sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Augusto Cury - Inteligência multifocal - Parte 4 (final)


Toda construção civil emerge do caos. A argila, que estava caoticamente desorganizada nos pântanos, se organiza em tijolos. O minério de ferro, que estava organizado nas rochas, é implodido, desorganizado, "imerso" no caos e, uma vez fundido, emerge do caos como barras de ferro organi­zadas para serem usadas nas construções. Se tivermos quatro paredes, cada uma das quais composta por milhares de tijolos, definiremos uma única arquitetura, formaremos um único ambiente. Porém, se as paredes imergirem no caos, se forem destruídas, produzirão milhares de tijolos inteiros e de fragmentos. Assim, poderemos usá-los para definir inúmeras arquiteturas, formar inúmeros ambientes. O caos físico-químico é um precioso estágio no ciclo da construção.
A cadeia sistemática de fenômenos que ocorre na macroessência (qual­quer objeto, planeta ou galáxia) para a infinidade microessencial da maté­ria ou da energia, está num contínuo movimento de organização, de caos e reorganização. A experiência do caos dinâmico desta cadeia faz da Física uma ciência infinita, pois não apenas abre as possibilidades de construção e expansão do universo macroessencial, mas também do universo micro­essencial, gerando infinitamente micro e macrorrelações multifocais.
Do ponto de vista filosófico, não há nenhuma possibilidade de constru­ção mais rica no campo das idéias e no campo dos fenômenos físicos sem ocorrer uma desorganização, um caos das estruturas.
Nas artes, o caos fisico-quimico se mescla com o caos da energia psíqui­ca. O nascedouro do belo emerge do caos. Um belo quadro de pintura emerge tanto do caos do processo de construção da inteligência como tam­bém do caos fisico-quimico da tinta. A medida que a inspiração vai se reorganizando na mente, as pinceladas de tintas, por sua vez, também con­quistam a estética. As composições musicais e muitas outras obras de arte emergem do caos.
Muitas poesias foram inspiradas e produzidas a partir do caos emocio­nal, da angústia existencial. A produção das artes nos bastidores da mente são, enquanto construções psicodinâmicas, mais complexas do que os pró­prios artistas conseguem expressar. Por exemplo, o caos emocional, ex­presso pela depressão, pela angústia existencial, pela dor da solidão, etc, é reorganizado pelos fenômenos que fazem a leitura da história intrapsíquica. Dessa leitura é produzido um grupo de matrizes de pensamentos essenciais históricos que transformam a energia emocional, gerando a criação e a inspiração artística. Ao mesmo tempo, essas matrizes preparam uma pista de decolagem virtual para a produção de pensamentos antidialéticos e dialéticos, que organizarão o "eu". Todo esse processo ocorre rapidamente, e não pára por aí.
O eu, uma vez formado num determinado momento existencial, lê novamente a memória, utiliza as informações nela existentes, forma as ca­deias de pensamentos essenciais que materializam sua intencionalidade no córtex cerebral, produzindo em último estágio o refinado trabalho motor do pintor, do escultor, do autor literário, do fraseologista. O trabalho mo­tor, gerenciado pelo eu, por sua vez reorganiza o caos fisico-quimico da tinta usada nas pinturas, ou o caos fisico-quimico dos materiais usados nas esculturas.
A mesclagem da reorganização do caos da energia psíquica com a reor­ganização do caos fisico-quimico gera a produção das artes. Mesmo as obras literárias são produzidas a partir dessas duas mesclagens.
As artes e as ciências emergem do brilhante caos intrapsíquico que reor­ganiza os sofisticados símbolos extrapsíquicos. A poesia, o romance, a es­cultura, as pinturas, os textos científicos, etc, são reorganizados extrapsi-quicamente como símbolos que expressam os refinados processos de cons­trução produzidos clandestinamente nos bastidores da mente dos artistas. Porém, a simbologia literária, cientifica, poética é sempre reducionista em relação às dimensões do belo intrapsíquico.
Embora seja um pesquisador das ciências da cultura e não um físico, vejo o universo fisico-quimico num processo contínuo de organização, de caos e reorganização da matéria e da energia, onde mesmo as estruturas mais sólidas não são rígidas, mas se movimentam intrinsecamente, se desorganizam e se reorganizam micro e macroessencialmente. Porém, sob determinados ângulos, há exceções na expansibilidade de construção de­corrente do caos físico-quimico, pelo menos na esfera da qualidade. Nessas exceções se incluem as atitudes antiecológicas, os procedimentos anti-humanísticos, as doenças neurológicas.
Nas atitudes antiecológicas, o caos físico-quimico pode desorganizar se­res vivos e comprometer seriamente a preservação das espécies, ainda que quantitativamente a desorganização dos elementos possa ser incorporada em outros seres vivos e em novas estruturas físico-químicas. A complexida­de da organização dos milhões de espécies existentes na natureza nos im­põe grande responsabilidade, pois o caos físico-quimico, decorrente da extinção delas, se reorganizará em outras formas, o que nos faz supor que a extinção delas implica uma perda irreparável.
Nas atitudes anti-humanísticas, tais como as produzidas pela guerra, pelo genocídio, pela propagação da fome, também há um caos físico-quimico e psicossocial dramático que expande a destrutividade, as dores e as misérias biopsicossociais.
Na degeneração do cérebro (ex., doença de Alzheimer), nos traumas cranioencefálicos, nos tumores cerebrais, nos acidentes vasculares cerebrais, pode ocorrer uma desorganização caótica das células do córtex cerebral que arquivam os segredos da complexa história existencial humana, fazen­do com que ocorra uma desorganização do processo de leitura da memória por parte dos fenômenos que reorganizam o caos da energia psíquica, com­prometendo dramaticamente a construtividade das cadeias psicodinâmicas dos pensamentos, a formação da consciência existencial e, conseqüente­mente, a organização do eu, da identidade psicossocial da personalidade e da lógica dos referenciais históricos da racionalidade.

O FLUXO VITAL DA ENERGIA PSÍQUICA

O caos da energia psíquica, como vimos, é mais complexo e submete-se, freqüentemente, a um processo de transformação bem mais rápido e intenso do que o caos físico-quimico.
As idéias, os pensamentos antecipatórios, os pensamentos existenciais, os desejos, as ansiedades, etc, são produzidos num fluxo vital contínuo a cada momento existencial. Uma complexa experiência psíquica, constituí­da de uma energia emocional prazerosa, pode, numa fração de segundo, "imergir" num caos essencial e, em fração de segundo depois, ser reorgani­zada e "emergir" numa experiência ansiosa.
Um paciente que sofre um ataque de pânico submete-se a um caos dra­mático que desorganiza sua experiência intelecto-emocional prazerosa, coe­rente, lúcida, produzindo uma reação fóbica súbita, intensamente ansiosa e irracional, acompanhada de diversos sintomas psicossomáticos, tais como taquicardia, sudorese (excesso de suor), falta de ar.
O ciclo vital dos processos de construção da inteligência, expresso pela organização, desorganização caótica e reorganização da energia psíquica, ocorre tão subitamente que não temos consciência da extrema rapidez da sua transformação.
Na mente humana, tanto a organização quanto a reorganização da ener­gia psíquica normalmente é desencadeada por fenômenos que fazem a leitura da memória. Tais fenômenos sofrem a ação dos sistemas de co-interferências de variáveis que interferem qualitativa e quantitativamente tanto no processo de leitura quanto nas matrizes de pensamentos essenciais históricos resultantes dessa leitura. Tal interferência influencia a qualidade do processo de reorganização da energia psíquica, ou seja, a qualidade das idéias, pensamentos, análises, reações emocionais e reações motivacionais que são produzidas.
Entre as variáveis que interferem no processo de leitura e nas matrizes dos pensamentos essenciais históricos, decorrentes dessa leitura, se encon­tram a própria energia emocional e motivacional anterior.
Por exemplo, quando uma reação fóbica é organizada como microcampo de energia emocional dentro do campo de energia psíquica, ela, imediata­mente após sua organização, caminha automaticamente para o caos psicodinâmico. Ao mesmo tempo que ela se desorganiza, ela também atua psicodinamicamente na reorganização da energia psíquica, atua nos fenô­menos que fazem a leitura da história intrapsíquica, influenciando a quali­dade das matrizes de pensamentos essenciais históricos e, conseqüente­mente, a qualidade das transformações da energia emocional e motivacional e a qualidade dos pensamentos dialéticos e antidialéticos que serão produ­zidos. Com isso, uma reação fóbica anterior influencia a produção de no­vas emoções ansiosas e a produção de pensamentos que expressem deses­pero e preocupação. Assim, uma reação fóbica anterior, ou uma angústia existencial (tristeza decorrente de uma contrariedade), ou qualquer outro microcampo de energia emocional mais intenso, atua psicodinamicamente no processo de reorganização do caos da energia psíquica e na qualidade das emoções e pensamentos que serão produzidos. Por isso, os psicopatas alimentam continuamente suas idéias e suas compulsões psicopáticas; as pessoas obsessivas alimentam continuamente suas idéias obsessivas, as pes­soas existencialmente angustiadas alimentam continuamente sua produção de idéias que antecipam o futuro ou que remoem o passado; os usuários de cocaína retroalimentam continuamente sua dependência psicológica, o que os expõe a uma necessidade de novas doses da droga para aliviar as expe­riências psíquicas decorrentes da abstenção.
As experiências emocionais anteriores funcionam como variáveis intrapsíquicas que podem ter uma grande influência em todos os processos que geram a inteligência. Por isso, quando estamos vivendo um humor sereno e prazeroso, as contrariedades, as intempéries existenciais pouco nos atingem, pois o humor tranqüilo interfere, desloca a leitura da história intrapsíquica para áreas da memória que subsidiam a maturidade da inteli­gência, expressa pela construção das matrizes de pensamentos essenciais, que gerarão reações emocionais e motivacionais menos tensas e pensamen­tos dialéticos e antidialéticos com mais flexibilidade e habilidade para dar solução às contrariedades e aos desafios psicossociais.
Por outro lado, quando alguém vive uma reação depressiva, fóbica, um ataque de pânico, uma angústia existencial, ele interpreta os estímulos estressantes que o envolvem, tais como ofensas, erros, perdas, frustrações, de maneira superdimensionada. Esses estímulos estressantes causam um "eco introspectivo" intenso nos bastidores da mente, gerando matrizes de pensamentos essenciais que provocam irritabilidade, tensão, intolerabilidade e dificuldade na organização das idéias e na superação dos problemas psicossociais.
A energia emocional influencia a qualidade da interpretação e, conse­qüentemente, a qualidade das cadeias de pensamentos e da história arqui­vada na memória. Quanto mais emoção tensa, ansiosa ou prazerosa as cadeias de pensamentos possuem, mais o fenômeno RAM as registra em zonas privilegiadas da memória, o que facilita sua leitura. Portanto, a ener­gia emocional influencia decisivamente a maturidade da inteligência ou da personalidade.
É possível que haja muita gente vivendo exteriormente em excelentes condições sociais, mas vivendo interiormente uma verdadeira miséria emo­cional. É possível também que haja pessoas que vivam exteriormente em condições miseráveis, mas são emocionalmente livres e alegres. Assim, apesar de suas limitações exteriores, se tornaram poetas da existência, pensadores que aprenderam a destilar sabedoria nos seus desertos existenciais.
Precisamos compreender os processos básicos envolvidos na constru­ção da inteligência para ter subsídios para reciclar as experiências emocio­nais e para trabalhar com maturidade os estímulos psicossociais estressantes.

NA AUSÊNCIA DA ATUAÇÃO DO EU, OS FENÔMENOS INCONSCIENTES PROMOVERÃO A CONSTRUÇÃO DAS IDÉIAS SEM CONSCIÊNCIA CRÍTICA

Se o eu não reorganizar o campo de energia psíquica, então, os três fenômenos inconscientes, que estão num fluxo vital contínuo, farão espon­tânea e inevitavelmente essa reorganização, gerando uma produção de idéias, de pensamentos existenciais, de resgate de experiências passadas, de rea­ções emocionais, etc, sem determinismo lógico, sem consciência crítica.
Creio que todos nós já ficamos surpresos com determinados pensamen­tos ou idéias que são produzidos em nossa mente e que não foram produzi­dos conscientemente pela determinação consciente do "eu".
Muitas idéias e pensamentos que produzimos não têm nenhuma rela­ção com os estímulos do meio ambiente ou com pensamentos anteriores. É comum recordarmos determinadas experiências passadas que não têm nenhuma relação lógica com as circunstâncias intrapsíquicas e extrapsíquicas. Na realidade, tais resgates de experiências do passado foram produzidos pela leitura dos fenômenos contidos nos bastidores da mente, dos quais destaco, aqui, o fenômeno do autofluxo.
O fenômeno do autofluxo é um dos fenômenos que impulsionam psicodinamicamente o fluxo vital da energia psíquica; é um dos fenômenos que lêem a memória, resgatando as RPSs (representações psicossemânticas das experiências psíquicas passadas) mais disponíveis nas tramas da memó­ria. Em diversos casos, o resgate dessas RPSs realizado pelo fenômeno do autofluxo tem uma estreita relação com as experiências psíquicas anterio­res e com os estímulos extrapsíquicos; porém, em muitos outros, a leitura da memória, como disse, é feita aleatoriamente.
Todos os dias produzimos milhares de pequenos pensamentos, de idéias, ainda que muitas delas sejam vagas, pela leitura contínua e espontânea da memória pelo fenômeno do autofluxo.
Um palestrante, no momento em que expõe suas idéias, utiliza pre­ponderantemente o eu para ler a própria memória e construir pensamentos com a consciência crítica. Por sua vez, os ouvintes usam preponderante­mente o fenômeno da autochecagem da memória, para captar as informa­ções, autochecá-las automaticamente na memória e compreendê-las.
É possível que, na platéia, haja ouvintes desatentos ou desinteressados no assunto e que usem preponderantemente o fenômeno do autofluxo para ler suas memórias e produzir pensamentos, idéias e fantasias que não têm nada a ver com a exposição do palestrante. Além desses três fenômenos que citei — o "eu", o fenômeno da autochecagem da memória e o fenôme­no do autofluxo — há outro fenômeno, a âncora da memória, que é responsável por deslocar o território de leitura da memória e subsidiar para cada ser humano informações que eles utilizarão nos processos de construção dos pensamentos. Assim, o palestrante, os ouvintes atentos e os ouvintes desatentos deslocam a âncora da memória para uma região específica da memória, e isso faz com que eles resgatem as informações da memória e construam uma agenda específica de pensamentos.
O campo de energia psíquica se encontra num fluxo vital contínuo e inevitável de autotransformações essenciais. Todas as idéias, pensamentos antecipatórios, análises, desejos, angústias, ansiedades, reações de prazer, etc, produzidas no palco da inteligência se desorganizam.
Os fetos, as crianças de colo, os pré-adolescentes, os adolescentes, os adultos jovens, as pessoas idosas, enfim todo e qualquer ser humano, orga­nizam e reorganizam diariamente milhares de vezes a energia psíquica, através dos fenômenos que lêem a história intrapsíquica e da ação psico­dinâmica dos sistemas de variáveis intrapsíquicas. Todos vivemos sob o regime da revolução dos processos de construção das idéias. Pensar é o destino do Homo sapiens. Todas as construções psicodinâmicas caminham para o caos desorganizacional; caminham para desorganizar os microcampos de energia psíquica que constituem os pensamentos e as emoções.
Não há convivência simultânea de dois tipos de emoções, motivações e pensamentos na mente. Os microcampos de energia psíquica, expressos nas emoções, motivações e pensamentos, precisam se desorganizar para que haja a expansão das possibilidades de construção da psique.
O fim de toda idéia, de todas as análises, de todas as reações emocio­nais, de todos os desejos e impulsos instintivos é o caos psicodinâmico, a descaracterização essencial. Porém, à medida que se processa a descaracte-rização ou desorganização essencial das construções psicodinâmicas da mente, ocorre sinergicamente a operacionalidade dos fenômenos que fa­zem a leitura da história intrapsíquica, bem como a ação psicodinâmica dos sistemas de variáveis intrapsíquicas, reorganizando novamente os microcampos de energia psíquica que são traduzidos como novas constru­ções psicodinâmicas: novas idéias, novas emoções, novas motivações. As­sim, se constrói o espetáculo da inteligência.

NINGUÉM CONSEGUE RETER NA MENTE AS CONSTRUÇÕES PSICODINÂMICAS

Ninguém consegue manter por muito tempo os microcampos de ener­gia psíquica que são expressos como idéias, pensamentos antecipatórios, reações de ansiedade, de prazer ou qualquer outro tipo de construção psicodinâmica, pois o fluxo vital da energia psíquica é soberano; é o princí­pio dos princípios, que movimenta o processo de formação da personalida­de e todo o processo psicossocial humano.
Este fluxo é expresso por um processo contínuo e inevitável de autotransformações essenciais. Ninguém consegue manter por muito tem­po uma idéia ou pensamento. Na realidade, eles duram alguns segundos na mente de cada ser humano, duram o tempo em que são construídos psicodinamicamente e assimilados conscientemente, pois, em seguida, elas se desorganizam inevitavelmente. Para que a mesma idéia subsista na men­te, elas têm que ser reconstruídas. Se isso não acontecer, outras idéias serão construídas no lugar delas, pois o fluxo da construção do campo de energia psíquica não pode ser detido, pois tem fenômenos em contínuo estado de operação. Como disse, até a tentativa de interrupção das idéias já é uma idéia; até a concepção do "nada" é a idéia do nada e, portanto, pertence à construção psicodinâmica da psique.
Ninguém consegue manter também por muito tempo uma reação emo­cional, ainda que ela seja ricamente prazerosa. As emoções também, estão num fluxo vital contínuo de autotransformações essenciais. Elas, no entan­to, possuem uma durabilidade maior do que os três tipos básicos de pensa­mentos da mente: as matrizes de pensamentos essenciais, os pensamentos dialéticos e antidialéticos.
As emoções podem durar minutos e, em casos mais raros, horas. Po­rém, em seguida, elas experimentam o caos que as desorganizam, enquan­to os pensamentos, como disse, duram segundos ou até uma fração de segundo. Porém, a desorganização dos microcampos de energia emocional nem sempre é súbita, como é o caos dos pensamentos, mas flutuante, ou seja, aumenta ou diminui de intensidade. Por isso, as emoções podem tanto se transformar subitamente em outras emoções, como flutuar lentamente, diminuindo ou aumentando de intensidade.
A qualidade da desorganização da energia psíquica dependerá da in­tensidade do estímulo interpretado. A desorganização psicodinâmica das emoções tem muitas particularidades. Elas podem se desorganizar lenta­mente ou subitamente, dependendo das matrizes de pensamentos essen­ciais produzidas paralelamente ou dos estímulos que são interpretados no momento em que elas são vividas no campo de energia psíquica.
Se não há nenhum estímulo intrapsíquico extressante (ex.: ataque de pânico, pensamento antecipatório preocupante, resgate de experiência pas­sada angustiante), intraorgânico estressante (ex.: medicamento psicotrópi­co, droga alucinógena, distúrbio metabólico) ou extrapsíquico estressante (ex.: ofensa social, perdas, frustrações) os microcampos de energia emocio­nal se desorganizarão lentamente, ou seja, as reações de ansiedade e de prazer se descaracterizarão essencialmente de maneira lenta, abrindo lenta­mente também as possibilidades de construção para outros microcampos de energia emocional. Porém, se contemplarmos algum estímulo intra-psíquico, intraorgânico e extrapsíquico estressante, poderá ocorrer um caos súbito e uma reorganização súbita de outras emoções. Nesses casos, é possí­vel alternar rapidamente os microcampos de energia emocional de prazer por sofrimento, de ansiedade por alegria, de fobia por tranqüilidade, de ansiedade por irritabilidade, etc.
As pessoas que se submetem continuamente aos estímulos estressantes têm propensão a ser mais ansiosas e a desenvolver mais sintomas psicosso­máticos, pois intensificam o fluxo vital da energia psíquica: organização, caos e reorganização psicodinâmica. Porém, no universo psíquico não há regras matemáticas, pois é possível haver pessoas tranqüilas, mesmo viven­do em ambientes estressantes, e haver pessoas ansiosas, mesmo vivendo em ambientes tranqüilos. Do mesmo modo, é possível haver pessoas muito ansiosas que psicossomatizam pouco e pessoas pouco ansiosas que psicossomatizam muito. Se o estudo do stress e das doenças psicossomáticas não incorporar a teoria do fluxo vital da energia psíquica, ele será deficien­te e incompleto.

AS DOENÇAS DEPRESSIVAS DA INTELIGÊNCIA MULTIFOCAL

A depressão é uma doença psiquiátrica grave, e tende a ser a doença que mais acometerá o homem do século XXI. Sua incidência é alta e atinge as pessoas de qualquer condição social, econômica e cultural. Por isso, compreendê-la, não apenas à luz dos postulados biológicos das neurociências, mas à luz dos processos de construção da inteligência, é fundamental para desenvolvermos procedimentos terapêuticos e preventivos. Há vários tipos de depressão e cada tipo tem múltiplas apresentações etiológicas (causas) e psicodinâmicas. Devido à falta de espaço, comentarei o assunto sintetica­mente, fazendo abordagens genéricas para os vários tipos de depressão.
A dor emocional da depressão é indescritível e os prejuízos psicossociais e profissionais decorrentes dela são altíssimos. A energia emocional depri­mida não consegue manter-se psicodinamicamente estática, mesmo numa pessoa cronicamente deprimida. Apesar de o humor deprimido ser, prova­velmente, o microcampo de energia emocional de maior duração psicodi­nâmica, devido ao financiamento dos pensamentos negativos, ele não é estático, mas flutuante, alternando seus níveis de intensidade durante o dia.
Uma pessoa é acometida com um transtorno depressivo ou doença depressiva se ela tem um conjunto de sintomas básicos, entre os quais se encontra a ansiedade, a perda de energia biofísica, a insônia ou o aumento do sono, a perda da auto-estima, a perda do prazer de viver, o aumento ou diminuição do apetite, a desmotivação, as idéias de suicídio, etc. Nem to­dos os sintomas estão presentes nas doenças depressivas, e quando estão presentes, eles nem sempre têm a mesma intensidade psicodinâmica. Entre os sintomas da depressão, encontra-se também o humor deprimido, que é expresso por uma dor emocional intensa e indescritível. Somente quem a viveu sabe a sua dramaticidade.
O humor deprimido deveria ter uma duração psicodinâmica de no máximo algumas horas, como ocorre com todas as demais experiências emocionais, pois ela também se encontra num fluxo vital contínuo de autotransformações essenciais. Porém, se a dor emocional da depressão durasse algumas horas, ela não caracterizaria uma doença depressiva, mas apenas uma reação depressiva, pois a depressão como doença deve ter uma duração de alguns dias ou semanas.
Sabemos que as pessoas deprimidas não apenas permanecem com seus sintomas depressivos por dias, semanas e meses, mas também, em alguns casos, por anos ou até mesmo por dezenas de anos. Diante disso, temos que nos perguntar: como é possível a dor da depressão e as construções psicodinâmicas que geram os demais sintomas depressivos não viverem o caos como qualquer outra construção psicodinâmica na mente? Como é possível a depressão resistir ao caos da energia psíquica e ter uma duração psicodinâmica de semanas, meses ou anos?
Na realidade, a dor emocional e as construções psicodinâmicas que acompanham e que se manifestam através dos sintomas também experi­mentam o caos que as desorganizam, como qualquer microcampo de ener­gia na mente. A diferença é que elas são reorganizadas continuamente pela produção de matrizes de pensamentos essenciais, que nem sempre são traduzidos por pensamentos conscientes de conteúdos negativos: pensa­mentos que expressam preocupação existencial (perdas, dificuldades fi­nanceiras, preocupações sociais excessivas, conflitos interpessoais, profis­sionais, etc), pensamentos que evidenciam um sentimento de incapacida­de, pensamentos antecipatórios mórbidos, ruminação de experiências que causaram sofrimento no passado, etc.
Os fenômenos que fazem a leitura da história intrapsíquica geram, nas doenças, depressivas, matrizes de pensamentos essenciais históricos que trans­formam a energia emocional na terceira etapa da interpretação inconscien­te. Há, como disse, cinco grandes etapas que constituem o processo de interpretação. As primeiras três são inconscientes; nelas ocorrem a leitura
da história intrapsíquica, as matrizes de pensamentos essenciais históricos, os sistemas de co-interferências das variáveis e a transformação inicial da energia emocional e motivacional. As duas últimas são conscientes; nelas são formados os pensamentos dialéticos e antidialéticos e a estrutura do eu.
Nem sempre, como disse, as matrizes de pensamentos essenciais histó­ricos, que são pensamentos inconscientes, geram pensamentos conscientes dialéticos e antidialéticos, como os citados há pouco. Porém, nas doenças depressivas, os pensamentos inconscientes, em detrimento de gerar ou não pensamentos conscientes, transformam e reorganizam constantemente a energia emocional depressiva antes que ela seja desorganizada completa­mente. Esse é o segredo da sustentabilidade psicodinâmica das depressões.
A dor da depressão e as demais experiências que a envolvem também vivem continuamente o caos psicodinâmico; por isso elas flutuam. Porém, antes que a energia psíquica desorganize por completo o humor deprimido e os demais sintomas, a hiperconstrutividade das matrizes de pensamentos essenciais inconscientes, independentemente de gerar ou não gerar pensa­mentos dialéticos e antidialéticos, reorganizam as mesmas, perpetuando o transtorno depressivo, bem como seus sintomas. Por isso, a pessoa depressiva não consegue viver completamente a desorganização do humor deprimi­do. Ela só percebe as flutuações do humor deprimido, que ora é muito intenso e ora ê mais suportável.
Há períodos, pela manhã e ao entardecer de qualquer dia, principal­mente no domingo à tarde, em que o humor deprimido piora muito, pois nesses períodos há uma introspecção maior e, conseqüentemente, uma exacerbação da leitura da história intrapsíquica, e também, conseqüente­mente, uma exacerbação da hiperconstrutividade de matrizes de pensa­mentos essenciais que, por sua vez, financiam uma reorganização mais in­tensa do humor deprimido e dos demais sintomas da depressão, dos quais se destaca a intensificação dos níveis de ansiedade.
Aproveito o assunto para dizer que os diagnósticos na psiquiatria e na psicologia das doenças psíquicas, tais como depressão maior, depressão distímica, ansiedade fóbica, síndromes de pânico, neurose, transtorno ob­sessivo compulsivo (TOC), transtorno bipolar do humor, esquizofrenia, a partir de uma escala sintomatológica, expressam um conhecimento extre­mamente contracionista, que tem uma dívida teórica imensa com os com­plexos processos de construção da inteligência, que são os processos que realmente produzem as múltiplas formas de doenças psíquicas.
Os diagnósticos, ainda que em muitos casos sejam úteis, como, por exem­plo, nas pesquisas e nos procedimentos terapêuticos, se não forem usados com critério, se não forem usados considerando a complexidade da mente de cada ser humano, com respeito e consideração pela dor do "outro", praticam o autoritarismo das idéias, pois subscrevem os sofisticados processos de construção dos pensamentos e de transformação da energia emocional à restritividade das idéias contidas nos diagnósticos e nos sintomas que os caracterizam.
Sabemos que, por trás de cada doença psíquica diagnosticada, há um ser humano complexo que está doente. Porém, devemos avançar para com­preender que há não apenas um ser humano doente, mas também um ser humano cuja doença está em contínuo processo de evolução, de desloca­mento, pois, no âmago da sua mente, há um Homo interpres micro e macrodistinto a cada momento existencial, que vive continuamente uma revolução íntima, criativa e evolutiva de idéias. As doenças psíquicas preci­sam ser estudadas não apenas à luz do Homo intelligens, mas também à luz da construção dos pensamentos ocorrida no Homo interpres.
Os medicamentos antipsicóticos, antidepressivos e ansiolíticos, por atua­rem nas sinapses nervosas e corrigirem possíveis alterações metabólicas ligadas aos neurotransmissores, desobstruem transmutativamente, de dife­rentes maneiras e em diferentes níveis de intensidade, os obstáculos intrapsíquicos que impedem o desenvolvimento adequado da leitura da história intrapsíquica, da formação das matrizes dos pensamentos essen­ciais e da reorganização do caos da energia psíquica, expressa pela constru­ção dos pensamentos, da consciência existencial e da energia emocional.
Os postulados biológicos que envolvem a culpabilidade dos neuro­transmissores cerebrais na gênese das doenças psíquicas, que nas depres­sões está relacionada à desorganização metabólica da serotonina (hipótese serotoninérgica),16 tem grandes deficiências psicodinâmicas e existenciais. Eles são restritos para explicar os complexos processos de construção dos pensamentos de conteúdo mórbido que ocorrem na pessoa deprimida, bem como para explicar o que é a energia emocional depressiva; como ela se organiza no campo da energia psíquica; como ela vive o caos e se reorgani­za a partir das frustrações, contrariedades e estresses psicossociais; quais são as causalidades histórico-existenciais e as circunstancialidades que tam­bém participam da gênese da depressão.
Os postulados biológicos são insuficientes, pois são até mesmo restritos para explicar como e por que ocorrem as flutuações do humor deprimido em determinados períodos do dia. As leis físico-químicas, por serem carac­teristicamente lineares, previsíveis, lógicas e estáveis, não têm como expli­car a flutuabilidade da dor emocional. A explicação é dada pelo fluxo vital da energia psíquica, pela construção dos pensamentos e pelas causas psicossociais. Em determinados períodos do dia, ocorre uma retração so­cial, um recolhimento introspectivo, que estimula a ação psicodinâmica dos fenômenos intrapsíquicos, que constroem cadeias de pensamentos de conteúdo negativo, que, por sua vez, intensificam o processo depressivo.

A PSIQUIATRIA E AS NEUROCIÊNCIAS PRECISAM REVER CRITICAMENTE SEUS PARADIGMAS

A Psiquiatria e as neurociências precisam se reciclar criticamente e sair da linearidade e da restritividade dos seus postulados biológicos, e incorpo­rar os conhecimentos teóricos ligados à leitura da história intrapsíquica, aos fenômenos intelectuais e aos sistemas de variáveis intrapsíquicas, às matri­zes de pensamentos essenciais históricos, à reorganização do fluxo da ener­gia psíquica, aos pensamentos dialéticos e antidialéticos, à revolução das idéias, às relações do Homo intelligens com o Homo interpres, etc.
Ainda que eu creia que esses conhecimentos teóricos tenham funda­mento científico, não é possível, em hipótese alguma, descartar o postulado dos neurotransmissores, pois é provável que a desorganização dos neuro-transmissores nas sinapses nervosas, ocorrida em determinados sítios cere­brais, possam criar microcampos de energia (com comprimentos de ondas específicos) que transmutam energia físico-química no campo de energia psíquica, interferindo no processo de leitura da história intrapsíquica.
Neste caso, o postulado biológico representará algumas das muitas va­riáveis que atuam na construção de pensamentos e nas demais construções psicodinâmicas ocorridas na mente humana. Na condição de variável intraorgânica, a "desorganização metabólica dos neurotransmissores nas sinapses nervosas" atuará no campo de energia psíquica e, conseqüente­mente, na qualidade da leitura da história intrapsíquica, nas matrizes dos pensamentos e, em última análise, na qualidade da revolução da constru­ção das idéias.
Os postulados biológicos não são um fim em si, não fecham o ciclo vital que organiza, desorganiza e reorganiza os processos de construção dos pen­samentos, da consciência existencial e da transformação da energia emo­cional, mas são apenas alguns tijolos da complexa arquitetura psicodinâmica da mente. As neurociências precisam se questionar e se expandir.
Não é possível explicar uma complexa construção, com inúmeros am­bientes, com uma sofisticada estrutura de concreto e ferro, com uma rica rede hidráulica e elétrica e com uma arquitetura sofisticada, apenas através de alguns tijolos, pois essa atitude fere a democracia das idéias e propaga o autoritarismo das idéias e a ditadura do discurso teórico. Do mesmo modo, não é possível explicar os complexos processos de construção dos pensa­mentos, da consciência existencial, da história intrapsíquica e do processo de transformação da energia emocional, como pretendem as neurociências, apenas através dos postulados biológicos ligados aos neurotransmissores cerebrais.
Os postulados biológicos que enfocam a culpabilidade dos neurotrans­missores cerebrais, bem como de outras cadeias de reações bioquímicas cerebrais ou neuroendócrinas, representam apenas o grupo de variáveis intraorgânicas que influenciam a construção da inteligência. Porém, temos que compreender a psique humana numa perspectiva psicossocial e filosó­fica, e não apenas neurocientífica. As neurociências, se não compreende­rem o homem nessa perspectiva, adquirirão um alicerce científico insusten­tável: querer definir através de seus "tijolos" (os postulados biológicos e os fenômenos físico-químicos que pesquisam) a sofisticadíssima arquitetura psicodinâmica da psique humana, negando numerosos outros "tijolos" que fazem parte dela, expressos pelos complexos e sofisticados processos de construção dos pensamentos, que notoriamente ultrapassam os limites das leis físico-químicas.
Acredito que, através da exposição psicossocial e filosófica do autori­tarismo das idéias e da ditadura dos discursos teóricos, bem como dos procedimentos multifocais de pesquisa que utilizei, descobri que a previsibilidade, linearidade e lógica das leis físico-químicas do metabolis­mo cerebral não explicam o funcionamento da mente, os processos de organização, desorganização e reorganização da revolução das idéias e da "usina psicodinâmica das emoções".
Ao estudar o processo de construção dos pensamentos, descobri diver­sas evidências científicas de que a psique humana não é meramente quími­ca, mas um sofisticado campo de energia psíquica que coabita, coexiste e co-interfere com o cérebro. Essa área da ciência é tão complexa e polêmica que a ciência deixou de investigá-la. Apenas os filósofos se atreveram a molhar os pés nessas águas, por isso, alguns deles abordaram genericamen­te a metafísica. Porém, a abordagem filosófica da metafísica é apenas uma especulação do mundo das idéias; portanto, é cientificamente superficial se não for acompanhada de uma investigação psicológica criteriosa do campo da energia psíquica e da construção dos pensamentos.
A omissão da ciência na investigação da natureza psíquica abriu as janelas para que o esoterismo, a superstição e o misticismo saturassem a sociedade e envolvessem a própria ciência.
Durante anos pesquisei na perspectiva de que o cérebro e a psique fossem uniessenciais, ou seja, fossem a mesma coisa; de que a construção dos pensamentos fosse exclusivamente produzida pelo sofisticado metabo­lismo cerebral. Porém, descobri que a previsibilidade, a linearidade e a lógica das leis físico-químicas do cérebro não explicam um conjunto de processos e fenômenos que participam da construção das cadeias de pensa­mentos e da transformação da energia psíquica.
Confesso que durante muitos anos fiquei perturbado com esse tema, pois, além de ser extremamente complexo, ele é também crucial na ciên­cia. A tese dos limites e das relações entre a psique e o cérebro é, sem dúvida, a tese das teses na ciência, pois se refere à essência intrínseca do homem pensante, à essência intrínseca da inteligência humana e à essência intrínseca da própria ciência. Produzi sobre esse assunto diversos textos, que provavelmente um dia serão publicados.


Capítulo 16

As Possibilidades Infinitas da Construção dos Pensamentos: A Ciência Emergindo do Caos


A INCRÍVEL LIBERDADE CRIATIVA E A PLASTICIDADE DA CONSTRUÇÃO MULTIFOCAL DOS PENSAMENTOS

Os fenômenos que fazem a leitura das RPSs, contidas na história intrapsíquica, manipulam-nas psicodinamicamente para produzir as cadeias psicodinâmicas das matrizes dos pensamentos essen­ciais históricos. Como vimos, essas cadeias psicodinâmicas inconscientes sofrem, em fração de segundo, um processo de leitura virtual que produzi­rá a "psicolingüística consciente" dos pensamentos dialéticos e a "antipsico-lingüística consciente" dos pensamentos antidialéticos.
Tanto a psicolingüística dos pensamentos dialéticos como a antipsicolingüística dos pensamentos antidialéticos financiam a consciência exis­tencial. Ambas são usadas para o desenvolvimento de toda a racionalidade, de toda a produção intelectual, de toda a produção científica, de toda a produção de artes e de toda a comunicação humana. Os pensamentos antidialéticos são como quadros de pintura da mente, expressando a cons­ciência das angústias, da insegurança, do humor deprimido, do prazer, etc. A consciência antidialética é sempre insuficiente para expressar as dimen­sões essenciais das emoções, e a consciência dialética é sempre insuficiente para expressar a consciência antidialética.
Quando os pensamentos dialéticos tentam definir e conceituar logi­camente a consciência antidialética das emoções, ele reduz a complexida­de da consciência antidialética e, conseqüentemente, a complexidade das emoções. Por isso, um "quadro antidialético" é mais completo e complexo do que "mil palavras dialéticas". Assim, à medida que se caminha da cons­ciência antidialética para a lógica e a racionalidade dialética, ocorre, em todas as áreas do conhecimento, um reducionismo das dimensões essenciais dos fenômenos, embora seja através desse processo que se produza a ciên­cia e a tecnicidade. Para se contrapor a esse reducionismo, se faz necessário a expansão quantitativa e qualitativa da racionalidade dialética, do conhe­cimento cientifico.
Os pensamentos antidialéticos e dialéticos, apesar de reduzirem as di­mensões dos fenômenos que conscientizam, conquistam, na esfera da virtualidade, uma plasticidade construtiva e uma liberdade criativa indescritivelmente sofisticada.
Devido à extrema liberdade criativa e plasticidade construtiva dos pen­samentos dialéticos e antidialéticos, produzidos pelos fenômenos que lêem a história intrapsíquica, principalmente pelo eu, fiquei durante mais de dez anos perturbado com uma grande dúvida teórica, que passo a apresentar. Num instante, podemos nos transportar virtualmente para Nova York e nos imaginar no Central Park. Em segundos ou fração de segundo depois, po­demos nos transportar para São Paulo e nos imaginar na Avenida Paulista. Momentos depois, podemos resgatar uma experiência ocorrida em nossa infância e, em seguida, podemos antecipar situações passíveis de ocorre­rem na nossa velhice. Como é possível produzir esse espetáculo intelectual?
Como podemos construir novas cadeias psicodinâmicas com tanta li­berdade criativa e plasticidade construtiva? Durante muitos anos, eu tinha uma grande dúvida teórica, que ainda não foi completamente resolvida. Indagava se o "eu" tinha essa liberdade e essa plasticidade para construir as cadeias psicodinâmicas dos pensamentos conscientes apenas pela leitura virtual das matrizes dos códigos dos pensamentos essenciais, produzidos pela leitura da história intrapsíquica e pela manipulação psicodinâmica das RPSs, ou se conquistava também, na esfera da virtualidade, essa liberdade e essa plasticidade, sem a necessidade de substrato essencial, ou seja, sem necessidade das cadeias psicodinâmicas de pensamentos essenciais subja­centes.
Sei que é difícil entender a própria formulação da minha dúvida, quan­to mais a sua solução; mas esse assunto é de fundamental importância, pois constitui os elementos íntimos do espetáculo intelectual que nos torna seres pensantes.
Quanto eu mais procurava pesquisar detalhadamente os processos de construção dos pensamentos, debaixo de uma revisão contínua do proces­so de observação e interpretação, mais intrigado eu ficava para saber se o eu precisava ler continuamente a memória e manipular psicodinamicamente as RPSs, e construir as cadeias de pensamentos essenciais, para depois cons­truir as cadeias psicodinâmicas dos pensamentos dialéticos e antidialéticos. Eu me perguntava continuamente se, depois de organizado o eu, ou seja, o eu como consciência da identidade, ele conquistava uma liberdade criativa e uma plasticidade construtiva na esfera da virtualidade que ultrapassa os limites da leitura das matrizes dos pensamentos essenciais.
No mundo físico, não posso utilizar os materiais e fazer o que eu quero e quando quero; porém, no mundo das idéias, eu tenho liberdade e plasticidade para construir o que quero e quando quero. Posso construir um edifício em segundos no mundo das idéias. Posso imaginar o passado, embora ele seja irretornável, e imaginar o futuro, embora ele seja inexistente. Por que as construções no mundo físico contrastam com as construções no mundo das idéias? Quais fenômenos sustentam a liberdade e a plasticidade do campo de energia psíquica?
Através da versatilidade construtiva dos pensamentos dialéticos e antidialéticos, que tanto promove a lógica científica como ultrapassa os limites dessa lógica, compreendi que o eu, por um lado, se ancora na histó­ria intrapsíquica através do fenômeno da "âncora da memória", por outro, conquista uma liberdade criativa e uma plasticidade construtiva tão impres­sionante, na esfera da virtualidade, que permitem que ela construa as ca­deias dialéticas e antidialéticas dos pensamentos sem substrato essencial, desprendido das matrizes essenciais. O mundo das idéias talvez seja construído também por um delírio virtual do eu.
O eu, por um lado, é produzido a partir da leitura virtual das matrizes de pensamentos essenciais extraídas da memória; por outro lado, após se alicerçar na memória, constrói na esfera da virtualidade cadeias de pensa­mentos dialéticos e antidialéticos com indescritível liberdade criativa e plasticidade construtiva.
Embora no mundo real, material, essencial, haja imensas limitações no processo de construção dos elementos, tais como na construção de um edifício, de uma avenida, de um veículo, de um embrião, no mundo da consciência existencial ou da consciência dialética e antidialética tudo é possível.
O psicoterapeuta pode interpretar um paciente, embora jamais penetre na essência intrínseca da sua angústia existencial, de seu humor depressivo, de sua história existencial. Os astrônomos podem discursar sobre os astros e sobre as forças intrínsecas e extrínsecas que os envolvem, embora jamais os toquem essencialmente. Os cientistas podem investigar os fenômenos físicos e produzir conhecimentos científicos sobre eles, sendo que toda pro­dução de conhecimento é um sistema de intenções que discursa dialeticamente sobre os fenômenos, mas jamais incorpora sua realidade essencial. Podemos produzir relações humanas e dialogar uns com os outros em nossa trajetória existencial, embora exista uma distância infinita entre a consciên­cia virtual do "outro" e a realidade essencial do mesmo. As pessoas psicóticas podem produzir delírios e alucinações e sofrer intensamente com idéias desconexas. Os poetas podem expressar suas emoções num coquetel de idéias, os romancistas podem construir e lapidar personagens imaginários, os pintores podem se inspirar num mundo sem cor, mas extremamente livre, plástico e criativo. O mundo das idéias é indescritível.
Na esfera da virtualidade dialética e antidialética da consciência exis­tencial há uma liberdade criativa e plasticidade construtiva sem limites, onde tudo é possível construir, ainda que a grande maioria das cadeias psicodinâmicas virtuais não tenham como se materializar ou se transformar em realidade, ainda que grande parte delas sejam construídas sem conside­rar os parâmetros da realidade, sem nenhuma reciclagem crítica. Os ho­mens constroem até deuses na sua mente, e muitos deles até mesmo se imaginaram deuses na história.
Os fenômenos que fazem a leitura multifocal da história e constroem os pensamentos dialéticos e antidialéticos conquistam uma liberdade e plasticidade que ultrapassam os limites dos alicerces históricos. Por isso, sempre que recordamos o passado, o reconstruímos com micro ou macrodiferenças. Creio que as cadeias psicodinâmicas das matrizes dos pensamentos essenciais que geram os pensamentos conscientes não são produzidas apenas pela simples leitura das RPSs contidas na memória, mas também pela manipulação psicodinâmica dessas RPSs. As mesmas infor­mações, uma vez lidas e manipuladas em dois tempos distintos, podem gerar construções diferentes de pensamentos. Tudo vai depender das va­riáveis presentes: focos de tensão, ambiente social, grau de concentração.
O fenômeno do autofluxo é responsável diariamente pela produção de milhares de cadeias psicodinâmicas de pensamentos dialéticos e antidialé­ticos; entre elas se encontram as pertinentes aos sonhos. Nos sonhos, a leitura da memória gera as matrizes dos pensamentos essenciais, que sofre um desprendimento virtual e, conseqüentemente, produz os pensamentos dialéticos e antidialéticos. Os personagens, as situações e os fatos ocorridos nos sonhos são plásticos e criativos, devido a esse complexo funcionamen­to da mente.
A construção da inteligência, expressa pela construção dos pensamen­tos, é tão sofisticada que o discurso teórico é insuficiente para expressá-la, ainda que usado com brilhantismo literário.

A CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA MULTIFOCAL E A CIÊNCIA EMERGEM DO BRILHANTE CAOS

O fluxo vital de alguns fenômenos que constroem a inteligência já estão presentes na vida intra-uterina, pelo menos a partir do final do primeiro trimestre do desenvolvimento embrionário, período em que o caos físico-químico do metabolismo está mais organizado e, conseqüentemente, o cé­rebro está mais desenvolvido. Nesse período, o feto começa a explorar o ambiente intra-uterino, a realizar malabarismos, a fazer sucção dos dedos, deglutir o líquido amniótico.
A criança é concebida como uma complexa memória instintiva de ori­gem genética, que chamo de memória instintivo-genética. Nela ele tem mecanismos para reagir em determinadas situações e preservar a vida. A sucção do seio e o choro quando a criança está com fome são exemplos de reações provenientes dessa memória. O grande desafio é formar a memó­ria existencial, a história intrapsíquica, que dará suporte para que ele não apenas sobreviva, mas se torne um ser pensante.
A partir do final do primeiro trimestre do desenvolvimento do em­brião, provavelmente a memória instintivo-genética começa a incorporar a complexa memória histórico-existencial, ou seja, as RPSs. Os processos de construção da inteligência fetal são complexos, embora ainda não haja a produção de pensamentos dialéticos e, conseqüentemente, a organização do eu. Talvez, devido à não-mimetização visual e sonora, haja uma produ­ção reduzida de pensamentos antidialéticos na vida intra-uterina. Se hou­ver tal produção, ela é totalmente insuficiente para organizar o eu.
O gerenciamento da construção dos pensamentos é algo muito sofisti­cado, embora o exerçamos com determinada facilidade, ainda que sem qualidade. O eu, quando imaturo, gravita em torno da construção de pen­samentos produzidos por outros fenômenos intrapsíquicos. Como vimos, a maioria das pessoas não exerce um gerenciamento maduro dessa constru­ção. Para realizar esse tipo de gerenciamento, é necessário mais do que a existência do eu, é necessária uma expansão qualitativa da "consciência crítica do eu", expressa pela capacidade de se interiorizar e de se repensar. A qualidade da consciência crítica do eu é uma das características mais importantes no desenvolvimento da inteligência. Mas, como ela se desen­volve?
Durante muitos anos, tenho-me perguntado o que é o eu, como a sua consciência se desenvolve, quais são seus limites e qual é o seu alcance. O desenvolvimento do eu ocorrerá com a expansão qualitativa e quantitativa da história intrapsíquica e, conseqüentemente, com a expansão qualitativa e quantitativa da leitura da mesma e, também, com a expansão qualitativa e quantitativa das matrizes dos códigos dos pensamentos essenciais, que sofrerão um processo de leitura virtual multifocal que, por sua vez, produ­zirá os pensamentos dialéticos e antidialéticos. Com o passar dos anos, ocorrerá um enriquecimento da produção desses pensamentos que, pouco a pouco, organizará o eu e financiará os caminhos psicodinâmicos e psicossociais que propiciarão condições para que ele possa gerenciar a in­teligência.
Muitas crianças, aos três e quatro anos de idade, não só têm uma rea­ção emocional diante das frustrações, como também adquirem certa cons­ciência sofisticada de algumas perdas, tais como a perda dos pais, de algu­mas diferenças básicas entre elas e o mundo, de alguns limites entre o ter e o ser. Pouco a pouco, através do "ensinamento psicodinâmico" silencioso dos mordomos da mente, elas aprendem não apenas a ler a memória, mas a desenvolver uma consciência dessa leitura e produzir uma construção de pensamentos com relações tempo-espaciais mais sofisticadas.
A medida que o fluxo de construção de pensamentos dialéticos e anti-dialéticos se intensifica, o eu vai-se organizando e tendo consciência do mundo intrapsíquico, do mundo extrapsíquico e da sua história intrapsíquica. Assim, aos poucos, o eu não só toma consciência de que pensa, mas, tam­bém, de que pode atuar na construção de pensamentos e tornar-se um agente modificador de sua história intrapsíquica e psicossocial. Porém, como abordei, o gerenciamento dos pensamentos nunca é exercido plenamente pelo eu. A maioria dos seres humanos é marionete das circunstâncias psicossociais (contrariedades, perdas, frustrações, sofrimentos, estímulos estressantes etc.) e da operacionalidade dos fenômenos que lêem a história intrapsíquica e produzem o mundo dos pensamentos.
A construção inicial da inteligência multifocal, decorrente das expe­riências psíquicas fetais, é produzida por pelo menos quatro grandes fontes.
Em primeiro lugar, a partir das matrizes dos pensamentos essenciais, que são geradas pelo processo de interpretação fetal diante dos estímulos intra-uterinos, expressos pelas experiências de deglutição do líquido amniótico, da pressão do líquido amniótico quando o útero se contrai, das experiências de liberdade motora, advindas dos malabarismos fetais (prin­cipalmente quando o feto tem apenas algumas centenas de gramas), da restrição da liberdade fetal quando ele já adquire mais de dois quilogramas e vai-se encaixando no colo do útero para nascer. As matrizes dos pensa­mentos essenciais atuam reorganizando os microcampos de energia emo­cional e motivacional fetal, expandindo as possibilidades de produção de experiências emocionais e motivacionais através do pool de estímulos intra-uterinos interpretados.
Em segundo lugar, a partir da iniciação da leitura da memória históri­co-existencial pelos fenômenos inconscientes da psique: fenômeno da autochecagem da memória, âncora da memória e fenômeno do autofiuxo. Toda vez que a memória histórico-existencial sofre um processo de leitura, são produzidas matrizes de pensamentos essenciais que atuam psicodinami-camente no campo de energia emocional e motivacional, produzindo emo­ções e desejos. Assim, as matrizes de pensamentos essenciais, as emoções, os desejos, tornam-se experiências psíquicas que são retroativamente arqui­vadas de modo automático pelo fenômeno RAM na memória histórico-existencial, enriquecendo a história intrapsíquica.
A memória genético-instintiva, que se relaciona à quarta fonte de estí­mulos fetais, sofre também um processo de leitura por parte dos fenôme­nos inconscientes da mente. Esse processo de leitura produz as matrizes de pensamentos essenciais que geram as reações instintivas que preservam a vida. Porém, a memória genético-instintiva não só tem a função de perpetu­ar a vida, mas também de enriquecer a memória histórico-existencial, pois cada reação instintiva produzida é arquivada na mesma como RPS, expan­dindo, assim, a história intrapsíquica.
Em terceiro lugar, a partir das substâncias neuroendócrinas do metabo­lismo da gestante e que passam pela barreira da placenta. Essas substâncias são produzidas, principalmente, em situações de tensão emocional e stress psicossocial. Essas substâncias neuroendócrinas provocam não apenas sin­tomas psicossomáticos na gestante, mas também no feto. Assim, creio que pode ser possível que o feto tenha taquicardia, contrações musculares, an­siedades etc, decorrentes de algumas substâncias neuroendócrinas produ­zidas pela gestante e que influenciam na qualidade da leitura da memória genético-instintiva e histórico-existencial e, conseqüentemente, nas matri­zes dos pensamentos fetais e, também, no processo de formação da perso­nalidade que se inicia na vida intra-uterina.
A qualidade e a quantidade das RPSs contidas na memória histórico-existencial, e que foram produzidas na vida intra-uterina, afetarão em dife­rentes níveis todo o processo de interpretação da criança na vida extra-uterina, influenciando o processo de formação da personalidade. Os níveis de timidez, de ansiedade diante das situações estressantes, de intolerância diante das frustrações, de excitabilidade diante de novas situações, de esta­bilidade emocional, de insegurança etc, não se iniciam a partir da expul­são do feto do útero materno, mas na vida intra-uterina.
Em quarto lugar, a partir da leitura da memória genético-instintiva e das substâncias neuroendócrinas fetais, produzidas pela carga genética, que transmutam microcampos de energia físico-química no campo de energia psíquica. Algumas substâncias neuroendócrinas geram, em determinadas regiões do cérebro (como, por exemplo, no sistema límbico), microcampos de energia físico-química de natureza "psicotrópica", que se transmutam no campo de energia psíquica, influenciando em diversos níveis o processo de leitura da memória genético-instíntiva e histórico-existencial e os processos de construção da inteligência do feto.
A memória genético-instintiva contribui, tanto na vida intra-uterina como na vida extra-uterina, para a expansão da memória histórico-existencial, ou seja, para a evolução da história intrapsiquica. Todas as experiências psí­quicas produzidas na mente do feto são registradas automaticamente pelo fenômeno RAM (registro automático da memória) na memória histórico-existencial e, assim, expandindo o processo de formação da história intrapsiquica e o fluxo vital da construção de pensamentos: organização, desorganização e reorganização.
Na vida extra-uterina, o fluxo vital da energia psíquica se perpetua atra­vés da leitura da história intrapsiquica pelos fenômenos da mente, inclusive pela atuação do eu, que gerará a produção contínua e inevitável das matri­zes dos pensamentos essenciais, a produção contínua e inevitável de pensa­mentos dialéticos e antidialéticos, a produção contínua e inevitável da cons­ciência existencial, a transformação contínua e inevitável da energia emo­cional e motivacional e a expansão contínua e inevitável da história intrapsiquica. Produzir pensamentos, emoções, ter consciência existencial, ter uma história intrapsiquica e possuir uma personalidade não são deter­minações da vontade consciente do Homo sapiens, mas decorrentes de pro­cessos contínuos e inevitáveis que ocorrem nos bastidores da mente de cada ser humano. Os processos de construção da inteligência se iniciam desde a aurora da vida fetal e se perpetuam por toda a trajetória da existên­cia humana.
A psique não permite ao homem determinar se quer ou não ter uma história intrapsiquica arquivada na memória. A história intrapsiquica é, pouco a pouco, arquivada e produzida inevitavelmente pelo fenômeno RAM ao longo de todo o processo existencial. O homem pode desconhecer a histó­ria da sua sociedade, pode até negar a história dos seus antepassados, mas não pode negar a sua história intrapsiquica. Toda produção intelectual possui um sistema de relação com a história intrapsiquica.
Todas as idéias, pensamentos, análises, reações fóbicas, prazeres, an­gústias existenciais, desejos, impulsos, enfim, todas as construções psicodinâmicas são geradas a partir da leitura da história intrapsiquica. Além dis­so, essas construções psicodinâmicas realizam um "rebote histórico", que por sua vez expande a história intrapsiquica, pois são registradas automati­camente na memória pelo fenômeno RAM, antes que experienciem o caos. Assim, a conquista da história intrapsiquica não é uma opção intelectual, mas uma inevitabilidade existencial. Nenhum ser humano consegue cons­truir cadeias psicodinâmicas de pensamentos sem passar pela sua memória. É possível reorganizar a história intrapsiquica, mas não é possível evitá-la nem destruí-la, a não ser através de um problema neurológico.
Sem a história intrapsiquica, não seria possível produzir as matrizes de pensamentos essenciais e, conseqüentemente, não seria possível produzir a reorganização do caos da energia psíquica, o impulso inicial dos processos de construção dos pensamentos e da consciência existencial. Sem a história intrapsiquica, o homem não seria um ser pensante, não construiria o mun­do das idéias, não teria consciência existencial; seria um passante incons­ciente na sua temporalidade existencial, pois não existiria conscientemente para si mesmo.
Os fetos "pensam" muito, mas "pensam" matrizes de pensamentos essen­ciais, que são inconscientes. Na vida extra-uterina, as crianças, auxiliadas pela orientação psicodinâmica dos "mordomos" da mente, ou seja, pelo fenômeno da autochecagem da memória, da âncora da memória e pelo fenômeno do autofluxo, produzem uma leitura da história intrapsiquica que geram cadeias psicodinâmicas das matrizes de pensamentos essenciais tão sofisticadas, que funcionarão como pista de decolagem virtual (leitura virtual) para a produção de pensamentos dialéticos e antidialéticos. Assim se processa o grande espetáculo da consciência existencial, o local onde nasce e se desenvolve o eu.
A ciência, em todas as suas dimensões, emerge do caos da mente hu­mana. Alguns poderiam achar um absurdo, e argumentariam que o nascedouro da ciência emerge não do caos, mas de décadas de educação escolar e de incorporação do conhecimento. Porém, essa observação se refere a etapas posteriores do desenvolvimento da mente. As sucessivas gerações de cientistas que produziram, acumularam e organizaram o co­nhecimento não iniciaram sua produção de conhecimento na plenitude da maturidade da consciência intelectual, mas nos rudimentos da formação da história intrapsiquica, no magnífico caos intelectual ocorrido na aurora da vida fetal, dentro do útero materno.
A assimilação e produção da ciência inicia-se no fluxo vital dos proces­sos de construção dos pensamentos: organização, desorganização caótica e reorganização. Esse fluxo de construção inicia-se na vida fetal, através da leitura contínua e inevitável da memória pelos três fenômenos inconscien­tes da mente. Se abolíssemos a operacionalidade dos fenômenos que atuam nos bastidores da psique e que constroem cadeias de pensamentos essen­ciais inconscientes, presente desde a vida fetal, o homem não chegaria a desenvolver a construção de pensamentos conscientes e, conseqüentemen­te, a construção do eu. Nesse caso, ele não teria uma identidade psicossocial nem a consciência própria.
Os três fenômenos inconscientes que lêem a história intrapsíquica, reor­ganizam a energia psíquica, promovem os processos de construção da psi­que humana e promovem a revolução das idéias e as transformações da energia emocional, funcionam como três importantíssimos "mordomos" do eu, encarregados de organizá-lo, educá-lo e orientá-lo psicodinamicamente e psicossocialmente.
Capítulo 17

Algumas Aplicações da Teoria da Inteligência Multifocal


Estamos estudando diversas teorias inter-relacionadas: a teoria da in­teligência multifocal; a teoria do caos da energia psíquica e do caos intelectual; a teoria da interpretação; a teoria da formação da perso­nalidade; a teoria da evolução psicossocial da consciência humana; a teoria do gerenciamento do eu; a teoria da natureza, limites e alcance dos pensa­mentos; a teoria da práxis ou materialização dos pensamentos; a teoria lógica do conhecimento e da relação entre a verdade científica e a verdade essencial etc. Farei uma síntese das aplicações do enigmático e importante mundo das idéias.

A CIÊNCIA E AS SOCIEDADES PRECISAM DE PENSADORES HUMANISTAS

A produção de cadeias de pensamentos, o registro dessas cadeias, a leitura e a utilização desse registro na construção de novas cadeias de pen­samentos resultam na promoção do fluxo contínuo de idéias e na formação da inteligência. Através da inteligência, o homem sai da condição de ani­mal não-pensante para ser um misterioso ser que pensa e tem consciência disso. É possível extrair dos processos que constroem a inteligência múlti­plas conseqüências psicológicas, filosóficas, sociológicas, educacionais etc.
Conhecer e expandir o mundo das idéias sobre o universo intrapsíquico é viver uma poesia intelectual. Quando compreendemos onde nasce a inte­ligência, expandimos o mundo das idéias. É um fato que o mundo das idéias se expande quando estudamos com crítica, desafio e aventura as ciências naturais (a Física, a Matemática, a Biologia etc); porém, ele se expande muito mais e forma pensadores quando nos interiorizamos e estudamos as origens do próprio mundo das idéias, a construção da própria inteligência.
Os princípios psicossociais e filosóficos que estimulam a inteligência multifocal são: a arte da pergunta, a arte da dúvida, a arte da crítica, a arte da observação, a análise das variáveis, a democracia das idéias, a identida­de psicossocial dos pensadores, o deleite e o desafio do conhecimento, a compreensão básica da natureza, os limites e o alcance do conhecimento. Sem esses princípios, a transmissão do conhecimento pode reduzir o pro­cesso de interiorização e a expansão da construção das idéias e a formação dos homens que brilham na arte de pensar.
Cada cientista possui uma identidade, um "rosto intelectual", uma his­tória existencial. Muitos deles, no processo de produção de conhecimento, gastaram os melhores anos de suas vidas e, nesse período, foram tomados pela insegurança, pela ansiedade, por desafios, frustrações e sucesso. Não foram poucos os que tiveram de romper os paradigmas intelectuais da época e, por isso, foram incompreendidos, rejeitados, discriminados. Como pensadores, eles possuem uma história rica, que é tão importante quanto o conhecimento que produziram. Sua história é capaz de estimular o prazer e a expansão do mundo das idéias. Porém, infelizmente, o conhecimento que produziram é transmitido friamente nas salas de aulas, ou seja, é trans­mitido sem o mínimo de história, de identidade, de "rosto" e, principal­mente, de exposição do processo de produção do conhecimento.
O conhecimento na educação unifocal é transmitido de modo acaba­do, pronto e sem aventuras, como se tivesse sido produzido por um mila­gre da mente. A melhor maneira de estancar o debate de idéias e matar a criatividade intelectual é transmitir o conhecimento de maneira "fria", pronta e acabada, como se fosse uma verdade sem história, uma verdade inquestionável. Qualquer área das ciências tem identidade e "rosto intelec­tual", mesmo na literatura encontramos a história rica dos poetas, dos escri­tores.
A transmissão de conhecimento realizada sem "rosto intelectual", sem debate, sem crítica, sem desafio nem teatralização da história do processo de produção do conhecimento não estimula o desenvolvimento da inteli­gência, não catalisa a formação de pensadores, pelo menos de maneira coletiva.
Comentei que o conhecimento impresso nos livros está morto essencial­mente; por isso ele precisa ser reconstruído pelo processo de interpretação do leitor. Os professores exercem uma das funções mais nobres e impor­tantes da inteligência humana. Porém, na educação tradicional, a transmis­são da informação é tão "a-histórica" e despersonalizada que o conheci­mento, que está morto nos livros, é muitas vezes "enterrado" inconscientemente pelos professores, que fazem das aulas um velório intelectual que é assistido por uma platéia de espectadores passivos. A sala de aula, desde os primeiros anos da educação, deveria funcionar como um ambiente onde se processa um debate vivo das idéias, um ambiente que abriga a democracia das idéias, que estimula a arte de pensar, o questionamento, o respeito pelo pensamento do outro, a troca de informações.
Todos sabemos que uma nação precisa de educação para se desenvol­ver. A grandeza de uma nação não é medida pela dimensão do seu territó­rio geográfico, mas pela dimensão da sua educação. Porém, para que uma nação possa se desenvolver qualitativamente não apenas no aspecto econô­mico, mas também na esfera sociopolítica e nos princípios que derivam da democracia das idéias e do humanismo, ela precisa mais do que uma edu­cação que forma retransmissores (repetidores) do conhecimento, mas de uma educação que forma pensadores, engenheiros de idéias, poetas exis­tenciais.
Educar é muito mais do que transmitir o conhecimento; é duvidar do conhecimento, é questionar seu processo de produção. Educar é transmitir o conhecimento estimulando os princípios psicossociais e filosóficos que inspiram a formação de pensadores; é levar os alunos a serem caminhantes nas trajetórias do próprio ser. Educar não é dar títulos acadêmicos e nem convencer os alunos do tanto que eles sabem, mas convencê-los do tanto que eles não sabem, da inesgotabilidade da ciência, dos limites e alcance dos pensamentos. Educar é uma aventura, uma arte, uma poesia; é expan­dir o mundo das idéias dos alunos e transformá-los em eternos aprendizes.
É provável que mais de noventa por cento do conhecimento que estu­damos jamais seja lembrado ou utilizado em nossa história socioprofissional. Por isso, na educação, precisamos um pouco menos da quantidade de infor­mações e muito mais da qualidade de informações, principalmente das in­formações que levam os alunos a compreender o processo de produção do conhecimento e dos princípios psicossociais e filosóficos que inspiram a arte de pensar. Estudamos que a memória humana, a leitura da história intrapsíquica e a construção dos pensamentos são sofisticadíssimas. Porém, apesar de sofisticadas, elas têm limites. Os pensamentos que mais são registrados na memória, resgatados e utilizados em novas cadeias de pensa­mentos, não são as cadeias "secas" e isoladas de pensamentos, mas aquelas que estão envolvidas no processo de produção dos próprios pensamentos, nas situações históricas. Por exemplo, quantos pensamentos produzimos na semana passada? Talvez dezenas de milhares. De quantos deles nós conse­guimos nos lembrar com exatidão? Talvez, de nenhum! Porém, apesar de não conseguirmos nos lembrar das cadeias exatas de pensamentos que pro­duzimos, nós conseguimos resgatar e reconstruir a história e os processos em que muitos deles foram construídos, ou seja, as pessoas com as quais falamos, o assunto genérico que discutimos, os ambientes em que estive­mos. Por isso, embora não nos lembremos das cadeias exatas de pensamen­tos que produzimos na semana anterior, podemos produzir muitos pensa­mentos a partir dos processos psicossociais em que nos envolvemos.
Na educação escolar, do mesmo modo, a maior parte do conhecimento que resgatamos, construímos e utilizamos em nossa história socioprofissio­nal não advém das recordações das cadeias exatas das informações, à ex­ceção das regras, das fórmulas e das leis científicas, que nossos professores nos transmitiram, mas dos processos intelectuais e das situações antidialéticas que formamos em nossa mente a partir das informações recebidas. Por isso, a transmissão do conhecimento não deve ser seca, a-histórica, despersonalizada, mas acompanhada dos processos de produção do conhecimento. Esses processos incluem, não apenas os recursos didáticos que estimulam os alunos a formar na sua mente um quadro construtivista do conhecimen­to, mas principalmente o processo de produção de conhecimento dos pen­sadores, a filosofia da história da ciência, a arte da dúvida, a arte da crítica, o debate das idéias, os limites e alcances do conhecimento, as possibilida­des do conhecimento, etc. Assim, a educação se torna interiorizante e estimuladora da inteligência.
A transmissão unifocal, exteriorizante e "a-histórico-crítico-existencial" do conhecimento forma meros retransmissores do conhecimento e não pensadores. Esse tipo de educação gera nos alunos uma doença psicossocial que chamo de "mal do logos estéril". O "mal do logos estéril" é uma doença intelectual epidêmica que acomete não apenas os alunos das escolas secun­dárias, mas também os universitários, os pós-graduandos, os professores e até não poucos cientistas. Posteriormente, farei uma síntese dele.
Nas sociedades modernas, o prazer de pensar criticamente, de se interio­rizar, de analisar o conhecimento, de discutir criticamente os paradigmas e os estereótipos socioculturais, de se colocar no lugar do "outro" e perceber suas dores e necessidades psicossociais, de se doar sem a contrapartida do retorno, de lutar por uma causa humanística e sociopolítica, está agonizante.
Multiplicaram-se as informações, multiplicaram-se as universidades, mas reduziu-se, proporcionalmente, a formação de pensadores. As universida­des precisam sair do seu claustro e assumir na plenitude sua nobilíssima e eclética função intelecto-social de ser catalisadora, provocadora e instigadora do debate das idéias e da consciência sociopolítica. Caso contrário, elas gerarão apenas algumas estrelas do pensamento e não desenvolverão cole­tivamente o potencial intelectual dos seus alunos, prevenindo-os contra o "mal do logos estéril".

UMA SÍNTESE DAS APLICAÇÕES DA INTELIGÊNCIA MULTIFOCAL

A união da Psicologia e da Filosofia no mesmo corpo teórico me abriu os horizontes do conhecimento sobre a psique humana. Por isso, escrevi diversos textos sobre as conseqüências (implicações e aplicações) psicossociais derivadas da produção de conhecimento sobre os processos de cons­trução dos pensamentos. Essas conseqüências não ocorrem apenas na Psi­cologia e na Filosofia, mas também na Sociologia, no Direito, na Educação, na Sociopolítica.
Os textos relativos a essas conseqüências são extensos e, talvez, sejam reorganizados em outras publicações. Aqui, farei apenas uma síntese deles, lembrando que alguns já foram comentados sucintamente ao longo deste livro. O objetivo principal dessa síntese é o exercício da cidadania da ciên­cia, ou seja, procurar humanizar a teoria, torná-la acessível e aplicável.

1. A farmacodependência: O cárcere da emoção
Se fizermos uma varredura em nosso passado, verificaremos que temos mais facilidade de recordar as experiências mais frustrantes ou prazerosas. Elas foram registradas de maneira privilegiada, o que as disponibilizaram para serem lidas e utilizadas na construção de novas cadeias de pensamen­tos e novas emoções. Como as drogas produzem intensos efeitos na psique, estes ocupam espaços importantes nos arquivos da memória. Some-se a isso, as experiências emocionais de um usuário que não são nada serenas e tranqüilas. Por serem borbulhantes, tais experiências também se registram privilegiadamente na memória, contribuindo para produzir o cárcere da dependência.
Toda vez que o usuário fizer uso de uma nova dose da droga, sua emoção experimentará um intenso foco de tensão caracterizado por eufo­ria, angústia, medo, ansiedade, apreensão. Imagine o impacto de uma dro­ga estimulante ou alucinante no palco da emoção de um usuário. Tais experiências são registradas na memória ocupando áreas nobres que deve­riam ser ocupadas pelos sonhos, projetos, metas, relações sociais. Dá para entender, através disso, por que os dependentes químicos com o passar do tempo perdem o encanto pela vida e não sonham mais. Eles, mesmo odian­do esta masmorra, gravitam em torno do efeito psicotrópico destas ínfimas substâncias. Elas, de fato, se tornam uma "droga" na vida deles, pois são procuradas com desespero como tentativa de aliviar as dores e ansiedades da vida.
Os usuários de cocaína têm sensações paranóicas durante o efeito da droga. Sentem uma mescla de excitação com medo e idéias de perseguição. A reprodução contínua dessas experiências retroalimentam a imagem da droga no inconsciente. Assim, aos poucos, eles constroem um "mons­tros" dentro de si mesmos. Com o passar do tempo, o problema não é mais a substância química fora deles, mas a imagem monstruosa que eles cons­truíram no âmago da memória. É uma imagem distorcida e superampliada, que aprisiona o grande líder da inteligência, o eu.
A dependência é uma atração irracional, enquanto que a fobia é uma aversão irracional. Estas doenças estão em pólos emocionais opostos, mas possuem os mesmos mecanismos de formação. A dependência é produzi­da quando se superdimensiona no inconsciente o objeto da dependência, que no caso são as drogas, enquanto toda e qualquer fobia é produzida quando se superdimensiona o objeto da aversão, que no caso pode ser uma barata, um ambiente escuro, um elevador, uma doença física.
Como apagar a imagem ou estrutura inconsciente da droga que finan­cia a dependência psicológica? É impossível. Não se apaga ou se deleta a memória, apenas se reescreve. Filosoficamente falando, não é possível des­truir o passado para reconstruir o presente, mas reconstruir o presente para reescrever o passado. Quanto mais reconstruímos o presente através de novas cadeias de pensamentos, novas atitudes e novas experiências, mais o registro da memória se renovará e, conseqüentemente, mais o passado será reescrito.
É uma corrida contra o tempo. Quanto mais tempo um usuário passa sem as drogas, mais ele vai arquivando novas experiências. Em um dia saudável ele pode arquivar centenas ou milhares de novas experiências. E se o eu atuar como agente modificador da sua história, ele impulsionará este processo, romperá o cárcere da dependência, por mais grave que ele seja. Se houver a colaboração corajosa, lúcida e completa do paciente, o tratamento poderá ser coroado de êxito, ainda que haja algumas batalhas perdidas no caminho, mas se houver uma colaboração frágil e parcial esta­rá fadado ao insucesso.

2. Os transtornos depressivos, obsessivos e a síndrome do pânico
Diariamente produzimos inúmeras cadeias de pensamentos, ansieda­des, sonhos, idéias negativas, pensamentos antecipatórios, angustias, praze­res, que são arquivados automaticamente na memória pelo fenômeno RAM (registro automático da memória). Em um ano registramos milhões de ex­periências.
O registro das experiências na memória é involuntário e não depende da vontade consciente do homem. Podemos ser livres para ir para onde quisermos, mas não podemos ser livres para decidir o que queremos registrar em nossas memórias. Se vivemos experiências ruins, elas se depositarão nos porões inconscientes da memória. Se hoje tivemos uma experiência de angústia, uma de medo, de agressividade, tenhamos a certeza de que, ainda que elas tenham sido aliviadas e não estejam mais presentes no território da emoção, elas foram registradas e ocuparam espaço privilegiado em nossas memórias.
Cuidar da qualidade daquilo que é registrado na memória é mais im­portante do que cuidar de nossajs contas bancárias, de nossa higiene bucal, dos problemas mecânicos de nosso carro. No banco depositamos o dinhei­ro, na memória depositamos os tijolos que financiaram a nossa maneira de ver a vida e reagir ao mundo. A segurança, prazer de viver, criatividade, ansiedade, dependem da história arquivada na memória. Se a vida toda registramos idéias negativas, sentimentos de culpa e reações autopunitivas, não podemos esperar que um dia, como que por um encanto, possamos explodir de alegria e prazer de viver.
O que registramos todos os (lias no inconsciente da memória definem o nosso futuro. E temos que ter em mente que o passado não pode ser deletado, apagado, apenas reescrito, substituído e, portanto, reconstruído. Não é à toa que há ricos que moram em favelas e infelizes que moram em palácios.
Não dá para bloquear o registro das experiências angustiantes, mas de­pende da pessoa atuar nessas experiências, quando elas estão se encenando no palco de sua mente e, assim, repensá-la, ou seja, dar um novo significado a ela. Desse modo, tais registros poderão, pouco a pouco, construir um oásis de prazer e não um deserto existencial. Nos computadores necessita-se dar um comando para registrar, "salvar" as informações.
A medida que as experiências são registradas automaticamente na memória ocorre a formação da história de vida ou história da existência. Os beijos dos pais, as brincadeiras de crianças, os desprezos, os fracassos, as perdas, as reações fóbicas, os elogios, enfim toda e qualquer experiência do passado formam a colcha de retalhos do inconsciente.
Todas as experiências que possuímos são registradas na mesma intensi­dade? Não! Existem diversas variáveis que influenciam o registro. Como vimos, uma delas é o grau de tensão positiva ou negativa que as experiên­cias possuem.
O fenômeno RAM registra com mais intensidade as cadeias de pensa­mentos que tiverem mais ansiedade, angústia, apreensão, prazer, enfim, mais emoção. Toda vez que temos uma experiência com alto comprometi­mento emocional, tal como um elogio, uma ofensa pública, uma derrota, um fracasso, o registro será privilegiado. Por ser privilegiado, ele financiará as avenidas importantes da nossa personalidade. Por isso é muito importante que as crianças sejam alegres, ingênuas, tenham amigos, brinquem e te­nham um clima para expor seus conflitos e seus pensamentos.
Crianças têm que possuir infância, têm que registrar uma história de prazer, criatividade e interação social. Não é saudável que elas cresçam aos pés da TV, vídeo-games, da Internet, cursos de línguas, de computação. A história arquivada na memória de uma criança definirá os pilares mestres do território da emoção e do desempenho intelectual do adulto. Crianças com uma rica infância têm grandes possibilidades de desenvolver a arte da contemplação do belo. Crianças que só são cobradas, punidas, confinadas aos estudos têm grande chance de ser deprimidas ou ansiosas.
Felizmente a emoção não segue a matemática financeira. Às vezes te­mos crianças que passaram por tantas dificuldades e sofrimentos na infân­cia, mas, por alguns mecanismos interpretativos, aprenderam a filtrar os estímulos estressantes e construir uma vida emocional saudável.
Temos três situações importantes ligadas ao registro da memória: a) O registro das experiências é automático; b) Ele pode ocupar zonas importan­tes da memória, principalmente se as experiências tiverem mais tensão; c) Esse registro pode ser lido continuamente, produzindo cadeias de pensa­mentos que são novamente registradas, retroalimentando a memória e ge­rando os transtornos depressivos, obsessivos e a síndrome do pânico.
Uma pessoa portadora de síndrome do pânico também é vítima do gatilho da memória. Ela pode estar tranqüila em grande parte do seu tem­po, mas de repente, por diversos mecanismos, o gatilho é detonado, deslo­cando a âncora para determinadas regiões da memória e gerando uma reação fóbica intensa, um medo súbito de que vai morrer ou desmaiar. A síndrome do pânico é o teatro da morte. É totalmente possível resolvê-la. Os princípios da terapia multifocal poderão também ajudá-las a resgatar a liderança do eu nos focos de tensão e torná-las líderes do seu próprio mundo.
Aprender a reescrever a história e a gerenciar os pensamentos e as reações detonadas pela autochecagem do gatilho da memória é o grande desafio terapêutico na resolução do cárcere dos transtornos ansiosos e depressivos.

3. A arte da contemplação do belo
Ninguém consegue excluir de sua trajetória existencial a rotina, a mesmice de eventos e situações psicossociais estressantes. Nenhum ser hu­mano vive a vida como uma eterna primavera existencial. Até aqueles que conquistam o Nobel, ganham o Oscar, pertencem a uma corte real ou são listados pela revista Forbes vivem misérias emocionais, angústias e conflitos existenciais, pois não escapam da rotina psicossocial, do tédio e da redução da capacidade de sentir prazer ao longo da trajetória de vida.
Da meninice à velhice, há uma escala de redução quantitativa do pra­zer, embora não qualitativa, devido à atuação do fenômeno da psico-adaptação na terceira etapa inconsciente do processo de interpretação. A vida dos adultos e, principalmente, das pessoas idosas, quando é exteriorizada, mal resolvida, sem a experiência da arte da contemplação do belo, se torna angustiante, tediosa. Infelizmente, essa trajetória existen­cial ocorre freqüentemente.
Na meninice e na juventude, o prazer quantitativo normalmente é in­tenso, mais rico do que na vida adulta e na velhice. As crianças se distraem muito, até com pequenos objetos; os jovens explodem de emoção, até com pequenos eventos e pequenas brincadeiras. Porém, os adultos não têm pra­zer nesses estímulos, tanto pela adaptação psíquica a eles quanto pela sua exigência intelectual derivada da expansão da cultura e da personalidade. De um modo geral, quantitativamente o prazer vai diminuindo da menini­ce à velhice. Por isso, na vida adulta e na velhice, a redução quantitativa do prazer deve ser compensada pela expansão qualitativa do prazer, através da interiorização, das amizades profundas, das artes, dos projetos sociais, dos projetos de vida. Se com o decorrer da idade a quantidade de prazer não for compensada pela qualidade do prazer, essas fases da vida se tor­nam um tédio existencial, um poço de angústia e insatisfação.
A qualidade da atuação psicodinâmica do fenômeno da psicoadaptação pode definir a qualidade da arte da contemplação do belo. Reis podem tornar-se pobres, sem prazer existencial; pobres podem tornar-se ricos emo­cionalmente, verdadeiros poetas da existência, ainda que não sejam aman­tes das letras.
Como é possível tal contraste? A matemática da emoção não segue os princípios da matemática financeira. No universo da emoção, ter não é ser. Quem adquire a capacidade, ainda que inconscientemente, de gerenciar a atuação do fenômeno da psicoadaptação e aprimorar a arte da contempla­ção do belo diante dos pequenos estímulos da rotina existencial, diante dos pequenos detalhes e eventos da vida, expande a sua capacidade de sentir prazer. Muitos têm sucesso profissional, mas não têm sucesso em aprimorar a arte da contemplação do belo, não se tornam poetas da existência.
As pessoas que são saturadas de ansiedade, humor deprimido, stress e que vivem a paranóia da competição predatória, do individualismo e da estética do corpo encerram-se num cárcere emocional, se tornam prisionei­ras e infelizes. Por quê? Porque o fenômeno RAM vai continuamente fil­mando uma história turbulenta e angustiante.
O resultado disso? Um envelhecimento da emoção, da capacidade de sentir prazer pela vida. Em poucos anos adquirem um estoque de experiên­cias negativas e tensas que muitos velhos jamais terão em toda a sua jornada de vida. Infelizmente encontrei muitos velhos no corpo de um jovem. Eles perderam a singeleza e o encanto da vida, envelheceram no único lugar que é inadmissível envelhecer, no território da emoção. É possível envelhecer o corpo, mas a emoção nunca deveria envelhecer no cerne da alma. Há velhos num corpo de um jovem e jovens no corpo de um velho. Estes aprenderam a cultivar a sabedoria e o prazer de viver, ainda que te­nham cicatrizes em seus corpos.
A arte da contemplação do belo é raramente desenvolvida nas socieda­des modernas. A indústria do entretenimento não pode expandir essa sofis­ticada arte; ela tem de ser aprimorada nas avenidas da trajetória existen­cial, nos labirintos da inteligência.

4. A síndrome da exteriorização existencial
A síndrome da exteriorização existencial é uma doença psicossocial epidêmica nas sociedades modernas. Ela se expressa pela dificuldade crô­nica de interiorização, ou seja, de aprender a se questionar, a se repensar, de assumir as fragilidades, de trabalhar seus estímulos estressantes e suas reações emocionais; de usar os erros e as frustrações como alicerces para desenvolver a maturidade da inteligência; de se colocar como aprendiz no processo existencial; de aprender a se colocar no lugar do outro e a exercer a cidadania e o humanismo nas relações sociais.
O Homo sapiens tem uma tendência natural de desenvolver uma trajetó­ria existencial exteriorizante. Os elementos responsáveis por essa tendência são muitos, tais como: as deficiências do processo socioeducacional; a ne­cessidade contínua de superação da solidão paradoxal; o exercício contí­nuo do sistema sensorial; a intangibilidade sensorial dos fenômenos que constroem os pensamentos; as dificuldades de questionar os próprios paradigmas intelectuais, de criticar e duvidar de si mesmo; a massificação da cultura, o consumismo, etc.
É mais fácil, seguro e menos comprometedor explorar o mundo em que estamos, o mundo extrapsíquico, do que nos interiorizar e explorar o mundo que somos, circunscrito à nossa mente. A síndrome da exteriorização existencial nos transforma em passantes existenciais, homens que passam pela vida sem criar raízes mais profundas dentro de si mesmos, que são incapazes de administrar seus pensamentos e gerenciar suas emoções. O portador da síndrome da exteriorização existencial vive, como já comentei, a maior de todas as solidões, que é a solidão de abandonar a si mesmo em sua trajetória existencial.
As doenças psicossociais, tais como a discriminação racial, intelectual e outras; a supervalorização doentia de uma grande maioria por uma pequena minoria de personagens sociais; a farmacodependência, a agressividade, o individualismo social; a indiferença psicossocial em relação às dores e necessidades do "outro", etc, são cultivadas pela maior de todas as doen­ças psicossociais, que é a síndrome da exteriorização existencial. O homem que não tem consciência que a história inconsciente não pode ser apagada, mas apenas reescrita, jamais poderá ser um agente modificador dela.
A síndrome da exteriorização existencial pode ser prevenida pelos princípios psicossociais e filosóficos derivados da construção multifocal da inteligência, pois eles estimulam o processo de interiorização e de inter­venção do eu.

5. O homem respirando a discriminação. A releitura do huma­nismo e da cidadania
Quando investigamos os processos de construção dos pensamentos e da formação da consciência existencial, compreendemos que, ainda que pos­samos ter diferenças genéticas e socioculturais, a teoria da igualdade é mais do que uma ética social e um fato jurídico, mas uma inevitabilidade psicoló­gica e filosófica. Nas inúmeras particularidades da personalidade, somos diferentes, mas na operacionalidade dos fenômenos que lêem a memória e constroem os pensamentos e organizam a consciência existencial, somos iguais. Por isso, tanto valorizar o outro como discriminá-lo é uma atitude desinteligente e desumanística. Os princípios mais nobres do humanismo, como vimos, derivam desse conhecimento. Quem desenvolve o humanismo tem uma macrovisão da espécie: humana e vive uma relação poética com ela que ultrapassa os limites do bairrismo social.
A democracia das idéias também decorre dos processos de construção dos pensamentos, bem como dos sistemas de encadeamentos distorcidos que ocorrem nessa construção, do processo de interpretação, dos limites e alcances da consciência existencial, etc. A diversidade de idéias é uma inevitabilidade; por isso, a democracia das idéias se torna uma necessida­de vital em todos os níveis das relações humanas. O respeito pelas idéias do outro, ouvi-lo sem preconceitos, dando a ele o direito de questionar nossas idéias e posturas intelectuais são alguns princípios da democracia das idéias. Aprender a expor, e não a impor as idéias, aprender a ser fiel à nossa consciência, a pensar antes de reagir, a expandir a consciência críti­ca, e, além disso, conservando o direito de questionar as idéias e as postu­ras intelectuais do outro, são também alguns dos princípios da democra­cia das idéias.
Apesar de os princípios psicossociais e filosóficos do humanismo e de a democracia das idéias derivarem da complexidade e sofisticação universal dos processos de construção dos pensamentos, o homem sempre respirou discriminação ao longo de sua história e violou os direitos humanos.
A espécie humana, apesar de ser a única espécie pensante e, como conseqüência, a única que conquista a consciência existencial, produziu e vivenciou historicamente as mais diversas formas de discriminação. A dis­criminação intelectual, cultural, racial, econômica, ideológica, religiosa, social, por idade, por sexo, por nacionalidade, por estética, por deficiências físicas e intelectuais, etc, percorreram o sistema circulatório das socieda­des. Não creio que haja uma sociedade, mesmo as mais primitivas, que tenha escapado ilesa das práticas discriminatórias.
O homem respira discriminação porque respira interpretação, porque precisa reconstruir interpretativamente o outro, porque essa reconstrução não transita pelas avenidas da pureza essencial do que o outro é, mas pode sofrer inúmeros processos distorcivos. As discriminações são produ­zidas espontaneamente no processo existencial e tendem à universalida­de; porém, o desenvolvimento do humanismo, da democracia das idéias e da cidadania é a conquista decorrente de um rico processo de aprendiza­gem socioeducacional; por isso ele é uma conquista particular de cada ser humano.
Para compreender o homem como cultivador das mais variadas formas de discriminação, das mais variadas formas de violação dos direitos huma­nos, precisamos compreender não apenas as variáveis socioculturais, mas, principalmente, as etapas do processo de interpretação, o processo de re­construção intrapsíquica do "outro", a comunicação social mediada, os li­mites e alcance da consciência existencial, a atuação psicodinâmica do fenômeno da psicoadaptação.
Nas sociedades modernas, a estética tem sobrepujado o conteúdo; a síndrome da exteriorização existencial tem sobrepujado o processo de interiorização; a inteligência unifocal tem sobrepujado a inteligência multifocal; a massificação da cultura tem sobrepujado a consciência crítica; a alienação social tem sobrepujado o engajamento em projetos sociais; o individualismo pessoal, grupai e nacional tem sobrepujado o sentido psicossocial de espécie. As sociedades humanas precisariam sofrer a revo­lução do humanismo e da democracia das idéias.

6. Releitura do holocausto judeu e do conflito árabe-judeu
É preciso fazer uma releitura da violação dos direitos humanos a partir dos processos de construção dos pensamentos. Uma releitura psicossocial do conflito árabe-judeu e do holocausto judeu, ocorrido na Segunda Gran­de Guerra, deve ir além da compreensão das variáveis socioculturais e político-econômicas, mas levar também em consideração a reconstrução intrapsíquica do outro, as etapas do processo de interpretação, a atuação do fenômeno da psicoadaptação e a construção das cadeias de pensamentos.
Com respeito ao holocausto judeu, estudei as possibilidades intrapsíquicas que poderiam ter ocorrido na mente de um soldado alemão diante da miséria judia, diante da destruição coletiva de um povo e diante da observação da dor humana, principalmente das crianças judias.
Imagine uma situação psicossocial que deve ter ocorrido com freqüên­cia na Alemanha nazista: "Um soldado alemão, ao observar continuamente a dramaticidade da dor e da miséria das crianças judias, caquéticas de fome e esmagadas pela angústia emocional decorrente da separação dos seus pais, abortava pouco a pouco o seu sentimento de culpa, ficava indife­rente à dor dessas crianças e se tornava agente da violação dos direitos humanos. Porém, paradoxalmente, esse mesmo soldado, ao chegar em casa, vendo que um dos seus filhos sofreu um pequeno ferimento na mão, sem maiores conseqüências para sua saúde, entra em desespero e procura to­mar medidas rápidas para aliviá-lo. Como é possível a ocorrência de seme­lhante paradoxo psicossocial na mente de um ser humano? Horas atrás, ele não se importava que as crianças judias, membros de sua própria espécie, morressem de fome e fossem torturadas pela dor emocional; mas, agora, entra em pânico diante de um pequeno ferimento em seu filho.
Como explicar os paradoxos intelectuais que saturaram a história da Alemanha nazista? Pensei muito nesse assunto. Certamente, a agenda na­zista de Hitler e os fatores socioculturais e econômico-políticos da Alema­nha, que precederam e culminaram na Segunda Grande Guerra, são insu­ficientes para explicar os paradoxos desumanísticos cometidos pelo nazis­mo e por tantas outras sociedades em tantos outros momentos históricos. Como disse, para entendê-los, é preciso caminhar nas avenidas dos proces­sos de construção dos pensamentos, na formação da consciência existen­cial, nas etapas do processo de interpretação, na reconstrução do "outro", na atuação psicodinâmica do fenômeno da psicoadaptação. O conflito árabe-judeu precisa também ser compreendido à luz desses fenômenos.
O assunto é extenso e complexo; por isso, nesta síntese, apenas quero dizer que os soldados alemães, como qualquer outro ser humano, pelo fato de a comunicação social ser mediada, não incorporam a realidade do ou­tro. Por isso, em situações de stress sociopolítico e psicossocial e envolvidos com paradigmas intelectuais doentios, eles podem reconstruir o outro (ju­deu) nos bastidores da sua mente de maneira totalmente distorcida. Além disso, pelo fato de se colocarem continuamente diante dos estímulos da miséria do outro e de não reciclar seu processo de interpretação, eles so­frem a ação do fenômeno da psicoadaptação, podendo ficar indiferentes a essa miséria e até contribuir para a sua expansão. A reconstrução distorcida do outro, a adaptação psíquica à sua miséria e à falta de revisão do processo de interpretação geram uma grave síndrome da exteriorização existencial que contamina o processo de gerenciamento do eu. Esses sofisticados pro­cessos contribuem para explicar os paradoxos desumanísticos e desinteligentes ocorridos na Alemanha nazista e em tantas outras sociedades. Os soldados nazistas se adaptaram psiquicamente às dores e às misérias dos judeus e de outras minorias, mas, paradoxalmente, poderiam ficar insegu­ros e ansiosos diante de pequenas dores dos seus íntimos, pois não estavam adaptados psiquicamente a elas.
É fundamental estudar e compreender os processos de construção dos pensamentos para que possamos não apenas expandir as teorias psicológi­cas, sociológicas, filosóficas, psiquiátricas, etc, mas também entender a vio­lação dos direitos humanos ocorrida ao longo da história humana, para questionar de maneira séria a viabilidade psicossocial da mais fantástica espécie que domina a terra e que ambiciona dominar o universo.
Não existe a possibilidade de desenvolver vacinas psicossociais mais eficientes se não velejarmos nas trajetórias complexas e sofisticadas do fun­cionamento da mente.

7. O "mal do logos estéril"
O processo educacional, independentemente da metodologia peda­gógica, não foi ancorado, ao longo dos séculos, na compreensão dos proces­sos de construção das cadeias de pensamentos essenciais, dialéticos e antidialéticos, e nem no processo de formação da consciência existencial ou na leitura da memória.
O processo educacional ortodoxo é exteriorizante, pois leva os jovens a conhecer muito o mundo em que estão, mas pouquíssimo o mundo que eles são. É "a-histórico-crítico-existencial" porque pouco expande a inteli­gência, a democracia das idéias e o gerenciamento dos pensamentos e das emoções; porque pouco conduz os alunos ao processo de interiorização e ao debate de idéias sobre sua própria história existencial, suas experiên­cias, dores, perdas e frustrações; porque pouco promove o intercâmbio de idéias nas relações aluno-aluno e aluno-professor; porque fornece informa­ções prontas e pouco estimula os alunos a conhecer o processo de produ­ção do conhecimento e a inesgotabilidade da ciência, bem como os limites, o alcance e lógica do conhecimento; porque pouco estimula o "desenvolvi­mento sistemático" da arte da formulação de perguntas, da dúvida e da crítica. Esse tipo de educação gera facilmente o "mal do logos estéril".
O mal do logos estéril é uma doença intelectual e até psicossocial causa­da pelo próprio processo educacional. Os alunos que são acometidos por ele se tornam espectadores passivos diante da transmissão do conhecimento, incorporando-o sem crítica, sem dúvida, sem sabor, sem deleite, sem desafios, sem "rosto", sem utilidade humanística, sem compromissos psicossociais, sem história. Há vários níveis dessa doença, e, quanto mais grave ela for, mais as pessoas acometidas por ela se tornam manipuláveis, influenciáveis, meras retransmissoras do conhecimento, estéreis de idéias. Essas pessoas incorporam o conhecimento como se fosse verdade absoluta, inquestionável; por isso, ao mesmo tempo que são manipuláveis, elas se tornam autoritárias. Os dramáticos erros cometidos na história pelo uso radical de ideologias políticas, econômicas, misticistas, raciais, foram pro­duzidos por portadores dessa doença.
O "mal do logos estéril" aborta a formação de pensadores. Algumas dessas pessoas até têm grande cultura, escolaridade e eloqüência dialética, mas não conseguem usar sua cultura para expandir o mundo das idéias, para exercer a cidadania e o humanismo, para ser um democrata das idéias, para trabalhar suas perdas e estímulos estressantes e para viver com digni­dade nos seus invernos existenciais.
Essa doença reduz a aventura do saber, o prazer do conhecimento, a busca da sabedoria existencial, a conquista da consciência sociopolítica. O processo de aprendizado e incorporação de conhecimento deixa de ser fonte de inspiração psicossocial e de engajamento em projetos sociais, e torna-se apenas uma mercadoria profissionalizante.
O "mal do logos estéril" é uma doença epidêmica nas sociedades mo­dernas e nas universidades. Somente uma pequena parte dos que cursam universidades e cursos de pós-graduação se tornam pensadores, engenhei­ros de idéias humanistas, que têm uma consciência crítica sociopolítica e uma macrovisão das necessidades psicossociais da sociedade em que vi­vem e da espécie humana.
Dependendo da teoria psicológica e da metodologia pedagógica utiliza­da, bem como da qualidade dos professores que as aplicam, o processo socioeducacional pode ter diversos níveis de eficiência na construção do conhecimento e na formação de profissionais. Porém, há uma distância enor­me entre ser um profissional, que usa o conhecimento apenas como ferra­menta profissionalizante para beneficio próprio, e ser um pensador humanista que aprecia a cidadania, a democracia das idéias e que tem compromissos psicossociais e sociopolíticos.
A tendência natural do homem é desenvolver as duas grandes doenças psicossociais: o mal do logos estéril e a síndrome da exteriorização existen­cial. O processo socioeducacional precisaria sofrer um choque intelectual para ser mais eficiente na formação de pensadores.

8. A dívida humanística com a espécie humana
Devido à operação espontânea dos fenômenos intrapsíquicos, que fi­nancia gratuitamente os processos de construção dos pensamentos e a pro­dução da consciência existencial, todos deveríamos nos sentir com uma dívida humanística com o ambiente ecossocial em que vivemos.
A capacidade de pensar e ter consciência sobre o mundo que somos e em que estamos é indescritivelmente complexa, e a recebemos gratuita­mente através dos fenômenos que lêem a memória, principalmente do autofluxo, e do fenômeno RAM, que registra automaticamente todos os pensamentos e emoções que transitam no palco de nossas mentes. Por isso, deveríamos retribuir esta gratuidade com uma dívida humanística. Daría­mos tudo o que possuímos em troca da nossa consciência existencial. Tro­caríamos todos os títulos acadêmicos, bens materiais, status social, para resgatar nossa identidade psicossocial e nossa capacidade de pensar, se fôssemos perdê-las.
A consciência é tão fundamental e abrangente que não existe a idéia sobre a inconsciência, não existe o pensamento puro sobre o suicídio, pois toda idéia sobre a inconsciência ainda é uma manifestação da consciência, todo pensamento sobre o suicídio ainda é uma manifestação do pensamen­to, um fluir da vida. Por isso, as pessoas que pensam em suicídio não procu­ram, na realidade, o término existencial, mas o alívio das suas dores, dos seus humores deprimidos, das suas frustrações, das suas angústias. Como não encontram mecanismos de superação dessas dores, elas, infelizmente, atentam contra seu próprio corpo.
Na minha trajetória de pesquisa procurei, em algumas oportunidades, pensar na possibilidade de morte da consciência, do vácuo da vida, do nada existencial. O resultado é realmente inimaginável. O pouco que dá para imaginarmos é angustiante, pois sem a consciência existencial não existimos para nós mesmos, somos seres errantes, meros objetos vagando no tempo e no espaço. Tem fundamento o desespero das pessoas idosas diante da possibilidade de perderem a sua consciência por desenvolverem um quadro demencial, uma degeneração das áreas do cérebro que contêm os segredos da memória. Os fenômenos que lêem a memória entram numa completa desorganização, produzindo cadeias de pensamentos sem os parâmetros da realidade. O eu perde sua lógica e coerência no processo de gerenciamento da inteligência.
A conclusão a que cheguei é que o medo do fim da existência e, conse­qüentemente, da perda da identidade, é o medo mais legítimo de um ser vivo. Só não possui tal tipo de fobia quem nunca pensou nas conseqüências psicológicas e filosóficas da inexistência.
Se gravitarmos em torno do medo da morte, então, este medo se torna­rá doentio, patológico, como ocorre na síndrome do pânico. Mas não há dúvida de que a consciência humana não aceita o fim da existência, o fim de si mesma, o silêncio eterno. Por isso, ela reage com aversão diante dessa possibilidade.
Nós psiquiatras e psicoterapeutas devemos olhar para a síndrome do pânico com mais humanismo. Os portadores dessa síndrome sofrem mais do que imaginamos, suas palavras são pobres para traduzir o desespero que sentem. A cada ataque de pânico, a cada momento que sentem que vão morrer ou desmaiar subitamente, eles experimentam o topo da dor humana. O grande problema é que o fenômeno RAM registra automática e privilegiadamente cada novo ataque de pânico, retroalimentando a me­mória e aumentando as áreas inconscientes doentias. Tais áreas poderão ser lidas subitamente pelo fenômeno do gatilho da memória, propiciando, assim, novos ataques. É preciso ajudá-las, ouvi-las, compreendê-las e estimulá-las a gerenciar com ousadia seus pensamentos negativos e suas reações fóbicas. Caso contrário, elas desenvolverão uma dramática seqüela psicoló­gica: a fobia social. Não mais freqüentarão ambientes públicos.
Filosoficamente falando, o privilégio gratuito da construção de pensa­mentos e da formação da consciência existencial deveria nos fazer sentir em dívida humanística com a nossa espécie e com o meio ambiente ecossocial. Se recebemos gratuitamente o privilégio de ter a capacidade de pensar, é uma atitude inteligente honrar essa capacidade com uma macrovisão da espécie humana, procurando preservá-la com atitudes que materializam os discursos teóricos.
O homem que deseja que o mundo gravite somente em torno das suas necessidades não é bom para a sua espécie, não compreendeu minima­mente o espetáculo da construção de pensamentos.

9. A revolução psicossocial gerenciada pelo eu
O desenvolvimento do sistema educacional, dos paradigmas culturais, dos estereótipos sociais, da ciência, da tecnologia, das correntes literárias, das artes, etc, ocorreu não apenas porque o homem tem a capacidade de pensar, a consciência dessa capacidade e a habilidade consciente para gerenciá-la, mas também através de uma revolução despercebida, espontâ­nea e inevitável ocorrida nos bastidores da mente humana, que chamo de "revolução psicossocial branca".
O gerenciamento da construção de pensamentos pelo eu, ainda que estimulado pelo processo socioeducacional e pelos estímulos do meio am­biente, não foi a avenida exclusiva do desenvolvimento do pensamento humano. Não há dúvida que a mente humana passou por uma riquíssima evolução intelectual, cultural e social ao longo dos séculos. Porém, por incrível que pareça, essa evolução ocorreu também pela "revolução branca psicossocial" promovida pelos fenômenos que realizam a construção de pensamentos. O fenômeno do autofluxo e o gatilho da memória produzem milhares de pensamentos diários sem a autorização do eu. Todos esses pensamentos são mesclados com experiências emocionais. Todos eles são automaticamente registrados na memória gerando uma rica história.
Pensar é o destino inevitável do Homo sapiens, e não uma opção intelec­tual. A psique é um campo de energia que se encontra num fluxo vital contínuo de transformação essencial. A construção de pensamentos, pro­duzida clandestinamente na psique humana, retroalimenta a memória.
Há um Homo interpres micro ou macrodistinto a cada momento existen­cial., devido à influência de um grupo de variáveis que atuam nas diversas etapas da interpretação. Esse grupo de variáveis gera diferenças na inter­pretação dos fenômenos que observamos. Traímos freqüentemente a reali­dade essencial dos fenômenos que interpretamos. Essas micro ou macrotraições ocorridas no processo de interpretação nem sempre são preconceituosas, imaturas e intelectualmente superficiais, mas inevitáveis e inconscientes. Elas geram um sistema de encadeamento distorcido na cons­trução dos pensamentos e na transformação da energia emocional, o que facilita a produção de experiências micro ou macrodistintas em relação às do passado. Estas, uma vez registradas, alavancam o desenvolvimento da história e da personalidade como um todo.
Assim, concluindo, a construção de pensamentos, a retroalimentação da história intrapsíquica e o sistema de encadeamento distorcido ocorrido no processo de interpretação são três grandes processos intrapsíquicos que promovem uma complexa "revolução branca psicossocial", que faz um cientista, um escritor, um pintor, um político, um pai, um estudante, uma criança, etc, produzir contínua e inconscientemente cadeias de pensamen­tos micro ou macrodistintos, mesmo diante de um mesmo estímulo obser­vado em dois momentos distintos.
A cada momento que interpretamos um fenômeno, tais como o com­portamento de uma pessoa, um fenômeno físico, um fenômeno biológico, uma técnica, um texto literário, uma teoria científica, um paradigma sociocultural, etc, essa interpretação está sofrendo um sistema de encadea­mento distorcido que enriquece a construção das cadeias de pensamentos dialéticas e antidialéticas, que retroalimenta a história intrapsíquica.
A revolução psicossocial branca promove o desenvolvimento da perso­nalidade, da cultura, das relações sociais, da ciência, das artes, dos paradig­mas socioculturais, enfim, de todo pensamento humano. Porém, esse desenvolvimento é principalmente quantitativo; para ser qualitativo, ele tem que ser redirecionado pelo gerenciamento do eu e estimulado pelo proces­so socioeducacional. O fato de a construção dos pensamentos ultrapassar os limites da lógica traz inconvenientes, mas, ao mesmo tempo, se torna um grande parceiro do desenvolvimento psicossocial humano.
Os cientistas estão pesquisando em laboratório; os políticos estão arqui­tetando seus discursos e seus projetos; os pais estão dialogando com os filhos; os jornalistas estão produzindo seus textos; os executivos estão diri­gindo suas empresas; porém eles não percebem que estão realizando esse trabalho intelectual não apenas através do gerenciamento consciente da construção de pensamentos, mas também através de uma revolução psicossocial clandestina produzida nos bastidores da mente, que interfere na qualidade dessa construção.


Capítulo 18

A Inteligência Multifocal: Academia de Formação de Pensadores


O SÉCULO XXI PODERÁ NÃO SER O SÉCULO DA FORMAÇÃO DE PENSADORES MAS O SÉCULO DAS DOENÇAS PSÍQUICAS, PSICOSSOCIAIS E PSICOSSOMÁTICAS

As sociedades modernas vivem grandes e graves problemas psicossociais que impedem a formação de pensadores. Devido à globali­zação da informação, a cultura e o pensamento estão cada vez mais massificados, o belo está cada vez mais estereotipado, o consumismo se tornou uma droga coletiva e os paradigmas socioculturais engessam cada vez mais a inteligência humana.
Até a busca da estética do corpo tornou-se uma paranóia coletiva, pois procura-se ansiosamente por ela, mas não se importa em ser um engenhei­ro de idéias que constrói a sabedoria existencial e a maturidade da inteli­gência. Por isso, a arte de pensar está sufocada; o prazer de ser um cami­nhante nas avenidas do próprio ser e de trabalhar as angústias existenciais está combalido; a aventura de procurar as origens da inteligência e de mergulhar no mundo indescritível das idéias relativas à natureza e ao pro­cesso de construção dos pensamentos tem sido um privilégio de poucos; o mal do logos estéril e a síndrome da exteriorização existencial têm se torna­do doenças psicossociais epidêmicas; a massificação da comunicação tem produzido uma fábrica de ídolos, onde uma grande maioria, desconhecen­do o espetáculo do funcionamento da mente, ocorrido no âmago de cada ser humano, superdimensiona o valor de uma pequena minoria, gravitando em torno dela.
Estas situações indicam que durante o século XXI, provavelmente, não ocorrerá a revolução da qualidade de vida psicossocial, uma revolução funda­mentalmente mais importante e valiosa do que a revolução científica e tecnológica ocorrida no século XX. Se não ocorrer a revolução do huma­nismo, da cidadania, da democracia das idéias, da arte de pensar e, ainda, uma profunda revolução no processo educacional, o século XXI não será o século da formação de pensadores, o século da preservação dos direitos humanos, mas, ao contrário, ele será o século das doenças psíquicas, psicossomáticas e psicossociais. Será o século do paradoxo da informação, pois combinará uma alta incorporação de informações com uma baixa capacidade de pensar criticamente.
Teremos homens bem-informados, grandes especialistas, que navega­rão cada vez mais pela Internet e que terão acesso às universidades virtuais e a um rico caldeirão de informações como nunca ocorreu antes na história humana, mas, ao mesmo tempo, serão homens que não saberão pensar, duvidar, criticar as convenções do conhecimento, transformar o conheci­mento vigente, interpretar criticamente os fenômenos, produzir idéias com originalidade, preservar os direitos humanos, repensar a si mesmo, reciclar o autoritarismo e a rigidez intelectual.
O homem do século XXI tem grandes possibilidades de não conseguir conquistar as funções mais nobres da inteligência humana. Por isso, ao que tudo indica, as estrelas do capitalismo nas décadas vindouras, mesmo dian­te das futuras crises das bolsas de valores, serão cada vez mais as indústrias farmacêuticas, principalmente as que produzem medicamentos tranqüili­zantes, antidepressivos, antiestressantes.

O DESENVOLVIMENTO QUANTITATIVO E QUALITATIVO DA INTELIGÊNCIA MULTIFOCAL

É necessário e até urgente desenvolver não apenas quantitativamente a inteligência, mas também qualitativamente. A inteligência é produzida es­pontânea e quantitativamente no cerne da alma humana, porque, como vimos, o campo de energia psíquica se encontra num fluxo vital contínuo, que realiza uma leitura da memória e uma rica produção de cadeias de pensamentos.
Somos uma espécie inteligente não porque optamos por sê-la, mas por­que o fenômeno da autochecagem, da âncora e do autofluxo produz anual­mente milhões de matrizes de pensamentos essenciais que carregam os arquivos da memória e, ao mesmo tempo, sofrem espontaneamente uma leitura virtual, gerando os pensamentos conscientes, que, por sua vez, organizam, pouco a pouco, a complexa arquitetura do mais surpreendente fenô­meno da inteligência, o "eu". O "eu" é o fenômeno que é capaz de não apenas se conscientizar de si mesmo, mas também do universo que o cir­cunda. Todos os dias, identificamos se estamos tristes, alegres, deprimidos, bem como identificamos milhares de itens ao nosso redor. Contudo, rara­mente alguém se perturba com a complexidade de ter a consciência de si e do mundo. Dificilmente também alguém se encanta com a leitura rapidíssima da memória, capaz de organizar, em milésimos de segundo, experiências existenciais e estruturas lingüísticas, tais como verbos, sujeitos e substanti­vos, que não foram pensados previamente e cujo lócus no córtex cerebral desconhecemos.
Para se processar o desenvolvimento qualitativo da inteligência e, con­seqüentemente, formar pensadores, é necessário ficar assombrado com o processo de construção da inteligência, é igualmente necessário compreen­der o conjunto de variáveis psicossociais que influenciam essa construção.
A cultura e a escolaridade (alicerçada na relação professor-aluno), que pouco enfatiza a história intrapsiquica e a história social na formação do pensamento, que pouco estimula a tríade de arte intelectual e a compreen­são do funcionamento da mente, não desenvolvem qualitativamente a inte­ligência, mas apenas quantitativamente. Esse tipo de escolaridade faz do homem um depósito de cultura, um reprodutor do conhecimento, um es­pectador passivo das idéias, que "dança a valsa da vida com a mente engessada", que não sabe trabalhar seus invernos existenciais e nem sabe proteger suas emoções nos focos de tensão.
O desenvolvimento qualitativo da inteligência objetiva muito mais do que melhorar a qualidade de vida emocional, intelectual e social do ho­mem; ele objetiva expandir a academia de formação de pensadores, de homens que sejam capazes de provocar a revolução da cidadania, do humanismo e da democracia das idéias na Psicologia, na Psiquiatria, na Filosofia, na Sociologia, na Educação, no Direito, nas ciências naturais, na política, na psicoterapia, nos meios de comunicação, na tecnologia, no gerenciamento empresarial, nas relações sociais. As escolas, principalmente as universidades, deveriam se tornar academias de formação de pensadores.
Um dia, em uma das palestras-treinamento que tenho proferido com o título "A formação de pensadores num mundo globalizado cultural e economica­mente", para uma platéia heterogênea, formada por cientistas, professores universitários, profissionais de recursos humanos, psicólogos, perguntei a eles quais eram as características psicossociais de um pensador. Eles apon­taram cerca de seis características, e entre elas destacaram a capacidade de pensar, a consciência crítica e a perseverança. Porém, para o espanto deles, disse-lhes que há bem mais de cem características psicossociais que constituem tanto o processo deformação como a história existencial dos pensadores, seja nas ciências, na artes, no desempenho socioprofissional.
Essas características não esgotam, obviamente, a somatória das caracte­rísticas contidas na história de todos os pensadores. Porém, creio que cada um dos pensadores na história humana, cada um dos homens que mais honraram a arte de pensar, que mais brilharam em sua inteligência e que mais viveram com dignidade a condição de ser um Homo sapiens, ou seja, de pertencer a uma espécie pensante, tiveram pelo menos algumas das características psicossociais que citarei. Por exemplo, Sócrates era um indagador, um amante da arte da pergunta, Voltaire apreciava a arte da dúvida. Porém, não há pensador completo, pois apesar de cada pensador ter de­senvolvido algumas dessas importantes características psicossociais, eles eram deficientes em muitas outras. As características desenvolvidas por cada pensador foram os seus segredos intrínsecos, as raízes que os sustentavam e que nutriam a expansão do mundo das idéias deles.

A ATUAÇÃO DA ÂNCORA DA MEMÓRIA E DO FENÔMENO DA PSICOADAPTAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PENSADORES

Uma das características fundamentais de um pensador é se colocar como um "eterno" aprendiz na "curta" trajetória existencial humana. Temos que nos sentir contínuos e inveterados aprendizes, que procuram conquistar as funções mais nobres da inteligência; garimpeiros do universo intrapsíquico, que procuram expandir as potencialidades intelectuais.
A morte de um pensador não ocorre apenas quando ele morre fisica­mente, mas principalmente quando morre intelectualmente, quando fecha a âncora da memória, restringindo seu território de leitura através de seu comportamento autoritário e auto-suficiente. Deste modo, ele exerce a dita­dura da verdade e deixa de ser um ávido aprendiz na sua trajetória existen­cial, pois passa a compreender o mundo apenas dentro da órbita do seu conhecimento.
Se não compreendermos que um dos papéis da memória é abrir ou fechar seu território de leitura diante dos focos de tensão ou diante da postura ditatorial que assumimos no processo de observação e produção de conhecimento, teremos grandes chances de sermos estéreis na arte de pensar.
Ser um pensador não é uma questão de ter um status de intelectual, de ser originário de uma famosa universidade ou de um grande instituto de pesquisa, mas de ser um produtor de conhecimento, de estar num contínuo estado de "gravidez" de idéias. Um pensador não pode nunca envelhecer no território dos pensamentos e das emoções. Seu corpo pode estar abatido pelo tempo, mas sua alma está cada vez mais rejuvenescida com as novas experiências.
A alma pode envelhecer? Sim, mais rápido que o corpo. Todavia, ela também pode rejuvenescer, algo impossível para o organismo. Como ela envelhece? Através da atuação inconsciente do fenômeno da psicoadaptação. Os que usam drogas podem em alguns anos queimar etapas da vida por depositarem dezenas de milhares de experiências angustiantes na memó­ria. Tais experiências os levam a se psicoadaptarem à sua condição de dependentes, fazendo-os perderem o prazer de viver e ânimo para rompe­rem o cárcere da emoção. Os pensadores também podem envelhecer precocemente. As atitudes autoritárias, os conflitos, o stress social e os pensa­mentos antecipatórios podem depositar milhares de experiências ansiosas no universo inconsciente da memória, levando-os a se psicoadaptarem aos objetivos intelectuais alcançados e reduzindo prematuramente o interesse pelos fenômenos desconhecidos. Por isso, muitos pensadores produziram suas mais brilhantes idéias na sua juventude.
A cultura acadêmica pode contribuir para gerar um pensador, mas ela não é uma condição sine qua nom, uma premissa fundamental, mas uma das inúmeras variáveis presentes no processo de formação e na história de um pensador. É possível alguém ter status de intelectual, mas não produzir idéias originais ou transformar e repensar o conhecimento vigente, não libertar e desenvolver a arte de pensar, não ser um humanista e nem um democrata das idéias.
Há muitos pensadores que não tiveram seu trabalho intelectual, seus pensamentos, registrados nos anais da história humana, que não tiveram a notoriedade social. Esta ausência de notoriedade ocorreu não apenas por falta de reconhecimento social, mas também porque consideraram de maior valor o prazer do anonimato do que o status social. Apesar do anonimato e, às vezes, sem possuir qualquer cultura acadêmica, eles foram ricos pensa­dores em sua cultura e meio social, brilharam em suas inteligências silencio­samente, produziram suas idéias como sementes anônimas, honraram nos­sa espécie.
Um exemplo vivo de uma pessoa que semeou seu pensamento de ma­neira brilhante, expressou sua inteligência de maneira ímpar e procurou constantemente o anonimato foi Jesus Cristo. Tenho gastado tempo para analisar, à luz da Teoria Multifocal do Conhecimento, a inteligência de alguns pensadores. Ultimamente tenho analisado a complexa e sofisticada inteligência do mestre de Nazaré. No passado achava que Ele era apenas um belo fruto da cultura humana e, portanto, uma fantasia inexistente. Todavia, analisando os seus pensamentos, reações e as entrelinhas dos seus comportamentos, expressas nas suas quatro biografias (evangelhos), com­preendi que era impossível alguém construir um personagem com as carac­terísticas de personalidade como as dele. Ele foi o mestre dos mestres da turbulenta e bela escola da existência, a escola da vida.
Podemos estudar os grandes pensadores, tais como Platão, Descartes, Max Weber, Hegel, Darwin, Freud, todavia ninguém teve uma personali­dade tão complexa, misteriosa e difícil de ser compreendida como a de Jesus Cristo. Ele não apenas causou perplexidade nos homens mais cultos de sua época, mas, ainda hoje, seus pensamentos são capazes de perturbar a mente de qualquer um que queira estudá-lo livre de julgamentos precon­cebidos. Ele causou a maior revolução da história, entretanto, não desem­bainhou uma espada e não usou de qualquer violência. Todavia, a ciência foi omissa e tímida em pesquisá-lo, deixando essa tarefa apenas para a teologia.
A vida não o poupou; do nascimento à sua morte, Cristo passou pelas mais amargas situações de sofrimentos. Todavia, para o nosso espanto, era uma pessoa alegre, segura, livre e tranqüila no território da emoção. Tinha uma habilidade ímpar para gerenciar seus pensamentos e trabalhar as suas angústias. Ao investigá-lo, podemos concluir que a tolerância e a sabedoria habitaram a mesma alma.
Apesar das minhas limitações, tenho estudado sua personalidade não sob o prisma da sua divindade, mas da sua humanidade. Tenho estudado seus registros históricos, seu nível de coerência intelectual, suas idéias, seu ousadíssimo discurso sobre a verdade, seu projeto para resolver a angústia existencial do homem, sua habilidade em não se submeter à ditadura do preconceito, sua capacidade de colocar-se no lugar do outro, de se doar sem esperar a contrapartida do retorno e de superar seus focos de tensão.
O resultado deste estudo, talvez único na literatura psicológica, foi pu­blicado na coleção de livros intitulada Análise da inteligência de Cristo, cujos subtítulos: são: "O Mestre dos Mestres", "O Mestre da Sensibilidade", "O Mestre da Vida", "O Mestre do Amor", "O Mestre Inesquecível".
O mestre da escola da vida gostava de ser chamado de "filho do ho­mem", apreciava expressar sua humanidade com naturalidade e inteligên­cia, enquanto, paradoxalmente, muitos daqueles que o circundavam e dos que hoje o seguem gostam e enfatizam os espetáculos sobrenaturais.
Um pensador é, antes de tudo, alguém que procura, em tudo o que faz e crê, respeitar a sua própria inteligência, ser fiel aos seus pensamentos e desenvolver a consciência crítica. Alguém que procura ser um inspirado e sensível poeta da existência na sofisticada e turbulenta vida humana, mes­mo quando se frustra, fracassa ou atravessa seus áridos desertos.

AS CARACTERÍSTICAS PSICOSSOCIAIS FUNDAMENTAIS QUE CONSTITUEM A HISTÓRIA E O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PENSADORES

Para realizar o complexo, sofisticado e rico processo de formação de pensadores é necessário procurar conquistar e amadurecer as característi­cas psicossociais e as funções mais nobres da inteligência.
1. Procurar conhecer as origens da inteligência humana, seus limites, al­cance, práxis.
2. Ter consciência de que pensar é um processo inevitável e impossível de ser interrompido, apenas direcionado. Saber que o mundo das idéias é a maior fonte de entretenimento natural do homem, todavia ela pode se transformar na maior fonte de terror emocional. Portanto, ê imperativo aprender a admi­nistrar o fenômeno do autofluxo e não permitir que ele gere idéias fixas de conteúdo negativo.
3. Aprender a pensar multifocalmente com liberdade e consciência crítica. Reciclar o fenômeno da psicoadaptação, objetivando romper a mesmice das idéias e libertar a criatividade.
4. Aprender a gerenciar os pensamentos e emoções. Resgatar a liderança do eu nos focos de tensão psicossocial.
5. Aprender a pensar antes de reagir. Respeitar a sua própria inteligência e a inteligência do outro. Não permitir que o fenômeno da autochecagem feche o território de leitura da memória.
6. Desenvolver a arte da pergunta, ter consciência da ditadura da resposta e de que cada resposta é o começo de novas perguntas.
7. Desenvolver a arte da dúvida e a utilizar como princípio da sabedoria: duvidar de si mesmo, dos seus paradigmas socioculturais, de sua rigidez intelectual e das convenções do conhecimento.
8. Desenvolver a arte crítica. Criticar com liberdade a si mesmo e ao mundo que o circunda. Usar a arte da pergunta e da dúvida como trilhos da arte da crítica.
9. Aprender a se proteger emocionalmente filtrando os estímulos estressantes e trabalhando as contrariedades existenciais.
10. Executar o trabalho intelectual como um empreendedor criativo, dinâmico, flexível, seguro.
11. Ter prazer nos desafios intelectuais, sociais e profissionais. Não permitir que o medo trave a capacidade de pensar, impeça a leitura ampla da memória.
12. Aprender primeiramente a ser um líder de si mesmo para depois liderar a outros.
13. Estabelecer metas existenciais, intelectuais e socioprofissionais.
14. Procurar conquistar a disciplina, a paciência e a perseverança como jóias preciosas da inteligência para atingir suas metas.
15. Analisar as variáveis para atingir seus objetivos e procurar prever as intempéries e os obstáculos que surgirão.
16. Trabalhar as dores, perdas, frustrações e utilizá-las como alicerces da maturidade da inteligência.
17. Reconhecer e repensar com inteligência e dignidade as fragilidades, os erros, os fracassos e as limitações. Ter consciência de que um sábio não é aquele que nunca erra e fracassa, mas aquele que amadurece diante deles.
18. Refletir sobre a temporalidade e fragilidade da vida humana e procurar dar um sentido mais nobre para a existência.
19. Desenvolver a arte da contemplação do belo não apenas diante dos gran­des eventos da existência, mas principalmente diante dos pequenos estí­mulos da rotina diária.
20. No binômio entre o "ter" e o "ser", optar pelo "ser" sem abandonar o "ter".
21. Conseguir distinguir os princípios da "matemática da emoção" dos prin­cípios da matemática financeira. "Ter não é premissa fundamental para ser", é possível ter pouco e até ser pobre e, ao mesmo tempo, ser um poeta da existência.
22. Ser um amante da honestidade intelectual: Criticar a simulação e a omissão. Ser fiel ao seu pensamento.
23. Vacinar-se contra a paranóia de ser o número 7 e contra a competição selvagem, desumanística e desinteligente. Assumir sua condição psicossocial com dignidade e procurar expandir suas possibilidades intelectuais.
24. Valorizar as relações sociais e procurar ser um agente social, mas não gravitar em torno do que os outros pensam de nós.
25. Aprender a se colocar no lugar do outro e perceber suas dores e necessida­des psicossociais.
26. Aprender a se doar psicossocialmente sem esperar a contrapartida do retorno.
27. Aprender a expor e não impor as idéias. Ter consciência de que um verda­deiro líder expõe suas idéias, pois sua força está na sua inteligência, mas uma pessoa autoritária as impõe, pois sua força está nas mais diversas formas de agressividade.
28. Aprender a apreciar a inteligência do outro e procurar estimulá-la, provocá-la, promovê-la.
29. Procurar realizar o debate de idéias com as pessoas circundantes (alunos, funcionários, amigos, familiares) procurando compreender o alcance de suas idéias, respeitá-las e utilizá-las.
30. Aprender a arte de ouvir. Ouvir aberta e despreconceituosamente o outro e não ouvir apenas o que se quer ouvir.
31. Valorizar o processo de construção de um produto (conhecimento, obra de arte, produto industrial, meta profissional) tanto ou mais do que o pró­prio produto.
32. Procurar conhecer e desenvolver o humanismo a partir do processo de construção de pensamentos, das origens da inteligência.
33. Procurar conhecer a democracia das idéias e seus amplos aspectos psicossociais. Aprender a respeitar a cultura do "outro" e a apreciar a diversidade de pensamentos.
34. Ter consciência de que tanto as mais diversas formas de discriminação quanto a supervalorização de uma pequena minoria de intelectuais, líde­res sociopolíticos, artistas, etc, são procedimentos desinteligentes e desumanísticos, são faces opostas da mesma doença da interpretação.
35. Ter uma visão multifocal da espécie humana e da teoria da igualdade a partir do conceito do humanismo e da democracia das idéias.
36. Expandir o mundo das idéias através do uso das artes da inteligência (a arte da pergunta, dúvida, crítica, observação, análise multifocal) e o caos intelectual. Usar o caos intelectual tanto para evitar as contamina­ções do processo de interpretação como para expandir as possibilidades de construção do conhecimento.
37. Vacinar-se contra o autoritarismo das idéias e a ditadura do discurso teórico produzidos conscientemente pelo "eu", pois eles engessam a inteli­gência, esgotam as possibilidades do conhecimento e estabelecem a dita­dura da verdade na Psicologia, na Filosofia, nas Ciências Naturais, na Política, na Economia, etc. Ter consciência de que a verdade científica e sociopolítica é inesgotável e inalcançável.
38. Vacinar-se contra os três tipos de ditaduras inconscientes ocorridas nos bastidores da construção de pensamento: a ditadura do preconceito, a ditadura da emoção e a ditadura do deslocamento dos territórios de leitu­ra da memória.
39. Ter consciência básica de que o Homo sapiens é um Homo interpres micro e macrodistinto a cada momento existencial e de algumas variáveis que participam do processo de interpretação.
40. Aprender a gerenciar com maturidade a inevitável transformação da energia emocional e a incontida revolução da construção dos pensamen­tos.
41. Produzir um clima de cooperação no ambiente social e socioprofissional através da práxis, do humanismo e da expressão das artes da inteligência e não através da pressão social ou da imposição das metas e das idéias.
42. Ser capaz de fazer com que as pessoas que o circundam penetrem em seus sonhos e seus projetos intelectuais e socioprofissionais, motivando-as a se engajarem neles.
43. Ter mais prazer no trabalho em grupo, na cooperação social e no exercício da cidadania do que na busca, da notoriedade e do estrelismo individual.
44. Aprender a se colocar como um "eterno" aprendiz na "curta" trajetória existencial humana. Vacinar-se contra a síndrome da exteriorização exis­tencial, contra ser um passante existencial, alguém que transita pela vida sem criar raízes dentro de si mesmo.
45. Aprender a falar não apenas do mundo extrapsíquico, mas também a falar de si mesmo e trocar experiências existenciais.
46. Balizar com sabedoria tanto a segurança em suas atividades sociais como a arte da dúvida e da crítica direcionada aos fundamentos dessa segu­rança.
47. Aprender a trabalhar o caos emocional e social e usá-los para expandir as possibilidades de construção psicossocial.
48. Ser um poeta existencial, um garimpeiro de idéias, que procura intensa­mente o enriquecimento intelectual.
49. Ter consciência de que qualquer pessoa sabe viver bem nas primaveras da vida (os sucessos, os apoios, as condições psicossociais favoráveis), mas só os sábios aprendem a conquistar a dignidade e a sabedoria em seus inver­nos existenciais (as perdas, os fracassos, os recuos, as contrariedades, as dores psicossociais).
50. Procurar ser um engenheiro de idéias que atua com consciência crítica, como agente construtor da sua história intrapsíquica (personalidade) e social.. Um engenheiro de idéias que procura desenvolver as característi­cas mais nobres da inteligência.

A CRISE DA FORMAÇÃO DE PENSADORES

A crise da formação de pensadores tem atingido frontalmente as univerdades, por culpa, como tenho dito, não dos professores e dos pesquisadores, mas de um processo educacional engessado, unifocal, que pouco esti­mula o debate das idéias, o desenvolvimento das artes mais nobres da inteli­gência, a consciência crítica sofiopolítica. O sistema acadêmico assistiu passivamente ao surgimento da globalização da informação pelos meios de comunicação a partir da segunda metade do século XX. A globalização da informação, apesar dos seus benefícios, trouxe duas das maiores "drogas" da inteligência humana: a massificação da cultura e do pensamento. Quan­do estudamos o conceito de democracia das idéias, vimos que o Homo intelligens (o homem consciente) vive uma diversidade de pensamentos dialético e antidialético inevitável devido ao sistema de variáveis intra-psíquicas ocorrido no Homo interpres (o homem inconsciente). A massificação da cultura e do pensamento não consegue jamais conter a diversidade de pensamentos, mas engessa a liberdade, a plasticidade, a criatividade da construção de pensamentos, encerrando a inteligência humana num cárcere.
A Educação não tem introduzido os universitários no centro da história humana. Provavelmente, muitos universitários, pelo fato de estarem aco­metidos com o mal do logos estéril, estejam na periferia da história ou até alijados dela. O fenômeno da psicoadaptação, que deveria romper o con­formismo e animar a criatividade, os tem conduzido a se adaptarem às misérias sociais. Devido à crise de interiorização, este importantíssimo fe­nômeno da inteligência tem embotado os seus sentimentos e reduzido seus ideais, gerando uma vida vazia, que não tem por que lutar.
Diversos desses universitários jamais ouviram falar ou se importaram com o dramático e indescritível genocídio dos Tutsis em Ruanda, que não foi menos dramático do que o holocausto judeu. Embora alijados da histó­ria, muitos deles estão inseridos vorazmente no mercado de consumo, no último lançamento da moda, nos modelos de carros mais incrementados, nos programas de computadores mais modernos. Ruanda não pertence ao mapa dos seus interesses, os miseráveis da África não lhes dizem respeito, os conflitos na ex-Iugoslávia não os angustiam, a fome no nordeste brasilei­ro não os incomoda, a discriminação dos negros não os perturba. O desmatamento da Floresta Amazônica, bem como os demais problemas ambientais, incluindo o efeito estufa, são problemas da próxima geração. O mundo tem de gravitar em torno dos seus interesses e das suas necessida­des, pois, apesar de incorporarem a cultura acadêmica, eles não têm fome e sede de cidadania e humanismo.
Felizmente, a psique humana é complexa e, mesmo na miséria material e social, é possível extrair se riqueza emocional e dignidade humana, que podem não ser conquistadas quando se une fartura material e superficialidade intelectual. Como citei, distinguir os princípios da matemática finan­ceira da matemática emocional é uma das características multifocais de um pensador. Por exemplo, no interior de Moçambique, a miséria é tanta que só há milho para se alimentar, mas, mesmo assim, muitos moçambicanos cantam e dançam ao preparar seus alimentos. Eles são considerados estatis­ticamente miseráveis pela ONU (Organização das Nações Unidas), mas são ricos na arte da contemplação do belo, mais ricos do que muitos da­queles que são listados pela revista Forbes como os homens mais ricos do mundo.
Como estimularemos a formação de pensadores, se na educação clássi­ca não se estimula a arte da pergunta, da dúvida e da crítica? Como produ­ziremos homens lúcidos, aptos a julgar o mundo que os circunda, se eles não conhecem o sistema de distorção que ocorre no processo de interpre­tação? Como poderemos gerar homens que pensam, se eles não sabem quais são os tipos e a natureza dos pensamentos que são produzidos no palco da mente humana e como eles são produzidos? Como produziremos pessoas que pensam antes de reagir, se nada conhecem sobre o fenômeno do gatilho da memória? Como produziremos homens saudáveis no territó­rio da emoção, se eles nunca souberam que existe um universo de pensa­mentos produzidos pelo fenômeno do autofluxo, sem qualquer autorização do eu, que pode se tornar tanto uma grande fonte de prazer como de terror? Como produziremos homens sábios, se eles não aprenderem a in­tervir no seu mundo psíquico e a gerenciar seus pensamentos e emoções?
Deveria haver em todas as escolas cursos que abordassem o processo de construção de pensamentos e de formação de pensadores humanistas, que promovessem um debate de idéias sobre o funcionamento da mente e sobre os grandes problemas biopsicossociais da nossa espécie. Esses cursos deveriam fornecer subsídios aos estudantes para desenvolverem a arte de pensar e a consciência sociopolítica.
Somos a espécie mais fantástica da bioesfera terrestre, estamos no topo da inteligência de milhões de espécies, mas, muitas vezes, a mercadoria que usamos na resolução dos conflitos humanos é a força, a agressividade ou a omissão, e não a arte de pensar, de analisar as variáveis, de ouvir despreconceituosamente, de aprender a ceder quando necessário, de exer­citar a tolerância, de reconhecer as necessidades do outro.
A atitude sociopolítica coerente e lúcida é mais exigida quanto mais conturbadas e conflitantes forem as circunstâncias psicossociais; porém, infelizmente, é nessas circunstâncias que a omissão é cultivada. Na Segun­da Guerra Mundial, muitos políticos e lideranças sociais se calaram diante do holocausto judeu. Optaram pelo silêncio, um silêncio inaceitável, diante da miséria desse povo. O silêncio sociopolítico ainda é amplamente prati­cado diante de muitas misérias humanas. Muitas vezes esse silêncio só é rompido quando a imprensa mais séria faz eloqüentes denúncias. A im­prensa, às vezes, erra, exagera, conspira contra a privacidade, mas é ela ainda uma das áreas mais saudáveis e inteligentes da sociedade. Sem uma imprensa livre e crítica, seríamos uma espécie mais doente, pois a omissão, a impunidade, a discriminação e muitas outras formas de violação dos di­reitos humanos seriam amplamente cultivadas.
Creio que a mais grave doença da nossa espécie não é a AIDS, o cân­cer, a depressão, mas a perda generalizada do sentido psicossocial de espé­cie, que se torna uma grande fonte de violação dos direitos humanos.
Somos americanos, alemães, japoneses, ingleses, franceses, italianos, brasileiros, brancos, negros, palestinos, judeus, etc, mas não somos psicossocialmente a mesma espécie. Somos uma espécie dividida, segmen­tada, dilacerada psicossocialmente. Somos uma única espécie, mas não honramos a condição de possuirmos o espetáculo indescritível da constru­ção da inteligência. Conservamos apenas os laços genéticos, mas perdemos ou, talvez, nunca tenhamos conquistado as características mais nobres da inteligência capazes de financiar uma macrovisão da espécie humana, de alicerçar a práxis da teoria da igualdade, de construir coletivamente os sentimentos globais mais altruístas da psique. Globalizamos a cultura e a economia, mas não globalizamos a cidadania, o humanismo e a democra­cia das idéias; não globalizamos o sentido psicossocial de espécie.
Se compreendêssemos melhor a natureza dos pensamentos, os papéis da memória, as dificuldades do "eu" em gerenciar a energia psíquica, o fenômeno da psicoadaptação e a atuação rapidíssima dos fenômenos in­conscientes que constroem as complexas cadeias de pensamentos, sería­mos mais tolerantes e menos havidos a nos discriminar.
Leis, policiamento, apelo emocional, não resolverão nossos conflitos sociais fundamentais; servirá apenas para amenizá-los, pois as raízes dos nossos problemas estão nas origens da inteligência, nos fundamentos do processo de formação da personalidade, no funcionamento da mente.
Espero que este livro possa não apenas contribuir para expandir o mundo das idéias sobre o funcionamento da mente e a construção de pensamentos e se tornar fonte de pesquisa na Psicologia, na Filosofia, na Psiquiatria, na Sociologia, na Educação, mas também contribuir para a formação de pen­sadores humanistas, de engenheiros de idéias, de poetas intelectuais, de homens que aprendem a se interiorizar e procurar na sinuosa e curta traje­tória da existência humana as funções mais nobres da inteligência.


Glossário


Âncora da Memória: Fenômeno intrapsíquico inconsciente que modifica o terri­tório de leitura da memória. A âncora da memória é usada e deslocada pelo fenômeno da autochecagem da memória, do fenômeno do autofluxo e do eu.
Bastidores da Mente (Inconsciente): Campo de energia psíquica inconscien­te, onde atua um grupo de fenômenos e variáveis que geram os quatro grandes proces­sos de construção da inteligência: os processos de construção dos pensamentos, da consciência existencial, da história intrapsíquica e da transformação da energia emo­cional.
Cidadania: Termo que, neste livro, se refere a muito mais do que o gozo dos direitos e deveres civis e políticos de um cidadão em uma sociedade, mas também a um compromisso biopsicossocial e a um engajamento em projetos de preservação e expansão da qualidade de vida do "outro", das sociedades, da espécie humana como um todo e do ambiente ecossocial.
Fenômeno do autofluxo: Fenômeno intrapsíquico multifocal e inconsciente que financia psicodinamicamente o autofluxo de transformações da energia psíquica, através da leitura da memória, das construções contínuas e inevitáveis das cadeias de pensamentos e das transformações da energia emocional e motivacional.
Comunicação Social Mediada: Expressão criada para indicar que as relações humanas não transcorrem na esfera da transmissão essencial da energia psíquica, mas através de sistemas de códigos físico-químicos sensoriais, indicando que não recebe­mos a essência psíquica do outro (ex., emoções, pensamentos), mas a reconstruímos interpretativamente.
Consciência do Eu: Refere-se aos amplos aspectos da consciência, ou seja, a consciência da existência do eu, a consciência da identidade psicossocial da personali­dade, a consciência da capacidade de pensar e do gerenciamento dessa capacidade, a consciência do mundo intrapsíquico. O eu é gerado pela produção multifocal de ca­deias dialéticas e antidialéticas de pensamentos. Essas cadeias de pensamentos são produzidas pelo próprio eu e pelos três outros fenômenos que lêem a memória, indi­cando que a construção da inteligência é multifocal.
Consciência Existencial: Sinônimo de consciência do eu.
Consciência Instantânea: É a consciência existencial automática que promove a identidade básica de nossas personalidades e do ambiente social em que estamos, tais como nosso nome, profissão, idade, papel social, pessoas circunscritas ao ambien­te, resposta social esperada, etc. A consciência instantânea é uma das avenidas do eu, porém, não produzida por ela, mas pelo fenômeno da autochecagem da memória, a partir dos estímulos sensoriais do ambiente e, pela âncora da memória, a partir da ancoragem nos territórios da memória.
Consciente: Termo que se refere ao universo dos pensamentos dialéticos e antidialéticos e a todas as derivações intelectuais deles decorrentes, tais como: a consciência existencial do mundo que somos e em que estamos, a racionalidade, a capaci­dade de síntese, de análise, de uso parâmetros tempo-espaciais.
Democracia das Idéias: Democracia das idéias é um termo psicossocial e filosó­fico derivado do conhecimento sobre o Homo intelligens (consciente) e o Homo interpres (inconsciente), ou seja, do processo de interpretação, da inatingibilidade da verdade essencial pela consciência humana, do sistema de encadeamento distorcido que ocor­re na construção dos pensamentos. A democracia das idéias regula o processo de interpretação, pois implica o respeito pela inteligência do outro, a necessidade vital de expor e não impor as idéias, o respeito pela diversidade das idéias, a necessidade de analisar o outro e se colocai' no lugar dele, etc. A democracia das idéias questiona dogmas, recicla a rigidez de pensamentos, redireciona estereótipos, reorganiza a capa­cidade de pensar, expande a consciência crítica e o mundo das idéias. A democracia das idéias prepara os alicerces humanistas da maturidade das relações humanas.
Fenômeno da Autochecagem da Memória: Fenômeno intrapsíquico incons­ciente que autocheca, em fração de segundo, os estímulos sensoriais na memória. O fenômeno da autochecagem da memória produz, invariavelmente, uma ponte de rela­ção entre os estímulos sensoriais e a história intrapsíquica, arquivada na memória.
Fenômeno da Psicoadaptação: Fenômeno intrapsíquico inconsciente que gera uma adaptação psíquica da energia emocional ao longo da exposição dos mesmos estímulos, sejam eles prazerosos ou dolorosos. A adaptação psíquica da emoção pro­duz nela a incapacidade de vivenciar prazer ou dor ao longo do tempo. Este fenômeno atua na terceira etapa inconsciente do processo de interpretação.
Fluxo Vital da Energia Psíquica: Princípio dos princípios que transforma a energia psíquica, promove o processo de formação da personalidade e estimula a evolução psicossocial humana. Esse princípio afirma que a psique ou a mente é um campo de energia que vivência um fluxo inevitável e contínuo de transformações essenciais: organização, caos psicodinâmico e reorganização.
Gerenciamento do Eu: É a administração ou controle sobre os processos de construção dos pensamentos, das emoções e da história existencial arquivada na me­mória. Através dele, o homem deixa de ser apenas vítima da carga genética, das causalidades históricas e das circunstâncias psicossociais, vivenciadas em seu processo existencial, e se torna, também, agente modificador de sua própria história psicossocial.
História Intrapsíquica: vide RPSs — Representações Psicossemânticas.
Homo intelligens: Termo que expressa os palcos conscientes da inteligência, em que é encenada toda a produção dialética e antidialética de pensamentos.
Homo interpres: Termo que se refere aos fenômenos intrapsíquicos inconscien­tes presentes nos bastidores da psique humana. Esses fenômenos correspondem aos fenômenos que lêem multifocalmente a memória e as outras variáveis intrapsíquicas que co-interferem para gerar os processos de construção dos pensamentos. Há um Homo interpres micro ou macrodistinto a cada momento existencial, pois uma parte destas variáveis flutua e evolue durante o processo existencial.
Inconsciente: Termo que se refere a toda realidade essencial existente no cam­po de energia psíquica e a todos os fenômenos submersos na história intrapsíquica e nos processos de construção da inteligência, tais como: o fluxo vital da energia psíqui­ca, a leitura multifocal da memória, as cadeias de pensamentos essenciais, o fenômeno da psicoadaptação, o fenômeno da autochecagem da memória, a âncora da memória, o fenômeno do autofluxo, a essencialidade da energia emocional e motivacional, etc.
Interpretação do Outro: vide Comunicação Social Mediada.
Humanismo: Termo que se refere ao exercício das funções mais nobres da men­te, que objetivam valorizar, respeitar e procurar promover os direitos humanos e a qualidade de vida psicossocial das sociedades. A produção das idéias humanistas ocorre, principalmente, a partir da compreensão dos processos de construção dos pensamen­tos e das complexas relações do Homo interpres com o Homo intelligens.
Leitura Multifocal da Memória: Leitura produzida por quatro fenômenos intrapsíquicos que constroem as cadeias de pensamentos: a âncora da memória, o fenômeno do autofluxo, o fenômeno da autochecagem da memória e o eu.
Mal do Logos Estéril: Doença psicossocial expressa por uma rica sintomato­logia: postura intelectual como espectador passivo da transmissibilidade do conheci­mento; incorporação do conhecimento sem prazer, sem crítica, sem desafio, sem aven­tura; redução da capacidade de ser pensador, um engenheiro da construção de novas idéias; redução da consciência sociopolítica e da capacidade de engajamento em pro­jetos sociais; utilização do conhecimento apenas como ferramenta profissionalizante para fins próprios, etc.
Mordomos da Mente: Expressão criada para indicar os três fenômenos que contribuem diretamente para a formação do eu: a âncora da memória, o fenômeno do autofluxo e o fenômeno da autochecagem da memória. Eles organizam e orientam inconsciente e psicodinamicamente o "eu" na sua indescritível tarefa de gerenciar os processos de construção da inteligência, principalmente no que tange a ler inconscien­temente a memória e construir as cadeias de pensamentos.
Pensamento Antidialético: Cadeia de pensamento consciente que tem uma construção psicodinâmica antipsicolingüística, ou seja, que não mimetiza psicodinami­camente os símbolos da linguagem sonora e ou visual. Eles são "quadros intelectuais", imagens mentais, que expressam a consciência existencial das angústias, das fobias, do humor deprimido, do prazer, da inspiração, das imagens, das relações tempo-espa­ciais, etc. Têm natureza virtual e são produzidos a partir da leitura dos pensamentos essenciais e das emoções e motivações. Os pensamentos dialéticos provocam um reducionismo intelectual quando definem os pensamentos antidialéticos.
Pensamento Dialético: Cadeia de pensamento consciente que tem uma cons­trução psicodinâmica psicolingüística, pois mimetiza os símbolos da linguagem sonora e ou visual. Eles financiam a comunicação social, geram toda a racionalidade dialética e subsidiam a produção científica e coloquial do conhecimento. Têm natureza virtual e são produzidos através das leituras dos pensamentos essenciais.
Pensamento Essencial: Cadeia de pensamento inconsciente (matrizes de códi­gos essenciais) produzido pela leitura multifocal da memória. O processo de leitura virtual dos pensamentos essenciais gera os pensamentos dialéticos e antidialéticos.
Práxis ou Materialização do Pensamento: Expressão criada para indicar a materialização do pensamento essencial. Os pensamentos conscientes (dialéticos e antidialéticos), por serem virtuais, não se "materializam", embora possam coordenar a leitura da memória e a produção dos pensamentos essenciais. O pensamento essencial materializado produz o trabalho emocional (ex., transformações na energia emocional), o trabalho intelectual e o trabalho motor (ex., fonação, andar, operações manuais).
Processo de Transmutação: Expressão criada para indicar a transformação de energia psíquica em energia físico-química do cérebro e vice-versa. O processo de transmutação é decorrente da coabitação, da coexistência e da co-interferência entre a psique e o cérebro. Ele é realizado através das janelas de transmutação psíquico-cere­brais, gerando, por exemplo, o trabalho motor e os sintomas psicossomáticos, ou através das janelas de transmutação cérebro-psíquicas, gerando, por exemplo, a atuação psicodinâmica das drogas psicotrópicas e dos estímulos sensoriais.
Processos de Construção da inteligência: Referem-se aos quatro grandes pro­cessos de construção ocorridos na psique humana: os processos de construção dos pensamentos, da consciência existencial, da história intrapsíquica e da transformação da energia emocional e motivacional.
Resgate da liderança do eu nos focos de tensão: refere-se ao gerenciamento do eu dos pensamentos negativos e das reações emocionais tensas (ex. reação fóbica ocorrida nos ataques de pânico) detonados pelo gatilho da autochecagem da memó­ria. Ao resgatar a liderança desses processos, o eu alarga os territórios de leitura da memória e, assim, expande a liberdade de pensar e reescreve a história inconsciente.
Revolução da Construção das Idéias: Expressa a produção contínua e inevitá­vel das idéias ao longo de toda a trajetória existencial humana. Ela é gerada pelo fluxo vital da energia psíquica, que conduz a uma leitura da memória e a uma construtividade multifocal inevitável dos pensamentos.
RPSs — Representações Psicossemânticas: São representações psicossemânticas das experiências psíquicas (ex: pensamentos, angústias, ansiedades) na me­mória (córtex cerebral). As RPSs são arranjos multifocais físico-químicos (eletrônicos ou atômicos) na memória. Por isso, elas sempre representam as experiências psíquicas de maneira limitada, reducionista. As RPS são diretivas (RPSd), ou seja, ligadas direta­mente ao estímulo, ou associativas (RPSa), ou seja, relacionadas com ele. Elas formam a história intrapsíquica.
Síndrome da Exteriorização Existencial: Doença psicossocial decorrida da crise de interiorização. Esta síndrome tem uma sintomatologia psicossocial multiforme, expressa pela incapacidade de se repensar, de se reciclar, de se criticar, de se reorgani­zar, bem como pela dificuldade de trabalhar suas dores, perdas e frustrações psicossociais; dificuldade de tornar-se agente do humanismo e da cidadania, de apren­der a se colocar no lugar do outro e perceber suas dores e necessidades psicossociais.
Solidão Paradoxal da Consciência Existencial: É a complexa e sofisticada solidão decorrente da natureza virtual da consciência, que acusa antidialeticamente e discursa dialeticamente o mundo intra e extrapsíquico, mas nunca incorpora suas rea­lidades essenciais. Embora possamos nos conscientizar do mundo intrapsíquico e so­cial, estamos infinitamente distantes da sua realidade essencial, pois a consciência vir­tual possui um antiespaço insuperável em relação à sua essência. Esse antiespaço pro­duz a solidão paradoxal da consciência existencial. A comunicação intrapsíquica e interpessoal, a criatividade, a literatura, a pintura, a produção científica, a tecnologia são tentativas inconscientes e "ansiosas" de superação da intransponível solidão para­doxal da consciência existencial. Quando essa busca de superação não tem sucesso, produz-se a solidão emocional, o tédio existencial, a rotina dos estímulos, a angústia existencial decorrente da mesmice dos eventos.
Traição Inevitável da Interpretação: Expressão criada para referir-se às distorções inevitáveis da interpretação que ocorrem nos bastidores da mente quando contemplamos os estímulos, tais como os textos de uma teoria, o comportamento de uma pessoa, o significado das imagens de um objeto etc. Ela é gerada espontaneamen­te pelos sistemas de co-interferência das variáveis intrapsíquicas que flutuam e evolu­em, tais como a energia emocional, o fenômeno da psicoadaptação, a história intrapsíquica etc.


Notas Bibliográficas


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2. Descartes, René. Discurso do Método. Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1981.
3. Husserl, L.E. La Filosofia como Ciência Estricta. Buenos Aires, Editorial Nova, 1980.
4. Kandel, E.R., Schwartz, J.H., Jessel, T.M. Essentialis of Neural Science. Stanford, Connecticut, Appleton & Lange, 1995.
5. Idem.
6. Gardner, Howard. Inteligências Múltiplas. Porto Alegre, Artes Médicas, 1995.
7. Sartre, Jean Paul. O Ser e o Nada - Ensaio de Ontologia. Petrópolis, Vozes, 1997.
8. Goleman, Daniel. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro, Objetiva, 1995.
9. Durant, Will. História da Filosofia. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1996.
10. Freud, Sigmund. Os Pensadores. Rio de Janeiro, Nova Cultural, 1978.
11. Freud, Sigmund. Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago, 1969.
12. Jung, Carl Gustav. O Desenvolvimento da Personalidade. Petrópolis, Vozes, 1961.
13. Adler, Alfred. A Ciência da Natureza Humana. São Paulo, Editora Nacional, 1957.
14. Fromm, Erich. Análise do Homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1960.
15. Frankl, V.E. A Questão do Sentido em Psicoterapia. Campinas, SP, Papirus, 1990.
16. Kaplan, Harold I., Sadoch Benjamin, J., Grebbjack, A. Compêndio de Psiquiatria: Ciência do Comportamento e Psiquiatria Clínica. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997.

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