, ainda assim os fenômenos participantes da construção de
pensamentos produzirão espontaneamente tal revolução, mesmo que seja
não-qualitativa e não-direcionada para o desenvolvimento do humanismo e da
cidadania.
A maior e mais importante
revolução não é a revolução econômica, política e tecnológica, mas aquela que
se opera clandestinamente na mente de cada ser humano. As outras revoluções são
vítimas desta.
A construção da inteligência
e da consciência existencial é inevitável na trajetória humana. Cumpre ao eu
redirecionar e reorganizar essa construção, através de expandir sua capacidade
de pensar, de trabalhar seus estímulos estressantes, de preservar sua emoção
nos focos de tensão, de enriquecer seu humanismo. Se o eu não reorganizá-la, a
personalidade se formará sem um direcionamento maduro, ou seja, através da
leitura aleatória da história intrapsíquica e da produção psicodinâmica de
pensamentos. Assim, o risco de desenvolver uma inteligência doentia,
destrutiva, alienada, insegura, é grande, principalmente se as variáveis do
processo educacional, do ambiente social e da carga genética forem
inadequadas.
Nesses anos de pesquisa sobre
a inteligência, compreendi que o homem moderno, devido à falência do processo
educacional em desenvolver a capacidade crítica de pensar, em desenvolver o
humanismo e a cidadania, associado à fragilidade do eu em administrar os
pensamentos, tem grande dificuldade de liderar os fenômenos que tecem a colcha
de retalhos da sua personalidade.
As idéias são definidas,
aqui, como um conjunto de pensamentos que conceituam os eventos contidos no
mundo que somos (ambiente intra-psíquico) e em que estamos (ambiente
extrapsíquico). Através da construção contínua das idéias produzidas ou não
pelo eu, o desenvolvimento da personalidade é estimulado (ainda que não
qualitativamente), a história psicossocial do homem é desenvolvida, o conhecimento
coloquial e científico é produzido, as relações humanas são geradas, a
comunicação interpessoal é estabelecida.
Quando me reporto à revolução
das idéias, não me refiro apenas aos simples pensamentos, fantasias,
recordações, pensamentos antecipatórios, que são produzidos pela atuação dos
fenômenos que atuam nos bastidores da mente, mas também à produção de idéias
que é gerenciada, organizada, redirecionada pelo eu, tais como as análises, as
sínteses, as idéias humanistas, as idéias que envolvem a racionalização de
estímulos estressantes, a capacidade de trabalhar perdas, a consideração pelas
dores e necessidades psicossociais do "outro".
A construção das idéias
produzida apenas pela operacionalidade inconsciente dos fenômenos que lêem a
história intrapsíquica, que reorganizam o caos da energia psíquica e geram os
processos de construção da inteligência nem sempre é suficientemente elaborada,
organizada, para desenvolver o humanismo, a cidadania e a capacidade crítica de
pensar. A construção das idéias, estimulada e redirecionada pelo eu, auxiliada
por um processo socioeducacional multidirecional e
histórico-crítico-existenci-al, tem condições de aprimorar a capacidade de
produção de pensamentos, produzindo a revolução da ciência, e de expandir o
processo de interiorização, a arte de se colocar no lugar do outro e a
capacidade de trabalhar as intempéries existenciais, promovendo o
desenvolvimento do humanismo e da cidadania.
O MUNDO DAS IDÉIAS PRODUZIDO PELOS FENÔMENOS INCONSCIENTES E PELO EU
O ser humano vive um processo
de construção da inteligência quantitativamente rico, que produz milhares de
pensamentos diários, milhões anualmente. Todos esses pensamentos são
registrados automaticamente na memória, gerando a sua complexa história
intrapsíquica, da qual os fenômenos inconscientes se alimentarão para produzir
novas cadeias de pensamentos. Se a construção da inteligência é
quantitativamente rica, pode não o ser qualitativamente, principalmente se o eu
não a compreender e não conseguir reorganizá-la, reorientá-la e redirecioná-la.
Somos, freqüentemente, passantes existenciais, que percorrem as trajetórias das
tendências sociais, mas que não criam raízes mais profundas dentro de si
mesmos, que não aprendem a se interiorizar, a transitar pelos caminhos de nossa
própria mente, a expandir a inteligência. Nosso sentido existencial é o sentido
do "ter" e não o sentido do "ser"; por isso, só sabemos
viver bem e com dignidade nos períodos de "bonaça" da vida, mas
temos grande dificuldade para lidar com nossas misérias, erros, perdas, dores e
frustrações, que, às vezes, são imprevisíveis e inevitáveis.
As variáveis extrapsíquicas,
tais como o processo educacional, a atuação dos pais, as interpretações
psicoterapêuticas e as relações sociais como um todo não são capazes de causar
nenhuma revolução intelectual, mas podem funcionar como catalisadoras de
idéias, estimulando o eu a realizar essa tarefa psicodinâmica.
A produção das idéias,
produzidas inconscientemente ou conscientemente, perdura, como disse, durante
todo o processo existencial humano. É teoricamente ingênuo dizer que a
personalidade se forma até certa idade, por exemplo, até os 6 ou 7 anos de
idade, e a partir daí ela apenas cristalizará as características iniciais. De
fato, na infância, ocorre na memória uma formação de áreas nobres da história
intrapsíquica que alimentará os processos de construção dos pensamentos e da
consciência existencial, subsidiando algumas diretrizes básicas da
personalidade. Porém, se compreendermos o funcionamento da mente,
verificaremos que em toda a trajetória existencial humana ocorre um fluxo da
construção de pensamentos, que expandirá a evolução da personalidade.
Uma pessoa que possui um
tumor cerebral, que acomete áreas da memória, ou que possui uma degeneração
cerebral não muda radicalmente a estrutura da sua personalidade? Sim! Um
intelectual pode se comportar como uma criança nessas condições. Por que?
Porque houve perda e desorganização das informações contidas na memória.
Portanto, mesmo em casos doentios, a mudança da personalidade passa por
alterações dos segredos contidos na memória.
O homem, independentemente da
sua idade e condição sociocultural, tem, a cada momento existencial, a
oportunidade de rever seu processo de interpretação e expandir seu aprendizado,
de reorganizar seus paradigmas socioculturais, seus padrões de reações, seus
estereótipos sociais, contidos em sua memória. Enfim, é possível refinar em
qualquer tempo o gerenciamento do eu sobre os processos de construção dos
pensamentos e enriquecer a memória e a personalidade.
Há pessoas rígidas, que não
reciclam nem expandem a "consciência crítica do eu", que se apegam às
suas idéias, conceitos e paradigmas socioculturais como se fossem dogmas
existenciais, pois têm medo de reconhecer e enfrentar sua fragilidade e
imaturidade, de reorganizar criticamente suas posturas intelectuais- Tais
pessoas diminuem o gerenciamento dos processos intelectuais; por isso, parece
que nunca modificam o que pensam e sentem. A rigidez do eu pode reduzir qualitativamente
as idéias produzidas espontaneamente no palco da mente, mas não pode
interrompê-la, ainda que diariamente elas sejam produzidas quantitativamente.
Se observarmos a trajetória
existencial de uma pessoa rígida, verificaremos que ela também constrói um
universo de idéias, conceitos, percepções. Todavia, devido à dificuldade de
repensar tais idéias e expandir seus horizontes, elas causam apenas uma pequena
evolução na sua personalidade.
A psique do Homo sapiens é
tão complexa e sofisticada que a dividirei didaticamente, para melhor
desenvolver o discurso teórico, em Homo interpres e Homo intelligens.
O Homo interpres é o homem que interpreta o mundo, que o reconstrói
nos bastidores da mente. Interpretar não é um privilégio de uma casta de
pessoas intelectuais; interpretar é um processo intelectual inevitável que todo
ser humano realiza em toda a sua trajetória existencial.
Não recebemos o mundo, as
pessoas, os animais, o universo físico, em sua essência intrínseca, mas o
recebemos codificadamente, através dos estímulos sensoriais. Os estímulos
sensoriais são invariavelmente interpretados, através dos fenômenos que lêem a
memória e constroem as cadeias de pensamentos. Estas não representam a
realidade essencial do mundo, mas a interpretação intelectual deste mundo.
Portanto, o Homo sapiens, antes de ser sapiens ou um ser
pensante, ê um Homo interpres, um ser que interpreta. O Homo
interpres gera a inteligência consciente do Homo sapiens. O Homo
interpres representa o universo inconsciente da psique humana: a história
intrapsíquica, os processos de construção da inteligência, os fenômenos que
lêem a memória, as matrizes de pensamentos essenciais, as variáveis que atuam
na construção de pensamentos.
O Homo intelligens representa
a inteligência consciente do Homo sapiens, tais como as idéias, as
análises, as sínteses, a lógica, os pensamentos antecipatórios, as recordações,
o eu, a consciência das emoções, das motivações, a consciência do mundo
extrapsíquico, etc. Porém, a inteligência consciente não surge por si mesma,
mas é produzida pelos complexos processos de construção ocorridos nos
bastidores da mente, ou seja, pelo Homo interpres. O Homo interpres gera,
portanto, o Homo intelligens. Toda vez que o Homo interpres interpreta
um estímulo e constrói cadeias de pensamentos conscientes, ele gera o Homo
intelligens. O Homo interpres representa os processos de construção
existentes no universo inconsciente e o Homo intelligens representa os
processos de construção existentes no universo consciente. Ambos formam o homem
total, o Homo sapiens.
O Homo sapiens não é
apenas um Homo intelligens, ou seja, um ser inteligente, um ser
pensante, mas é acima de tudo um Homo interpres, ou seja, um ser que
constrói sua inteligência, sua capacidade de pensar, através de complexos e de
sofisticados processos da interpretação inconsciente. Vivemos o processo de
interpretação em toda a nossa trajetória existencial; até os pensamentos que
temos sobre nossas angústias, fobias, inseguranças, prazeres, não representam
a realidade em si dessas emoções, mas uma interpretação dessas emoções. As
interpretações substituem a realidade essencial dos estímulos. Porém, como
veremos, essa substituição, ainda que seja rica era idéias, é sempre redutora e
passível de inúmeras distorções.
O Homo sapiens é um
ser que respira a interpretação em toda a sua trajetória existencial. Até as
pessoas psicóticas interpretam complexamente o mundo, ainda que sem lógica e
parâmetros psicossociais.
O Homo interpres é
expresso pelo conjunto de variáveis intrapsíquicas inconscientes que atuam nos
bastidores da mente, bem como pelos grandes processos de construção da
inteligência. As variáveis intrapsíquicas flutuam e evoluem a cada momento
existencial; por isso direi que há um Homo interpres micro ou
macrodistinto também a cada momento. Ainda que possamos ficar chocados, temos
de ter consciência de que não somos intelectualmente lineares e estáveis, mas
seres distintos a cada momento.
Somente o mundo da matemática
é estável; o mundo físico, e principalmente o mundo psíquico, são dinâmicos,
são micro ou macrodistintos a cada momento existencial, o que resulta em micro
ou macrodistorções da interpretação diante de um mesmo objeto ou estímulo
contemplado. O mundo das idéias, da cultura, dos paradigmas sociais, das artes,
da ciência, se encontra num processo continuamente evolutivo, ainda que não
qualitativo. A história humana é um testemunho vivo desse princípio
psicossocial.
O Homo interpres produz
uma infinidade de cadeias de pensamentos que se manifestam conscientemente como
Homo intelligens. Devido às variáveis nos bastidores da mente [Homo
interpres) interpretamos de maneira distinta os estímulos idênticos ou
semelhantes e produzimos, com isso, idéias, pensamentos, análises distintas
sobre eles nos palcos conscientes da inteligência {Homo intelligens). Por
isso, mesmo se o Homo intelligens (consciência do eu e os pensamentos
conscientes) for rígido, ainda assim ele experimentará clandestinamente
microrrevoluções de idéias nos bastidores da sua mente [Homo interpres), que
modificarão algumas posturas existenciais, maneira de pensar e ser, enfim,
algumas arestas psicodinâmicas da sua personalidade. Até na velhice podem
ocorrer riquíssimas revoluções construtivas, importantes revoluções das
idéias, principalmente se aprende a se interiorizar, a expandir a capacidade
crítica de pensar em seu processo de interiorização, sua análise das causas
históricas e circunstancialidades psicossociais, seu humanismo, enfim, se
alguém aprende a ser continuamente um caminhante nas avenidas do seu próprio
ser.
Se o eu tivesse plena
liberdade de atuar na construção de pensamentos e na transformação da energia
emocional, poderíamos pensar que a vida humana seria um "mar de
prazeres", o que, como comentei, é muito discutível. Além disso, se o eu
tivesse tal liberdade, a inteligência humana correria sérios riscos, pois numa
situação de stress psicossocial e de dor inadministrável, ele poderia
apagar da memória a "imagem histórica" das pessoas íntimas que nos
frustram. Assim, em segundos ou fração de segundo, apagaríamos a riquíssima
história existencial que demoramos décadas para construir, o que traria uma
destrutividade imprevisível nas relações humanas e na formação da consciência
existencial.
Os limites do eu em atuar no
seu próprio mundo intrapsíquico comprometem a sua liderança; comprometem o seu
governo plenos sobre a construção dos pensamentos, sobre a formação da
história intrapsíquica, sobre a reorganização dos conflitos intrapsíquicos e
psicossociais, sobre o processo de transformação da energia emocional etc;
porém também trazem, ao mesmo tempo, grande proteção contra a
autodestrutividade humana, impedindo o "suicídio da história
intrapsíquica", o "suicídio da consciência existencial". Além
disso, tais limites tornam a própria psique o centro vital de entretenimento
humano, pois vive sob o regime contínuo da construção das idéias
não-autorizadas pelo eu. Assim, pelo fato de o homem ser um engenheiro
espontâneo de idéias, um construtor de pensamentos sobre situações do futuro,
um ruminador de experiências passadas, um arquiteto de pensamentos sobre
circunstâncias existenciais, ele constrói uma fonte vital de entretenimento,
que contribui para superar sua dramática solidão da consciência existencial e
para promover a evolução da sua personalidade e da sua história psicossocial.
A REVOLUÇÃO DAS IDÉIAS PRODUZIDA PELOS FENÔMENOS INCONSCIENTES, PELO EU, PELO PROCESSO EDUCACIONAL E PELA CARGA GENÉTICA
A revolução das idéias é
"gerada espontaneamente" pelo fluxo vital da energia psíquica, é
"provocada, catalisada ou estimulada" pelo processo socioeducacional,
é "influenciada" pela carga genética e é "organizada" pelo
eu. Não existe destino humano previsível; não existe previsibilidade rígida na
trajetória humana. Ninguém controla todas as variáveis dos processos de
construção da inteligência; por isso, não é possível "fabricar" ou
programar a personalidade humana, pois é impossível controlar determinadas
variáveis.
Muitos teóricos da
personalidade não compreenderam alguns labirintos do seu processo de formação.
A personalidade é "gerada espontaneamente" pelo fluxo vital dos
fenômenos que fazem a leitura da história intrapsíquica, reorganizam a energia
psíquica e geram a construção da inteligência; a personalidade é
"provocada, catalisada ou estimulada" pelo processo socioeducacional
através da atuação no processo de formação do eu e da história intrapsíquica
arquivada na memória; a personalidade é "influenciada" pelos
microcampos de energia físico-química gerados pelo metabolismo cerebral e que
foram construídos pela agenda da carga genética; a personalidade é organizada
pelo gerenciamento do eu sobre os processos de construção da inteligência.
O processo socioeducacional
(expresso pelas experiências que constituem a nossa história intrapsíquica e
pelas circunstancialidades psicossociais do presente), a "carga
genética" (expresso pelo metabolismo neuroendócri-no), os fenômenos que
lêem a memória, as variáveis intrapsíquicas que co-interferem nos bastidores da
mente e o eu (expresso pelo gerenciamento da construção de pensamentos) levam o
homem total não apenas a ser complexo, mas a ter uma complexidade
multivariável, um ser que vive sob a influência de variáveis multifocais. Por
isso, dizer que a personalidade humana se constrói sob o tripé da carga
genética, do ambiente social e dos fatores psicológicos é indubitavelmente
simplista, reducionista.
Temos múltiplas variáveis que
atuam no processo de formação da personalidade. A carga genética e o ambiente
socioeducacional são duas variáveis complexas; porém, associados a elas, temos
os fenômenos que lêem a memória. Temos também um conjunto significativo de
variáveis, tais como o fenômeno da psicoadaptação, a história intrapsíquica, a
ansiedade vital, a energia emocional etc, que atuam a cada momento da
interpretação e na construção das cadeias de idéias.
A REVOLUÇÃO DAS IDÉIAS PRODUZIDA PELOS FENÔMENOS INCONSCIENTES, PELO EU, PELO PROCESSO EDUCACIONAL E PELA CARGA GENÉTICA
A revolução das idéias é
"gerada espontaneamente" pelo fluxo vital da energia psíquica, é
"provocada, catalisada ou estimulada" pelo processo socioeducacional,
é "influenciada" pela carga genética e é "organizada" pelo
eu. Não existe destino humano previsível; não existe previsibilidade rígida na
trajetória humana. Ninguém controla todas as variáveis dos processos de
construção da inteligência; por isso, não é possível "fabricar" ou
programar a personalidade humana, pois é impossível controlar determinadas
variáveis.
Muitos teóricos da personalidade
não compreenderam alguns labirintos do seu processo de formação. A
personalidade é "gerada espontaneamente" pelo fluxo vital dos
fenômenos que fazem a leitura da história intrapsíquica, reorganizam a energia
psíquica e geram a construção da inteligência; a personalidade é
"provocada, catalisada ou estimulada" pelo processo socioeducacional
através da atuação no processo de formação do eu e da história intrapsíquica
arquivada na memória; a personalidade é "influenciada" pelos
microcampos de energia físico-química gerados pelo metabolismo cerebral e que
foram construídos pela agenda da carga genética; a personalidade é organizada
pelo gerenciamento do eu sobre os processos de construção da inteligência.
O processo socioeducacional
(expresso pelas experiências que constituem a nossa história intrapsíquica e
pelas circunstancialidades psicossociais do presente), a "carga
genética" (expresso pelo metabolismo neuroendócri-no), os fenômenos que
lêem a memória, as variáveis intrapsíquicas que co-interferem nos bastidores da
mente e o eu (expresso pelo gerenciamento da construção de pensamentos) levam o
homem total não apenas a ser complexo, mas a ter uma complexidade
multivariável, um ser que vive sob a influência de variáveis multifocais. Por
isso, dizer que a personalidade humana se constrói sob o tripé da carga
genética, do ambiente social e dos fatores psicológicos é indubitavelmente
simplista, reducionista.
Temos múltiplas variáveis que
atuam no processo de formação da personalidade. A carga genética e o ambiente
socioeducacional são duas variáveis complexas; porém, associados a elas, temos
os fenômenos que lêem a memória. Temos também um conjunto significativo de
variáveis, tais como o fenômeno da psicoadaptação, a história intrapsíquica, a
ansiedade vital, a energia emocional etc, que atuam a cada momento da
interpretação e na construção das cadeias de idéias.
Ora somos vítimas das duas
primeiras variáveis, genética e socioeducacional, ora somos agentes
modificadores da nossa história psicossocial. Às vezes, somos atores
coadjuvantes das variáveis intrapsiquicas, tais como a energia emocional e o
fenômeno da psicoadaptação, que atuam nos processos de construção dos
pensamentos ou, às vezes, funcionamos como atores principais do processo de
formação da personalidade, através do gerenciamento do eu. Às vezes, ainda,
figuramos como meros espectadores dos espetáculos intrapsíquicos produzidos
pelos fenômenos que lêem a memória e que constroem as cadeias de pensamentos e
as transformações da energia emocional.
Quem somos? É difícil de
responder. Somos vítimas e, ao mesmo tempo, agentes modificadores de nossa
história psicossocial. Somos os tijolos e a argamassa provenientes da carga
genética e do processo socioeducacional e, ao mesmo tempo, somos os construtores
da arquitetura intelectual ou, então, meros assistentes dos fenômenos
intrapsíquicos que se encontram num fluxo vital contínuo e inevitável. Quem
somos? Somos vítimas, agentes modificadores, espectadores passivos, atores
principais, atores coadjuvantes, diretores e autores do script de
nossas histórias intrapsiquicas e psicossociais. Da qualidade do exercício
dessas funções dependerá a qualidade da personalidade que teremos, a qualidade
de nossa sanidade psicossocial, a qualidade de nossas produções intelectuais, a
qualidade de nossas relações sociais, do nosso humanismo e cidadania, a
qualidade de nossas capacidades de trabalhar dores, perdas e frustrações
existenciais e as possíveis doenças psíquicas, psicossomáticas e psicossociais
que teremos.
As pessoas rígidas,
agressivas e auto-suficientes são freqüentemente, ao contrário do que pensam,
marionetes dos fenômenos que atuam inconscientemente e espontaneamente nos
bastidores da mente. As pessoas instáveis e hipersensíveis são controladas pelas
circunstancialidades psicossociais, vivem excessivamente preocupadas com o que
os outros pensam e falam delas; por isso os estímulos estressantes, as perdas e
as contrariedades causam um "eco introspectivo" inadministrável. As
pessoas hipercinéticas (hiperativas) ou com uma influência genética marcante
para o humor (ex., depressão distímica, que se desenvolve no processo evolutivo
da personalidade) vivem debaixo do controle dos microcampos de energia
físico-química que se transmutam ou se transformam no campo de energia psíquica
e afetam quantitativamente e qualitativamente a leitura da história
intra-psíquica. No caso das pessoas hiperativas, elas promovem uma
hiperconstrutividade de pensamentos e uma hipertransformação da energia emocional
e motivacional, que as faz rejeitar a rotina com freqüência, procurar desafios
continuamente e ter uma hiperatividade psicomotora. Esses três exemplos indicam
que o eu tem apenas controle parcial do fluxo vital dos fenômenos inconscientes
da mente, do meio ambiente e da carga genética.
Reitero: ninguém pode deter
os processo que constroem o mundo das idéias e as vias fundamentais da
inteligência. Reis e ditadores quiseram silenciar a mente humana provocando o
terror, cerceando a liberdade e produzindo as mais diversas formas de opressão,
de violação dos direitos humanos; mas eles caíram ou morreram, e a contínua
produção de pensamentos ocorrida na mente daqueles que continuaram vivos
modificou e reorganizou os sistemas políticos. Ninguém que queira colocar a
mente humana num cárcere sobreviverá.
Há um clamor inconsciente e
irrefreável de liberdade que emana do cerne da alma humana. O socialismo
desmoronou-se, o capitalismo se reciclará, o nazismo foi esmagado, a
globalização econômica sofrerá modificações, os estereótipos sociais estão era
transição etc. O homem é vítima e agente modificador da sua história. É
impossível não ser vítima da história, tanto da história social quanto da
história intrapsíquica, mas cumpre ao homem exercer com dignidade, dentro do
espaço intelectual possível, a função de agente modificador da sua história,
expandindo sua qualidade de vida psicossocial e cultivando os direitos humanos.
A evolução das funções mais
nobres da mente e a evolução da história psicossocial do homem não é unidirecional
e cumulativa, como os conhecimentos nas ciências físicas e o desenvolvimento
tecnológico. Infelizmente, apesar do impressionante salto da espécie humana, da
memória genético-instintiva para a memória histórico-existencial, que propiciou
as avenidas fundamentais para que ela desenvolva a espetacular construtividade
de pensamento e a sofisticadíssima consciência existencial, é questionável se
somos uma espécie viável, pois as violações dos direitos humanos não foram
casuísmos históricos, mas fizeram e ainda fazem parte da rotina das sociedades.
A HISTÓRIA COMO LEME INTELECTUAL. A MORTE DA HISTÓRIA E SEU RENASCIMENTO
Nas sociedades modernas, as
pessoas estão ocupadas com a cotação do dólar, em comprar ou vender ações nas
bolsas de valores, com o último lançamento da moda em Paris, com as novas
surpresas da tecnologia de ponta, em expandir seus status sociais, mas
poucas pessoas procuram se interiorizar e conquistar uma macrovisão da psique e
uma macrovisão histórico-crítica da história da espécie a que pertencemos.
Provavelmente, muitos professores universitários têm institucionalizado
inconscientemente sua liberdade de pensar, sua consciência crítica,
comprometendo sua macrovisão da história humana sob a luz dos holofotes dos
processos de construção dos pensamentos.
Pelo fato de ter tido uma
dedicação intensa, há muitos anos, em pesquisar os processos de construção dos
pensamentos e escrever este livro, raramente aceitei convites para proferir
palestras sobre a produção de conhecimento que desenvolvo. Porém, um dia,
aceitando um convite de uma universidade, dei uma palestra para professores
universitários de História e de Filosofia, e para alunos do último ano desses
cursos. O tema que escolhi foi "a revolução das idéias e a interpretação
do outro". Eu sabia que iria comentar assuntos diferentes daqueles que
comumente ouviam, e que também iria fazer várias críticas a alguns paradigmas
socioculturais e a algumas convenções do conhecimento, mas não sabia qual seria
a recepção deles, mas fiquei impressionado com o nível de interesse e
participação.
Os assuntos que eu abordava
eram tão diferentes do que ouviam ou liam, que parecia que eu estava diante de
uma platéia atônita. Eu percebia que eles compreenderam, ainda que minimamente,
que nos bastidores de sua mente ocorria inevitavelmente uma riquíssima
revolução das idéias. Sentia que havia despertado nos ouvintes, ao longo da
exposição, um desejo de se interiorizar e de promover essa produção de idéias
e redirecioná-la para a expansão da consciência crítica, do humanismo, da
cidadania e dos mecanismos de superação das suas intempéries existenciais.
Além de fazer uma exposição
sucinta dos fenômenos que atuam inconscientemente e que geram a construção de
pensamentos, comentei as possíveis distorções que ocorrem na interpretação do
outro e na interpretação da história. A respeito da interpretação da história,
evidenciei que, sem considerarmos os processos de construção da inteligência e
sem procurarmos fazer uma exposição multifocal e teatralizada dos fatos, desesperos,
angústias existenciais, destrutividades e circunstancialidades contidos nos
momentos históricos, nós matamos a história, despersonalizamos a história,
reduzimos as tensões e as idéias nela contidas.
Citei o exemplo de Sócrates
condenado à cicuta,9 ou seja, à morte por envenenamento devido ao
tumulto sociopolítico que suas idéias causaram na época. Disse que um professor
poderia comentar esse momento histórico de maneira "intelectualmente
superficial", "historicamente despersonalizada", sem se transportar
interpretativamente ao lugar de Sócrates, sem perceber a dramaticidade
psicossocial daquele momento histórico e, conseqüentemente, sem promover a
arte de pensar dos alunos e, o que é pior, sem estimular a consciência crítica
deles. Essa transmissibilidade superficial e despersonalizada da história
reproduz "a-historicamente" o conhecimento histórico, retransmite
apenas as letras "mortas" dos livros de história. A
transmissibilidade unifocal e "a-histórica" não reconstrói, ainda que
minimamente, a história real, não reaviva a história; por isso, ela gera uma
platéia de espectadores passivos do conhecimento e não de pensadores que tenham
consciência crítica sociopolítica.
A transmissibilidade
despersonalizada do conhecimento histórico provoca a morte da interpretação da
história e não estimula a formação de pensadores. Embora existam exceções, esta
frase resume minha crítica: "A história, que está morta nos livros, é
enterrada pelos professores universitários e secundaristas e assistida por uma
platéia de espectadores passivos no velório da sala de aula..."
Um povo sem consciência
crítica da sua história vive um presente sem futuro, sem leme intelectual, sem
proteção contra seus próprios erros e sem direção psicossocial.
O drama intelectual da transmissibilidade
fúnebre do conhecimento, que informa mas não provoca a inteligência, que
introduz as idéias mas não constrói a consciência crítica, não ocorre apenas no
conhecimento histórico, mas em todas as áreas das ciências, principalmente no
campo das ciências da cultura, ou seja, na Psicologia, na Sociologia, na
Educação, na Filosofia.
As salas de aula se tornam,
não poucas vezes, um cemitério de idéias. Nelas, as informações são
transmitidas com técnicas e eficiência psicopedagógica, porém de maneira fria,
não viva, incapaz de provocar o desenvolvimento da inteligência, estimular o
debate das idéias, catalisar o desenvolvimento da consciência crítica. No que
tange ao conhecimento histórico, há uma grande diferença entre transmitir
exteriorizadamente e "a-histórico-crítico-existencialmente" as
informações históricas do que reconstruí-las interpretativamente e procurar
vivenciá-las psicossocialmente. Fazer um transporte psicossocial da
interpretação dos momentos históricos, até de nossas histórias intrapsíquicas,
e analisá-los detalhadamente é fundamental para que a história se torne o leme
intelectual do presente.
A transmissibilidade
superficial da história, que apenas remete à lembrança psicopedagógica da
história, não tem condições de desenvolver a consciência crítica e
sociopolítica dos alunos. Quando os professores abordam a discriminação racial
nas salas de aula, tal como a discriminação dos negros, se eles não forem
eficientes em levar os alunos a realizarem uma interpretação dos momentos históricos
abordados, em orientá-los quanto a se colocar psicossocialmente no lugar dos
negros, a perceber suas necessidades psicossociais, a compreender a dor da
negação da espécie, eles, os professores, contribuirão indireta e
inconscientemente com a perpetuação da discriminação racial. Os professores, ao
transmitir informações como lembranças históricas e não como reconstruções
histórico-existenciais, não provocam o debate de idéias, não catalisam a
consciência crítica e sociopolítica dos alunos, não os formam como pensadores
humanistas. A decorrência psicossocial dessa transmissibilidade do conhecimento
histórico é que o fenômeno da psicoadaptação, que é um fenômeno intrapsíquico
inconsciente, leva os alunos a se adaptar psiquicamente à miséria da discriminação,
perpetuando algumas de suas raízes.
O homem tem uma capacidade de
psicoadaptação incrível. Ele pode-se adaptar àquilo que mais rejeita. Pode-se
adaptar às maiores misérias sociais, às maiores injustiças e até à sua própria
doença. O fenômeno da psicoadaptação, se não trabalhado adequadamente, leva-nos
a perder a sensibilidade e a capacidade de lutar e transformar nossa história e
os fenômenos do meio social. Essa é a face negativa desse fenômeno, e a face
positiva é que ele impulsiona a inteligência, estimula o mundo das idéias.
O fenômeno da psicoadaptação
pode impulsionar a criatividade humana. Ele gera o tédio, a rotina e a
solidão, perceptíveis ou imperceptíveis. Estes fazem com que o homem crie novas
idéias para superá-las.
Creio que muitos historiadores,
pesquisadores e professores de história, que têm consciência crítica e
sociopolítica da história, que a consideram um leme intelectual fundamental da
evolutividade e da aplicabilidade da ciência e do desenvolvimento qualitativo
das sociedades humanas, concordam que a maioria dos alunos, seja dos cursos
das ciências da cultura, seja dos cursos das ciências físicas e biológicas, não
se tornam intelectuais que apreciam e que sabem utilizar a história social, a
história da ciência, a historiologia (filosofia da história) e até a história
intrapsíquica (armazenada na memória) como leme intelectual. Não há como eximir
o sistema acadêmico de culpabilidade, pelo menos parcial, nesse processo
socioeducacional superficializante.
Muitas misérias humanas foram
perpetuadas pela ineficiência do sistema educacional em produzir pensadores
psicossociais, homens que tenham consciência crítica, que tenham consciência
sociopolítica. A maioria dos homens que foram líderes destrutivos de nossa
espécie também sentaram-se nos bancos de alguma escola em alguma fase de sua
vida. Se os alunos nunca fizeram uma interpretação multifocal das
discriminações; se nunca vivenciaram, ainda que minimamente, o ódio, a dor, o
desespero, a indignação, a humilhação e a angústia existencial de um ser
humano submetido à escravidão, à discriminação e à opressão pelos membros da
sua própria espécie, se nunca analisaram a dor psicossocial indescritível de
ser considerado uma escória humana, nunca poderão contribuir com a expansão
das idéias humanísticas, nunca funcionarão como agentes psicossociais capazes
de "se vacinar", e aos seus íntimos, contra qualquer forma de
discriminação.
A história precisa ser
reconstruída, através de uma transmissibilidade teatralizada, viva,
psicossocial. Caso contrário, ela será pobre e superficial, como ocorre com
muitos jornais televisivos, em que o jornalista transmite a dor e a miséria do
"outro" sem emoção e, em seguida, bruscamente, abre um sorriso largo
ao dar uma notícia positiva. Assim, nos adaptamos psiquicamente à miséria do
"outro".
Todo professor de história
deveria ser, ainda que minimamente, um ator e um diretor teatral; deveria ter
uma "fala" teatralizada; deveria vivenciar a história que está morta
nos livros e estimular seus alunos a vivenciá-la, analisá-la com consciência
crítica; deveria levá-los a apreciar e debater o mundo das idéias.
As escolas, na minha opinião,
por terem funcionado freqüentemente, ao longo dos séculos, como cemitério de
idéias históricas, como transmissoras unifocais e exteriorizantes do
conhecimento, tiveram participação passiva na perpetuação das misérias
psicossociais e nas discriminações intelectuais, raciais, sexuais, por
estética, por idade.
Nunca ouvi falar de uma
universidade que alimentou uma indignação visceral contra o racismo, contra a
desinteligência e a falta de humanismo da discriminação de seres humanos pela
fina camada de cor da pele, promovendo a greve dos seus professores e alunos!
As universidades tomaram para si mesmas uma grande responsabilidade por se
posicionarem histórica e autoritariamente como centro da produção e validação
do conhecimento científico e como centro da produção de intelectuais. Porém,
não tem cumprido com adequação essa responsabilidade, principalmente no campo
sociopolítico, na formação de pensadores capazes de provocar a revolução do
humanismo, da cidadania e da democracia das idéias. Elas formam homens que
pensam, mas não os formam coletivamente.
A transmissão superficial do
conhecimento, associada à redução do exercício intelectual da arte da
formulação de perguntas, da arte da dúvida e da crítica, se tornaram grandes
causas que promovem a falência do sistema acadêmico. Se 100% dos membros de
uma sociedade tiverem formação universitária com alto nível de informação e
títulos de pós-graduação, ainda assim, não existem garantias de que a
capacidade de interiorização, a qualidade de vida psicossocial, a cidadania e a
preservação dos direitos humanos seriam coletivamente desenvolvidas. Os
sistemas socioeducacionais das sociedades modernas tornaram-se protagonistas da
propagação de uma doença psicossocial epidêmica que atinge a maioria dos
estudantes, chamada de "mal do logos estéril" (mal do
conhecimento estéril).
O "mal do logos estéril"
é uma doença psicossocial que possui uma rica sintomatologia, expressa, entre
outros sintomas, pela incorporação do conhecimento, sem crítica, sem deleite,
sem sabor, sem dúvida, sem utilidade humanística, sem desafio, sem aventura, o
que aborta não apenas a consciência crítica e sociopolítica, mas também o
desenvolvimento do humanismo, da cidadania e o engajamento em projetos
sociais.
Na palestra que citei,
procurei reconstruir interpretativamente a história de Sócrates, conduzindo os
ouvintes a se colocarem "interpretativamente" no lugar dele e a
analisarem as possíveis angústias existenciais, ansiedades, reflexões, que ele
poderia ter experimentado naquele dramático momento: momento de hesitação, de
intensa dor emocional, de dúvida existencial; momento este em que teria que
decidir por sobreviver e negar as suas idéias, inclusive sua crítica à
mitologia grega, ou morrer, por ser fiel a elas. Que drama existencial! Eu
sentia que, enquanto reconstruía interpretativamente a história de Sócrates,
temperando-a com a consideração sobre a revolução da construção dos pensamentos
ocorrida nos bastidores da sua mente, ainda que essa reconstrução fosse
limitada e contivesse distorções inevitáveis, meus ouvintes não se posicionavam
como espectadores passivos do conhecimento, mas foram incitados ao debate das
idéias e a aprimorar sua consciência crítica. Foram transportados para aquele
momento histórico e estimulados a analisar o drama psicossocial de Sócrates e
sua opção pela fidelidade às suas idéias.
Após a palestra, não apenas
vários alunos me procuraram, mas também alguns professores de Filosofia e
História. Esses professores não se constrangeram em reconhecer que precisavam
expandir sua visão sobre a psique, repensar criticamente o que pensavam sobre a
exposição psicopedagógica da história e, além disso, expressaram a necessidade
de aprender a fazer uma interpretação dela, objetivando o debate das idéias e o
desenvolvimento da consciência crítica dos alunos.
Ainda nesta palestra, também
abordei que, de um modo geral, as sociedades modernas estão doentes
psicossocialmente, porque têm vivido epidemicamente a síndrome da
exteriorização existencial e o "mal do logos estéril", o que
propicia grandes dificuldades para nos colocarmos no lugar do "outro"
e reconstruir interpretativamente as suas dores e necessidades psicossociais,
independentemente de sua condição sociofinanceira, racial, cultural. O homem
moderno tem vivido na superfície da mente, delira em função do consumismo,
experimenta um êxtase quando está diante de um jogo esportivo ou de um artista
da sua preferência, mas pouco aprecia o mundo das idéias, pouco é estimulado a
transitar pelas avenidas do seu próprio ser.
Embora o homem moderno esteja
vivendo com "ufanismo" e perplexidade as maravilhas da ciência e da
tecnicidade, principalmente no campo da computação, esse "ufanismo" e
perplexidade esconde o superficialismo intelectual, pois desconsidera a
insuperabilidade do espetáculo da construção dos pensamentos que ocorre, a cada
momento existencial, nos bastidores da mente de cada ser humano.
Dei-lhes o exemplo da
construção da consciência existencial de uma mãe, financeiramente pobre, que
sai pelas ruas pedindo ajuda para saciar a fome de seu filho. A construtividade
de pensamentos dialéticos e antidialéticos gera uma consciência existencial
extremamente complexa, que, no caso dessa mãe, a faz reconstruir
interpretatívamente a angústia do filho e a necessidade da sua sobrevivência,
compreendendo que elas são seletivamente mais importantes do que a sua própria
dor emocional, a sua miséria social e a humilhação psicossocial gerada pelo status
de mendiga. A construtividade da consciência existencial dessa mãe não é um
milímetro menos sofisticada do que a de um membro da Corte da Inglaterra, do
que a dos homens mais ricos listados pela Forbes, do que a dos
cientistas mais brilhantes que conquistaram o Nobel. Porém, apesar da complexa
construtividade de pensamentos e da sofisticada formação da consciência
existencial ser comum a todo ser humano, os níveis de respeitabilidade e
desigualdade entre os membros da nossa espécie são gritantes, desinteligentes e
desprovidos de humanismo.
Também comentei que a
consciência existencial é tão complexa e sofisticada, que jamais será
vivenciada por um computador, ainda que a humanidade se embriague de séculos e
construa, através da expansibilidade da ciência e da tecnologia, inúmeras
gerações de computadores. O espetáculo da construção da consciência existencial
não depende apenas da quantidade de informações e dos níveis de organização
das mesmas, mas de um conjunto de variáveis intrapsíquicas que co-interferem
mutuamente para gerar uma construtividade de pensamentos livre e criativa. Tal
construtividade, além de ultrapassar os limites da lógica, sofre um processo
de leitura virtual, capaz de libertar o homem da dramática e indescritível
solidão da consciência existencial e levá-lo a conquistar a consciência
existencial (dialética e antidialética) do mundo intrapsíquico e extrapsíquico.
Ao analisar os processos de
construção dos pensamentos produzidos nos bastidores da mente, compreendemos
que tanto a prática da discriminação como a da supervalorização de uma minoria
de seres humanos (intelectuais, artistas, líderes políticos, líderes místicos
etc.) são desinteligentes.
Creio que, pela receptividade
e pelo debate de idéias que surgiu "durante" e "após" a
exposição do conhecimento nessa palestra, estimulei e catalisei, ainda que
minimamente, a revolução das idéias que ocorre clandestina e espontaneamente
nos bastidores da psique dos alunos e professores universitários. Entre os
objetivos fundamentais das ciências da cultura não está a transmissibilidade da
verdade para os alunos, pois esta, como veremos, é inalcançável, nem o
torná-los meros retransmissores do conhecimento, mas levá-los a descobrir o
mundo das idéias, estimulá-los ao debate delas, a questionar seus paradigmas
socioculturais, a pensar antes de reagir, a desenvolver a arte da dúvida e da
crítica, a desenvolver sua consciência crítica e sociopolítica e,
conseqüentemente, a formá-los como pensadores humanistas, como agentes sociais.
Capítulo 13
O Processo de Interpretação e a Evolução Psicossocial
TODOS COMETEMOS TRAIÇÕES NO PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO
Nestes textos estudaremos
alguns fenômenos fundamentais que estão na base da formação da personalidade e
da evolução social do homem. Algumas importantes perguntas serão respondidas.
Como o homem desenvolve os alicerces básicos da sua personalidade? Qual é o
real papel da educação nesse processo? Por que os manuais de educação pouco
funcionam? Por que logo depois que uma teoria é produzida ela sofre uma curva
ascendente de desenvolvimento, mas com o passar do tempo ela se estanca?
Compreenderemos que a
inteligência prioriza a evolução da história intrapsíquica, da consciência
existencial, da construção de pensamentos, da transformação da energia
emocional, enfim, prioriza a revolução criativa e evolutiva das idéias e,
conseqüentemente, o processo de desenvolvimento da personalidade. Ficaremos
surpresos ao descobrir que não evoluímos em todos os campos da cultura apenas
porque quisemos conscientemente evoluir, mas também porque temos fenômenos
inconscientes que produzem essa evolução. A compreensão desses fenômenos
revela-nos alguns segredos fundamentais da requintada capacidade de pensar e
do desenvolvimento social de nossa espécie.
Além dessas questões, também
compreenderemos duas atitudes anti-humanistas que saturam as sociedades
modernas: a discriminação e o culto ao personalismo, que faz com que uma grande
maioria superadmire uma minoria de políticos, intelectuais, artistas, líderes
místicos e gravite em torno dela.
A discriminação procura
anular o "outro", impedindo de alguma forma que ele seja livre,
enquanto o culto ao personalismo anula a si mesmo e contrai a própria liberdade
crítica de pensar. A discriminação e o excesso de admiração são duas faces da
mesma doença da interpretação. Até mesmo nas ciências há essas duas atitudes
anti-humanistas. Ambas abortam o mundo das idéias, maculam a inteligência. A
ciência e as sociedades foram drasticamente prejudicadas por elas. Há diversas
formas de discriminação e supervalorização intelectuais que circulam nas
ciências.
Neste capítulo, farei uma
exposição sobre o processo de interpretação gerando as mudanças contínuas nas
idéias e pensamentos. O processo de interpretação é realizado pela atuação dos
fenômenos que atuam desde a recepção de um estímulo físico (como, por exemplo,
imagem, sons) e intra-orgânico (exemplo, droga ou medicamento psicotrópico) até
a atuação do conjunto de fenômenos intrapsíquicos, nos bastidores da mente, que
são responsáveis por gerar a construtividade de pensamentos, emoções e motivações.
Como me preocupo com a
cidadania da ciência, ou seja, com a aplicação psicossocial da teoria que
desenvolvo, farei a abordagem do processo de interpretação usando o exemplo da
infidelidade da interpretação dos profissionais da Psicologia, da Sociologia,
da Filosofia, da educação etc. com relação à teoria que abraçam e às distorções
da interpretação ocorridas na observação dos fenômenos.
O excesso de admiração dos
discípulos de um pensador por sua teoria pode abortar a liberdade crítica e
criativa dos pensamentos, gerando discípulos que são apenas retransmissores do
conhecimento, mas não pensadores capazes de expandir qualitativamente as
idéias.
Utilizar uma teoria é
importante; mas admirá-la excessivamente e gravitar em torno dela é uma doença
anti-humanística e desinteligente da interpretação, pois aborta a capacidade
crítica de pensar.
É criticável o sistema de
discipulado que há nas ciências, cultivada pela admiração excessiva de um
discípulo pela teoria ou pelo teórico que a produziu, ou até mesmo pela
corrente eclética de pensamento que abraça. Dizer-se freudiano, junguiano,
spinosista, hegeliano, marxista, piagetiano etc. é uma ofensa à inteligência, é
uma ingenuidade empírica, pois, como veremos, todos os discípulos traem
interpretativamente, nos bastidores de sua mente, a teoria que adotam. A defesa
radical de uma teoria nos coloca num cárcere intelectual, num aprisco teórico.
Todos os discípulos são micro
ou macroinfiéis aos seus mestres, pois fazem micro ou macrotraições da
interpretação quando utilizam as teorias que eles produziram, devido ao sistema
de co-interferência de variáveis presentes, a cada momento, nos processos da
construção de pensamentos. Essa frase, que parece uma crítica, na realidade
esconde alguns segredos da evolução psicossocial do homem.
Para ilustrar o processo de
infidelidade da interpretação ocorrida nas ciências, tomarei o exemplo dos
psicoterapeutas e suas relações com a teoria psicológica. Os psicanalistas que
se dizem radicalmente freudianos, tanto os professores nas faculdades de
Psicologia como os psicoterapeutas pertencentes aos institutos de Psicanálise,
embora objetivem ser fiéis à Psicanálise, sempre foram, ainda que
inconscientemente, infiéis à teoria psicanalítica, sempre traíram Freud.
Não há discípulos fiéis nas
ciências e na produção cultural. Essa afirmação pode inquietar muitos
psicoterapeutas e muitos cientistas que utilizam uma teoria como suporte da
interpretação, mas ela é uma realidade inevitável, pois é fundamentada em
princípios universais ligados ao processo de interpretação e, conseqüentemente,
ao processo de construção dos pensamentos.
Todos os seres humanos são
micro ou macrotraidores da interpretação, mesmo que apreciem a fidelidade
teórica e se esmerem por alcançá-la. Porém, jamais deveríamos pensar que a
traição da interpretação a que me refiro, que acontece nos bastidores
inconscientes da inteligência, é um processo maléfico ou destrutivo; pelo
contrário, ela expande as possibilidades de construção da teoria, promove a
revolução das idéias, contribuindo significativamente para a evolução do
conhecimento.
Quando contemplamos um mesmo
quadro de pintura em dois momentos distintos ou quando sofremos uma mesma
ofensa também em dois momentos, era de se esperar que o processo de
interpretação gerasse a mesma qualidade e quantidade de cadeias de pensamentos
e de transformações da energia emocional nos dois momentos, já que os estímulos
interpretados foram os mesmos. Porém, o processo de organização, caos e
reorganização da energia psíquica não sofre ação apenas do estímulo observado,
mas da história intrapsíquica (arquivada na memória), da qualidade da energia
emocional e motivacional, do gerenciamento do eu, do fenômeno da autochecagem
da memória, do fenômeno da psicoadaptação etc, que são variáveis intrapsíquicas
que flutuam e evoluem a cada momento existencial. Como o campo de energia
psíquica está num fluxo vital contínuo de autotransformações essenciais, essas
variáveis também estão em contínuo processo de transformação. Disso podemos
concluir que um mesmo observador pode, em dois momentos diferentes, produzir
cadeias de pensamentos e experiências emocionais distintas diante da
contemplação de um mesmo estímulo.
O processo de interpretação
conduz o homem, ainda que ele não tenha consciência disso, a realizar micro ou
macrotraições da interpretação. Por isso, num momento, podemos ficar inspirados
ao contemplar o belo contido num quadro de pintura; noutro momento podemos
ficar inertes diante dele. Num momento, podemos ficar profundamente angustiados
com determinada ofensa; noutro, podemos ficar insensíveis ou pouco angustiados
diante da mesma ofensa, produzida pelo mesmo ofensor num mesmo ambiente. A
construtividade de pensamentos ultrapassa os limites da lógica.
O processo de traição da
interpretação, caracterizado pelas modificações das variáveis intrapsíquicas
e, conseqüentemente, da produção de conhecimento (pensamento consciente) diante
da contemplação dos estímulos extrapsíquicos (comportamento das pessoas,
imagens, sons etc.) e intrapsíquicos (fantasias, idéias antecipatórias,
angústias, reações fóbicas etc.) contribui significativamente, como veremos,
não só para a evolução espontânea de uma teoria, mas também para a evolução do
homem em todos os seus amplos aspectos psicossociais, tais como a evolução das
correntes literárias, da pintura, da arquitetura, dos paradigmas
socioculturais, do pensamento filosófico. As traições da interpretação,
ocorridas espontaneamente nos bastidores da mente de cada ser humano,
contribuem também para a evolução do processo de formação de sua personalidade
e de sua história.
As traições da interpretação
ocorrem desde a aurora da vida fetal, pois nessa fase já se inicia, como
comentarei, a produção das matrizes dos pensamentos essenciais (inconscientes)
a partir da leitura multifocal da memória pelo fenômeno da autochecagem da
memória e pelo fenômeno do autofluxo. A construção de cadeias de pensamentos
sofre a influência de múltiplas variáveis, gerando inúmeras distorções
inconscientes. Do ponto de vista teórico, isso deve ocorrer até quando a mente
dos fetos interpreta os mesmos estímulos intra-uterinos. Provavelmente, em
muitas situações os fetos não produzem as mesmas matrizes de pensamentos
inconscientes e as mesmas reações emocionais diante dos mesmos estímulos. Tais
distorções da interpretação enriquecem as experiências psíquicas e a formação
da história intrapsíquica fetal.
Sem a existência das micro ou
macrotraições da interpretação, que muitas vezes são produzidas de modo
clandestino na mente, a revolução da construção de novas idéias seria
abortada e, assim, a história humana seria paralisante, uma mesmice.
Há, na Sociologia e na
Psicologia, um grande conhecimento das evoluções psicossociais determinadas e
promovidas pelo "eu", ou seja, do "eu" como agente
histórico das evoluções, produzindo arte, construindo relações sociais,
produzindo conhecimento científico, transmitindo conhecimento etc. Contudo,
provavelmente essas ciências ainda não incorporaram o conhecimento das
sofisticadas evoluções psicossociais espontâneas e inconscientes ocorridas na
clandestinidade da mente humana, geradas pelos complexos sistemas de co-interferências
das variáveis da interpretação, capazes de levar o homem a fazer micro ou
macrointerpretações diante da exposição dos mesmos estímulos ou de estímulos
semelhantes e, conseqüentemente, levá-lo a realizar micro ou macroproduções
distintas do conhecimento diante da contemplação de um mesmo estímulo em dois
momentos diferentes.
Essa exposição é tão séria,
que implica dizer que os juízes, os jurados, os promotores, os políticos, os
psicoterapeutas, os médicos etc. possuem, a cada momento existencial, micro ou
macrodistorções em seus processos de interpretação diante dos mesmos estímulos,
gerando micro ou macrodistinções nas suas idéias e decisões. A produção de
pensamentos não é linearmente lógica, principalmente quando ela se refere às
questões existenciais que envolvem interpretações mais complexas. A isenção
completa de ânimo, de distorções da interpretação, da participação de nossa
própria história era nossas observações e julgamentos é impossível. Porém, é
possível aprender a nos esvaziar dos tendencialismos, principalmente se
vivenciarmos, no processo de interpretação, a arte da dúvida, a arte da crítica
e a busca do caos intelectual, que são importantíssimos procedimentos de
pesquisa e análise.
Devemos olhar a ciência e as
relações sociais da perspectiva da democracia das idéias. No campo da
democracia das idéias, o que se exige não é a busca radical da fidelidade da
interpretação, a eliminação radical das distorções da interpretação, mas o
desenvolvimento de uma consciência crítica dessas distorções e uma busca de
fidelidade a essa consciência.
AS DISTORÇÕES NA INTERPRETAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM A EVOLUÇÃO DA PERSONALIDADE
As infidelidades da
interpretação são multifocais, ocorrem em todas as esferas do processo de
interpretação. Elas ocorrem na ciência, quando um cientista contempla um
estímulo em dois momentos distintos. Elas ocorrem no processo de utilização de
uma teoria. Também ocorrem com relação à própria história intrapsíquica, ou
seja: quando recordamos o passado, nunca o fazemos de maneira original, mas
reconstruímos interpretativamente o passado. Nessa reconstrução cometemos
invariavelmente micro ou macrotraições com relação às suas dimensões. Por isso,
as recordações de nossas dores e angústias existenciais são reduzidas em relação
às experiências originais.
O homem, desde sua vida
fetal, embora utilize contínua e intensamente sua história intrapsíquica
arquivada em sua memória, nos processos de construção dos pensamentos
"trai" inconscientemente essa história quando contempla estímulos
semelhantes, pois no processo de leitura e utilização da mesma ocorre, como
disse, diversos sistemas de co-interferências de variáveis da interpretação que
provocam diferenças na interpretação e, conseqüentemente, nos limites e no
alcance das idéias, das análises, da síntese, da lógica dos pensamentos e das
reações emocionais produzidas.
A conclusão psicossocial e
filosófica dessa importante abordagem teórica é que somos intelectualmente
diferentes a cada momento. Reagimos, pensamos, nos emocionamos, analisamos,
sintetizamos etc. de maneira diferente a cada momento. Somos emocional e
intelectualmente macro ou microdiferentes a cada momento de nossas vidas; por
isso, produzimos diariamente milhares de pensamentos e emoções diferentes.
Pergunto: os milhares de
pensamentos e emoções que vivenciamos diariamente foram todos determinados e
produzidos logicamente pelo eu? Fiz essa pergunta, como disse, a inúmeras
pessoas, e todas elas responderam o que eu já havia constatado na pesquisa, ou
seja, que só uma pequena parte desses pensamentos e emoções foi determinada e
produzida logicamente pelo eu. Muitos cientistas não têm noção das
conseqüências psicológicas e sociológicas desse fato, da seriedade científica
do que é responder que tais experiências foram produzidas fora do controle do
eu. Esse fato importantíssimo provavelmente nunca foi investigado pelas
teorias psicológicas e sociológicas. Ele está na raiz da Sociologia, pois
envolve a construção e evolução das relações humanas, e na raiz da Psicologia,
pois envolve o processo de formação da personalidade.
Algumas variáveis da
interpretação, como estudamos, tais como o fenômeno da psicoadaptação, a
história intrapsíquica, a energia emocional, o fenômeno da credibilidade
autógena, a âncora da memória etc, não têm uma linearidade psicodinâmica
estável, lógica, mas flutuante e evolutiva; por isso, são capazes de provocar
distorções da interpretação e, conseqüentemente, a produção de cadeias de
pensamentos distintas, mesmo quando contemplamos estímulos idênticos.
AS DISTORÇÕES DA INTERPRETAÇÃO PRODUZINDO A EVOLUÇÃO SOCIAL
Todo ser humano, da meninice
à velhice, ao interpretar estímulos semelhantes (elogios, ofensas, reações
discriminatórias, estressantes estímulos psicossociais etc), produz
experiências psíquicas distintas. Até mesmo o feto, ao interpretar estímulos
semelhantes (temperatura e viscosidade do líquido amniótico, contração da
parede intra-uterina, substâncias neuroendócrinas maternas que passam pela
barreira placentária etc), também produz experiências micro ou macrodistintas,
devido à flutuabilidade e evolutividade das variáveis que participam do
processo de interpretação desses estímulos. Tal abordagem, como disse, abre os
horizontes para compreendermos o nascedouro e o desenvolvimento da evolução
psicossocial do homem.
Se ocorre a produção de
experiências distintas diante da interpretação de estímulos semelhantes,
podemos prever que elas ocorrem quantitativa e qualitativamente em muito maior
dimensão diante da interpretação de estímulos distintos. A produção de
experiências micro ou macrodistíntas, ocorrida no palco da mente humana, é
registrada automaticamente pelo fenômeno RAM (registro automático da memória).
Todos os pensamentos, angústias, prazeres, reações fóbicas são registrados na
memória, não por opção intelectual, mas involuntariamente, o que faz com que a
memória seja rees-crita continuamente, transformando, assim, os pilares da
personalidade. No computador, as informações são registradas através de um
comando; no homem, são registradas involuntariamente. No Homo sapiens, conquistar
uma história intrapsíquica é uma inevitabilidade.
O registro inevitável e
contínuo das experiências intelecto-emocionais contribui para a evolutividade
inconsciente da história intrapsíquica que é uma variável da interpretação
fundamental que promove, impulsiona, o processo de construtividade de
pensamentos e o processo de formação da personalidade.
A formação e desenvolvimento
da história intrapsíquica na memória não depende apenas da intervenção do
processo educacional sociofamiliar, que ministra conhecimento, regras
comportamentais, paradigmas culturais, mas principalmente pela atuação de um
conjunto de variáveis, na qual se incluem diversos fenômenos inconscientes, que
se operacionalizam espontaneamente e silenciosamente nos bastidores da mente.
É intelectualmente superficial achar que uma pessoa se tornou culta porque
freqüentou anos de escola, se tornou um cientista porque freqüentou uma grande
universidade e se doutorou nela.
A escolaridade e mesmo a
leitura dos livros só podem contribuir com a expansão da cultura e a produção
das idéias de alguém porque ocorrem na mente inúmeras, silenciosas e complexas
etapas da interpretação não administradas pelo processo educacional, e que são
responsáveis pelo indescritível processo de registro, de leitura da memória, de
construtividade dos pensamentos e de formação da consciência existencial.
O sistema de variáveis que
atuam nos bastidores da mente, associado ao irresistível caos intrapsíquico que
desorganiza as estruturas psicodinâmicas (idéias, pensamentos, emoções,
motivações etc), abrem continuamente as possibilidades de construção da
inteligência, gerando assim, silenciosamente, em cada ser humano uma produção
contínua de novas idéias, que são registradas, lidas e utilizadas na construção
de novas cadeias de pensamentos, promovendo a evolução da história
intrapsíquica e da personalidade e, num sentido mais amplo, a evolução da
história psicossocial do homem.
Reitero: devido ao sistema de
co-interferência das variáveis da interpretação que atuam nos bastidores da
mente, não somos fiéis no processo de observação, interpretação e produção de
conhecimento, ou seja, não reproduzimos as mesmas experiências psíquicas
diante da contemplação dos mesmos estímulos ou de estímulos semelhantes. Por
incrível que pareça, nem quando resgatamos as experiências psíquicas passadas
ocorre uma recordação pura, original, das mesmas, mas uma interpretação que
sofre diversos encadeamentos distorcidos.
Como vimos, ao contrário do
que pensamos, não existem recordações do passado, mas reconstruções do passado,
fundamentadas na interpretação das complexas experiências psíquicas que foram
registradas na história intrapsíquica arquivada na memória. Todas as finíssimas
"arquiteturas psicodinâmicas" contidas nas experiências psíquicas,
tais como as idéias, os pensamentos antecipatórios, as inspirações, as
ansiedades, os desesperos, as reações fóbicas, os prazeres etc, antes de serem
desorganizadas pelo caos intrapsíquico, são registradas no arquivo existencial
da memória, que chamo de história intrapsíquica, pelo fenômeno do registro
automático da memória.
Se não houvesse a atuação
psicodinâmica do fenômeno RAM, fração de segundo antes da desorganização das
experiências psíquicas pelo caos intrapsíquico, e se não houvesse o tecido do
córtex cerebral intacto, sem degenerações, isquemias, traumas ou tumores, para
receber a ação deste fenômeno intrapsíquico, nenhum ser humano teria uma
história intrapsíquica e, conseqüentemente, nenhum ser humano desenvolveria a
construtividade de pensamentos e a consciência existencial.
A HISTÓRIA INTRAPSÍQUICA (PASSADO) É ESSENCIALMENTE IRRETORNÁVEL
Um dia, ministrando um curso
sobre a construtividade de pensamentos para uma equipe multidisciplinar de
profissionais que cuidam de pacientes autistas, perguntei a eles se, quando
recordam seu passado, resgatam a originalidade das suas experiências psíquicas.
Eles me disseram que sim. Eu disse-lhes que isso era impossível, que a energia
psíquica das idéias e das emoções do passado é essencialmente irretornável,
pois ela não está no passado, mas evoluiu no presente.
A energia psíquica, ao
contrário do que muitos psicólogos pensam, não se depositou nem se arquivou na
memória como energia psíquica, mas como um sistema de códigos físico-quimicos
que representam essas experiências, as RPSs (representações psicossemânticas).
Eu disse, para surpresa deles, que a energia psíquica vive num fluxo vital de
transformações que evolui constantemente, por isso as idéias, as análises, os
pensamentos antecipatórios, os pensamentos sobre o passado, as emoções etc,
são continuamente produzidos. Quando essas experiências são registradas, elas
perdem sua essencialidade original, tornando-se um sistema de códigos
físico-quimicos "pobres" em relação à originalidade das experiências
psíquicas.
A história é registrada
quando a experiência psíquica se descaracteriza ou se desorganiza
essencialmente e evolui na construtividade de outras experiências. O processo
de resgate da história intrapsiquica não é uma simples lembrança, mas um
processo de interpretação complexo e cheio de segredos, capaz de produzir
cadeias de pensamentos e experiências emocionais a partir dos sistemas de
códigos físico-quimicos "frios" e "restritos" contidos na
memória.
A leitura da história
intrapsiquica, associada à participação de um conjunto de variáveis da
interpretação, faz com que o resgate das experiências passadas não obedeça a
uma linearidade lógica e, por isso, não resgata as mesmas dimensões das idéias,
dos prazeres, das frustrações, das angústias etc, contidas nas experiências
originais.
Depois de minha exposição
para a equipe multidisciplinar que cuidava de pacientes autistas, obviamente
mais detalhada do que esta síntese, um participante do curso disse-me que havia
entendido o que eu dissera, pois vivenciou esse processo através de uma
experiência traumática no passado, porém sem entendê-lo na época. Ele comentou
que há anos havia atropelado uma pessoa que veio a falecer. Embora não tivesse
culpa no acidente, disse que havia sofrido intensamente com o fato. Toda vez
que o recordava, se angustiava muito. Porém, com o passar do tempo, o processo
de recordação não trazia os mesmos níveis de angústia como nas primeiras vezes,
e ele não entendia a causa disso. Através da abordagem sobre os processos de
construção dos pensamentos, ele compreendeu que o processo de registro
descaracteriza a realidade essencial da experiência original, e o processo de
resgate, devido à ação de um conjunto de variáveis, não reconstrói interpretativamente
a mesma intensidade das angústias e das cadeias de pensamento produzidas na
experiência original. O distanciamento do processo de interpretação do passado
e as próprias experiências originais do passado ficam mais claros à medida que
o tempo passa.
Nenhum ganhador do Oscar, do
prêmio Nobel, de disputas esportivas, de pleitos eleitorais etc, consegue
manter os mesmos níveis de prazer e auto-estima contidos nas experiências
originais produzidas na época da premiação. Com o passar do tempo, o prazer se
reduz e, às vezes, até se estanca diante dessas "recordações".
Quando reconstruímos
interpretativamente o passado, fazemos micro ou macrotraições em relação à
originalidade essencial das experiências do passado. As teorias psicológicas e
educacionais precisam incorporar o conhecimento relativo ao processo de
interpretação da história. Os psicanalistas e outros psicoterapeutas que
procuram resgatar e analisar a história inconsciente dos seus pacientes têm de
estar cientes de que a história é irrevogável, que aquilo que o paciente traz
na técnica de associação livre não é a sua história pura, original, mas a
história reconstruída interpretativamente e, portanto, passível de inúmeras
distorções da interpretação. Na realidade, no processo psicoterapêutico, como
em todas as esferas das relações humanas, ocorre uma cadeia de distorções da
interpretação. O paciente distorce a sua história e o psicoterapeuta distorce a
história do paciente já distorcida. Por isso, o que está em jogo no processo
psicoterapêutico não é a verdade em si, não é trabalhar a verdade em si, mas a
"reconstrução da verdade" e o "trabalhar dessa reconstrução da
verdade" e, principalmente, a expansão da consciência crítica e da
capacidade de o próprio paciente trabalhar as suas dores, perdas, frustrações e
conflitos interpessoais.
A história intrapsíquica é
fundamental para a construção de pensamentos e para a produção da consciência
existencial, mas a história em si mesma é irretornável essencialmente. Por isso,
todos temos a grande responsabilidade de reconstruí-la interpretativamente com
adequação para evitar determinados níveis de contaminações da interpretação em
nossos julgamentos, na compreensão de mundo, nas reações intrapsíquicas. A
interpretação adequada também é importante para fornecer subsídios para trabalharmos
e reciclarmos criticamente os registros inconscientes das experiências
passadas e, assim, aliviarmos nossas tensões, fobias, ansiedades e sintomas
psicossomáticos do presente.
AS TRAIÇÕES DA INTERPRETAÇÃO OCORRIDAS NA UTILIZAÇÃO DAS TEORIAS
Nenhum psicoterapeuta,
sociólogo, filósofo, jurista, cientista etc, no processo de interpretação de
uma teoria, resgata as dimensões das idéias de um teórico. No processo de
interpretação da teoria já ocorrem traições da interpretação, que continuam à
medida que se exercem. Dois profissionais, usando a mesma teoria para
interpretar um mesmo fenômeno, produzem conhecimentos micro ou macrodistintos
sobre ele. Até um mesmo profissional utilizando a mesma teoria em dois momentos
distintos, para interpretar um mesmo estímulo, pode produzir conhecimento micro
ou macrodistinto sobre ele.
Quando a teoria é
interpretada, ela deixa de ser a teoria do teórico para ser a teoria do
interpretador. Quando a "teoria interpretada" é arquivada na memória,
as idéias que ela contém perdem suas dimensões essenciais intelecto-emocionais,
o que favorece a continuação de traições da interpretação. Quando o
interpretador (ex., discípulo de uma teoria) resgata as idéias da "teoria
interpretada" na sua memória, ele, agora, trai a si mesmo pois, como
disse, esse resgate não é uma recordação original, mas uma interpretação,
passível de inúmeras distorções. Assim, o discípulo de uma teoria não apenas
trai interpretativamente a teoria que abraça, mas também trai, ainda que
minimamente, a si mesmo, ou seja, trai as dimensões das próprias idéias que
produziu nas primeiras interpretações que fez da teoria. Por isso, ainda que se
deva procurar fidelidade no processo de utilização de uma teoria como suporte
da interpretação, é inevitável que haja microtraições da interpretação. Isso
ocorre porque a mente ativa a evolução da história intrapsíquica, ainda que
seja às custas de microtraições da interpretação inconscientes e não pela determinação
do "eu". Este tema envolve alguns princípios fundamentais do processo
de formação da personalidade e da construção das relações humanas e da
história social.
Por que temos que reconstruir
interpretativamente o passado e não resgatar a sua essencialidade original? Um
dos motivos é que a mente, através da operacionalidade dos fenômenos
intrapsíquicos, dá prioridade à evolução da história intrapsíquica e
psicossocial e não à paralisia dessas histórias.
Se uma mãe, ao perder um
filho, recordasse ao longo do tempo os mesmos níveis de sofrimento decorrente
das experiências originais, ela paralisaria a evolução da sua história
intrapsíquica. Nesse caso, sua história se tornaria um luto crônico, uma
extensão dramática e contínua do velório do filho. Felizmente isso não ocorre.
Já estudamos a atuação inconsciente do fenômeno da psicoadaptação em textos
posteriores, vimos que ele produz uma redução nos níveis de dor, bem como de
prazer, no processo de resgate contínuo das experiências passadas. O fenômeno
da psicoadaptação é um dos fenômenos que evoluem ao longo do processo
existencial, o que contribui, conseqüentemente, para a produção de diferenças
de interpretação, tanto diante do resgate das experiências passadas como
diante dos estímulos (fenômenos) do presente.
Provavelmente, a maioria dos
teóricos das diversas áreas das ciências, bem como seus discípulos, não
compreenderam a mente por esse prisma; não compreenderam que ocorrem
inevitavelmente microtraições da interpretação porque ela dá prioridade à evolução
da história intrapsíquica e psicossocial, na qual se inclui a evolução do
conhecimento teórico.
No campo das psicoterapias,
não poucos psicoterapeutas se perdem na compreensão dos labirintos da mente;
eles pensam, como disse, que estão interpretando a realidade essencial dos
conflitos dos seus pacientes, quando na realidade estão interpretando a
reinterpretação da história dos seus pacientes. Muitos podem argumentar que,
quando se lembram do passado, sentem e pensam a mesma coisa que sentiram e
pensaram no passado, mas isto não é verdade; é fruto de uma análise superficial
dos limites e do alcance das emoções e dos pensamentos nos dois momentos
históricos: o passado e o presente. Pode haver aproximação no processo de
construção das experiências passadas, mas haverá inevitavelmente, como disse,
microdistinções.
Somos micro ou macroinfiéis
em relação ã história intrapsíquica, aos estímulos contemplados, aos
conhecimentos coloquiais e científicos e às teorias. Tal infidelidade da
interpretação, embora contribua muito para a construção e evolução das idéias,
da arte e da personalidade, nem sempre é qualitativamente construtiva e
evolutiva.
Nas ciências, o processo de
utilização das teorias, das idéias e das teses de outros cientistas produzem
também diversas infldelidades e traições da interpretação. É possível que
muitas dessas infidelidades da interpretação não remetam a uma evolução
qualitativa da teoria, principalmente se no processo de utilização de uma
teoria não houver honestidade científica e o mínimo de consciência crítica
capazes de auxiliar o processo de revisão do conhecimento produzido e da teoria
utilizada.
Estes assuntos revelam alguns
dos mais profundos segredos da evolução psicossocial do homem, contidos no
inconsciente. O homem evolui psicossocialmente tanto pela administração
consciente da sua construtividade de pensamentos quanto pelo sistema de
co-interferências das variáveis que geram micro ou macrodistinções
inconscientes da interpretação.
Há um Homo interpres, no
cerne da psique humana, micro ou macro-distinto a cada momento da
interpretação. Não somos os mesmos a cada momento existencial. Nosso processo
de interpretação está em contínuo processo de mudança, porque algumas variáveis
que o constituem evoluem e flutuam continuamente. Uma parte significativa das
transformações das idéias filosóficas, do pensamento sociopolítico, das
correntes literárias, da estética das artes, dos paradigmas socioculturais, das
posturas intelectuais, é produzida por essa revolução clandestina que ocorre silenciosamente
no processo de interpretação. Se o leitor ler dez vezes os textos deste livro,
terá provavelmente dez produções de cadeias de pensamentos micro ou
macrodistintas, expressando diversas impressões, reações emocionais, entendimento.
Por isso, quanto mais estudamos, mais expandimos o mundo das idéias.
TODOS OS DISCÍPULOS SÃO INFIÉIS
Os discípulos de uma teoria
não reproduzem, como disse, a originalidade, a pureza das idéias, os limites e
o alcance do conhecimento, as emoções e motivações que foram vivenciadas pelo
autor e registradas em livros. Até os discípulos das ciências físicas traem a
completeza original das idéias contidas nas teorias que utilizam.
O discurso teórico de um
discípulo pode parecer igual ao do teórico; mas, se forem analisados os
labirintos intelectuais que estão na base dos discursos, é possível encontrar
as distinções e, às vezes, até macrodistinções disfarçadas dialeticamente, e
que estão subjacentes ao sistemas de códigos que confeccionam as frases, as
idéias, os pensamentos. Quando dez pessoas julgam uma obra de arte, a
contemplação do belo não será igual para todos os observadores, mas,
provavelmente, haverá inúmeras dimensões qualitativas e quantitativas
subjacentes à idéia do belo.
Quando um discípulo de uma
teoria a estuda nos livros ou ouve a exposição dela diretamente do seu autor,
ele não incorpora a realidade essencial da teoria, pois a teoria escrita ou
falada é um sistema de código visual e sonoro. Em contato com esse sistema de
código, o discípulo tem de interpretá-la. Interpretando-a, a compreensão dela
não tem as mesmas dimensões qualitativas e quantitativas das idéias do autor,
ainda que a diferença de pensamento esteja disfarçada dialeticamente. Os
discípulos de uma teoria traem-na interpretativamente. Essa traição da
interpretação inconsciente, associada a um questionamento consciente, poderá
levar um discípulo a deixar de ser um mero espectador passivo da teoria, para
ser alguém que contribui com o desenvolvimento das suas idéias.
Diante dessa exposição,
pergunto: Quem são os piores inimigos de uma teoria? Os piores inimigos de uma
teoria são aqueles que a superdimensionam, que gravitam em torno dela e a
defendem radicalmente, pois são incapazes de contribuir para criticá-la,
reciclá-la e expandi-la. Se os discípulos de uma teoria não são capazes de
realizar críticas conscientes à teoria que abraçam, com medo de serem infiéis a
ela ou com medo de serem banidos da sociedade científica ou psicoterapêutica a
que pertencem, eles a trairão inconscientemente, através da co-interferência
das variáveis que atuam clandestinamente nos seus processos de construção do
pensamento. Os piores inimigos de uma teoria são aqueles que desconhecem os
limites e o alcance de uma teoria, as sofisticadas relações entre a verdade
essencial e a verdade científica e, principalmente, aqueles discípulos que
defendem radicalmente a teoria que abraçam, que juram fidelidade ingênua a ela
e não compreendem que a traem nos bastidores de sua mente. Os discípulos
radicais de uma teoria, os "ianos" ou os "istas",
confinam-se em um aprisco teórico, submetem-se a um cárcere intelectual, que
compromete a liberdade de pensar e a consciência crítica. Nesse cárcere
intelectual, ainda que inconscientemente, eles prejudicam a sua atuação
socioprofissional, estancam a evolução da teoria e contraem o mundo das
idéias.
É provável que grande parte
das sociedades científicas e psicoterapêuticas não compreendam adequadamente as
etapas do processo de interpretação e o processo de traição da interpretação que
ocorre nos bastidores da mente dos seus membros. É provável que muitos
professores de graduação universitária e de pós-graduação cometam o
autoritarismo das idéias na transmissibilidade do conhecimento e na orientação
dos alunos, por não compreender adequadamente os labirintos do processo de
interpretação, os limites de uma teoria, e que os processos de construção dos
pensamentos ultrapassam os limites da lógica. Vários alunos de Psicologia já
me disseram que alguns dos seus professores afirmaram, em sala de aula, que
são freudianos radicais e que não aceitam qualquer outra teoria sobre a personalidade.
Esses tais, além de serem ingênuos intelectualmente, são traidores da teoria a
que julgam ser fiéis e, o que é pior, exercem uma ditadura do pensamento,
engessando, assim, a inteligência dos alunos.
Não existem discípulos fiéis
e não existem teorias essencialmente verdadeiras e completas, pois além de não
haver verdade essencial no pensamento dialético e no antidialético, a ciência
é inesgotável. O pensamento dialético é um sistema de intenções conscientes e
virtuais que acusa (define) e discursa sobre a verdade essencial sem nunca
incorporá-la essencialmente.
O excesso de admiração e
"endeusamento" de uma teoria ou de um teórico por parte dos discípulos
radicais não apenas inibe sua evolutividade, mas também cultiva a produção de
opositores igualmente radicais, que a criticam pelo próprio radicalismo dos
discípulos e não através de uma análise mais adequada e isenta de paixões.
Os freudianos, junguianos,
hegelianos, marxistas, piagetianos etc, enfim, os que aderem radicalmente a
uma teoria, que são incapazes de criticá-la, de reciclá-la e de expandi-la são,
ao contrário do que pensam, seus piores inimigos, são os que mais destroem sua
credibilidade ao longo da história. As grandes teorias sociais, políticas,
econômicas, culturais, acabam sendo destruídas, não pelos seus opositores, mas
pelos seus defensores radicais, que são incapazes de reciclá-la e adequá-la
historicamente.
Esses acidentes intelectuais
não estão presentes apenas nas ciências da cultura, mas também nas ciências
físicas e correlatas, bem como em todas as esferas das relações sociais.
Só o fato de alguém dizer-se
freudiano, junguiano, spinosista, ou qualquer expressão que indique ser ele
um discípulo contumaz de um teórico ou de uma teoria de qualquer
natureza é uma expressão da ingenuidade intelectual. A adesão não-crítica a uma
teoria bloqueia a catalisação das idéias e a utilização humanística da própria
teoria.
Todos os freudianos são
traidores da interpretação da teoria psicanalítica de Sigmund Freud. O excesso
de admiração e a defesa radical de uma teoria são um dos motivos que também
abortam a produção de novas safras de pensadores, pois reduzem a capacidade
crítica de pensar e bloqueiam a expansibilidade análise do defensor radical.
Os discípulos que gravitam em
torno de uma teoria e são incapazes de criticá-la se tornam retransmissores do
conhecimento e não pensadores que promovem novas idéias. Esse é um dos mais
importantes motivos que sufocaram e sufocam a formação de pensadores.
Expressarei sinteticamente os
mecanismos psicossociais que exterminam com a safra de pensadores na
Psicologia, na Sociologia, na Filosofia, na Educação e em todas as demais áreas
da cultura. Um pensador começa a observar, a interpretar e a produzir
conhecimento sobre os fenômenos. Sua produção de conhecimento conflita com as
idéias vigentes. Como ele tem de optar em ser fiel às suas idéias ou
submeter-se ao conhecimento vigente, ele opta por se rebelar contra este. Por
fim, sua produção de conhecimento se expande e se torna uma teoria ou uma
corrente de pensamento. Suas idéias cativam seus primeiros discípulos, que se
tornam, não meros discípulos, mas colaboradores, que debaixo do calor da
rebeldia do pensador, das perspectivas da sua teoria e das possíveis
discriminações sofridas por ele se tornam também produtores de conhecimento
capazes de utilizar, reciclar e expandir a teoria que abraçam.
A teoria, em seus estágios
iniciais, que ainda não se tornou uma instituição intocável, gera nos
discípulos divergências na interpretação e, conseqüentemente, divergências na
produção de conhecimento. O teórico não consegue controlar essas divergências;
por isso elas parecem ruins, pois comprometem a unidade da teoria, mas, na
realidade, expandem o mundo das idéias. Foi através desses mecanismos
psicossociais que, provavelmente, Sócrates, Platão, Hegel, Freud, Piaget etc.
agregaram inicialmente não apenas discípulos, mas pensadores. Porém, nas
gerações posteriores, ocorre a produção dos discípulos radicais, aqueles que
institucionalizam o conhecimento, que supervalorizam a teoria ou a corrente de
pensamento e que são incapazes de criticá-la e reciclá-la. Assim, morre a safra
de pensadores e somente algures ou alhures ocorre a produção de alguns deles.
Usar as teorias para se
produzir as teses científicas é legítimo e pode ser importantíssimo para
expandir a produção do conhecimento cultural e científico, mas querer submeter
exclusivamente os comportamentos e os fenômenos físicos que observarmos dentro
dos seus limites, retrai a evolução das idéias.
Tanto os teóricos como os
discípulos de uma teoria têm que aprender a conhecer alguns pilares do processo
de construção do pensamento e de interpretação. A ciência é inesgotável e todas
as teorias são redutoras da inesgotabilidade do conhecimento; por isso, todas
elas precisam ser continuamente revisadas.
Os desastres do socialismo,
do capitalismo, da globalização das informações, da globalização da economia
estão na incapacidade intelectual dos seus defensores de reciclá-los e
expandi-los continuamente respeitando as avenidas da democracia das idéias.
Qualquer pensador-teórico faz
freqüentemente microtraições inconscientes ao interpretar sua própria teoria,
pois discutir, ler e refletir sobre as próprias idéias não quer dizer
resgatá-las com pureza, originalidade, mas reconstruí-las interpretativamente
na mente com micro ou macrotraições.
As microtraições da
interpretação geram uma promoção evolutiva inconsciente importante de uma
teoria ou de qualquer produção científica. As microtraições inconscientes da
interpretação são produzidas, como comentei, inevitavelmente pelos sistemas de
co-interferências das variáveis que flutuam e evoluem continuamente nos
bastidores inconscientes da inteligência e que geram os sistemas de
encadeamentos distorcidos na racionalidade, ou seja, na construção das cadeias
de pensamentos. Se não houvesse esses espetáculos na mente humana, seria
impossível produzir milhares de pensamentos, idéias, análises, reações
ansiosas, prazeres, inseguranças, desejos, etc, distintos diariamente. A vida
humana seria uma mesmice insuportável, um tédio existencial, pois não teria sua
maior fonte de entretenimento.
O fenômeno da psicoadaptação,
a âncora da memória, a energia emocional, a história intrapsíquica, o fenômeno
do autofluxo etc, são fenômenos que se apresentam qualitativamente distintos a
cada momento, fazendo com que os processos de construção da inteligência sofram
sistemas de encadeamentos distorcidos que geram as distorções inevitáveis da
interpretação que, por sua vez, geram uma variabilidade nas dimensões
qualitativas e quantitativas dos pensamentos, idéias, conceitos, análises,
emoções.
A história intrapsíquica se
expande diariamente, através da atuação psicodinâmica do fenômeno do registro
automático da memória. A energia emocional flutua a cada momento, levando-nos
a experimentar diversos tipos de estresses, prazeres, ansiedades. O fenômeno
da psicoadaptação evolui continuamente ao longo da trajetória existencial,
fazendo-nos reduzir a capacidade de experimentar prazer ou dor diante da
exposição dos mesmos estímulos. A âncora da memória desloca constantemente o
território de leitura da memória. O fenômeno do autofluxo financia o fluxo
vital da energia psíquica, através da reorganização do caos dessa energia, da
leitura espontânea da memória e da abertura, a cada momento, das possibilidades
de construção de novos pensamentos.
A flutuabilidade e
evolutividade dessas variáveis da interpretação provocam um riquíssimo sistema
de encadeamento distorcido no processo de interpretação, expressa por micro ou
macrotraições da interpretação, que produz diariamente milhares de idéias
distintas, uma verdadeira revolução de idéias nos bastidores da psique humana.
As traições inconscientes da
interpretação, somadas à revisão crítica do conhecimento pelo eu, foram e são
os dois pilares fundamentais que sustentam a evolução de qualquer teoria
científica, de qualquer estereótipo social, de qualquer paradigma
sociocultural, de qualquer ideologia política, de qualquer sistema
socioeconômico, sociopolítico e socioeducacional, enfim, de qualquer área da
história psicossocial humana.
O ZELO EXCESSIVO DE FREUD PELA PSICANÁLISE CONTRAPONDO-SE À DEMOCRACIA DAS IDÉIAS
Após serem produzidas, todas
as teorias continuam evoluindo, não apenas pelo gerenciamento exercido pelo
"eu", mas também pela flutuabilidade e evolutividade das variáveis da
interpretação e pelos sistemas de encadeamentos distorcidos que atuam nos
processos de construção do pensamento do teórico e de seus discípulos.
Freud, embora fosse um
inteligente e respeitável teórico, um pensador sobre o inconsciente, não
compreendeu algumas áreas fundamentais do inconsciente, principalmente as que
se relacionam com os complexos sistemas de co-interferências mútuas das
variáveis intrapsíquicas e com os sofisticados sistemas de encadeamentos
distorcidos ocorridos no processo da construtividade de pensamentos.
Se ele tivesse tal
conhecimento, teria compreendido que as traições da interpretação são
inevitáveis na construção dos pensamentos; teria compreendido que tanto ele
como seus discípulos traíam inconscientemente a teoria psicanalítica. Se ele
tivesse esse conhecimento, também teria compreendido, apreciado e cultivado a
democracia das idéias, não seria tão rígido com os limites e contornos teóricos
da psicanálise e, conseqüentemente, não teria banido da família psicanalítica
os que pensavam contrariamente às suas idéias, tais como Carl Gustav Jung e
Alfred Adler.10
Muitos filósofos e pensadores
não compreenderam a democracia das idéias. Não compreenderam que ela está muito
acima da democracia política e que ela nem mesmo é uma opção ideológica, mas
uma inevitabilidade nas ciências e nas relações humanas. A democracia das
idéias é expressa pela rejeição a toda e qualquer forma de discriminação; pelo
respeito e consideração pelas idéias do "outro", ainda que possamos
discordar delas, pelo direito personalíssimo "meu" e do "outro"
de pensar e ser livre. A democracia das idéias é derivada de um corpo de
conhecimento universal ocorrido nos processos de construção do pensamento, tais
como: a flutuabilidade e evolutividade das variáveis da interpretação, o
sistema de encadeamento distorcido, as traições inconscientes da interpretação,
a liberdade criativa e plasticidade construtiva dos pensamentos dialéticos, a
virtualidade da consciência existencial, a inesgotabilidade do conhecimento,
etc.
O Homo sapiens micro
ou macroviolou os direitos humanos, mesmo nos ambientes menos suspeitos, porque
ele pouco conheceu a democracia das idéias, pouco compreendeu que a divergência
de idéias é uma inevitabilidade e não apenas uma opção do eu, pois há um Homo
interpres que o constitui intrinsecamente e que é micro e macrodistinto a
cada momento existencial.
Temos de compreender que a
verdade essencial, embora uma pérola a ser procurada ansiosamente pela pesquisa
científica, pela pesquisa empírica, é inalcançável pela consciência
existencial, cuja natureza é antiessencial ou virtual; por isso, os pensamentos
dialéticos, apesar de acusar e discursar teoricamente sobre os objetos e
fenômenos de estudos, jamais incorporam a realidade essencial intrínseca dos
mesmos.
Todos os teóricos, cientistas
e pensadores são andejos da virtualidade dialética que percorrem e esquadrinham
os territórios essenciais dos fenômenos extrapsíquicos e intrapsíquicos, porém
sem nunca encontrá-los na sua essencialidade. Porém, apesar de nunca
incorporarmos pela consciência existencial a realidade essencial do mundo que
contemplamos, nossa produção de conhecimentos pode produzir, como comentarei,
conseqüências científicas, tais como verificabilidades, aplicabilidades e
previsibilidades. Sem essas conseqüências, a ciência não existiria.
Muitos poderiam reclamar do
fato de a consciência existencial não incorporar a realidade essencial dos
fenômenos, do fato de que milhões de pensamentos sobre um objeto são apenas um
discurso virtual intencional sobre ele, pois nunca atinge em si mesmo a
realidade essencial do objeto. Não poucos pensadores tentaram superar a
distância entre o pensamento e o objeto, pois não perceberam que essa distância
é infinita, que existe um antiespaço entre o pensamento consciente (virtual) e
a realidade essencial do objeto. Porém, temos de compreender que a nossa
incrível liberdade criativa e plasticidade construtiva dos pensamentos
conscientes advêm da própria limitação da natureza antiessencial e virtual dos
mesmos.
Se os discursos dos
pensamentos conscientes tivessem de incorporar a realidade intrínseca dos
objetos sobre os quais se discursa, nós jamais seríamos seres pensantes. Os
astrônomos jamais poderiam abordar os astros e os químicos jamais poderiam
discursar sobre os átomos e as moléculas que nunca tocaram; os psicólogos jamais
poderiam discorrer sobre as emoções intangíveis sensorialmente e inacessíveis
essencialmente. Se a construtividade dos pensamentos não operasse na esfera da
virtualidade, não poderíamos antecipar fatos futuros, pois estes ainda não
aconteceram; nem poderíamos discorrer sobre experiências passadas, pois estas
são irrevogáveis essencialmente; nem poderíamos pensar sobre qualquer coisa ou
pessoa sem que elas penetrassem no "tecido" dos nossos pensamentos.
A virtualidade dos
pensamentos produz, como comentei, limites intransponíveis na sua práxis ou
"materialização", mas, ao mesmo tempo, produz uma liberdade criativa
e uma plasticidade dialética indescritíveis.
Só é possível a existência da
revolução criativa e evolutiva das idéias porque as idéias são produzidas na
esfera da virtualidade, pois nessa esfera elas conquistam uma plasticidade e
liberdade que superam a necessidade de incorporação da realidade essencial do
mundo que somos e em que estamos.
O FLUXO CONTÍNUO DOS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DA MENTE GERANDO A REVOLUÇÃO INEVITÁVEL E CLANDESTINA DAS IDÉIAS
Penso que os cursos de
Psicologia, Sociologia, Filosofia, Educação, Direito, Psiquiatria etc,
precisam compreender e incorporar o conhecimento básico sobre o funcionamento
da mente. Com respeito aos cursos de Psicologia, há grandes lacunas na formação
dos psicólogos clínicos, que saem motivados a abraçar uma teoria da
personalidade.
A postura de se abraçar uma
teoria como suporte da interpretação e como validação dos procedimentos
psicoterapêuticos, sem um processo de filtragem crítica das idéias nela
contida, se deve à imaturidade científica da Psicologia na compreensão dos
processos de construção dos pensamentos.
Seria importante que as
sociedades de Psicoterapia (Psicanálise, Psicoterapia analítica, Psicodrama,
Logoterapia, cognitiva, comportamental etc.) promovessem cursos sobre os
sistemas de encadeamentos distorcidos ocorridos na construtividade de
pensamentos; sobre os sistemas de co-interferências das variáveis da
interpretação que conduzem à ocorrência de micro e macrotraições da
interpretação do Homo interpus, passíveis de ocorrer no processo
psicoterapêutíco; sobre a necessidade de promover a revolução construtiva das
idéias dos pacientes e torná-los agentes ativos e críticos no "ambiente da
psicoterapia", e não espectadores passivos das interpretações e dos
procedimentos psicoterapêuticos.
Pode não ser confortável para
um psicoterapeuta promover a capacidade crítica de pensar dos pacientes e
incentivá-los a criticar suas próprias interpretações e procedimentos
psicoterapêuticos, mas tal atitude, além de se afinar com a democracia das
idéias, contribui muito para promover a revolução das idéias, expandir a
capacidade de superar seus fracassos, refinar o processo de superação dos
estímulos estressantes e tornar os próprios pacientes agentes modificadores da
sua história psicossocial.
Os psicoterapeutas,
independentemente se não incorporarem um conhecimento básico sobre o
funcionamento da mente e o processo de interpretação, poderão exercer o
processo psicoterapêutíco fora do campo da democracia das idéias, produzindo
interpretações e procedimentos sem dar aos pacientes o direito de discuti-los e
criticá-los. Assim, podem criar uma relação psicoterapeuta-paciente desigual,
em que eles, os psicoterapeutas, exercem uma poderosa influência sobre os
pacientes, gerando um microclima de autoritarismo das idéias, submetendo o
mundo dos pacientes às restritas dimensões da teoria que abraçam e das
interpretações e procedimentos que produzem. Tal postura psicoterapêutica
contrai e, às vezes, pode até abortar o desenvolvimento da capacidade crítica
de pensar dos pacientes ("iatrogenia psicoterapêutíca"), fazendo com
que estes gravitem em torno da "órbita intelectual" dos seus psicoterapeutas.
A dependência do terapeuta encarcera a inteligência.
Princípios semelhantes podem
ocorrer no processo educacional. Professores que desconhecem os processos de
construção da inteligência podem ter uma postura tão rígida e unidirecional no
processo educacional que contraem ou abortam a capacidade crítica de pensar dos
seus alunos, tornando-os espectadores passivos do conhecimento, com grande
dificuldade para expressar suas dúvidas e criticar seus professores e as
idéias por eles expressas, o que revela uma "iatrogenia
socioeducacional". O processo educacional unidirecional,
"a-histórico-crítico-existencial" e exteriorizante pouco alavanca e
redireciona a espetacular revolução da construção das idéias que ocorre
clandestinamente na mente dos alunos e, conseqüentemente, pouco contribui para
expandir neles o humanismo e a cidadania.
Os professores e os
psicoterapeutas precisam compreender que, de fato, eles não fazem muito no
processo socioeducacional e psicoterapêutico; no máximo, contribuem para
estimular a produção das idéias que ocorre espontaneamente em seus alunos e
pacientes. Sem a operação espontânea e inevitável dos fenômenos que constroem
os pensamentos, o homem nem mesmo desenvolveria sua personalidade e nem teria
condições de conquistar a consciência de si mesmo e do mundo que o circunda.
Ilustres pensadores abordaram
o princípio fundamental que rege o processo de formação da personalidade.
Sigmund Freud" abordou o princípio do prazer; Carl Gustav Jung 12,
o self (eu) criador; Alfred Adler 13, a busca de
superioridade; Erich Fromm 14 abordou, entre outros fatores, a busca
de proteção e segurança; Viktor Frankl 15 abordou a busca do sentido
existencial etc. Porém, há um princípio globalizante, um princípio dos
princípios, que é a fonte que incorpora todos os princípios postulados pelos
demais autores e que está na base de todos os processos de construção
inconscientes e conscientes da mente, que é o fluxo vital da energia psíquica.
Vejamos.
A energia psíquica, como
disse, está num fluxo vital contínuo e inevitável. Cada idéia, pensamento,
análise, reação fóbica, humor deprimido, desejo, reação instintiva etc,
produzida inconscientemente e manifestada nos palcos conscientes da mesma se
descaracteriza e é registrada na história intrapsíquica.
A leitura da história
intrapsíquica, sob a influência dos sistemas de variáveis intrapsíquicas,
produzirá um universo de novas idéias que promoverá a expansão dos alicerces
da personalidade. A medida que novas idéias, pensamentos, análises, reações
emocionais e motivacionais são produzidos na mente, eles novamente se
desorganizam caoticamente e, ao mesmo tempo, são registrados no arquivo
existencial da memória pelo fenômeno RAM.
Registrar ou arquivar as
experiências psíquicas na memória não é, como vimos, um processo opcional do
homem, mas um processo involuntário e inevitável. Mesmo que possamos rejeitar
contundentemente as ofensas, as discriminações e as experiências mais
angustiantes que vivenciamos, elas serão inevitavelmente, à medida que caminham
para o caos psicodinâmico, registradas no arquivo da memória pelo fenômeno RAM.
Se a ausência dessa "opção" traz alguns transtornos, traz também,
como comentei, imprescindíveis benefícios à psique, tal como a preservação da
história intrapsíquica, pois sem ela viveríamos um contínuo, indescritível e
dramático estado inconsciente. Embora não seja possível optar por ter ou não a
história intrapsíquica, é possível, no entanto, reciclá-la e reorganizá-la.
O campo de energia psíquica é
tão complexo que, simultaneamente ao processo de desorganização das idéias, das
emoções e das motivações, ocorre o desenvolvimento da história intrapsíquica.
Com a expansão da história intrapsíquica estimula-se a produção de novas
cadeias de pensamentos, reações emocionais e experiências existenciais, que
alavancarão o desenvolvimento da personalidade. Através desse desenvolvimento,
ocorrerá a "busca do prazer", o "self criador", a
"busca de proteção e segurança", a "busca de
superioridade", a "busca do sentido existencial", que são os
princípios que gravitam em torno da órbita globalizante do princípio do fluxo
vital da energia psíquica. Portanto, os princípios estabelecidos por outros
teóricos são "sintomas" do fluxo vital que ocorre no cerne da psique
humana.
Existe, por incrível que
pareça, um paralelo entre o desenvolvimento da personalidade humana e das
teorias científicas. Embora ambas possam ser evolutivamente recicladas e
promovidas pelo "eu", pelo determinismo do pensamento dialético
(lógico), na realidade esse determinismo apenas "pega carona
psicodinâmica" no fluxo vital espontâneo e inevitável dos fenômenos que
reorganizam a energia psíquica.
O "eu" só pode
pensar "o que quer", "quando quer" e na "freqüência e
velocidade que quer" porque, na base inconsciente da mente, há um grupo de
fenômenos que realizam tarefas psicodinâmicas extremamente refinadas, tais
como a leitura dos endereços da memória e a organização de dados.
As matrizes dos pensamentos
essenciais são inconscientes; porém, na medida em que são geradas, sofrem, como
vimos, um intrincado processo de leitura virtual que produz o espetáculo da
construção dos pensamentos conscientes (dialéticos e antidialéticos).
O Homo sapiens é tão
sofisticado que podemos dizer que o controle das idéias, das argumentações, das
análises, das sínteses, das previsibilidades tempo-espaciais é operacionalizado
em cima de um processo inevitável, multifocal e multidirecional gerado pelo Homo
interpres. O Homo sapiens não é sapiens porque quer, ou seja,
não é um ser pensante porque determina sê-lo, mas porque é inevitável sê-lo. O
fluxo vital dos fenômenos que organizam e reorganizam o caos da energia
psíquica torna o homem um ser inevitavelmente pensante, um ser inevitavelmente
consciente.
Muitos filósofos e teóricos
da Psicologia procuraram ansiosamente compreender como se forma a consciência
do homem, que chamo de consciência existencial ou "eu". Alguns até
mesmo dizem que essa compreensão é o maior desafio da ciência. Realmente, essa
compreensão não apenas revela os segredos inconscientes do homem, pois o
espetáculo da construção da consciência é produzido por fenômenos
inconscientes, mas também os segredos intrínsecos da própria ciência, pois a
ciência é uma manifestação da consciência.
Devido a alguns limites dos
pensamentos conscientes usadas na investigação da própria consciência, a
ciência jamais irá alcançar algumas respostas, pois a natureza dos pensamentos
conscientes é "antiessencial", virtual e, como vimos, o que é virtual
nunca incorpora a realidade intrínseca daquilo que é essencial; apenas a
discursa, a conceitua, a define. Porém, em detrimento das limitações da
consciência em compreender a si mesma, é possível compreender diversas peças
intelectuais dos processos de construção da psique que nos constituem
intrinsecamente como seres que pensam, se emocionam e têm consciência
existencial do mundo que somos e em que estamos.
TODO AUTOR DEIXA DE SER PROPRIETÁRIO DE SUAS IDÉIAS QUANDO AS PUBLICA. O JULGAMENTO DA INTERPRETAÇÃO DAS IDÉIAS PERTENCE AO LEITOR
Os fenômenos responsáveis pela
construção dos pensamentos são inacessíveis essencialmente e intangíveis
(imperceptíveis) sensorialmente, o que dificulta intensamente o processo de
observação, interpretação e produção de conhecimento sobre eles. Essa
dificuldade gerou grandes confusões teóricas na Psicologia, na Filosofia, na
Educação e em outras ciências.
Não poucos cientistas, ao
conquistar reconhecimento social, diminuem significativamente sua produção
intelectual. Ao contrário do mundo profissional, no universo científico os aplausos,
se inadequadamente trabalhados, podem fechar as janelas da inteligência e
conspirar contra o livre pensamento. Isso se deve à atuação do fenômeno da
psicoadaptação na terceira etapa inconsciente do processo de interpretação. A
fase mais produtiva de um cientista muitas vezes ocorre quando ele não tem
estética socioacadêmica; quando a ciência é sua única paixão; quando ele se
considera um aprendiz diante da sua inesgotabilidade e considera que a grandeza
das idéias é muito mais importante do que a hierarquia acadêmica e do que a
conquista de títulos.
O sistema acadêmico pode
libertar o pensamento ou encerrá-lo num cárcere. Freqüentemente ele o
aprisiona. Todos somos inconscientemente micro ou macroinfiéis ao nosso
processo de interpretação, o que expande, como disse, a evolutividade das
próprias idéias. Porém, falo de uma outra fidelidade: a fidelidade à
consciência crítica, aos princípios que norteiam a honestidade intelectual.
Devemos procurar ansiosamente ser fiéis aos princípios que norteiam a honestidade
intelectual, independentemente dos constrangimentos sociais que possamos
vivenciar pelas nossas idéias e pela prática dessa honestidade. O homem que
não ê fiel às suas idéias, fiel à sua consciência, tem uma dívida impagável
consigo mesmo.
Diante da exposição sobre o
processo de interpretação, estou convencido de que a democracia das idéias
deva ser exercida em todos os níveis das relações humanas, em destaque na
ciência. As idéias de um cientista ou pensador, incluindo os produtores de
arte, à medida que ele as expressa em livros ou em qualquer outro meio de
comunicação, deixa de ser do próprio autor e passa a pertencer invariavelmente
ao observador. Interpretar, ou seja, ser um Homo interpres, não ê uma
opção do Homo intelligens, mas seu destino inevitável.
A Mona Lisa deixa de
ser de Da Vinci e passa a pertencer ao observador, que, ao interpretá-la,
acrescenta "cores" e "formas" próprias em sua mente, ou
seja, acrescenta cadeias de pensamentos e experiências emocionais próprias no
processo de observação e interpretação.
Do mesmo modo, a teoria de um
teórico deixa de pertencer a ele mesmo e passa a pertencer ao observador
(leitor ou utilizador da teoria) que, ao interpretá-la, ainda que com
critérios, acrescentará a ela suas particularidades sobre as quais o autor
jamais terá controle. Por isso, cumpre ao observador a responsabilidade de
interpretar uma obra, não apenas com liberdade, mas também com consciência
crítica, procurando descontaminar-se no processo de interpretação, tanto quanto
possível, de cientificismos e psicologismos.
O autor só pode julgar sua
obra para si mesmo. Ele jamais poderá transferir ou abortar o direito do
julgamento do observador; caso contrário, ele pratica o autoritarismo das
idéias e a ditadura dos discursos teóricos.
O direito à interpretação do
observador é inalienável e intransferível. Mesmo os ditadores políticos não
podem sufocar completamente o direito do julgamento da interpretação dos
consócios de uma sociedade; não podem abortar a revolução clandestina das
idéias que ocorrem nos bastidores de sua mente; por isso, como disse, todos os
sistemas político-econômicos opressivos reciclam-se inevitavelmente ao longo da
história.
Penso que todo teórico,
cientista, pensador ou produtor de arte, não apenas deveria aceitar, mas até
mesmo estimular, os que entram em contato com sua obra a julgá-la com
liberdade e consciência crítica, até porque, nos labirintos da sua mente, todo
observador realiza inconsciente e inevitavelmente esse julgamento com micro ou
macrotraições.
Nas sociedades modernas, a
estética sobrepuja o conteúdo. Essa doença intelectual contaminou também a
ciência, pois a procedência universitária, a fama do centro de pesquisa, os
títulos acadêmicos, o país de origem de um cientista se tornam um marketing socioacadêmico
e sociopolítico inconsciente, que pesa sutilmente na interpretação, julgamento
e credibilidade do observador.
Tais sutilezas, que
influenciam o processo de interpretação, ocorrem em todas as esferas das
relações sociais. Creio que a maioria dos cientistas e dos demais produtores de
conhecimento não tem como evitar totalmente a estética socioacadêmica e outras
influências passíveis de contaminar a interpretação; por isso eles deveriam
estimular o julgamento das suas idéias pelo observador onde elas são expressas,
seja nos livros, nas salas de aula, nos congressos, na imprensa. Esta atitude
está dentro do contexto da democracia das idéias.
Capítulo 14
O Conceito de Cidadania, Humanismo e Democracia das Idéias
Derivados dos Processos de Construção
da Inteligência
A "CIDADANIA DA CIÊNCIA": SOCIALIZANDO A CIÊNCIA, TORNANDO-A ASSIMILÁVEL E ÚTIL PSICOSSOCIALMENTE
A Psicologia estuda o
nascedouro dos pensamentos, o nascedouro das idéias; a Filosofia estuda as
dimensões filosóficas das idéias, estuda as suas possibilidades e, portanto,
expande o mundo das idéias. A inteligência multifocal, portanto, não é fruto
apenas da construção dos pensamentos, mas também das possibilidades
psicossocial e filosóficas desses pensamentos. A Filosofia amplia os horizontes
da Psicologia.
Penso que os assuntos
concernentes aos fundamentos do processo de interpretação, à construção de uma
teoria e aos limites e alcance do conhecimento raramente são ministrados com
profundidade nos cursos de graduação de Psicologia, Sociologia, Direito,
Antropologia, Pedagogia, nos cursos de especialização de Psiquiatria e até
mesmo nos cursos de graduação das Ciências Físicas e demais Ciências Naturais.
Creio que eles são ministrados com mais profundidade nos cursos avançados de pós-graduação
acadêmica, porém, não exatamente da maneira como os exponho, pois tenho uma
produção de conhecimento original sobre eles. Provavelmente, esses assuntos
são os mais difíceis de serem compreendidos pelos alunos de pós-graduação
(mestrando e doutorando) e até pelos cientistas.
Confesso que, em boa parte
destes anos em que pesquiso sobre o funcionamento da mente, eu pensava em
escrever apenas para cientistas e intelectuais circunscritos nas universidades
e institutos de pesquisas. Porém, apesar de ainda não ter perdido esse alvo,
admito que estava sendo exclusivista ao me dirigir somente a um pequeno grupo
de pensadores; por isso, procurei compreender e me reconciliar com a democracia
das idéias e exercer a "cidadania da ciência".
A cidadania da ciência, como
já comentei, é expressa pela atitude do teórico em procurar humanizar ou
socializar sua teoria, tornando-a acessível aos profissionais que exerçam
qualquer tipo de trabalho intelectual e útil como fonte de pesquisa e de
aplicabilidade. A cidadania da ciência ou científica deveria ser o objetivo
fundamental de todo cientista, seja ele um teórico ou um utilizador de uma
teoria. No meu caso, embora minha linguagem escrita nem sempre seja fácil de
se entender, devido à complexidade dos assuntos abordados, me animo com a
possibilidade de humanização da teoria, de ela se tornar útil como fonte de
pesquisa e de aplicabilidade psicossocial.
A ciência não existe fora da
mente humana; ela é um produto intelectual do homem e, como tal, seu objetivo ético
fundamental é ser útil à humanidade e ao meio ambiente. Produzir ciência para
violar os direitos humanos ou qualquer tipo de comprometimento da qualidade de
vida biopsicossocial humana é um desvio dos sentimentos mais nobres da ética
científica.
Os homens que mais macularam
e maculam a história humana nem sempre foram desprovidos de cultura e
escolaridade. A cultura e a escolaridade quantitativa são insuficientes para
promover a cidadania e o humanismo, bem como a democracia das idéias. É
necessário uma cultura qualitativa, interiorizante, ou seja, aquela que
estimula o homem a ser um caminhante nas trajetórias do seu próprio ser, um
caminhante à procura de suas origens intelectuais, de suas origens como ser
pensante. Se o pensamento não for usado para investigar o próprio pensamento,
para questionar seus limites, alcance, validade e processos envolvidos na sua
construção, ele poderá ser facilmente usado com autoritarismo, contribuindo
para promover toda sorte de violação dos direitos humanos.
Tenho consciência de que a
grande maioria das pessoas que praticaram na história o humanismo e a
cidadania nunca compreenderam os fenômenos que participam da construção dos
pensamentos e nem algumas variáveis do processo de interpretação. Porém, é mais
fácil produzir um ambiente coletivo solidário, tolerante e saturado de
cooperação social se investigamos nossas limitações, se compreendermos as
origens do pensamento e as bases do processo de interpretação.
Em todos os níveis escolares
deveriam ser ministrados, obviamente com linguagens distintas, conhecimentos
que expressam que a memória não pode ser apagada, apenas reescrita; que o
fenômeno RAM registra automaticamente todas as experiências que transitam no
palco de nossas mentes e que privilegia as que têm mais tensão; que o fenômeno
da autochecagem gera o gatilho da inteligência, produzindo as primeiras cadeias
de pensamentos e reações emocionais; que a memória não está toda disponível
para leitura, mas por território; que o fenômeno do autofluxo produz milhares
de pensamentos diários sem a autorização do "eu" e que, portanto,
gera a maior fonte de entretenimento ou de terror humano; que o "eu"
precisa aprender a gerenciar os pensamentos e ser líder do seu próprio mundo;
que o processo de interpretação nunca é puro, mas sofre a influência de inúmeras
variáveis, gerando uma produção de pensamentos continuamente distinta, mesmo
sobre um mesmo objeto.
Conhecer a Física, a
Matemática, a Química, a Geografia, é importante, mas é tão ou mais importante
que os alunos aprendam a conhecer que o pensamento não é apenas relativo, mas
que sofre diversos sistemas de encadeamentos distorcidos, que o stress pode
comprometer nossa liberdade de pensar e nossa consciência crítica em
determinados momentos da interpretação, que nos bastidores de nossa mente
somos micro ou macrodistintos a cada momento de nossa existência, que o
pensamento dialético é produzido na esfera da virtualidade e que, nessa
esfera, apesar de conquistar uma indescritível liberdade criativa, possui limitações
em sua práxis ou materialização, que a arte da pergunta, da dúvida e da crítica
deveria fazer parte de todo o processo de aprendizado escolar e coloquial.
As escolas deveriam também
ministrar cursos específicos sobre a democracia das idéias, a cidadania e o
humanismo. Essa nova abordagem do processo educacional objetiva formar um homem
completo, seguro e livre no território dos pensamentos e das emoções, um homem
que sabe trabalhar suas intempéries existenciais e usa sua inteligência para
contribuir com sua espécie.
Comentei a cidadania da
ciência. Agora, comentarei o conceito de cidadania social, do humanismo e da
democracia das idéias à luz da teoria multifocal do conhecimento humano que
estou expondo.
O CONCEITO DE CIDADANIA
A cidadania social, neste
livro, vai muito além da definição clássica de cidadania, expressa pelo gozo
pleno dos direitos políticos de um cidadão em uma determinada sociedade. Essa
definição clássica é redutora e eucentrista, pois envolve os direitos de um
indivíduo em relação à sua sociedade e não expressa o comprometimento
psicossocial desse indivíduo com sua sociedade. Aqui, a definição de cidadania
é abrangente. A cidadania é um exercício intelectual de mão dupla, que envolve
tanto os direitos políticos de um cidadão em sua sociedade como os deveres de
um cidadão para com essa sociedade. Esses deveres não apenas se referem àqueles
previstos em lei, mas também àqueles que dependem da maturidade intelectual,
emocional e social, tais como: solidariedade, tolerância, dignidade, cooperação
social, preocupação com as dores e necessidades psicossociais do outro,
aprender a se doar psicossocialmente sem esperar a contrapartida do retorno
etc.
As pessoas raramente sabem se
doar sem a contrapartida do retorno, pois subjacente às suas intenções existe
uma busca de prestígio, de retorno social, de retorno político. Por exemplo, as
drogas nem sempre interessam apenas aos usuários e aos traficantes, mas também
a alguns que, ao falar do seu combate, apenas usam-na como instrumento para se
promover politicamente. Infelizmente, na história humana, muitos políticos
utilizaram e ainda utilizam as misérias humanas como instrumento para ampliar
seus poderes, para conquistar prestígio social e ganhar espaço eleitoral. Para
aqueles que conhecem a cidadania apenas no discurso, a miséria humana é uma
grande mercadoria para ser usada para promoção social. O exercício mais nobre
da cidadania é aquele que se faz no silêncio, que se faz sem alardes, que se
faz sem esperar a contrapartida do retorno. O único retorno legítimo que
deveria ser almejado no exercício da cidadania é aquele produzido pelo prazer
de contemplar a melhora da qualidade de vida do outro, da sociedade e do meio
ambiente.
A solidariedade, expressa
pelo prazer de ser útil e de contribuir para o alívio das dores e das
necessidades biopsicossociais do outro, é um dos pilares mais ricos da
cidadania. Cultura e dinheiro não compram a cidadania. A cidadania é
conquistada na trajetória existencial; é conquistada quando alguém se torna um poeta
da vida, um poeta existencial, quando alguém aprende a se interiorizar.
Eu não sei como muitos dos
homens mais ricos do mundo, listados pela revista Forbes, conseguem
dormir com a consciência tranqüila, enquanto há tantos seres da sua própria
espécie, tão complexos intelectualmente como eles, que estão subnutridos,
famintos, vivendo em condições miseráveis em diversas sociedades. Talvez
porque, em contraste com a riqueza financeira, eles estão pobres no mundo de
idéias, estão subnutridos de cidadania e de humanismo. Enriquecer apenas para
si mesmo, excluindo toda e qualquer meta social, é uma mediocridade. A vida
humana é como uma gota existencial na perspectiva da eternidade; refletir sobre
a temporalidade e a fragilidade da vida humana deveria nos fazer expandir a
lucidez intelectual e nos estimula a estabelecer metas e prioridades
humanísticas.
As empresas também deveriam
exercer a cidadania empresarial. Deveriam não apenas ter como meta a
competitividade, a qualidade dos seus produtos e serviços e a lucratividade,
mas também a cidadania, expressa pela meta de procurar expandir a qualidade de
vida dos seus trabalhadores e da sociedade como um todo, bem como deveriam
exercer a cidadania verde, ou seja, expressa pela preocupação com a
preservação do meio ambiente, não como marketing político, mas como
responsabilidade social.
A cidadania, portanto, é um
exercício intelectual em que o cidadão incorpora e exercita seus direitos
sociopolíticos e, ao mesmo tempo, coopera com a preservação dos direitos e da
qualidade de vida dos consócios da sua sociedade, contribuindo para que a
sociedade se torne um albergue não apenas da democracia política, mas também um
albergue do humanismo e da democracia das idéias. A cidadania, ainda, envolve a
consciência crítica de cada ser humano do seu papel ecossocial. Este expressa
tanto a consciência da preservação da natureza como a necessidade de coexistência
harmônica entre a espécie humana e o meio ambiente. O exercício pleno da
cidadania é uma expressão da maturidade da inteligência multifocal.
O CONCEITO DE HUMANISMO
O humanismo foi um termo
filosófico usado de diversas maneiras por diversos pensadores em gerações
passadas; porém, neste livro, ele tem conotações extensas e particulares. Para
alguns, o humanismo é o exercício da complacência, da bondade, da tolerância e,
nesse sentido, ele se confunde com o conceito de cidadania. Porém, esse tipo
de humanismo está sujeito às flutuações das intempéries sociais, das
circunstâncias psicossociais, das pressões políticas, dos paradigmas culturais.
Portanto, ele é instável e suas raízes intelectuais são pouco profundas.
O humanismo a que me refiro
vai além do exercício da cidadania, além do exercício da tolerância,
solidariedade e cooperação social, pois ele se alicerça numa macrovisão das
origens intelectuais da espécie humana. Ele é fruto da procura do Homo
intelligens pelo Homo interpres, ou seja, do homem que pensa pelos
processos inconscientes que constroem os pensamentos. Portanto, o conceito de
humanismo incorpora a necessidade de compreendermos as origens da
inteligência, os fenômenos que nos constituem como seres pensantes. Esse
humanismo diminui a paixão nacionalista, grupai, bairrista e expande a paixão
pela espécie humana. Ele cria uma relação poética do indivíduo com a espécie
humana. Esse humanismo tem uma reação visceral contra a multiplicidade dos
parâmetros que promovem as mais diversas formas de discriminação humana:
racial, cultural, religiosa, intelectual, etc. Ele ecoa altissonante,
evidenciando que acima de sermos americanos, alemães, franceses, brasileiros,
árabes, judeus, ingleses, africanos, curdos, somos uma única espécie, uma
espécie que, apesar de todas as diferenças genéticas, geográficas, culturais e
sociopolíticas, possui clandestinamente, nos bastidores da mente, os mesmos
processos e fenômenos que são responsáveis pelo maior de todos os espetáculos
humanos, o espetáculo da construção de pensamentos e da consciência
existencial.
O humanismo declara uma
paixão poética pela espécie humana, porque decorre da compreensão de que a
inteligência é produzida gratuitamente por fenômenos que realizam uma
sofisticadíssima e inconsciente leitura da memória, que resulta numa complexa
construção das cadeias psicodinâmicas de pensamentos. Devido ao fluxo vital da
energia psíquica, pensar é um privilégio inevitável de nossa espécie. Sem o
espetáculo gratuito da construção dos pensamentos, não haveria ciência, arte,
livros, leitores, relações interpessoais conscientes; não haveria nem mesmo a
consciência do tempo, pois um segundo e a eternidade seriam a mesma coisa. Por
isso, toda forma de violação dos direitos humanos, bem como toda forma radical
de nacionalismo, de bairrismo e de defesa grupai ou racial é desumanística e
intelectualmente injustificável.
O humanismo evidencia que a
teoria da igualdade, que é a matriz de todos os demais direitos humanos, não é
apenas uma defesa jurídica, constitucional, cultural, ética, social, mas,
muito mais do que isso, se considerarmos a construção da inteligência constatamos
que ela é inevitável.
A teoria da igualdade
humanista evidencia que, apesar de todas as diferenças humanas, somos
inevitavelmente iguais nas origens da inteligência, no nascedouro das idéias,
no espetáculo da construção do pensamento. As sociedades humanas não
compreenderam a complexidade da teoria da igualdade, e por isso cometeram
genocídios, discriminações raciais e outras formas de violação dos direitos
humanos. Essas violações ocorreram ao longo da história porque o mundo das
idéias humanísticas dos seres humanos, em especial dos homens que detinham o
poder sociopolítico, foi e ainda é pequeno. A teoria da igualdade humanista
demonstra que todo ser humano, independentemente de sua raça, nacionalidade,
cor, idade, sexo, condição social, nível cultural, condição econômica, níveis
de sanidade psíquica, etc, tem o direito irrestrito, inalienável e
intransferível de igualdade em seus amplos aspectos biopsicossociais. Um dia,
proferindo uma palestra sobre a formação de pensadores para cientistas de um
instituto de pesquisa, vários deles me procuraram após a palestra e elogiaram a
abordagem do humanismo e sua relação com a inteligência. Eles me disseram que
nunca tinham compreendido o ser humano na perspectiva psicológica e filosófica
e ficaram surpresos ao perceber que a igualdade humana decorre dos fenômenos
que nos tornam seres pensantes e que constroem a inteligência. Nessa palestra,
a união da Psicologia com a Filosofia causou um choque de humanismo nos
ouvintes.
O humanismo afirma que nenhum
ser humano, por mais sucesso que tenha, pode acrescentar algo à sua condição
humana e tornar-se, assim, supra-humano, semideus. Por isso, toda
supervalorização de líderes políticos, religiosos, intelectuais, artistas,
esportistas etc, tão comum nas sociedades modernas, é uma atitude
desinteligente e desumanística, uma expressão da imaturidade da inteligência.
Aquele que supervaloriza o outro e gravita em torno dele, ou da imagem
intelectual que faz dele, discrimina a si mesmo, pois desconhece suas origens
intelectuais.
Existem pessoas que funcionam
como modelos de comportamento saudáveis, que inspiram a produção intelectual;
porém, quando alguém supervaloriza uma pessoa e gravita intelectualmente em
torno dela, isso compromete sua liberdade de pensar e a consciência crítica. O
humanismo também afirma que nenhum ser humano, por menos sucesso que tenha, por
mais desprivilegiado socialmente que seja, não perde a dignidade da sua
condição humana. Assim, o humanismo evidencia que tanto discriminar como
supervalorizar o "outro" são pólos doentios do mesmo processo de
interpretação desinteligente e desumanístico.
O CONCEITO DE DEMOCRACIA DAS IDÉIAS
Após ministrar uma
conferência num congresso de educação, um diretor de uma escola, me procurou
para falar da importância da democracia das idéias. Ele já havia lido a
primeira edição deste livro. Disse-me que teve de estudar cerca de dez vezes o
conceito de democracia das idéias para ministrá-lo aos seus professores. O
assunto pode ser complexo, mas ele é fundamental para regular as relações
humanas.
A democracia das idéias
representa uma das mais nobres funções intelectuais da maturidade da
inteligência humana. Depois de fazer a exposição deste assunto extrairemos uma
série de direitos e deveres importantes que podem preparar um ambiente para que
as relações humanas passem a ser construídas com mais dignidade,
respeitabilidade, inteligência.
A democracia das idéias tem
um conceito sofisticado, mais sofisticado que o humanismo. Enquanto o conceito
de humanismo é extraído da compreensão de que todo ser humano tem um conjunto
de fenômenos que participam da organização da inteligência, o conceito de
democracia das idéias é extraído da atuação desses fenômenos, formando um
intrincado conjunto de processos que são responsáveis pela leitura da memória e
pela construção das cadeias de pensamentos. Esse conceito também é extraído da
natureza, limites e alcances desses pensamentos, dos entraves da comunicação
interpessoal e das variáveis que atuam no processo de interpretação.
O humanismo evidencia que há
uma igualdade humana inevitável quando consideramos as origens da
inteligência, quando consideramos os fenômenos que constroem os pensamentos. A
democracia das idéias evidencia que há, opostamente, uma desigualdade inevitável
quando consideramos o resultado dessa construção, ou seja, o resultado das
cadeias de pensamentos construídas.
Os fenômenos que constroem os
pensamentos são os mesmos, mas o resultado dessa construção, que são as
próprias cadeias de pensamentos, freqüentemente não são exatamente iguais,
ainda que possamos considerar dois observadores diante de um mesmo estímulo, ou
um mesmo observador diante do mesmo estímulo observado em dois tempos
distintos. A produção de pensamentos tem uma diversidade interpessoal (entre
duas pessoas) e intrapsíquica (era uma mesma pessoa). Ainda que estejamos num
ambiente social prejudicial à arte de pensar, devido à globalização da informação
e à massificação da cultura, a construção de pensamentos sofre uma contínua
diversidade.
Os fenômenos que atuam na
construção da inteligência são iguais; mas o resultado nunca é uma inteligência
igual, o resultado nunca é uma unanimidade de idéias. A diversidade de
pensamentos não acontece, como disse, apenas entre duas pessoas diferentes,
que supostamente têm cargas genéticas diferentes, estímulos familiares
diferentes, estímulos socioeducacionais diferentes, etc, mas também no universo
psíquico de uma mesma pessoa. Como vimos, há um Homo interpres nos
bastidores da psique humana, micro ou macrodistinto a cada momento existencial.
Por isso, mesmo diante dos mesmos estímulos, freqüentemente produzimos
pensamentos micro ou macrodiferentes. Procurar uma unanimidade de idéias é uma
atitude desinteligente.
A democracia das idéias é tão
importante, que deveria regular todas as esferas das relações humanas: as
relações pais-filho, professor-aluno, político-eleitor, as relações
acadêmicas, jornalista-leitor etc. Os alicerces da democracia das idéias são
constituídos por diversos fatores. Para compreendê-los melhor, podemos
dividi-los em oito grandes processos: 1. A comunicação social é mediada, ou
seja, as relações humanas não transcorrem através de trocas essenciais, tais
como da energia psíquica das angústias, ansiedades, prazeres, etc, mas por um
sistema de códigos sensoriais, principalmente sonoros e visuais. 2. Pelo fato
de a comunicação social ser mediada, conhecemos o "outro" não pela
essência do outro, mas pela reconstrução dele nos bastidores de nossas mentes,
produzida pelo nosso processo de interpretação. Assim, o conhecimento do
"outro", bem como de todo fenômeno extrapsíquico, é passível de
inúmeras distorções. 3. O pensamento dialético e o pensamento antidialético, os
dois tipos de pensamentos conscientes produzidos pela psique humana, são de
natureza virtual. 4. A virtualidade dos pensamentos conscientes indica que, por
mais que eles sejam eficientes em conceituar os fenômenos, eles nunca atingem a
realidade essencial (a verdade essencial) dos mesmos, ou seja, a essência
intrínseca que os constitui. 5. Por não atingir a realidade essencial dos
fenômenos, os pensamentos conscientes, que representam a verdade científica,
jamais incorporam a verdade essencial. Assim, a verdade científica torna-se
apenas um sistema de intenções intelectuais que tenta discursar sobre a verdade
essencial. 6. O Homo interpres (processo de interpretação), que
representa os processos intrapsíquicos inconscientes envolvidos na construção
de pensamentos, é micro e macrodistinto a cada momento existencial, pois
diversas variáveis que participam desses processos flutuam e evoluem
continuamente. 7. Devido à flutuabilidade e evolutividade contínua das
variáveis intrapsíquicas, ocorre um sistema de encadeamento distorcido no
processo de construção dos pensamentos, gerando uma diversidade de idéias
inevitáveis. 8. O gerenciamento do eu na construção de pensamentos nunca é
completo, pois existe um conjunto de fenômenos que constroem pensamentos sem a
sua autorização.
Portanto, concluindo, a
democracia das idéias é inevitável, pois a comunicação social é mediada, os
pensamentos conscientes são limitados, a verdade essencial é inatingível, o
processo de interpretação é passível de inúmeras distorções e o eu não é líder
absoluto do processo de construção de pensamentos. A democracia das idéias
expressa, portanto, que a verdade é inatingível, que é muito difícil
interpretar adequadamente o outro, que o pensamento consciente tem limites, que
o eu não reina na mente humana.
A arte de viver é mais
complexa do que podemos imaginar. Somos complexos e sofisticados
intelectualmente e, ao mesmo tempo, limitados e frágeis. Produzimos o
indescritível mundo das idéias e, ao mesmo tempo, podemos distorcer a verdade
mais do que podemos compreender. Construímos belíssimas relações humanas e, ao
mesmo tempo, podemos ser autoritários e distorcer o direito do outro mais do
que temos consciência.
A democracia das idéias é
muito mais abrangente, profunda e complexa do que a democracia política. A
democracia das idéias, diferente da democracia política, não é uma opção
intelectual, mas uma inevitabilidade. Só não é inevitável porque conhecemos
pouco o processo de construção dos pensamentos, o processo de construção das
relações interpessoais, o processo de interpretação, o processo de
gerenciamento do eu e a natureza dos pensamentos.
A democracia das idéias é o
ponto de encontro da Psicologia com a Filosofia, a Sociologia, a Educação e
demais ciências, mesmo as ciências naturais.
Os direitos e deveres
extraídos da democracia das idéias são mais profundos e abrangentes do que
aqueles contidos na constituição dos países ou na carta dos direitos humanos
das Nações Unidas. A seguir, farei uma síntese desses direitos e deveres:
a) Como a comunicação social
é mediada, temos de aprender a desenvolver relações sociais maduras e
inteligentes: aprender a respeitar a complexidade do outro; compreender que
nunca temos a realidade essencial das pessoas com as quais nos relacionamos;
ter consciência de que nossas interpretações sobre o outro são facilmente
contaminadas pelo nosso universo psíquico e, portanto, são passíveis de inúmeras
distorções; aprender a interpretar o outro com consciência crítica, a
analisá-lo e procurar se colocar no lugar dele, para que possamos compreender,
com menos distorção possível, suas idéias, dores e necessidades psicossociais;
aprender a arte de ouvir, ou seja, ouvir com maturidade e consciência crítica,
ouvir o que o outro tem para falar e não ouvir o que queremos ouvir.
b) Como os pensamentos
conscientes são de natureza virtual, temos de compreender alguns limites e
alcances básicos dos pensamentos: aprender que a verdade essencial é
inalcançável; reconhecer que a verdade científica é apenas um sistema de
intenções que tenta conceituar a verdade essencial; ter consciência de que a
verdade coloquial, aquela que expressa nossos julgamentos, opiniões, idéias em
nossas atividades sociais, também não expressam a realidade essencial;
aprender a expor e não a impor nossas idéias; aprender a não nos submetermos
passivamente às idéias do outro, julgando-as com liberdade e consciência
crítica e a permitir que os outros possam julgar nossas idéias com a mesma
liberdade.
c) Como o Homo interpres é
micro ou macrodistinto, a cada momento existencial temos que aprender a
respeitar a diversidade das idéias: aprender a respeitar o pensamento do
"outro" (o outro como indivíduo e como grupo social), ainda que
confronte com o nosso pensamento; compreender que a unanimidade de idéias no
campo político, social, econômico, cultural e educacional é impossível;
aprender que a democracia das idéias implica respeitar as diferenças e não
impor a unanimidade; compreender que a unanimidade ocorre apenas no campo do
espírito humano, da solidariedade, da respeitabilidade, da tolerância, do humanismo,
da cidadania. d) Como o eu não exerce um gerenciamento pleno na construção de
pensamentos, devido à atuação psicodinâmica de outros fenômenos que também
constroem pensamentos, temos que aprender a desenvolver com maturidade esse
gerenciamento: aprender a pensar antes de reagir; aprender a ser fiel aos
nossos pensamentos; trabalhar os estímulos estressantes e as frustrações
psicossociais; aprender a desenvolver a arte de perguntar, duvidar e criticar;
aprender a expandir o mundo das idéias e a criatividade na superação dos
problemas socioprofissionais; aprender a nos tornarmos pensadores humanistas e
engenheiros de idéias originais; aprender a revisar nossos paradigmas
socioculturais; rever nossas posturas dogmáticas e autoritárias, caso contrário,
engessamos nossa capacidade de pensar e seremos escravos de nossa rigidez.
Devido às distorções
inevitáveis ocorridas no processo de interpretação e de construção multifocal
de pensamentos, o uso da democracia das idéias torna-se não um luxo
intelectual, mas vital e necessário nas relações sociais e na produção
científica.
A liberdade humana não é
cultivada apenas pelo fato de o homem aprender a produzir pensamentos e
expressá-los livremente, pois os ditadores, os psicopatas e os que praticam as
múltiplas formas de discriminação usam suas produções de pensamento para
defender suas idéias anti-humanísticas. A liberdade do Homo intelligens (homem
consciente) é cultivada quando ele aprende a pensar sobre o Homo interpres (bastidores
inconscientes da inteligência), ou seja, pensar criticamente sobre o próprio
pensamento, quando procura suas origens e processos intelectuais, quando
conquista um conhecimento básico sobre os limites e alcance da construção da
sua inteligência, quando aprende a desenvolver com maturidade a arte de pensar.
Assim, ele pode reunir subsídios para desenvolver uma sólida consciência
crítica, um exercício maduro da cidadania, do humanismo e da democracia das
idéias.
O enfileiramento de centenas
de milhares de soldados germânicos na promoção do holocausto judeu ocorreu não
apenas pelos fatores sociais, econômicos e políticos da Alemanha pré-nazista, e
nem pela agenda nazista de Hitler, pois esses fatores eram extrapsiquicos.
Ocorreu também por fatores intrapsíquicos, dos quais se destaca a
psicoadaptação à dor dos judeus, a dificuldade da liderança alemã e dos
soldados em se interiorizar, gerenciar seus pensamentos e revisar seus
paradigmas. Os nazistas eram violentos por fora, mas frágeis por dentro, no
território da inteligência. A Alemanha sempre foi um dos mais nobres celeiros
de idéias e de pensadores, tais como Kant, Hegel e Schopenhauer. Todavia, a
cultura histórica não é insuficiente para conter a agressividade e a violação
dos direitos humanos em determinados períodos.
Devido à conjunção de fatores
externos e psíquicos, os nazistas fizeram um corte radical com as raízes
intelectuais e a história social de sua nação. O homem instintivo prevaleceu e
controlou o homem pensante. As reações inumanas que eles produziram indicam
que é possível um grupo de pessoas anular a história do seu povo, construída ao
longo dos séculos, e viver em função dos paradigmas construído em determinado
momento histórico. Se as bases filosóficas e psicológicas do humanismo e da
democracia das idéias não forem amplamente incorporadas, através da educação,
a cada geração, outros holocaustos surgirão. De fato, alguns holocaustos têm
surgido depois da Segunda Grande Guerra. Basta citar o dramático e
indescritível genocídio de Ruanda, no fim do século XX, o século mais
prodigioso para a ciência: neste genocídio milhares de homens, mulheres e
crianças foram dizimados a golpes de clavas e facões.
A única "vacina
intelectual" segura contra as múltiplas formas de violência é a
construída todos os dias no cerne do espírito e da alma humana, no âmago da
construção da inteligência. A construção de pensamentos é mais vulnerável e
influenciável do que podemos imaginar, principalmente nas situações
estressantes; por isso, se as bases que regulam o processo de interpretação
não for a democracia das idéias, o humanismo e o exercício da cidadania,
podem-se cometer as maiores atrocidades humanas, seja uma Ruanda, desprovida do
brilho da cultura ocidental, ou uma Alemanha, que contém a fina flor do
pensamento filosófico. A nação mais solidária, tolerante e humanista pode, na
geração seguinte, produzir as mais repugnantes violações dos direitos humanos.
Somos uma espécie que tem o
privilégio da capacidade de pensar, mas que não conhece minimamente as origens
da sua inteligência. Infelizmente, raramente temos uma relação humanista e
poética com a nossa própria espécie. Raramente temos consciência de que a
teoria da igualdade é mais do que uma teoria ética, mas uma inevitabilidade;
que a democracia das idéias é mais do que um discurso teórico, mas é ou deveria
ser um mecanismo psicossocial regulador do processo de interpretação. Por
esses motivos, apesar de sermos uma espécie pensante que está no topo da
inteligência de dezenas de milhões de espécies na biosfera terrestre, temos
tido grande dificuldade de viabilização psicossocial.
Nas sociedades modernas, há
uma verdadeira crise de interiorização crítica e de idéias humanistas; por isso
é fundamental que o conhecimento possa ser democratizado, humanizado; que a
produção das idéias seja organizada e promovida nos territórios sociais, e não
seja apenas privilégio de uma elite de pensadores. Essa visão, como disse,
estimulou-me a exercer a "cidadania da ciência" e, ao mesmo tempo,
fez-me desenvolver críticas sobre o papel sociopolítico e histórico-social das
instituições acadêmicas, bem como de uma série de outras instituições sociais e
de posturas intelectuais individuais que ferem a democracia das idéias.
A PRÁTICA DO AUTORITARISMO DAS IDÉIAS NO PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIOPROFISSIONAIS
A ciência é um dos frutos
mais nobres da "respiração da interpretação" da mente humana. A
interpretação reduz a realidade essencial dos fenômenos e dos sistemas de
relações que eles mantêm entre si. Por exemplo, toda angústia, dor, desespero
que percebo do outro é sempre um exercício da interpretação que faço dele e que
é passível de distorções e reduções em relação à essência emocional que ele
está vivendo.
Qualquer processo ou sistema
da interpretação comete inconscientemente distorções e produz injustiça em
relação ao objeto interpretado. Porém, há grande diferença entre a
interpretação que é extraída de um processo de interpretação realizado dentro
do campo da democracia das idéias e que revisa criticamente o conhecimento produzido,
da interpretação extraída de um processo de interpretação que desconsidera
completamente a democracia das idéias e qualquer questionamento do processo de
interpretação e do conhecimento produzido. O resultado desta última
interpretação tem a pretensão absurda e autoritária de proclamar que a verdade
da interpretação é idêntica à verdade essencial.
Devemos desconfiar de todas
as pessoas que tentam impor seus pensamentos e querem que o mundo gravite em
torno de suas idéias, de suas verdades. Os homens que são incapazes de ser
questionados, ainda que tenham elevada cultura e poder político, são frágeis,
se escondem atrás de sua agressividade.
Toda interpretação comete
injustiça em relação ao objeto interpretado; mas as grandes injustiças, as
grandes distorções, seja na esfera científica ou na esfera dos direitos
humanos, foram produzidas pela prática do tendencialismo, pela falta de
consciência crítica sobre as distorções passíveis de ocorrer no processo de
construção de pensamento.
Toda vez que pensarmos que
"algo" é "assim", deve estar claro que esse
"algo" nunca é exatamente "assim", pois este
"assim" é um sistema intelectual que, além de não ser idêntico à
essência real desse "algo", é passível de diversas distorções. Há
inúmeras conseqüências psicossociais derivadas desses fatos. Os pais
compreendem menos os filhos do que imaginam. Os juízes e promotores distorcem
mais seus julgamentos do que têm consciência. Os jornalistas distorcem mais as
informações do que acreditam. Os políticos desfiguram a realidade mais do que
têm consciência dela. Os psicoterapeutas compreendem menos seus pacientes do
que pensam.
Não é possível impedir que se
cometam determinadas injustiças intelectuais no processo de interpretação, mas
a prática deliberada e consciente do autoritarismo das idéias e da ditadura do
discurso teórico é anti-científica, antidemocrática e anti-humanística. O homem
que não duvida e critica suas próprias interpretações, ainda que tenha
excelente cultura e eloqüência dialética, torna-se um agente micro ou
macrodestrutivo da sua sociedade.
Se a utilização de uma teoria
psicológica pode ser muito importante para enriquecer a produção de
conhecimento sobre o paciente e a eficiência do processo psicoterapêutico,
pode também ser contracionista se utilizada autoritária e ditatorialmente. Por
isso, é imprescindível que todas as sociedades de psicoterapias,
independentemente da corrente teórica que utilizam, possam compreender os
limites e alcance de uma teoria no processo de interpretação e alguns aspectos
básicos dos processos de construção dos pensamentos, para que possam estimular
a capacidade crítica de pensar dos psicoterapeutas e conduzi-los a compreender
e cultivar a democracia das idéias no processo psicoterapêutico, inclusive
estimular os pacientes a desenvolver a arte de pensar.
A democracia das idéias é tão
importante, que qualquer ser humano deveria expor e defender suas idéias em
quaisquer níveis das relações humanas, mas nunca deveria impô-las como
verdades irrefutáveis. Devido à relevância da democracia das idéias e à sua
superioridade em relação à democracia política, eu a aplico de diversas
maneiras nos textos deste livro. A democracia das idéias é um canteiro vivo
onde se cultiva o humanismo, a cidadania e a capacidade crítica de pensar.
Alguém poderia argumentar que
a matemática é a ciência mais lógica e deveria ser usada como princípio básico
em todas as ciências, inclusive nas ciências da cultura. Vários pensadores
exaltaram os princípios da Matemática e quiseram usá-los para regular a
produção de conhecimento, conformando-a aos limites da lógica.
Os princípios da Matemática
são importantes e seduziram filósofos, psicólogos, sociólogos, psicopedagogos
etc, porque eles são constituídos de leis lógicas, que se pautam pela
linearidade e previsibilidade. As leis físíco-químicas também possuem lógica,
linearidade e previsibilidade. Porém, esses pensadores não compreenderam que a
verdade científica é derivada da verdade da interpretação e não da verdade
essencial dos fenômenos; e a verdade da interpretação está sujeita não apenas
aos limites da virtualidade da consciência, mas também aos sistemas de
encadeamentos distorcidos ocorridos no processo de interpretação e,
conseqüentemente, no processo de construtividade dos pensamentos (conhecimento).
A verdade científica possui um distanciamento infinito em relação à verdade
essencial, embora possa ser submetida à prova, produzir aplicabilidades e
gerar previsibilidades.
A verdade científica é uma
consciência virtual, formada por pensamentos dialéticos, sobre a realidade
essencial. Entre o que é virtual e o que é essencial existe uma distância
intransponível.
Grande parte dos professores,
inclusive universitários, provavelmente nunca perceberam que os pensamentos e,
conseqüentemente, as verdades científicas descrevem os fenômenos, mas, ao mesmo
tempo, jamais os incorporam essencialmente, pois estão a uma distância
infinita, intransponível em relação a eles. Devido a essa falta de compreensão,
os professores, ao transmitir o conhecimento em sala de aula, usam argumentos e
uma tonalidade lingüística que impõem as idéias e não as expõem, expressando
que a verdade científica é idêntica à verdade essencial. Eles praticam uma ditadura
do pensamento por desconhecerem a natureza e os limites do conhecimento. As
salas de aulas, mesmo nos países que mais honram a democracia política, nem
sempre são albergues da democracia das idéias, mas do autoritarismo das idéias.
Por isso, as escolas formam homens que retransmitem o conhecimento, mas que
não são pensadores humanistas.
As verdades científicas
sofrem contínuas transformações ao longo do tempo, porque são sistemas de
intenções intelectuais que tentam descrever e discursar sobre os fenômenos e
objetos de estudos. Com o avanço das pesquisas, as verdades científicas se
tornam paradigmas ultrapassados. As verdades científicas de há um século foram
profundamente repensadas. Daqui a um século, grande parte do conhecimento, que
hoje é aceito como verdade científica, também será profundamente reorganizado.
A verdade científica não
coincide jamais com a verdade essencial dos fenômenos, embora possa produzir
conseqüências científicas, tais como a comprovação dos argumentos e
aplicabilidades técnicas. Além disso, a lógica, linearidade e previsibilidade,
que são características fundamentais que promovem a produção de conhecimento na
Física, na Química, na Biologia, etc, são restritivas para esquadrinhar
psicodinamicamente os processos de construção dos pensamentos.
Os processos de construção
das cadeias psicodinâmicas dos pensamentos ultrapassam os limites da lógica,
da linearidade e da previsibilidade das leis da Matemática contidas nos
processos fisico-químicos. Os pensamentos esquadrinham e utilizam os princípios
da Matemática, mas eles têm uma natureza e construtividade que ultrapassam
esses princípios, que ultrapassam a lógica, a previsibilidade e a linearidade
dos mesmos.
Todo pesquisador ou
utilizador de uma teoria deveria ser um democrata das idéias e, tanto quanto
possível, rever as idéias e expandir os discursos teóricos contidos na mesma, e
não utilizá-los com autoritarismo e com uma postura ditatorial, circunscrevendo
rigidamente os fenômenos de estudos apenas dentro dos seus limites, como se
quisesse prestar a ela uma fidelidade inalcançável e encontrar a partir dela
uma verdade essencial inatingível.
O homem deveria ser livre na
sua mente. A mais refinada e nobre liberdade ocorre na fonte produtora dos
pensamentos. Há muitas pessoas que não são autoritárias com os outros, mas são
extremamente rígidas consigo mesmas, pois conduzem suas vidas, sua capacidade
de contemplação do belo, de superação dos estímulos estressantes e sua
capacidade de dar soluções aos conflitos interpessoais e às intempéries
socioprofissionais dentro dos limites contracionistas, rígidos e irrecicláveis
das suas idéias, de seus paradigmas socioculturais, de sua maneira de ser e de
pensar. Há milhões de pessoas ditadoras de si mesmas nas diversas sociedades,
pessoas que são incapazes de ferir e tolher conscientemente os direitos dos
outros, mas que são algozes, carrascos de si mesmas. Essas pessoas não se
permitem relaxar, errar, começar tudo de novo, experimentar o prazer de viver,
etc. Eu costumo dizer que as pessoas rígidas e autopunitivas dançam a valsa da
vida com as duas pernas engessadas. Elas costumam ser ótimas para os outros,
mas péssimas para si mesmas.
Pode-se ter privilégios
econômicos, sucesso social e liberdade de expressão, mas, ainda assim, ser um
prisioneiro no seu próprio mundo, na sua própria mente, praticam o
autoritarismo e o auto-autoritarismo das idéias.
Capítulo 15
A Reorganização do Caos da Energia Psíquica
O processo de construção dos
pensamentos gera múltiplas formas de "conhecimento", que são
direcionadas para produzir a ciência, a tecnologia, as artes, as relações
humanas, o processo socioeducacional e profissional. Porém, em detrimento de o
"conhecimento" ser o material fundamental de toda produção
intelectual, pouco se conhece de sua natureza intrínseca, bem como das
variáveis que co-interferem mutuamente e que participam dos seus processos de
construção.
Percorrer algumas trajetórias
do conhecimento sobre o próprio conhecimento e sobre a fonte que o produz pode
nos remeter temporariamente a um profundo estado de ansiedade e a um dramático
caos intelectual, que pode expandir a produção de novos pensamentos.
Há três tipos de caos que
abrangem, talvez, a totalidade dos tipos de caos existentes no universo: o caos
físico-químico, o caos da energia psíquica e o caos intelectual.
Neste capítulo, farei um
comentário um pouco mais abrangente sobre o caos da energia psíquica, bem como
sobre o fluxo vital dos fenômenos da mente e sobre a reorganização do caos
através da leitura da história intrapsíquica e dos sistemas de co-interferência
das variáveis. Além disso, também farei um breve comentário sobre o caos
físico-químico.
O conceito, expresso neste
livro, dos vários tipos de "caos" implica um processo vital de
construtividade, expresso pela organização, desorganização e reorganização dos
fenômenos. Antes de abordar mais extensamente o caos da energia psíquica, eu
gostaria de fazer uma pequena síntese do que penso sobre o caos físico-químico.
Quero, entretanto, reafirmar que a teoria sobre o caos intelectual e o caos da
energia psíquica foi, como os demais textos deste livro, produzida sem nenhuma
influência sistemática de outras teorias e de outros teóricos. A teoria do caos
intelectual e do caos da energia psíquica pertencem à teoria multifocal do
conhecimento (TMC).
Não podemos confundir o caos
da energia com o caos intelectual. O caos da energia psíquica refere-se ao
fluxo contínuo de pensamentos e de emoções que ocorre no cerne da psique;
enquanto o caos intelectual é um procedimento de pesquisa, refere-se a um
"desmoronamento" dos conceitos para descontaminar o processo de
observação e interpretação.
O CAOS FÍSICO-QUÍMICO
O caos físico-químico está
presente em todo o universo, expandindo as possibilidades de construção da
matéria e da energia.
No processo de decomposição
dos organismos, ocorre o caos físico-químico e, assim, os átomos e as moléculas
são incorporadas ao solo e passam a fazer parte de novas estruturas
fisico-químicas. Partes desses elementos também serão incorporados e
assimilados novamente nas cadeias alimentares. No ciclo da água, na formação
das rochas, na fusão nuclear ocorrida no Sol, no ambiente de cada átomo, na
formação dos planetas, nos buracos negros, etc, o caos está presente, não é
estático.
O alimento digerido
experimenta o caos, para depois ser assimilado e incorporado pelo organismo.
Somente depois de experimentarem o caos é que os alimentos se tornam materiais
de construção.
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