Toda construção civil emerge
do caos. A argila, que estava caoticamente desorganizada nos pântanos, se
organiza em tijolos. O minério de ferro, que estava organizado nas rochas, é
implodido, desorganizado, "imerso" no caos e, uma vez fundido, emerge
do caos como barras de ferro organizadas para serem usadas nas construções. Se
tivermos quatro paredes, cada uma das quais composta por milhares de tijolos,
definiremos uma única arquitetura, formaremos um único ambiente. Porém, se as
paredes imergirem no caos, se forem destruídas, produzirão milhares de tijolos
inteiros e de fragmentos. Assim, poderemos usá-los para definir inúmeras
arquiteturas, formar inúmeros ambientes. O caos físico-químico é um precioso
estágio no ciclo da construção.
A cadeia sistemática de
fenômenos que ocorre na macroessência (qualquer objeto, planeta ou galáxia)
para a infinidade microessencial da matéria ou da energia, está num contínuo
movimento de organização, de caos e reorganização. A experiência do caos
dinâmico desta cadeia faz da Física uma ciência infinita, pois não apenas abre
as possibilidades de construção e expansão do universo macroessencial, mas
também do universo microessencial, gerando infinitamente micro e
macrorrelações multifocais.
Do ponto de vista filosófico,
não há nenhuma possibilidade de construção mais rica no campo das idéias e no
campo dos fenômenos físicos sem ocorrer uma desorganização, um caos das
estruturas.
Nas artes, o caos
fisico-quimico se mescla com o caos da energia psíquica. O nascedouro do belo
emerge do caos. Um belo quadro de pintura emerge tanto do caos do processo de
construção da inteligência como também do caos fisico-quimico da tinta. A
medida que a inspiração vai se reorganizando na mente, as pinceladas de tintas,
por sua vez, também conquistam a estética. As composições musicais e muitas
outras obras de arte emergem do caos.
Muitas poesias foram
inspiradas e produzidas a partir do caos emocional, da angústia existencial. A
produção das artes nos bastidores da mente são, enquanto construções
psicodinâmicas, mais complexas do que os próprios artistas conseguem
expressar. Por exemplo, o caos emocional, expresso pela depressão, pela
angústia existencial, pela dor da solidão, etc, é reorganizado pelos fenômenos
que fazem a leitura da história intrapsíquica. Dessa leitura é produzido um
grupo de matrizes de pensamentos essenciais históricos que transformam a
energia emocional, gerando a criação e a inspiração artística. Ao mesmo tempo,
essas matrizes preparam uma pista de decolagem virtual para a produção de
pensamentos antidialéticos e dialéticos, que organizarão o "eu". Todo
esse processo ocorre rapidamente, e não pára por aí.
O eu, uma vez formado num
determinado momento existencial, lê novamente a memória, utiliza as informações
nela existentes, forma as cadeias de pensamentos essenciais que materializam
sua intencionalidade no córtex cerebral, produzindo em último estágio o refinado
trabalho motor do pintor, do escultor, do autor literário, do fraseologista. O
trabalho motor, gerenciado pelo eu, por sua vez reorganiza o caos
fisico-quimico da tinta usada nas pinturas, ou o caos fisico-quimico dos
materiais usados nas esculturas.
A mesclagem da reorganização
do caos da energia psíquica com a reorganização do caos fisico-quimico gera a
produção das artes. Mesmo as obras literárias são produzidas a partir dessas
duas mesclagens.
As artes e as ciências
emergem do brilhante caos intrapsíquico que reorganiza os sofisticados
símbolos extrapsíquicos. A poesia, o romance, a escultura, as pinturas, os
textos científicos, etc, são reorganizados extrapsi-quicamente como símbolos
que expressam os refinados processos de construção produzidos clandestinamente
nos bastidores da mente dos artistas. Porém, a simbologia literária,
cientifica, poética é sempre reducionista em relação às dimensões do belo
intrapsíquico.
Embora seja um pesquisador
das ciências da cultura e não um físico, vejo o universo fisico-quimico num
processo contínuo de organização, de caos e reorganização da matéria e da
energia, onde mesmo as estruturas mais sólidas não são rígidas, mas se
movimentam intrinsecamente, se desorganizam e se reorganizam micro e
macroessencialmente. Porém, sob determinados ângulos, há exceções na
expansibilidade de construção decorrente do caos físico-quimico, pelo menos na
esfera da qualidade. Nessas exceções se incluem as atitudes antiecológicas, os
procedimentos anti-humanísticos, as doenças neurológicas.
Nas atitudes antiecológicas,
o caos físico-quimico pode desorganizar seres vivos e comprometer seriamente a
preservação das espécies, ainda que quantitativamente a desorganização dos
elementos possa ser incorporada em outros seres vivos e em novas estruturas
físico-químicas. A complexidade da organização dos milhões de espécies
existentes na natureza nos impõe grande responsabilidade, pois o caos
físico-quimico, decorrente da extinção delas, se reorganizará em outras formas,
o que nos faz supor que a extinção delas implica uma perda irreparável.
Nas atitudes
anti-humanísticas, tais como as produzidas pela guerra, pelo genocídio, pela
propagação da fome, também há um caos físico-quimico e psicossocial dramático
que expande a destrutividade, as dores e as misérias biopsicossociais.
Na degeneração do cérebro
(ex., doença de Alzheimer), nos traumas cranioencefálicos, nos tumores
cerebrais, nos acidentes vasculares cerebrais, pode ocorrer uma desorganização
caótica das células do córtex cerebral que arquivam os segredos da complexa
história existencial humana, fazendo com que ocorra uma desorganização do
processo de leitura da memória por parte dos fenômenos que reorganizam o caos
da energia psíquica, comprometendo dramaticamente a construtividade das
cadeias psicodinâmicas dos pensamentos, a formação da consciência existencial
e, conseqüentemente, a organização do eu, da identidade psicossocial da
personalidade e da lógica dos referenciais históricos da racionalidade.
O FLUXO VITAL DA ENERGIA PSÍQUICA
O caos da energia psíquica,
como vimos, é mais complexo e submete-se, freqüentemente, a um processo de
transformação bem mais rápido e intenso do que o caos físico-quimico.
As idéias, os pensamentos
antecipatórios, os pensamentos existenciais, os desejos, as ansiedades, etc,
são produzidos num fluxo vital contínuo a cada momento existencial. Uma
complexa experiência psíquica, constituída de uma energia emocional prazerosa,
pode, numa fração de segundo, "imergir" num caos essencial e, em
fração de segundo depois, ser reorganizada e "emergir" numa
experiência ansiosa.
Um paciente que sofre um
ataque de pânico submete-se a um caos dramático que desorganiza sua
experiência intelecto-emocional prazerosa, coerente, lúcida, produzindo uma
reação fóbica súbita, intensamente ansiosa e irracional, acompanhada de
diversos sintomas psicossomáticos, tais como taquicardia, sudorese (excesso de
suor), falta de ar.
O ciclo vital dos processos
de construção da inteligência, expresso pela organização, desorganização caótica
e reorganização da energia psíquica, ocorre tão subitamente que não temos
consciência da extrema rapidez da sua transformação.
Na mente humana, tanto a
organização quanto a reorganização da energia psíquica normalmente é
desencadeada por fenômenos que fazem a leitura da memória. Tais fenômenos
sofrem a ação dos sistemas de co-interferências de variáveis que interferem
qualitativa e quantitativamente tanto no processo de leitura quanto nas
matrizes de pensamentos essenciais históricos resultantes dessa leitura. Tal
interferência influencia a qualidade do processo de reorganização da energia
psíquica, ou seja, a qualidade das idéias, pensamentos, análises, reações
emocionais e reações motivacionais que são produzidas.
Entre as variáveis que
interferem no processo de leitura e nas matrizes dos pensamentos essenciais
históricos, decorrentes dessa leitura, se encontram a própria energia
emocional e motivacional anterior.
Por exemplo, quando uma
reação fóbica é organizada como microcampo de energia emocional dentro do campo
de energia psíquica, ela, imediatamente após sua organização, caminha
automaticamente para o caos psicodinâmico. Ao mesmo tempo que ela se
desorganiza, ela também atua psicodinamicamente na reorganização da energia
psíquica, atua nos fenômenos que fazem a leitura da história intrapsíquica,
influenciando a qualidade das matrizes de pensamentos essenciais históricos e,
conseqüentemente, a qualidade das transformações da energia emocional e
motivacional e a qualidade dos pensamentos dialéticos e antidialéticos que
serão produzidos. Com isso, uma reação fóbica anterior influencia a produção
de novas emoções ansiosas e a produção de pensamentos que expressem desespero
e preocupação. Assim, uma reação fóbica anterior, ou uma angústia existencial
(tristeza decorrente de uma contrariedade), ou qualquer outro microcampo de
energia emocional mais intenso, atua psicodinamicamente no processo de
reorganização do caos da energia psíquica e na qualidade das emoções e
pensamentos que serão produzidos. Por isso, os psicopatas alimentam
continuamente suas idéias e suas compulsões psicopáticas; as pessoas obsessivas
alimentam continuamente suas idéias obsessivas, as pessoas existencialmente
angustiadas alimentam continuamente sua produção de idéias que antecipam o
futuro ou que remoem o passado; os usuários de cocaína retroalimentam
continuamente sua dependência psicológica, o que os expõe a uma necessidade de
novas doses da droga para aliviar as experiências psíquicas decorrentes da
abstenção.
As experiências emocionais
anteriores funcionam como variáveis intrapsíquicas que podem ter uma grande
influência em todos os processos que geram a inteligência. Por isso, quando
estamos vivendo um humor sereno e prazeroso, as contrariedades, as intempéries
existenciais pouco nos atingem, pois o humor tranqüilo interfere, desloca a
leitura da história intrapsíquica para áreas da memória que subsidiam a
maturidade da inteligência, expressa pela construção das matrizes de
pensamentos essenciais, que gerarão reações emocionais e motivacionais menos
tensas e pensamentos dialéticos e antidialéticos com mais flexibilidade e
habilidade para dar solução às contrariedades e aos desafios psicossociais.
Por outro lado, quando alguém
vive uma reação depressiva, fóbica, um ataque de pânico, uma angústia
existencial, ele interpreta os estímulos estressantes que o envolvem, tais como
ofensas, erros, perdas, frustrações, de maneira superdimensionada. Esses
estímulos estressantes causam um "eco introspectivo" intenso nos
bastidores da mente, gerando matrizes de pensamentos essenciais que provocam
irritabilidade, tensão, intolerabilidade e dificuldade na organização das
idéias e na superação dos problemas psicossociais.
A energia emocional
influencia a qualidade da interpretação e, conseqüentemente, a qualidade das
cadeias de pensamentos e da história arquivada na memória. Quanto mais emoção
tensa, ansiosa ou prazerosa as cadeias de pensamentos possuem, mais o fenômeno
RAM as registra em zonas privilegiadas da memória, o que facilita sua leitura.
Portanto, a energia emocional influencia decisivamente a maturidade da
inteligência ou da personalidade.
É possível que haja muita
gente vivendo exteriormente em excelentes condições sociais, mas vivendo
interiormente uma verdadeira miséria emocional. É possível também que haja
pessoas que vivam exteriormente em condições miseráveis, mas são emocionalmente
livres e alegres. Assim, apesar de suas limitações exteriores, se tornaram
poetas da existência, pensadores que aprenderam a destilar sabedoria nos seus
desertos existenciais.
Precisamos compreender os
processos básicos envolvidos na construção da inteligência para ter subsídios
para reciclar as experiências emocionais e para trabalhar com maturidade os
estímulos psicossociais estressantes.
NA AUSÊNCIA DA ATUAÇÃO DO EU, OS FENÔMENOS INCONSCIENTES PROMOVERÃO A CONSTRUÇÃO DAS IDÉIAS SEM CONSCIÊNCIA CRÍTICA
Se o eu não reorganizar o
campo de energia psíquica, então, os três fenômenos inconscientes, que estão
num fluxo vital contínuo, farão espontânea e inevitavelmente essa
reorganização, gerando uma produção de idéias, de pensamentos existenciais, de
resgate de experiências passadas, de reações emocionais, etc, sem determinismo
lógico, sem consciência crítica.
Creio que todos nós já ficamos
surpresos com determinados pensamentos ou idéias que são produzidos em nossa
mente e que não foram produzidos conscientemente pela determinação consciente
do "eu".
Muitas idéias e pensamentos
que produzimos não têm nenhuma relação com os estímulos do meio ambiente ou
com pensamentos anteriores. É comum recordarmos determinadas experiências
passadas que não têm nenhuma relação lógica com as circunstâncias
intrapsíquicas e extrapsíquicas. Na realidade, tais resgates de experiências do
passado foram produzidos pela leitura dos fenômenos contidos nos bastidores da
mente, dos quais destaco, aqui, o fenômeno do autofluxo.
O fenômeno do autofluxo é um
dos fenômenos que impulsionam psicodinamicamente o fluxo vital da energia
psíquica; é um dos fenômenos que lêem a memória, resgatando as RPSs
(representações psicossemânticas das experiências psíquicas passadas) mais
disponíveis nas tramas da memória. Em diversos casos, o resgate dessas RPSs
realizado pelo fenômeno do autofluxo tem uma estreita relação com as experiências
psíquicas anteriores e com os estímulos extrapsíquicos; porém, em muitos
outros, a leitura da memória, como disse, é feita aleatoriamente.
Todos os dias produzimos
milhares de pequenos pensamentos, de idéias, ainda que muitas delas sejam vagas,
pela leitura contínua e espontânea da memória pelo fenômeno do autofluxo.
Um palestrante, no momento em
que expõe suas idéias, utiliza preponderantemente o eu para ler a própria
memória e construir pensamentos com a consciência crítica. Por sua vez, os
ouvintes usam preponderantemente o fenômeno da autochecagem da memória, para
captar as informações, autochecá-las automaticamente na memória e
compreendê-las.
É possível que, na platéia,
haja ouvintes desatentos ou desinteressados no assunto e que usem preponderantemente
o fenômeno do autofluxo para ler suas memórias e produzir pensamentos, idéias e
fantasias que não têm nada a ver com a exposição do palestrante. Além desses
três fenômenos que citei — o "eu", o fenômeno da autochecagem da memória
e o fenômeno do autofluxo — há outro fenômeno, a âncora da memória, que é
responsável por deslocar o território de leitura da memória e subsidiar para
cada ser humano informações que eles utilizarão nos processos de construção dos
pensamentos. Assim, o palestrante, os ouvintes atentos e os ouvintes desatentos
deslocam a âncora da memória para uma região específica da memória, e isso faz
com que eles resgatem as informações da memória e construam uma agenda
específica de pensamentos.
O campo de energia psíquica
se encontra num fluxo vital contínuo e inevitável de autotransformações
essenciais. Todas as idéias, pensamentos antecipatórios, análises, desejos,
angústias, ansiedades, reações de prazer, etc, produzidas no palco da
inteligência se desorganizam.
Os fetos, as crianças de
colo, os pré-adolescentes, os adolescentes, os adultos jovens, as pessoas
idosas, enfim todo e qualquer ser humano, organizam e reorganizam diariamente
milhares de vezes a energia psíquica, através dos fenômenos que lêem a história
intrapsíquica e da ação psicodinâmica dos sistemas de variáveis
intrapsíquicas. Todos vivemos sob o regime da revolução dos processos de
construção das idéias. Pensar é o destino do Homo sapiens. Todas as
construções psicodinâmicas caminham para o caos desorganizacional; caminham
para desorganizar os microcampos de energia psíquica que constituem os
pensamentos e as emoções.
Não há convivência simultânea
de dois tipos de emoções, motivações e pensamentos na mente. Os microcampos de
energia psíquica, expressos nas emoções, motivações e pensamentos, precisam se
desorganizar para que haja a expansão das possibilidades de construção da
psique.
O fim de toda idéia, de todas
as análises, de todas as reações emocionais, de todos os desejos e impulsos
instintivos é o caos psicodinâmico, a descaracterização essencial. Porém, à
medida que se processa a descaracte-rização ou desorganização essencial das
construções psicodinâmicas da mente, ocorre sinergicamente a operacionalidade
dos fenômenos que fazem a leitura da história intrapsíquica, bem como a ação
psicodinâmica dos sistemas de variáveis intrapsíquicas, reorganizando novamente
os microcampos de energia psíquica que são traduzidos como novas construções
psicodinâmicas: novas idéias, novas emoções, novas motivações. Assim, se
constrói o espetáculo da inteligência.
NINGUÉM CONSEGUE RETER NA MENTE AS CONSTRUÇÕES PSICODINÂMICAS
Ninguém consegue manter por
muito tempo os microcampos de energia psíquica que são expressos como idéias,
pensamentos antecipatórios, reações de ansiedade, de prazer ou qualquer outro
tipo de construção psicodinâmica, pois o fluxo vital da energia psíquica é
soberano; é o princípio dos princípios, que movimenta o processo de formação
da personalidade e todo o processo psicossocial humano.
Este fluxo é expresso por um
processo contínuo e inevitável de autotransformações essenciais. Ninguém
consegue manter por muito tempo uma idéia ou pensamento. Na realidade, eles
duram alguns segundos na mente de cada ser humano, duram o tempo em que são
construídos psicodinamicamente e assimilados conscientemente, pois, em seguida,
elas se desorganizam inevitavelmente. Para que a mesma idéia subsista na mente,
elas têm que ser reconstruídas. Se isso não acontecer, outras idéias serão
construídas no lugar delas, pois o fluxo da construção do campo de energia
psíquica não pode ser detido, pois tem fenômenos em contínuo estado de
operação. Como disse, até a tentativa de interrupção das idéias já é uma idéia;
até a concepção do "nada" é a idéia do nada e, portanto, pertence à
construção psicodinâmica da psique.
Ninguém consegue manter
também por muito tempo uma reação emocional, ainda que ela seja ricamente
prazerosa. As emoções também, estão num fluxo vital contínuo de
autotransformações essenciais. Elas, no entanto, possuem uma durabilidade
maior do que os três tipos básicos de pensamentos da mente: as matrizes de
pensamentos essenciais, os pensamentos dialéticos e antidialéticos.
As emoções podem durar
minutos e, em casos mais raros, horas. Porém, em seguida, elas experimentam o
caos que as desorganizam, enquanto os pensamentos, como disse, duram segundos
ou até uma fração de segundo. Porém, a desorganização dos microcampos de
energia emocional nem sempre é súbita, como é o caos dos pensamentos, mas
flutuante, ou seja, aumenta ou diminui de intensidade. Por isso, as emoções
podem tanto se transformar subitamente em outras emoções, como flutuar
lentamente, diminuindo ou aumentando de intensidade.
A qualidade da desorganização
da energia psíquica dependerá da intensidade do estímulo interpretado. A
desorganização psicodinâmica das emoções tem muitas particularidades. Elas
podem se desorganizar lentamente ou subitamente, dependendo das matrizes de
pensamentos essenciais produzidas paralelamente ou dos estímulos que são
interpretados no momento em que elas são vividas no campo de energia psíquica.
Se não há nenhum estímulo
intrapsíquico extressante (ex.: ataque de pânico, pensamento antecipatório
preocupante, resgate de experiência passada angustiante), intraorgânico
estressante (ex.: medicamento psicotrópico, droga alucinógena, distúrbio
metabólico) ou extrapsíquico estressante (ex.: ofensa social, perdas,
frustrações) os microcampos de energia emocional se desorganizarão lentamente,
ou seja, as reações de ansiedade e de prazer se descaracterizarão
essencialmente de maneira lenta, abrindo lentamente também as possibilidades
de construção para outros microcampos de energia emocional. Porém, se
contemplarmos algum estímulo intra-psíquico, intraorgânico e extrapsíquico
estressante, poderá ocorrer um caos súbito e uma reorganização súbita de outras
emoções. Nesses casos, é possível alternar rapidamente os microcampos de
energia emocional de prazer por sofrimento, de ansiedade por alegria, de fobia
por tranqüilidade, de ansiedade por irritabilidade, etc.
As pessoas que se submetem
continuamente aos estímulos estressantes têm propensão a ser mais ansiosas e a
desenvolver mais sintomas psicossomáticos, pois intensificam o fluxo vital da
energia psíquica: organização, caos e reorganização psicodinâmica. Porém, no
universo psíquico não há regras matemáticas, pois é possível haver pessoas
tranqüilas, mesmo vivendo em ambientes estressantes, e haver pessoas ansiosas,
mesmo vivendo em ambientes tranqüilos. Do mesmo modo, é possível haver pessoas
muito ansiosas que psicossomatizam pouco e pessoas pouco ansiosas que
psicossomatizam muito. Se o estudo do stress e das doenças
psicossomáticas não incorporar a teoria do fluxo vital da energia psíquica, ele
será deficiente e incompleto.
AS DOENÇAS DEPRESSIVAS DA INTELIGÊNCIA MULTIFOCAL
A depressão é uma doença
psiquiátrica grave, e tende a ser a doença que mais acometerá o homem do século
XXI. Sua incidência é alta e atinge as pessoas de qualquer condição social,
econômica e cultural. Por isso, compreendê-la, não apenas à luz dos postulados
biológicos das neurociências, mas à luz dos processos de construção da
inteligência, é fundamental para desenvolvermos procedimentos terapêuticos e
preventivos. Há vários tipos de depressão e cada tipo tem múltiplas
apresentações etiológicas (causas) e psicodinâmicas. Devido à falta de espaço,
comentarei o assunto sinteticamente, fazendo abordagens genéricas para os
vários tipos de depressão.
A dor emocional da depressão
é indescritível e os prejuízos psicossociais e profissionais decorrentes dela
são altíssimos. A energia emocional deprimida não consegue manter-se
psicodinamicamente estática, mesmo numa pessoa cronicamente deprimida. Apesar
de o humor deprimido ser, provavelmente, o microcampo de energia emocional de
maior duração psicodinâmica, devido ao financiamento dos pensamentos
negativos, ele não é estático, mas flutuante, alternando seus níveis de
intensidade durante o dia.
Uma pessoa é acometida com um
transtorno depressivo ou doença depressiva se ela tem um conjunto de sintomas
básicos, entre os quais se encontra a ansiedade, a perda de energia biofísica,
a insônia ou o aumento do sono, a perda da auto-estima, a perda do prazer de
viver, o aumento ou diminuição do apetite, a desmotivação, as idéias de
suicídio, etc. Nem todos os sintomas estão presentes nas doenças depressivas,
e quando estão presentes, eles nem sempre têm a mesma intensidade
psicodinâmica. Entre os sintomas da depressão, encontra-se também o humor
deprimido, que é expresso por uma dor emocional intensa e indescritível.
Somente quem a viveu sabe a sua dramaticidade.
O humor deprimido deveria ter
uma duração psicodinâmica de no máximo algumas horas, como ocorre com todas as
demais experiências emocionais, pois ela também se encontra num fluxo vital
contínuo de autotransformações essenciais. Porém, se a dor emocional da
depressão durasse algumas horas, ela não caracterizaria uma doença depressiva,
mas apenas uma reação depressiva, pois a depressão como doença deve ter uma duração
de alguns dias ou semanas.
Sabemos que as pessoas
deprimidas não apenas permanecem com seus sintomas depressivos por dias,
semanas e meses, mas também, em alguns casos, por anos ou até mesmo por dezenas
de anos. Diante disso, temos que nos perguntar: como é possível a dor da
depressão e as construções psicodinâmicas que geram os demais sintomas
depressivos não viverem o caos como qualquer outra construção psicodinâmica na
mente? Como é possível a depressão resistir ao caos da energia psíquica e ter uma
duração psicodinâmica de semanas, meses ou anos?
Na realidade, a dor emocional
e as construções psicodinâmicas que acompanham e que se manifestam através dos
sintomas também experimentam o caos que as desorganizam, como qualquer
microcampo de energia na mente. A diferença é que elas são reorganizadas
continuamente pela produção de matrizes de pensamentos essenciais, que nem
sempre são traduzidos por pensamentos conscientes de conteúdos negativos: pensamentos
que expressam preocupação existencial (perdas, dificuldades financeiras,
preocupações sociais excessivas, conflitos interpessoais, profissionais, etc),
pensamentos que evidenciam um sentimento de incapacidade, pensamentos
antecipatórios mórbidos, ruminação de experiências que causaram sofrimento no
passado, etc.
Os fenômenos que fazem a
leitura da história intrapsíquica geram, nas doenças, depressivas, matrizes de
pensamentos essenciais históricos que transformam a energia emocional na
terceira etapa da interpretação inconsciente. Há, como disse, cinco grandes
etapas que constituem o processo de interpretação. As primeiras três são
inconscientes; nelas ocorrem a leitura
da história intrapsíquica, as
matrizes de pensamentos essenciais históricos, os sistemas de co-interferências
das variáveis e a transformação inicial da energia emocional e motivacional. As
duas últimas são conscientes; nelas são formados os pensamentos dialéticos e
antidialéticos e a estrutura do eu.
Nem sempre, como disse, as
matrizes de pensamentos essenciais históricos, que são pensamentos
inconscientes, geram pensamentos conscientes dialéticos e antidialéticos, como
os citados há pouco. Porém, nas doenças depressivas, os pensamentos
inconscientes, em detrimento de gerar ou não pensamentos conscientes,
transformam e reorganizam constantemente a energia emocional depressiva antes
que ela seja desorganizada completamente. Esse é o segredo da sustentabilidade
psicodinâmica das depressões.
A dor da depressão e as
demais experiências que a envolvem também vivem continuamente o caos
psicodinâmico; por isso elas flutuam. Porém, antes que a energia psíquica
desorganize por completo o humor deprimido e os demais sintomas, a
hiperconstrutividade das matrizes de pensamentos essenciais inconscientes,
independentemente de gerar ou não gerar pensamentos dialéticos e
antidialéticos, reorganizam as mesmas, perpetuando o transtorno depressivo, bem
como seus sintomas. Por isso, a pessoa depressiva não consegue viver
completamente a desorganização do humor deprimido. Ela só percebe as flutuações
do humor deprimido, que ora é muito intenso e ora ê mais suportável.
Há períodos, pela manhã e ao
entardecer de qualquer dia, principalmente no domingo à tarde, em que o humor
deprimido piora muito, pois nesses períodos há uma introspecção maior e, conseqüentemente,
uma exacerbação da leitura da história intrapsíquica, e também, conseqüentemente,
uma exacerbação da hiperconstrutividade de matrizes de pensamentos essenciais
que, por sua vez, financiam uma reorganização mais intensa do humor deprimido e
dos demais sintomas da depressão, dos quais se destaca a intensificação dos
níveis de ansiedade.
Aproveito o assunto para
dizer que os diagnósticos na psiquiatria e na psicologia das doenças psíquicas,
tais como depressão maior, depressão distímica, ansiedade fóbica, síndromes de
pânico, neurose, transtorno obsessivo compulsivo (TOC), transtorno bipolar do
humor, esquizofrenia, a partir de uma escala sintomatológica, expressam um
conhecimento extremamente contracionista, que tem uma dívida teórica imensa
com os complexos processos de construção da inteligência, que são os processos
que realmente produzem as múltiplas formas de doenças psíquicas.
Os diagnósticos, ainda que em
muitos casos sejam úteis, como, por exemplo, nas pesquisas e nos procedimentos
terapêuticos, se não forem usados com critério, se não forem usados
considerando a complexidade da mente de cada ser humano, com respeito e
consideração pela dor do "outro", praticam o autoritarismo das
idéias, pois subscrevem os sofisticados processos de construção dos pensamentos
e de transformação da energia emocional à restritividade das idéias contidas
nos diagnósticos e nos sintomas que os caracterizam.
Sabemos que, por trás de cada
doença psíquica diagnosticada, há um ser humano complexo que está doente.
Porém, devemos avançar para compreender que há não apenas um ser humano
doente, mas também um ser humano cuja doença está em contínuo processo de
evolução, de deslocamento, pois, no âmago da sua mente, há um Homo
interpres micro e macrodistinto a cada momento existencial, que vive
continuamente uma revolução íntima, criativa e evolutiva de idéias. As doenças
psíquicas precisam ser estudadas não apenas à luz do Homo intelligens, mas
também à luz da construção dos pensamentos ocorrida no Homo interpres.
Os medicamentos
antipsicóticos, antidepressivos e ansiolíticos, por atuarem nas sinapses
nervosas e corrigirem possíveis alterações metabólicas ligadas aos
neurotransmissores, desobstruem transmutativamente, de diferentes maneiras e
em diferentes níveis de intensidade, os obstáculos intrapsíquicos que impedem o
desenvolvimento adequado da leitura da história intrapsíquica, da formação das
matrizes dos pensamentos essenciais e da reorganização do caos da energia
psíquica, expressa pela construção dos pensamentos, da consciência existencial
e da energia emocional.
Os postulados biológicos que
envolvem a culpabilidade dos neurotransmissores cerebrais na gênese das
doenças psíquicas, que nas depressões está relacionada à desorganização
metabólica da serotonina (hipótese serotoninérgica),16 tem grandes
deficiências psicodinâmicas e existenciais. Eles são restritos para explicar os
complexos processos de construção dos pensamentos de conteúdo mórbido que
ocorrem na pessoa deprimida, bem como para explicar o que é a energia emocional
depressiva; como ela se organiza no campo da energia psíquica; como ela vive o
caos e se reorganiza a partir das frustrações, contrariedades e estresses
psicossociais; quais são as causalidades histórico-existenciais e as circunstancialidades
que também participam da gênese da depressão.
Os postulados biológicos são
insuficientes, pois são até mesmo restritos para explicar como e por que
ocorrem as flutuações do humor deprimido em determinados períodos do dia. As
leis físico-químicas, por serem caracteristicamente lineares, previsíveis,
lógicas e estáveis, não têm como explicar a flutuabilidade da dor emocional. A
explicação é dada pelo fluxo vital da energia psíquica, pela construção dos
pensamentos e pelas causas psicossociais. Em determinados períodos do dia,
ocorre uma retração social, um recolhimento introspectivo, que estimula a ação
psicodinâmica dos fenômenos intrapsíquicos, que constroem cadeias de
pensamentos de conteúdo negativo, que, por sua vez, intensificam o processo
depressivo.
A PSIQUIATRIA E AS NEUROCIÊNCIAS PRECISAM REVER CRITICAMENTE SEUS PARADIGMAS
A Psiquiatria e as
neurociências precisam se reciclar criticamente e sair da linearidade e da
restritividade dos seus postulados biológicos, e incorporar os conhecimentos
teóricos ligados à leitura da história intrapsíquica, aos fenômenos
intelectuais e aos sistemas de variáveis intrapsíquicas, às matrizes de
pensamentos essenciais históricos, à reorganização do fluxo da energia
psíquica, aos pensamentos dialéticos e antidialéticos, à revolução das idéias,
às relações do Homo intelligens com o Homo interpres, etc.
Ainda que eu creia que esses
conhecimentos teóricos tenham fundamento científico, não é possível, em
hipótese alguma, descartar o postulado dos neurotransmissores, pois é provável
que a desorganização dos neuro-transmissores nas sinapses nervosas, ocorrida em
determinados sítios cerebrais, possam criar microcampos de energia (com
comprimentos de ondas específicos) que transmutam energia físico-química no
campo de energia psíquica, interferindo no processo de leitura da história
intrapsíquica.
Neste caso, o postulado
biológico representará algumas das muitas variáveis que atuam na construção de
pensamentos e nas demais construções psicodinâmicas ocorridas na mente humana.
Na condição de variável intraorgânica, a "desorganização metabólica dos
neurotransmissores nas sinapses nervosas" atuará no campo de energia
psíquica e, conseqüentemente, na qualidade da leitura da história
intrapsíquica, nas matrizes dos pensamentos e, em última análise, na qualidade
da revolução da construção das idéias.
Os postulados biológicos não
são um fim em si, não fecham o ciclo vital que organiza, desorganiza e
reorganiza os processos de construção dos pensamentos, da consciência
existencial e da transformação da energia emocional, mas são apenas alguns
tijolos da complexa arquitetura psicodinâmica da mente. As neurociências
precisam se questionar e se expandir.
Não é possível explicar uma
complexa construção, com inúmeros ambientes, com uma sofisticada estrutura de
concreto e ferro, com uma rica rede hidráulica e elétrica e com uma arquitetura
sofisticada, apenas através de alguns tijolos, pois essa atitude fere a
democracia das idéias e propaga o autoritarismo das idéias e a ditadura do
discurso teórico. Do mesmo modo, não é possível explicar os complexos processos
de construção dos pensamentos, da consciência existencial, da história
intrapsíquica e do processo de transformação da energia emocional, como
pretendem as neurociências, apenas através dos postulados biológicos ligados
aos neurotransmissores cerebrais.
Os postulados biológicos que
enfocam a culpabilidade dos neurotransmissores cerebrais, bem como de outras
cadeias de reações bioquímicas cerebrais ou neuroendócrinas, representam apenas
o grupo de variáveis intraorgânicas que influenciam a construção da
inteligência. Porém, temos que compreender a psique humana numa perspectiva
psicossocial e filosófica, e não apenas neurocientífica. As neurociências, se
não compreenderem o homem nessa perspectiva, adquirirão um alicerce científico
insustentável: querer definir através de seus "tijolos" (os
postulados biológicos e os fenômenos físico-químicos que pesquisam) a
sofisticadíssima arquitetura psicodinâmica da psique humana, negando numerosos
outros "tijolos" que fazem parte dela, expressos pelos complexos e
sofisticados processos de construção dos pensamentos, que notoriamente
ultrapassam os limites das leis físico-químicas.
Acredito que, através da
exposição psicossocial e filosófica do autoritarismo das idéias e da ditadura
dos discursos teóricos, bem como dos procedimentos multifocais de pesquisa que
utilizei, descobri que a previsibilidade, linearidade e lógica das leis
físico-químicas do metabolismo cerebral não explicam o funcionamento da mente,
os processos de organização, desorganização e reorganização da revolução das
idéias e da "usina psicodinâmica das emoções".
Ao estudar o processo de
construção dos pensamentos, descobri diversas evidências científicas de que a
psique humana não é meramente química, mas um sofisticado campo de energia
psíquica que coabita, coexiste e co-interfere com o cérebro. Essa área da
ciência é tão complexa e polêmica que a ciência deixou de investigá-la. Apenas
os filósofos se atreveram a molhar os pés nessas águas, por isso, alguns deles
abordaram genericamente a metafísica. Porém, a abordagem filosófica da
metafísica é apenas uma especulação do mundo das idéias; portanto, é
cientificamente superficial se não for acompanhada de uma investigação
psicológica criteriosa do campo da energia psíquica e da construção dos
pensamentos.
A omissão da ciência na
investigação da natureza psíquica abriu as janelas para que o esoterismo, a
superstição e o misticismo saturassem a sociedade e envolvessem a própria
ciência.
Durante anos pesquisei na
perspectiva de que o cérebro e a psique fossem uniessenciais, ou seja, fossem a
mesma coisa; de que a construção dos pensamentos fosse exclusivamente produzida
pelo sofisticado metabolismo cerebral. Porém, descobri que a previsibilidade,
a linearidade e a lógica das leis físico-químicas do cérebro não explicam um
conjunto de processos e fenômenos que participam da construção das cadeias de
pensamentos e da transformação da energia psíquica.
Confesso que durante muitos
anos fiquei perturbado com esse tema, pois, além de ser extremamente complexo,
ele é também crucial na ciência. A tese dos limites e das relações entre a
psique e o cérebro é, sem dúvida, a tese das teses na ciência, pois se refere à
essência intrínseca do homem pensante, à essência intrínseca da inteligência
humana e à essência intrínseca da própria ciência. Produzi sobre esse assunto
diversos textos, que provavelmente um dia serão publicados.
Capítulo 16
As Possibilidades Infinitas da Construção dos Pensamentos: A Ciência Emergindo do Caos
A INCRÍVEL LIBERDADE CRIATIVA E A PLASTICIDADE DA CONSTRUÇÃO MULTIFOCAL DOS PENSAMENTOS
Os fenômenos que fazem a
leitura das RPSs, contidas na história intrapsíquica, manipulam-nas
psicodinamicamente para produzir as cadeias psicodinâmicas das matrizes dos
pensamentos essenciais históricos. Como vimos, essas cadeias psicodinâmicas
inconscientes sofrem, em fração de segundo, um processo de leitura virtual que
produzirá a "psicolingüística consciente" dos pensamentos dialéticos
e a "antipsico-lingüística consciente" dos pensamentos
antidialéticos.
Tanto a psicolingüística dos
pensamentos dialéticos como a antipsicolingüística dos pensamentos
antidialéticos financiam a consciência existencial. Ambas são usadas para o
desenvolvimento de toda a racionalidade, de toda a produção intelectual, de
toda a produção científica, de toda a produção de artes e de toda a comunicação
humana. Os pensamentos antidialéticos são como quadros de pintura da mente, expressando
a consciência das angústias, da insegurança, do humor deprimido, do prazer,
etc. A consciência antidialética é sempre insuficiente para expressar as dimensões
essenciais das emoções, e a consciência dialética é sempre insuficiente para
expressar a consciência antidialética.
Quando os pensamentos
dialéticos tentam definir e conceituar logicamente a consciência antidialética
das emoções, ele reduz a complexidade da consciência antidialética e,
conseqüentemente, a complexidade das emoções. Por isso, um "quadro
antidialético" é mais completo e complexo do que "mil palavras
dialéticas". Assim, à medida que se caminha da consciência antidialética
para a lógica e a racionalidade dialética, ocorre, em todas as áreas do
conhecimento, um reducionismo das dimensões essenciais dos fenômenos, embora
seja através desse processo que se produza a ciência e a tecnicidade. Para se
contrapor a esse reducionismo, se faz necessário a expansão quantitativa e
qualitativa da racionalidade dialética, do conhecimento cientifico.
Os pensamentos antidialéticos
e dialéticos, apesar de reduzirem as dimensões dos fenômenos que
conscientizam, conquistam, na esfera da virtualidade, uma plasticidade
construtiva e uma liberdade criativa indescritivelmente sofisticada.
Devido à extrema liberdade
criativa e plasticidade construtiva dos pensamentos dialéticos e
antidialéticos, produzidos pelos fenômenos que lêem a história intrapsíquica,
principalmente pelo eu, fiquei durante mais de dez anos perturbado com uma
grande dúvida teórica, que passo a apresentar. Num instante, podemos nos
transportar virtualmente para Nova York e nos imaginar no Central Park. Em
segundos ou fração de segundo depois, podemos nos transportar para São Paulo e
nos imaginar na Avenida Paulista. Momentos depois, podemos resgatar uma
experiência ocorrida em nossa infância e, em seguida, podemos antecipar
situações passíveis de ocorrerem na nossa velhice. Como é possível produzir
esse espetáculo intelectual?
Como podemos construir novas
cadeias psicodinâmicas com tanta liberdade criativa e plasticidade
construtiva? Durante muitos anos, eu tinha uma grande dúvida teórica, que ainda
não foi completamente resolvida. Indagava se o "eu" tinha essa
liberdade e essa plasticidade para construir as cadeias psicodinâmicas dos
pensamentos conscientes apenas pela leitura virtual das matrizes dos códigos
dos pensamentos essenciais, produzidos pela leitura da história intrapsíquica e
pela manipulação psicodinâmica das RPSs, ou se conquistava também, na esfera da
virtualidade, essa liberdade e essa plasticidade, sem a necessidade de
substrato essencial, ou seja, sem necessidade das cadeias psicodinâmicas de
pensamentos essenciais subjacentes.
Sei que é difícil entender a
própria formulação da minha dúvida, quanto mais a sua solução; mas esse
assunto é de fundamental importância, pois constitui os elementos íntimos do
espetáculo intelectual que nos torna seres pensantes.
Quanto eu mais procurava
pesquisar detalhadamente os processos de construção dos pensamentos, debaixo de
uma revisão contínua do processo de observação e interpretação, mais intrigado
eu ficava para saber se o eu precisava ler continuamente a memória e manipular
psicodinamicamente as RPSs, e construir as cadeias de pensamentos essenciais,
para depois construir as cadeias psicodinâmicas dos pensamentos dialéticos e
antidialéticos. Eu me perguntava continuamente se, depois de organizado o eu,
ou seja, o eu como consciência da identidade, ele conquistava uma liberdade
criativa e uma plasticidade construtiva na esfera da virtualidade que
ultrapassa os limites da leitura das matrizes dos pensamentos essenciais.
No mundo físico, não posso
utilizar os materiais e fazer o que eu quero e quando quero; porém, no mundo
das idéias, eu tenho liberdade e plasticidade para construir o que quero e
quando quero. Posso construir um edifício em segundos no mundo das idéias.
Posso imaginar o passado, embora ele seja irretornável, e imaginar o futuro,
embora ele seja inexistente. Por que as construções no mundo físico contrastam
com as construções no mundo das idéias? Quais fenômenos sustentam a liberdade e
a plasticidade do campo de energia psíquica?
Através da versatilidade
construtiva dos pensamentos dialéticos e antidialéticos, que tanto promove a
lógica científica como ultrapassa os limites dessa lógica, compreendi que o eu,
por um lado, se ancora na história intrapsíquica através do fenômeno da
"âncora da memória", por outro, conquista uma liberdade criativa e
uma plasticidade construtiva tão impressionante, na esfera da virtualidade,
que permitem que ela construa as cadeias dialéticas e antidialéticas dos
pensamentos sem substrato essencial, desprendido das matrizes essenciais. O
mundo das idéias talvez seja construído também por um delírio virtual do eu.
O eu, por um lado, é produzido
a partir da leitura virtual das matrizes de pensamentos essenciais extraídas da
memória; por outro lado, após se alicerçar na memória, constrói na esfera da
virtualidade cadeias de pensamentos dialéticos e antidialéticos com
indescritível liberdade criativa e plasticidade construtiva.
Embora no mundo real,
material, essencial, haja imensas limitações no processo de construção dos
elementos, tais como na construção de um edifício, de uma avenida, de um
veículo, de um embrião, no mundo da consciência existencial ou da consciência
dialética e antidialética tudo é possível.
O psicoterapeuta pode
interpretar um paciente, embora jamais penetre na essência intrínseca da sua
angústia existencial, de seu humor depressivo, de sua história existencial. Os
astrônomos podem discursar sobre os astros e sobre as forças intrínsecas e
extrínsecas que os envolvem, embora jamais os toquem essencialmente. Os
cientistas podem investigar os fenômenos físicos e produzir conhecimentos
científicos sobre eles, sendo que toda produção de conhecimento é um sistema
de intenções que discursa dialeticamente sobre os fenômenos, mas jamais
incorpora sua realidade essencial. Podemos produzir relações humanas e dialogar
uns com os outros em nossa trajetória existencial, embora exista uma distância
infinita entre a consciência virtual do "outro" e a realidade
essencial do mesmo. As pessoas psicóticas podem produzir delírios e alucinações
e sofrer intensamente com idéias desconexas. Os poetas podem expressar suas
emoções num coquetel de idéias, os romancistas podem construir e lapidar
personagens imaginários, os pintores podem se inspirar num mundo sem cor, mas
extremamente livre, plástico e criativo. O mundo das idéias é indescritível.
Na esfera da virtualidade
dialética e antidialética da consciência existencial há uma liberdade criativa
e plasticidade construtiva sem limites, onde tudo é possível construir, ainda
que a grande maioria das cadeias psicodinâmicas virtuais não tenham como se
materializar ou se transformar em realidade, ainda que grande parte delas sejam
construídas sem considerar os parâmetros da realidade, sem nenhuma reciclagem
crítica. Os homens constroem até deuses na sua mente, e muitos deles até mesmo
se imaginaram deuses na história.
Os fenômenos que fazem a
leitura multifocal da história e constroem os pensamentos dialéticos e
antidialéticos conquistam uma liberdade e plasticidade que ultrapassam os
limites dos alicerces históricos. Por isso, sempre que recordamos o passado, o
reconstruímos com micro ou macrodiferenças. Creio que as cadeias psicodinâmicas
das matrizes dos pensamentos essenciais que geram os pensamentos conscientes
não são produzidas apenas pela simples leitura das RPSs contidas na memória,
mas também pela manipulação psicodinâmica dessas RPSs. As mesmas informações,
uma vez lidas e manipuladas em dois tempos distintos, podem gerar construções
diferentes de pensamentos. Tudo vai depender das variáveis presentes: focos de
tensão, ambiente social, grau de concentração.
O fenômeno do autofluxo é
responsável diariamente pela produção de milhares de cadeias psicodinâmicas de
pensamentos dialéticos e antidialéticos; entre elas se encontram as
pertinentes aos sonhos. Nos sonhos, a leitura da memória gera as matrizes dos
pensamentos essenciais, que sofre um desprendimento virtual e,
conseqüentemente, produz os pensamentos dialéticos e antidialéticos. Os
personagens, as situações e os fatos ocorridos nos sonhos são plásticos e
criativos, devido a esse complexo funcionamento da mente.
A construção da inteligência,
expressa pela construção dos pensamentos, é tão sofisticada que o discurso
teórico é insuficiente para expressá-la, ainda que usado com brilhantismo
literário.
A CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA MULTIFOCAL E A CIÊNCIA EMERGEM DO BRILHANTE CAOS
O fluxo vital de alguns
fenômenos que constroem a inteligência já estão presentes na vida
intra-uterina, pelo menos a partir do final do primeiro trimestre do
desenvolvimento embrionário, período em que o caos físico-químico do
metabolismo está mais organizado e, conseqüentemente, o cérebro está mais
desenvolvido. Nesse período, o feto começa a explorar o ambiente intra-uterino,
a realizar malabarismos, a fazer sucção dos dedos, deglutir o líquido
amniótico.
A criança é concebida como
uma complexa memória instintiva de origem genética, que chamo de memória
instintivo-genética. Nela ele tem mecanismos para reagir em determinadas
situações e preservar a vida. A sucção do seio e o choro quando a criança está
com fome são exemplos de reações provenientes dessa memória. O grande desafio é
formar a memória existencial, a história intrapsíquica, que dará suporte para
que ele não apenas sobreviva, mas se torne um ser pensante.
A partir do final do primeiro
trimestre do desenvolvimento do embrião, provavelmente a memória instintivo-genética
começa a incorporar a complexa memória histórico-existencial, ou seja, as RPSs.
Os processos de construção da inteligência fetal são complexos, embora ainda
não haja a produção de pensamentos dialéticos e, conseqüentemente, a organização
do eu. Talvez, devido à não-mimetização visual e sonora, haja uma produção
reduzida de pensamentos antidialéticos na vida intra-uterina. Se houver tal
produção, ela é totalmente insuficiente para organizar o eu.
O gerenciamento da construção
dos pensamentos é algo muito sofisticado, embora o exerçamos com
determinada facilidade, ainda que sem qualidade. O eu, quando imaturo, gravita
em torno da construção de pensamentos produzidos por outros fenômenos
intrapsíquicos. Como vimos, a maioria das pessoas não exerce um gerenciamento
maduro dessa construção. Para realizar esse tipo de gerenciamento, é
necessário mais do que a existência do eu, é necessária uma expansão
qualitativa da "consciência crítica do eu", expressa pela capacidade
de se interiorizar e de se repensar. A qualidade da consciência crítica do eu é
uma das características mais importantes no desenvolvimento da inteligência.
Mas, como ela se desenvolve?
Durante muitos anos, tenho-me
perguntado o que é o eu, como a sua consciência se desenvolve, quais são seus
limites e qual é o seu alcance. O desenvolvimento do eu ocorrerá com a expansão
qualitativa e quantitativa da história intrapsíquica e, conseqüentemente, com a
expansão qualitativa e quantitativa da leitura da mesma e, também, com a expansão
qualitativa e quantitativa das matrizes dos códigos dos pensamentos essenciais,
que sofrerão um processo de leitura virtual multifocal que, por sua vez, produzirá
os pensamentos dialéticos e antidialéticos. Com o passar dos anos, ocorrerá um
enriquecimento da produção desses pensamentos que, pouco a pouco, organizará o
eu e financiará os caminhos psicodinâmicos e psicossociais que propiciarão
condições para que ele possa gerenciar a inteligência.
Muitas crianças, aos três e
quatro anos de idade, não só têm uma reação emocional diante das frustrações,
como também adquirem certa consciência sofisticada de algumas perdas, tais
como a perda dos pais, de algumas diferenças básicas entre elas e o mundo, de
alguns limites entre o ter e o ser. Pouco a pouco, através do "ensinamento
psicodinâmico" silencioso dos mordomos da mente, elas aprendem não apenas
a ler a memória, mas a desenvolver uma consciência dessa leitura e produzir uma
construção de pensamentos com relações tempo-espaciais mais sofisticadas.
A medida que o fluxo de
construção de pensamentos dialéticos e anti-dialéticos se intensifica, o eu
vai-se organizando e tendo consciência do mundo intrapsíquico, do mundo
extrapsíquico e da sua história intrapsíquica. Assim, aos poucos, o eu não só
toma consciência de que pensa, mas, também, de que pode atuar na construção de
pensamentos e tornar-se um agente modificador de sua história intrapsíquica e
psicossocial. Porém, como abordei, o gerenciamento dos pensamentos nunca é
exercido plenamente pelo eu. A maioria dos seres humanos é marionete das
circunstâncias psicossociais (contrariedades, perdas, frustrações, sofrimentos,
estímulos estressantes etc.) e da operacionalidade dos fenômenos que lêem a
história intrapsíquica e produzem o mundo dos pensamentos.
A construção inicial da
inteligência multifocal, decorrente das experiências psíquicas fetais, é
produzida por pelo menos quatro grandes fontes.
Em primeiro lugar, a partir
das matrizes dos pensamentos essenciais, que são geradas pelo processo de
interpretação fetal diante dos estímulos intra-uterinos, expressos pelas
experiências de deglutição do líquido amniótico, da pressão do líquido
amniótico quando o útero se contrai, das experiências de liberdade motora,
advindas dos malabarismos fetais (principalmente quando o feto tem apenas
algumas centenas de gramas), da restrição da liberdade fetal quando ele já
adquire mais de dois quilogramas e vai-se encaixando no colo do útero para
nascer. As matrizes dos pensamentos essenciais atuam reorganizando os microcampos
de energia emocional e motivacional fetal, expandindo as possibilidades de
produção de experiências emocionais e motivacionais através do pool de
estímulos intra-uterinos interpretados.
Em segundo lugar, a partir da
iniciação da leitura da memória histórico-existencial pelos fenômenos
inconscientes da psique: fenômeno da autochecagem da memória, âncora da memória
e fenômeno do autofiuxo. Toda vez que a memória histórico-existencial sofre um
processo de leitura, são produzidas matrizes de pensamentos essenciais que
atuam psicodinami-camente no campo de energia emocional e motivacional,
produzindo emoções e desejos. Assim, as matrizes de pensamentos essenciais, as
emoções, os desejos, tornam-se experiências psíquicas que são retroativamente
arquivadas de modo automático pelo fenômeno RAM na memória
histórico-existencial, enriquecendo a história intrapsíquica.
A memória
genético-instintiva, que se relaciona à quarta fonte de estímulos fetais,
sofre também um processo de leitura por parte dos fenômenos inconscientes da
mente. Esse processo de leitura produz as matrizes de pensamentos essenciais
que geram as reações instintivas que preservam a vida. Porém, a memória
genético-instintiva não só tem a função de perpetuar a vida, mas também de
enriquecer a memória histórico-existencial, pois cada reação instintiva
produzida é arquivada na mesma como RPS, expandindo, assim, a história
intrapsíquica.
Em terceiro lugar, a partir
das substâncias neuroendócrinas do metabolismo da gestante e que passam pela barreira
da placenta. Essas substâncias são produzidas, principalmente, em situações de
tensão emocional e stress psicossocial. Essas substâncias
neuroendócrinas provocam não apenas sintomas psicossomáticos na gestante, mas
também no feto. Assim, creio que pode ser possível que o feto tenha
taquicardia, contrações musculares, ansiedades etc, decorrentes de algumas
substâncias neuroendócrinas produzidas pela gestante e que influenciam na
qualidade da leitura da memória genético-instintiva e histórico-existencial e,
conseqüentemente, nas matrizes dos pensamentos fetais e, também, no processo
de formação da personalidade que se inicia na vida intra-uterina.
A qualidade e a quantidade
das RPSs contidas na memória histórico-existencial, e que foram produzidas na
vida intra-uterina, afetarão em diferentes níveis todo o processo de
interpretação da criança na vida extra-uterina, influenciando o processo de
formação da personalidade. Os níveis de timidez, de ansiedade diante das
situações estressantes, de intolerância diante das frustrações, de
excitabilidade diante de novas situações, de estabilidade emocional, de
insegurança etc, não se iniciam a partir da expulsão do feto do útero materno,
mas na vida intra-uterina.
Em quarto lugar, a partir da
leitura da memória genético-instintiva e das substâncias neuroendócrinas
fetais, produzidas pela carga genética, que transmutam microcampos de energia
físico-química no campo de energia psíquica. Algumas substâncias
neuroendócrinas geram, em determinadas regiões do cérebro (como, por exemplo,
no sistema límbico), microcampos de energia físico-química de natureza
"psicotrópica", que se transmutam no campo de energia psíquica,
influenciando em diversos níveis o processo de leitura da memória
genético-instíntiva e histórico-existencial e os processos de construção da
inteligência do feto.
A memória genético-instintiva
contribui, tanto na vida intra-uterina como na vida extra-uterina, para a
expansão da memória histórico-existencial, ou seja, para a evolução da história
intrapsiquica. Todas as experiências psíquicas produzidas na mente do feto são
registradas automaticamente pelo fenômeno RAM (registro automático da memória)
na memória histórico-existencial e, assim, expandindo o processo de formação da
história intrapsiquica e o fluxo vital da construção de pensamentos:
organização, desorganização e reorganização.
Na vida extra-uterina, o
fluxo vital da energia psíquica se perpetua através da leitura da história
intrapsiquica pelos fenômenos da mente, inclusive pela atuação do eu, que
gerará a produção contínua e inevitável das matrizes dos pensamentos
essenciais, a produção contínua e inevitável de pensamentos dialéticos e
antidialéticos, a produção contínua e inevitável da consciência existencial, a
transformação contínua e inevitável da energia emocional e motivacional e a
expansão contínua e inevitável da história intrapsiquica. Produzir pensamentos,
emoções, ter consciência existencial, ter uma história intrapsiquica e possuir
uma personalidade não são determinações da vontade consciente do Homo
sapiens, mas decorrentes de processos contínuos e inevitáveis que ocorrem
nos bastidores da mente de cada ser humano. Os processos de construção da
inteligência se iniciam desde a aurora da vida fetal e se perpetuam por toda a
trajetória da existência humana.
A psique não permite ao homem
determinar se quer ou não ter uma história intrapsiquica arquivada na memória.
A história intrapsiquica é, pouco a pouco, arquivada e produzida
inevitavelmente pelo fenômeno RAM ao longo de todo o processo existencial. O
homem pode desconhecer a história da sua sociedade, pode até negar a história
dos seus antepassados, mas não pode negar a sua história intrapsiquica. Toda
produção intelectual possui um sistema de relação com a história intrapsiquica.
Todas as idéias, pensamentos,
análises, reações fóbicas, prazeres, angústias existenciais, desejos,
impulsos, enfim, todas as construções psicodinâmicas são geradas a partir da
leitura da história intrapsiquica. Além disso, essas construções psicodinâmicas
realizam um "rebote histórico", que por sua vez expande a história
intrapsiquica, pois são registradas automaticamente na memória pelo fenômeno
RAM, antes que experienciem o caos. Assim, a conquista da história
intrapsiquica não é uma opção intelectual, mas uma inevitabilidade existencial.
Nenhum ser humano consegue construir cadeias psicodinâmicas de pensamentos sem
passar pela sua memória. É possível reorganizar a história intrapsiquica, mas
não é possível evitá-la nem destruí-la, a não ser através de um problema
neurológico.
Sem a história intrapsiquica,
não seria possível produzir as matrizes de pensamentos essenciais e,
conseqüentemente, não seria possível produzir a reorganização do caos da
energia psíquica, o impulso inicial dos processos de construção dos pensamentos
e da consciência existencial. Sem a história intrapsiquica, o homem não seria
um ser pensante, não construiria o mundo das idéias, não teria consciência
existencial; seria um passante inconsciente na sua temporalidade existencial,
pois não existiria conscientemente para si mesmo.
Os fetos "pensam"
muito, mas "pensam" matrizes de pensamentos essenciais, que são
inconscientes. Na vida extra-uterina, as crianças, auxiliadas pela orientação
psicodinâmica dos "mordomos" da mente, ou seja, pelo fenômeno da
autochecagem da memória, da âncora da memória e pelo fenômeno do autofluxo,
produzem uma leitura da história intrapsiquica que geram cadeias psicodinâmicas
das matrizes de pensamentos essenciais tão sofisticadas, que funcionarão como
pista de decolagem virtual (leitura virtual) para a produção de pensamentos
dialéticos e antidialéticos. Assim se processa o grande espetáculo da
consciência existencial, o local onde nasce e se desenvolve o eu.
A ciência, em todas as suas
dimensões, emerge do caos da mente humana. Alguns poderiam achar um absurdo, e
argumentariam que o nascedouro da ciência emerge não do caos, mas de décadas de
educação escolar e de incorporação do conhecimento. Porém, essa observação se
refere a etapas posteriores do desenvolvimento da mente. As sucessivas gerações
de cientistas que produziram, acumularam e organizaram o conhecimento não
iniciaram sua produção de conhecimento na plenitude da maturidade da
consciência intelectual, mas nos rudimentos da formação da história
intrapsiquica, no magnífico caos intelectual ocorrido na aurora da vida fetal,
dentro do útero materno.
A assimilação e produção da
ciência inicia-se no fluxo vital dos processos de construção dos pensamentos:
organização, desorganização caótica e reorganização. Esse fluxo de construção
inicia-se na vida fetal, através da leitura contínua e inevitável da memória
pelos três fenômenos inconscientes da mente. Se abolíssemos a operacionalidade
dos fenômenos que atuam nos bastidores da psique e que constroem cadeias de
pensamentos essenciais inconscientes, presente desde a vida fetal, o homem não
chegaria a desenvolver a construção de pensamentos conscientes e,
conseqüentemente, a construção do eu. Nesse caso, ele não teria uma identidade
psicossocial nem a consciência própria.
Os três fenômenos
inconscientes que lêem a história intrapsíquica, reorganizam a energia
psíquica, promovem os processos de construção da psique humana e promovem a
revolução das idéias e as transformações da energia emocional, funcionam como
três importantíssimos "mordomos" do eu, encarregados de organizá-lo,
educá-lo e orientá-lo psicodinamicamente e psicossocialmente.
Capítulo 17
Algumas Aplicações da Teoria da Inteligência Multifocal
Estamos estudando diversas
teorias inter-relacionadas: a teoria da inteligência multifocal; a teoria do
caos da energia psíquica e do caos intelectual; a teoria da interpretação; a
teoria da formação da personalidade; a teoria da evolução psicossocial da
consciência humana; a teoria do gerenciamento do eu; a teoria da natureza,
limites e alcance dos pensamentos; a teoria da práxis ou materialização dos
pensamentos; a teoria lógica do conhecimento e da relação entre a verdade
científica e a verdade essencial etc. Farei uma síntese das aplicações do
enigmático e importante mundo das idéias.
A CIÊNCIA E AS SOCIEDADES PRECISAM DE PENSADORES HUMANISTAS
A produção de cadeias de
pensamentos, o registro dessas cadeias, a leitura e a utilização desse registro
na construção de novas cadeias de pensamentos resultam na promoção do fluxo
contínuo de idéias e na formação da inteligência. Através da inteligência, o
homem sai da condição de animal não-pensante para ser um misterioso ser que
pensa e tem consciência disso. É possível extrair dos processos que constroem a
inteligência múltiplas conseqüências psicológicas, filosóficas, sociológicas,
educacionais etc.
Conhecer e expandir o mundo
das idéias sobre o universo intrapsíquico é viver uma poesia intelectual.
Quando compreendemos onde nasce a inteligência, expandimos o mundo das idéias.
É um fato que o mundo das idéias se expande quando estudamos com crítica,
desafio e aventura as ciências naturais (a Física, a Matemática, a Biologia
etc); porém, ele se expande muito mais e forma pensadores quando nos
interiorizamos e estudamos as origens do próprio mundo das idéias, a construção
da própria inteligência.
Os princípios psicossociais e
filosóficos que estimulam a inteligência multifocal são: a arte da pergunta, a
arte da dúvida, a arte da crítica, a arte da observação, a análise das
variáveis, a democracia das idéias, a identidade psicossocial dos pensadores,
o deleite e o desafio do conhecimento, a compreensão básica da natureza, os
limites e o alcance do conhecimento. Sem esses princípios, a transmissão do
conhecimento pode reduzir o processo de interiorização e a expansão da
construção das idéias e a formação dos homens que brilham na arte de pensar.
Cada cientista possui uma
identidade, um "rosto intelectual", uma história existencial. Muitos
deles, no processo de produção de conhecimento, gastaram os melhores anos de
suas vidas e, nesse período, foram tomados pela insegurança, pela ansiedade,
por desafios, frustrações e sucesso. Não foram poucos os que tiveram de romper
os paradigmas intelectuais da época e, por isso, foram incompreendidos,
rejeitados, discriminados. Como pensadores, eles possuem uma história rica, que
é tão importante quanto o conhecimento que produziram. Sua história é capaz de
estimular o prazer e a expansão do mundo das idéias. Porém, infelizmente, o
conhecimento que produziram é transmitido friamente nas salas de aulas, ou
seja, é transmitido sem o mínimo de história, de identidade, de
"rosto" e, principalmente, de exposição do processo de produção do
conhecimento.
O conhecimento na educação
unifocal é transmitido de modo acabado, pronto e sem aventuras, como se
tivesse sido produzido por um milagre da mente. A melhor maneira de estancar o
debate de idéias e matar a criatividade intelectual é transmitir o conhecimento
de maneira "fria", pronta e acabada, como se fosse uma verdade sem
história, uma verdade inquestionável. Qualquer área das ciências tem identidade
e "rosto intelectual", mesmo na literatura encontramos a história
rica dos poetas, dos escritores.
A transmissão de conhecimento
realizada sem "rosto intelectual", sem debate, sem crítica, sem
desafio nem teatralização da história do processo de produção do conhecimento
não estimula o desenvolvimento da inteligência, não catalisa a formação de
pensadores, pelo menos de maneira coletiva.
Comentei que o conhecimento
impresso nos livros está morto essencialmente; por isso ele precisa ser
reconstruído pelo processo de interpretação do leitor. Os professores exercem
uma das funções mais nobres e importantes da inteligência humana. Porém, na
educação tradicional, a transmissão da informação é tão
"a-histórica" e despersonalizada que o conhecimento, que está morto
nos livros, é muitas vezes "enterrado" inconscientemente pelos
professores, que fazem das aulas um velório intelectual que é assistido por uma
platéia de espectadores passivos. A sala de aula, desde os primeiros anos da
educação, deveria funcionar como um ambiente onde se processa um debate vivo
das idéias, um ambiente que abriga a democracia das idéias, que estimula a arte
de pensar, o questionamento, o respeito pelo pensamento do outro, a troca de
informações.
Todos sabemos que uma nação
precisa de educação para se desenvolver. A grandeza de uma nação não é medida
pela dimensão do seu território geográfico, mas pela dimensão da sua educação.
Porém, para que uma nação possa se desenvolver qualitativamente não apenas no
aspecto econômico, mas também na esfera sociopolítica e nos princípios que
derivam da democracia das idéias e do humanismo, ela precisa mais do que uma
educação que forma retransmissores (repetidores) do conhecimento, mas de uma
educação que forma pensadores, engenheiros de idéias, poetas existenciais.
Educar é muito mais do que
transmitir o conhecimento; é duvidar do conhecimento, é questionar seu processo
de produção. Educar é transmitir o conhecimento estimulando os princípios
psicossociais e filosóficos que inspiram a formação de pensadores; é levar os
alunos a serem caminhantes nas trajetórias do próprio ser. Educar não é dar
títulos acadêmicos e nem convencer os alunos do tanto que eles sabem, mas
convencê-los do tanto que eles não sabem, da inesgotabilidade da ciência, dos
limites e alcance dos pensamentos. Educar é uma aventura, uma arte, uma poesia;
é expandir o mundo das idéias dos alunos e transformá-los em eternos
aprendizes.
É provável que mais de
noventa por cento do conhecimento que estudamos jamais seja lembrado ou
utilizado em nossa história socioprofissional. Por isso, na educação,
precisamos um pouco menos da quantidade de informações e muito mais da
qualidade de informações, principalmente das informações que levam os alunos a
compreender o processo de produção do conhecimento e dos princípios
psicossociais e filosóficos que inspiram a arte de pensar. Estudamos que a
memória humana, a leitura da história intrapsíquica e a construção dos
pensamentos são sofisticadíssimas. Porém, apesar de sofisticadas, elas têm
limites. Os pensamentos que mais são registrados na memória, resgatados e
utilizados em novas cadeias de pensamentos, não são as cadeias
"secas" e isoladas de pensamentos, mas aquelas que estão envolvidas
no processo de produção dos próprios pensamentos, nas situações históricas. Por
exemplo, quantos pensamentos produzimos na semana passada? Talvez dezenas de
milhares. De quantos deles nós conseguimos nos lembrar com exatidão? Talvez,
de nenhum! Porém, apesar de não conseguirmos nos lembrar das cadeias exatas de
pensamentos que produzimos, nós conseguimos resgatar e reconstruir a história
e os processos em que muitos deles foram construídos, ou seja, as pessoas com
as quais falamos, o assunto genérico que discutimos, os ambientes em que estivemos.
Por isso, embora não nos lembremos das cadeias exatas de pensamentos que
produzimos na semana anterior, podemos produzir muitos pensamentos a partir
dos processos psicossociais em que nos envolvemos.
Na educação escolar, do mesmo
modo, a maior parte do conhecimento que resgatamos, construímos e utilizamos em
nossa história socioprofissional não advém das recordações das cadeias exatas
das informações, à exceção das regras, das fórmulas e das leis científicas,
que nossos professores nos transmitiram, mas dos processos intelectuais e das
situações antidialéticas que formamos em nossa mente a partir das informações
recebidas. Por isso, a transmissão do conhecimento não deve ser seca,
a-histórica, despersonalizada, mas acompanhada dos processos de produção do
conhecimento. Esses processos incluem, não apenas os recursos didáticos que
estimulam os alunos a formar na sua mente um quadro construtivista do
conhecimento, mas principalmente o processo de produção de conhecimento dos
pensadores, a filosofia da história da ciência, a arte da dúvida, a arte da
crítica, o debate das idéias, os limites e alcances do conhecimento, as possibilidades
do conhecimento, etc. Assim, a educação se torna interiorizante e estimuladora
da inteligência.
A transmissão unifocal,
exteriorizante e "a-histórico-crítico-existencial" do conhecimento
forma meros retransmissores do conhecimento e não pensadores. Esse tipo de
educação gera nos alunos uma doença psicossocial que chamo de "mal do logos
estéril". O "mal do logos estéril" é uma doença
intelectual epidêmica que acomete não apenas os alunos das escolas secundárias,
mas também os universitários, os pós-graduandos, os professores e até não
poucos cientistas. Posteriormente, farei uma síntese dele.
Nas sociedades modernas, o
prazer de pensar criticamente, de se interiorizar, de analisar o conhecimento,
de discutir criticamente os paradigmas e os estereótipos socioculturais, de se
colocar no lugar do "outro" e perceber suas dores e necessidades
psicossociais, de se doar sem a contrapartida do retorno, de lutar por uma
causa humanística e sociopolítica, está agonizante.
Multiplicaram-se as
informações, multiplicaram-se as universidades, mas reduziu-se,
proporcionalmente, a formação de pensadores. As universidades precisam sair do
seu claustro e assumir na plenitude sua nobilíssima e eclética função
intelecto-social de ser catalisadora, provocadora e instigadora do debate das
idéias e da consciência sociopolítica. Caso contrário, elas gerarão apenas
algumas estrelas do pensamento e não desenvolverão coletivamente o potencial
intelectual dos seus alunos, prevenindo-os contra o "mal do logos estéril".
UMA SÍNTESE DAS APLICAÇÕES DA INTELIGÊNCIA MULTIFOCAL
A união da Psicologia e da
Filosofia no mesmo corpo teórico me abriu os horizontes do conhecimento sobre a
psique humana. Por isso, escrevi diversos textos sobre as conseqüências
(implicações e aplicações) psicossociais derivadas da produção de conhecimento
sobre os processos de construção dos pensamentos. Essas conseqüências não
ocorrem apenas na Psicologia e na Filosofia, mas também na Sociologia, no
Direito, na Educação, na Sociopolítica.
Os textos relativos a essas
conseqüências são extensos e, talvez, sejam reorganizados em outras
publicações. Aqui, farei apenas uma síntese deles, lembrando que alguns já
foram comentados sucintamente ao longo deste livro. O objetivo principal dessa
síntese é o exercício da cidadania da ciência, ou seja, procurar humanizar a
teoria, torná-la acessível e aplicável.
1. A farmacodependência: O cárcere da emoção
Se fizermos uma varredura em
nosso passado, verificaremos que temos mais facilidade de recordar as
experiências mais frustrantes ou prazerosas. Elas foram registradas de maneira
privilegiada, o que as disponibilizaram para serem lidas e utilizadas na
construção de novas cadeias de pensamentos e novas emoções. Como as drogas
produzem intensos efeitos na psique, estes ocupam espaços importantes nos
arquivos da memória. Some-se a isso, as experiências emocionais de um usuário
que não são nada serenas e tranqüilas. Por serem borbulhantes, tais
experiências também se registram privilegiadamente na memória, contribuindo para
produzir o cárcere da dependência.
Toda vez que o usuário fizer
uso de uma nova dose da droga, sua emoção experimentará um intenso foco de
tensão caracterizado por euforia, angústia, medo, ansiedade, apreensão.
Imagine o impacto de uma droga estimulante ou alucinante no palco da emoção de
um usuário. Tais experiências são registradas na memória ocupando áreas nobres
que deveriam ser ocupadas pelos sonhos, projetos, metas, relações sociais. Dá
para entender, através disso, por que os dependentes químicos com o passar do
tempo perdem o encanto pela vida e não sonham mais. Eles, mesmo odiando esta
masmorra, gravitam em torno do efeito psicotrópico destas ínfimas substâncias.
Elas, de fato, se tornam uma "droga" na vida deles, pois são
procuradas com desespero como tentativa de aliviar as dores e ansiedades da
vida.
Os usuários de cocaína têm
sensações paranóicas durante o efeito da droga. Sentem uma mescla de excitação
com medo e idéias de perseguição. A reprodução contínua dessas experiências
retroalimentam a imagem da droga no inconsciente. Assim, aos poucos, eles
constroem um "monstros" dentro de si mesmos. Com o passar do tempo,
o problema não é mais a substância química fora deles, mas a imagem monstruosa
que eles construíram no âmago da memória. É uma imagem distorcida e
superampliada, que aprisiona o grande líder da inteligência, o eu.
A dependência é uma atração
irracional, enquanto que a fobia é uma aversão irracional. Estas doenças estão
em pólos emocionais opostos, mas possuem os mesmos mecanismos de formação. A
dependência é produzida quando se superdimensiona no inconsciente o objeto da
dependência, que no caso são as drogas, enquanto toda e qualquer fobia é
produzida quando se superdimensiona o objeto da aversão, que no caso pode ser
uma barata, um ambiente escuro, um elevador, uma doença física.
Como apagar a imagem ou
estrutura inconsciente da droga que financia a dependência psicológica? É
impossível. Não se apaga ou se deleta a memória, apenas se reescreve.
Filosoficamente falando, não é possível destruir o passado para reconstruir o
presente, mas reconstruir o presente para reescrever o passado. Quanto mais
reconstruímos o presente através de novas cadeias de pensamentos, novas
atitudes e novas experiências, mais o registro da memória se renovará e,
conseqüentemente, mais o passado será reescrito.
É uma corrida contra o tempo.
Quanto mais tempo um usuário passa sem as drogas, mais ele vai arquivando novas
experiências. Em um dia saudável ele pode arquivar centenas ou milhares de
novas experiências. E se o eu atuar como agente modificador da sua história,
ele impulsionará este processo, romperá o cárcere da dependência, por mais
grave que ele seja. Se houver a colaboração corajosa, lúcida e completa do
paciente, o tratamento poderá ser coroado de êxito, ainda que haja algumas
batalhas perdidas no caminho, mas se houver uma colaboração frágil e parcial
estará fadado ao insucesso.
2. Os transtornos depressivos, obsessivos e a síndrome do pânico
Diariamente produzimos
inúmeras cadeias de pensamentos, ansiedades, sonhos, idéias negativas,
pensamentos antecipatórios, angustias, prazeres, que são arquivados
automaticamente na memória pelo fenômeno RAM (registro automático da memória).
Em um ano registramos milhões de experiências.
O registro das experiências
na memória é involuntário e não depende da vontade consciente do homem. Podemos
ser livres para ir para onde quisermos, mas não podemos ser livres para decidir
o que queremos registrar em nossas memórias. Se vivemos experiências ruins, elas
se depositarão nos porões inconscientes da memória. Se hoje tivemos uma
experiência de angústia, uma de medo, de agressividade, tenhamos a certeza de
que, ainda que elas tenham sido aliviadas e não estejam mais presentes no
território da emoção, elas foram registradas e ocuparam espaço privilegiado em
nossas memórias.
Cuidar da qualidade daquilo
que é registrado na memória é mais importante do que cuidar de nossajs contas
bancárias, de nossa higiene bucal, dos problemas mecânicos de nosso carro. No
banco depositamos o dinheiro, na memória depositamos os tijolos que
financiaram a nossa maneira de ver a vida e reagir ao mundo. A segurança,
prazer de viver, criatividade, ansiedade, dependem da história arquivada na
memória. Se a vida toda registramos idéias negativas, sentimentos de culpa e
reações autopunitivas, não podemos esperar que um dia, como que por um encanto,
possamos explodir de alegria e prazer de viver.
O que registramos todos os
(lias no inconsciente da memória definem o nosso futuro. E temos que ter em
mente que o passado não pode ser deletado, apagado, apenas reescrito,
substituído e, portanto, reconstruído. Não é à toa que há ricos que moram em
favelas e infelizes que moram em palácios.
Não dá para bloquear o
registro das experiências angustiantes, mas depende da pessoa atuar nessas
experiências, quando elas estão se encenando no palco de sua mente e, assim,
repensá-la, ou seja, dar um novo significado a ela. Desse modo, tais registros
poderão, pouco a pouco, construir um oásis de prazer e não um deserto
existencial. Nos computadores necessita-se dar um comando para registrar,
"salvar" as informações.
A medida que as experiências
são registradas automaticamente na memória ocorre a formação da história de
vida ou história da existência. Os beijos dos pais, as brincadeiras de
crianças, os desprezos, os fracassos, as perdas, as reações fóbicas, os
elogios, enfim toda e qualquer experiência do passado formam a colcha de
retalhos do inconsciente.
Todas as experiências que
possuímos são registradas na mesma intensidade? Não! Existem diversas
variáveis que influenciam o registro. Como vimos, uma delas é o grau de tensão
positiva ou negativa que as experiências possuem.
O fenômeno RAM registra com
mais intensidade as cadeias de pensamentos que tiverem mais ansiedade,
angústia, apreensão, prazer, enfim, mais emoção. Toda vez que temos uma
experiência com alto comprometimento emocional, tal como um elogio, uma ofensa
pública, uma derrota, um fracasso, o registro será privilegiado. Por ser
privilegiado, ele financiará as avenidas importantes da nossa personalidade.
Por isso é muito importante que as crianças sejam alegres, ingênuas, tenham
amigos, brinquem e tenham um clima para expor seus conflitos e seus
pensamentos.
Crianças têm que possuir
infância, têm que registrar uma história de prazer, criatividade e interação
social. Não é saudável que elas cresçam aos pés da TV, vídeo-games, da
Internet, cursos de línguas, de computação. A história arquivada na memória de
uma criança definirá os pilares mestres do território da emoção e do desempenho
intelectual do adulto. Crianças com uma rica infância têm grandes
possibilidades de desenvolver a arte da contemplação do belo. Crianças que só
são cobradas, punidas, confinadas aos estudos têm grande chance de ser
deprimidas ou ansiosas.
Felizmente a emoção não segue
a matemática financeira. Às vezes temos crianças que passaram por tantas
dificuldades e sofrimentos na infância, mas, por alguns mecanismos
interpretativos, aprenderam a filtrar os estímulos estressantes e construir uma
vida emocional saudável.
Temos três situações
importantes ligadas ao registro da memória: a) O registro das experiências é
automático; b) Ele pode ocupar zonas importantes da memória, principalmente se
as experiências tiverem mais tensão; c) Esse registro pode ser lido
continuamente, produzindo cadeias de pensamentos que são novamente
registradas, retroalimentando a memória e gerando os transtornos depressivos,
obsessivos e a síndrome do pânico.
Uma pessoa portadora de
síndrome do pânico também é vítima do gatilho da memória. Ela pode estar
tranqüila em grande parte do seu tempo, mas de repente, por diversos
mecanismos, o gatilho é detonado, deslocando a âncora para determinadas
regiões da memória e gerando uma reação fóbica intensa, um medo súbito de que
vai morrer ou desmaiar. A síndrome do pânico é o teatro da morte. É totalmente
possível resolvê-la. Os princípios da terapia multifocal poderão também
ajudá-las a resgatar a liderança do eu nos focos de tensão e torná-las líderes do
seu próprio mundo.
Aprender a reescrever a
história e a gerenciar os pensamentos e as reações detonadas pela autochecagem
do gatilho da memória é o grande desafio terapêutico na resolução do cárcere
dos transtornos ansiosos e depressivos.
3. A arte da contemplação do belo
Ninguém consegue excluir de
sua trajetória existencial a rotina, a mesmice de eventos e situações
psicossociais estressantes. Nenhum ser humano vive a vida como uma eterna
primavera existencial. Até aqueles que conquistam o Nobel, ganham o Oscar,
pertencem a uma corte real ou são listados pela revista Forbes vivem
misérias emocionais, angústias e conflitos existenciais, pois não escapam da
rotina psicossocial, do tédio e da redução da capacidade de sentir prazer ao
longo da trajetória de vida.
Da meninice à velhice, há uma
escala de redução quantitativa do prazer, embora não qualitativa, devido à
atuação do fenômeno da psico-adaptação na terceira etapa inconsciente do
processo de interpretação. A vida dos adultos e, principalmente, das pessoas
idosas, quando é exteriorizada, mal resolvida, sem a experiência da arte da
contemplação do belo, se torna angustiante, tediosa. Infelizmente, essa
trajetória existencial ocorre freqüentemente.
Na meninice e na juventude, o
prazer quantitativo normalmente é intenso, mais rico do que na vida adulta e
na velhice. As crianças se distraem muito, até com pequenos objetos; os jovens
explodem de emoção, até com pequenos eventos e pequenas brincadeiras. Porém, os
adultos não têm prazer nesses estímulos, tanto pela adaptação psíquica a eles
quanto pela sua exigência intelectual derivada da expansão da cultura e da
personalidade. De um modo geral, quantitativamente o prazer vai diminuindo da
meninice à velhice. Por isso, na vida adulta e na velhice, a redução
quantitativa do prazer deve ser compensada pela expansão qualitativa do prazer,
através da interiorização, das amizades profundas, das artes, dos projetos
sociais, dos projetos de vida. Se com o decorrer da idade a quantidade de
prazer não for compensada pela qualidade do prazer, essas fases da vida se tornam
um tédio existencial, um poço de angústia e insatisfação.
A qualidade da atuação
psicodinâmica do fenômeno da psicoadaptação pode definir a qualidade da arte da
contemplação do belo. Reis podem tornar-se pobres, sem prazer existencial;
pobres podem tornar-se ricos emocionalmente, verdadeiros poetas da existência,
ainda que não sejam amantes das letras.
Como é possível tal
contraste? A matemática da emoção não segue os princípios da matemática financeira.
No universo da emoção, ter não é ser. Quem adquire a capacidade, ainda que
inconscientemente, de gerenciar a atuação do fenômeno da psicoadaptação e
aprimorar a arte da contemplação do belo diante dos pequenos estímulos da
rotina existencial, diante dos pequenos detalhes e eventos da vida, expande a
sua capacidade de sentir prazer. Muitos têm sucesso profissional, mas não têm
sucesso em aprimorar a arte da contemplação do belo, não se tornam poetas da
existência.
As pessoas que são saturadas
de ansiedade, humor deprimido, stress e que vivem a paranóia da
competição predatória, do individualismo e da estética do corpo encerram-se num
cárcere emocional, se tornam prisioneiras e infelizes. Por quê? Porque o
fenômeno RAM vai continuamente filmando uma história turbulenta e angustiante.
O resultado disso? Um
envelhecimento da emoção, da capacidade de sentir prazer pela vida. Em poucos
anos adquirem um estoque de experiências negativas e tensas que muitos velhos
jamais terão em toda a sua jornada de vida. Infelizmente encontrei muitos
velhos no corpo de um jovem. Eles perderam a singeleza e o encanto da vida,
envelheceram no único lugar que é inadmissível envelhecer, no território da
emoção. É possível envelhecer o corpo, mas a emoção nunca deveria envelhecer no
cerne da alma. Há velhos num corpo de um jovem e jovens no corpo de um velho.
Estes aprenderam a cultivar a sabedoria e o prazer de viver, ainda que tenham
cicatrizes em seus corpos.
A arte da contemplação do
belo é raramente desenvolvida nas sociedades modernas. A indústria do
entretenimento não pode expandir essa sofisticada arte; ela tem de ser
aprimorada nas avenidas da trajetória existencial, nos labirintos da
inteligência.
4. A síndrome da exteriorização existencial
A síndrome da exteriorização
existencial é uma doença psicossocial epidêmica nas sociedades modernas. Ela se
expressa pela dificuldade crônica de interiorização, ou seja, de aprender a se
questionar, a se repensar, de assumir as fragilidades, de trabalhar seus
estímulos estressantes e suas reações emocionais; de usar os erros e as
frustrações como alicerces para desenvolver a maturidade da inteligência; de se
colocar como aprendiz no processo existencial; de aprender a se colocar no
lugar do outro e a exercer a cidadania e o humanismo nas relações sociais.
O Homo sapiens tem uma
tendência natural de desenvolver uma trajetória existencial exteriorizante. Os
elementos responsáveis por essa tendência são muitos, tais como: as
deficiências do processo socioeducacional; a necessidade contínua de superação
da solidão paradoxal; o exercício contínuo do sistema sensorial; a
intangibilidade sensorial dos fenômenos que constroem os pensamentos; as
dificuldades de questionar os próprios paradigmas intelectuais, de criticar e
duvidar de si mesmo; a massificação da cultura, o consumismo, etc.
É mais fácil, seguro e menos
comprometedor explorar o mundo em que estamos, o mundo extrapsíquico, do que
nos interiorizar e explorar o mundo que somos, circunscrito à nossa mente. A
síndrome da exteriorização existencial nos transforma em passantes
existenciais, homens que passam pela vida sem criar raízes mais profundas
dentro de si mesmos, que são incapazes de administrar seus pensamentos e
gerenciar suas emoções. O portador da síndrome da exteriorização existencial
vive, como já comentei, a maior de todas as solidões, que é a solidão de
abandonar a si mesmo em sua trajetória existencial.
As doenças psicossociais,
tais como a discriminação racial, intelectual e outras; a supervalorização
doentia de uma grande maioria por uma pequena minoria de personagens sociais; a
farmacodependência, a agressividade, o individualismo social; a indiferença
psicossocial em relação às dores e necessidades do "outro", etc, são
cultivadas pela maior de todas as doenças psicossociais, que é a síndrome da
exteriorização existencial. O homem que não tem consciência que a história
inconsciente não pode ser apagada, mas apenas reescrita, jamais poderá ser um
agente modificador dela.
A síndrome da exteriorização
existencial pode ser prevenida pelos princípios psicossociais e filosóficos
derivados da construção multifocal da inteligência, pois eles estimulam o
processo de interiorização e de intervenção do eu.
5. O homem respirando a discriminação. A releitura do humanismo e da cidadania
Quando investigamos os
processos de construção dos pensamentos e da formação da consciência
existencial, compreendemos que, ainda que possamos ter diferenças genéticas e
socioculturais, a teoria da igualdade é mais do que uma ética social e um fato
jurídico, mas uma inevitabilidade psicológica e filosófica. Nas inúmeras
particularidades da personalidade, somos diferentes, mas na operacionalidade
dos fenômenos que lêem a memória e constroem os pensamentos e organizam a
consciência existencial, somos iguais. Por isso, tanto valorizar o outro como
discriminá-lo é uma atitude desinteligente e desumanística. Os princípios mais
nobres do humanismo, como vimos, derivam desse conhecimento. Quem desenvolve o
humanismo tem uma macrovisão da espécie: humana e vive uma relação poética com
ela que ultrapassa os limites do bairrismo social.
A democracia das idéias
também decorre dos processos de construção dos pensamentos, bem como dos
sistemas de encadeamentos distorcidos que ocorrem nessa construção, do processo
de interpretação, dos limites e alcances da consciência existencial, etc. A
diversidade de idéias é uma inevitabilidade; por isso, a democracia das idéias
se torna uma necessidade vital em todos os níveis das relações humanas. O
respeito pelas idéias do outro, ouvi-lo sem preconceitos, dando a ele o direito
de questionar nossas idéias e posturas intelectuais são alguns princípios da
democracia das idéias. Aprender a expor, e não a impor as idéias, aprender a
ser fiel à nossa consciência, a pensar antes de reagir, a expandir a
consciência crítica, e, além disso, conservando o direito de questionar as
idéias e as posturas intelectuais do outro, são também alguns dos princípios
da democracia das idéias.
Apesar de os princípios
psicossociais e filosóficos do humanismo e de a democracia das idéias derivarem
da complexidade e sofisticação universal dos processos de construção dos
pensamentos, o homem sempre respirou discriminação ao longo de sua história e
violou os direitos humanos.
A espécie humana, apesar de
ser a única espécie pensante e, como conseqüência, a única que conquista a
consciência existencial, produziu e vivenciou historicamente as mais diversas
formas de discriminação. A discriminação intelectual, cultural, racial,
econômica, ideológica, religiosa, social, por idade, por sexo, por
nacionalidade, por estética, por deficiências físicas e intelectuais, etc,
percorreram o sistema circulatório das sociedades. Não creio que haja uma
sociedade, mesmo as mais primitivas, que tenha escapado ilesa das práticas
discriminatórias.
O homem respira discriminação
porque respira interpretação, porque precisa reconstruir interpretativamente o
outro, porque essa reconstrução não transita pelas avenidas da pureza essencial
do que o outro é, mas pode sofrer inúmeros processos distorcivos. As
discriminações são produzidas espontaneamente no processo existencial e tendem
à universalidade; porém, o desenvolvimento do humanismo, da democracia das
idéias e da cidadania é a conquista decorrente de um rico processo de aprendizagem
socioeducacional; por isso ele é uma conquista particular de cada ser humano.
Para compreender o homem como
cultivador das mais variadas formas de discriminação, das mais variadas formas
de violação dos direitos humanos, precisamos compreender não apenas as
variáveis socioculturais, mas, principalmente, as etapas do processo de
interpretação, o processo de reconstrução intrapsíquica do "outro",
a comunicação social mediada, os limites e alcance da consciência existencial,
a atuação psicodinâmica do fenômeno da psicoadaptação.
Nas sociedades modernas, a
estética tem sobrepujado o conteúdo; a síndrome da exteriorização existencial
tem sobrepujado o processo de interiorização; a inteligência unifocal tem
sobrepujado a inteligência multifocal; a massificação da cultura tem
sobrepujado a consciência crítica; a alienação social tem sobrepujado o
engajamento em projetos sociais; o individualismo pessoal, grupai e nacional
tem sobrepujado o sentido psicossocial de espécie. As sociedades humanas precisariam
sofrer a revolução do humanismo e da democracia das idéias.
6. Releitura do holocausto judeu e do conflito árabe-judeu
É preciso fazer uma releitura
da violação dos direitos humanos a partir dos processos de construção dos
pensamentos. Uma releitura psicossocial do conflito árabe-judeu e do holocausto
judeu, ocorrido na Segunda Grande Guerra, deve ir além da compreensão das
variáveis socioculturais e político-econômicas, mas levar também em
consideração a reconstrução intrapsíquica do outro, as etapas do processo de
interpretação, a atuação do fenômeno da psicoadaptação e a construção das
cadeias de pensamentos.
Com respeito ao holocausto
judeu, estudei as possibilidades intrapsíquicas que poderiam ter ocorrido na
mente de um soldado alemão diante da miséria judia, diante da destruição
coletiva de um povo e diante da observação da dor humana, principalmente das
crianças judias.
Imagine uma situação
psicossocial que deve ter ocorrido com freqüência na Alemanha nazista:
"Um soldado alemão, ao observar continuamente a dramaticidade da dor e da
miséria das crianças judias, caquéticas de fome e esmagadas pela angústia
emocional decorrente da separação dos seus pais, abortava pouco a pouco o seu
sentimento de culpa, ficava indiferente à dor dessas crianças e se tornava
agente da violação dos direitos humanos. Porém, paradoxalmente, esse mesmo
soldado, ao chegar em casa, vendo que um dos seus filhos sofreu um pequeno
ferimento na mão, sem maiores conseqüências para sua saúde, entra em desespero
e procura tomar medidas rápidas para aliviá-lo. Como é possível a ocorrência
de semelhante paradoxo psicossocial na mente de um ser humano? Horas atrás,
ele não se importava que as crianças judias, membros de sua própria espécie,
morressem de fome e fossem torturadas pela dor emocional; mas, agora, entra em
pânico diante de um pequeno ferimento em seu filho.
Como explicar os paradoxos
intelectuais que saturaram a história da Alemanha nazista? Pensei muito nesse
assunto. Certamente, a agenda nazista de Hitler e os fatores socioculturais e
econômico-políticos da Alemanha, que precederam e culminaram na Segunda Grande
Guerra, são insuficientes para explicar os paradoxos desumanísticos cometidos
pelo nazismo e por tantas outras sociedades em tantos outros momentos
históricos. Como disse, para entendê-los, é preciso caminhar nas avenidas dos
processos de construção dos pensamentos, na formação da consciência existencial,
nas etapas do processo de interpretação, na reconstrução do "outro",
na atuação psicodinâmica do fenômeno da psicoadaptação. O conflito árabe-judeu
precisa também ser compreendido à luz desses fenômenos.
O assunto é extenso e
complexo; por isso, nesta síntese, apenas quero dizer que os soldados alemães,
como qualquer outro ser humano, pelo fato de a comunicação social ser mediada,
não incorporam a realidade do outro. Por isso, em situações de stress sociopolítico
e psicossocial e envolvidos com paradigmas intelectuais doentios, eles podem
reconstruir o outro (judeu) nos bastidores da sua mente de maneira totalmente
distorcida. Além disso, pelo fato de se colocarem continuamente diante dos
estímulos da miséria do outro e de não reciclar seu processo de interpretação,
eles sofrem a ação do fenômeno da psicoadaptação, podendo ficar indiferentes a
essa miséria e até contribuir para a sua expansão. A reconstrução distorcida do
outro, a adaptação psíquica à sua miséria e à falta de revisão do processo de
interpretação geram uma grave síndrome da exteriorização existencial que
contamina o processo de gerenciamento do eu. Esses sofisticados processos
contribuem para explicar os paradoxos desumanísticos e desinteligentes
ocorridos na Alemanha nazista e em tantas outras sociedades. Os soldados
nazistas se adaptaram psiquicamente às dores e às misérias dos judeus e de
outras minorias, mas, paradoxalmente, poderiam ficar inseguros e ansiosos
diante de pequenas dores dos seus íntimos, pois não estavam adaptados
psiquicamente a elas.
É fundamental estudar e
compreender os processos de construção dos pensamentos para que possamos não
apenas expandir as teorias psicológicas, sociológicas, filosóficas,
psiquiátricas, etc, mas também entender a violação dos direitos humanos
ocorrida ao longo da história humana, para questionar de maneira séria a
viabilidade psicossocial da mais fantástica espécie que domina a terra e que
ambiciona dominar o universo.
Não existe a possibilidade de
desenvolver vacinas psicossociais mais eficientes se não velejarmos nas
trajetórias complexas e sofisticadas do funcionamento da mente.
7. O "mal do logos estéril"
O processo educacional,
independentemente da metodologia pedagógica, não foi ancorado, ao longo dos
séculos, na compreensão dos processos de construção das cadeias de pensamentos
essenciais, dialéticos e antidialéticos, e nem no processo de formação da
consciência existencial ou na leitura da memória.
O processo educacional
ortodoxo é exteriorizante, pois leva os jovens a conhecer muito o mundo em que
estão, mas pouquíssimo o mundo que eles são. É
"a-histórico-crítico-existencial" porque pouco expande a inteligência,
a democracia das idéias e o gerenciamento dos pensamentos e das emoções; porque
pouco conduz os alunos ao processo de interiorização e ao debate de idéias
sobre sua própria história existencial, suas experiências, dores, perdas e
frustrações; porque pouco promove o intercâmbio de idéias nas relações
aluno-aluno e aluno-professor; porque fornece informações prontas e pouco
estimula os alunos a conhecer o processo de produção do conhecimento e a
inesgotabilidade da ciência, bem como os limites, o alcance e lógica do
conhecimento; porque pouco estimula o "desenvolvimento sistemático"
da arte da formulação de perguntas, da dúvida e da crítica. Esse tipo de
educação gera facilmente o "mal do logos estéril".
O mal do logos estéril
é uma doença intelectual e até psicossocial causada pelo próprio processo
educacional. Os alunos que são acometidos por ele se tornam espectadores
passivos diante da transmissão do conhecimento, incorporando-o sem crítica, sem
dúvida, sem sabor, sem deleite, sem desafios, sem "rosto", sem
utilidade humanística, sem compromissos psicossociais, sem história. Há vários
níveis dessa doença, e, quanto mais grave ela for, mais as pessoas acometidas
por ela se tornam manipuláveis, influenciáveis, meras retransmissoras do
conhecimento, estéreis de idéias. Essas pessoas incorporam o conhecimento como
se fosse verdade absoluta, inquestionável; por isso, ao mesmo tempo que são
manipuláveis, elas se tornam autoritárias. Os dramáticos erros cometidos na história
pelo uso radical de ideologias políticas, econômicas, misticistas, raciais,
foram produzidos por portadores dessa doença.
O "mal do logos estéril"
aborta a formação de pensadores. Algumas dessas pessoas até têm grande cultura,
escolaridade e eloqüência dialética, mas não conseguem usar sua cultura para
expandir o mundo das idéias, para exercer a cidadania e o humanismo, para ser
um democrata das idéias, para trabalhar suas perdas e estímulos estressantes e
para viver com dignidade nos seus invernos existenciais.
Essa doença reduz a aventura
do saber, o prazer do conhecimento, a busca da sabedoria existencial, a
conquista da consciência sociopolítica. O processo de aprendizado e
incorporação de conhecimento deixa de ser fonte de inspiração psicossocial e de
engajamento em projetos sociais, e torna-se apenas uma mercadoria
profissionalizante.
O "mal do logos estéril"
é uma doença epidêmica nas sociedades modernas e nas universidades. Somente
uma pequena parte dos que cursam universidades e cursos de pós-graduação se
tornam pensadores, engenheiros de idéias humanistas, que têm uma consciência
crítica sociopolítica e uma macrovisão das necessidades psicossociais da
sociedade em que vivem e da espécie humana.
Dependendo da teoria
psicológica e da metodologia pedagógica utilizada, bem como da qualidade dos
professores que as aplicam, o processo socioeducacional pode ter diversos
níveis de eficiência na construção do conhecimento e na formação de
profissionais. Porém, há uma distância enorme entre ser um profissional, que
usa o conhecimento apenas como ferramenta profissionalizante para beneficio
próprio, e ser um pensador humanista que aprecia a cidadania, a democracia das
idéias e que tem compromissos psicossociais e sociopolíticos.
A tendência natural do homem
é desenvolver as duas grandes doenças psicossociais: o mal do logos estéril
e a síndrome da exteriorização existencial. O processo socioeducacional
precisaria sofrer um choque intelectual para ser mais eficiente na formação de
pensadores.
8. A dívida humanística com a espécie humana
Devido à operação espontânea
dos fenômenos intrapsíquicos, que financia gratuitamente os processos de
construção dos pensamentos e a produção da consciência existencial, todos
deveríamos nos sentir com uma dívida humanística com o ambiente ecossocial em
que vivemos.
A capacidade de pensar e ter
consciência sobre o mundo que somos e em que estamos é indescritivelmente
complexa, e a recebemos gratuitamente através dos fenômenos que lêem a
memória, principalmente do autofluxo, e do fenômeno RAM, que registra
automaticamente todos os pensamentos e emoções que transitam no palco de nossas
mentes. Por isso, deveríamos retribuir esta gratuidade com uma dívida
humanística. Daríamos tudo o que possuímos em troca da nossa consciência
existencial. Trocaríamos todos os títulos acadêmicos, bens materiais, status
social, para resgatar nossa identidade psicossocial e nossa capacidade de
pensar, se fôssemos perdê-las.
A consciência é tão
fundamental e abrangente que não existe a idéia sobre a inconsciência, não
existe o pensamento puro sobre o suicídio, pois toda idéia sobre a
inconsciência ainda é uma manifestação da consciência, todo pensamento sobre o
suicídio ainda é uma manifestação do pensamento, um fluir da vida. Por isso, as
pessoas que pensam em suicídio não procuram, na realidade, o término
existencial, mas o alívio das suas dores, dos seus humores deprimidos, das suas
frustrações, das suas angústias. Como não encontram mecanismos de superação
dessas dores, elas, infelizmente, atentam contra seu próprio corpo.
Na minha trajetória de
pesquisa procurei, em algumas oportunidades, pensar na possibilidade de morte
da consciência, do vácuo da vida, do nada existencial. O resultado é realmente
inimaginável. O pouco que dá para imaginarmos é angustiante, pois sem a
consciência existencial não existimos para nós mesmos, somos seres errantes,
meros objetos vagando no tempo e no espaço. Tem fundamento o desespero das
pessoas idosas diante da possibilidade de perderem a sua consciência por
desenvolverem um quadro demencial, uma degeneração das áreas do cérebro que
contêm os segredos da memória. Os fenômenos que lêem a memória entram numa
completa desorganização, produzindo cadeias de pensamentos sem os parâmetros da
realidade. O eu perde sua lógica e coerência no processo de gerenciamento da
inteligência.
A conclusão a que cheguei é
que o medo do fim da existência e, conseqüentemente, da perda da identidade, é
o medo mais legítimo de um ser vivo. Só não possui tal tipo de fobia quem nunca
pensou nas conseqüências psicológicas e filosóficas da inexistência.
Se gravitarmos em torno do
medo da morte, então, este medo se tornará doentio, patológico, como ocorre na
síndrome do pânico. Mas não há dúvida de que a consciência humana não aceita o
fim da existência, o fim de si mesma, o silêncio eterno. Por isso, ela reage
com aversão diante dessa possibilidade.
Nós psiquiatras e
psicoterapeutas devemos olhar para a síndrome do pânico com mais humanismo. Os
portadores dessa síndrome sofrem mais do que imaginamos, suas palavras são
pobres para traduzir o desespero que sentem. A cada ataque de pânico, a cada
momento que sentem que vão morrer ou desmaiar subitamente, eles experimentam o
topo da dor humana. O grande problema é que o fenômeno RAM registra automática
e privilegiadamente cada novo ataque de pânico, retroalimentando a memória e
aumentando as áreas inconscientes doentias. Tais áreas poderão ser lidas
subitamente pelo fenômeno do gatilho da memória, propiciando, assim, novos
ataques. É preciso ajudá-las, ouvi-las, compreendê-las e estimulá-las a
gerenciar com ousadia seus pensamentos negativos e suas reações fóbicas. Caso
contrário, elas desenvolverão uma dramática seqüela psicológica: a fobia
social. Não mais freqüentarão ambientes públicos.
Filosoficamente falando, o
privilégio gratuito da construção de pensamentos e da formação da consciência
existencial deveria nos fazer sentir em dívida humanística com a nossa espécie
e com o meio ambiente ecossocial. Se recebemos gratuitamente o privilégio de
ter a capacidade de pensar, é uma atitude inteligente honrar essa capacidade
com uma macrovisão da espécie humana, procurando preservá-la com atitudes que
materializam os discursos teóricos.
O homem que deseja que o
mundo gravite somente em torno das suas necessidades não é bom para a sua
espécie, não compreendeu minimamente o espetáculo da construção de
pensamentos.
9. A revolução psicossocial gerenciada pelo eu
O desenvolvimento do sistema
educacional, dos paradigmas culturais, dos estereótipos sociais, da ciência, da
tecnologia, das correntes literárias, das artes, etc, ocorreu não apenas porque
o homem tem a capacidade de pensar, a consciência dessa capacidade e a
habilidade consciente para gerenciá-la, mas também através de uma revolução despercebida,
espontânea e inevitável ocorrida nos bastidores da mente humana, que chamo de
"revolução psicossocial branca".
O gerenciamento da construção
de pensamentos pelo eu, ainda que estimulado pelo processo socioeducacional e
pelos estímulos do meio ambiente, não foi a avenida exclusiva do
desenvolvimento do pensamento humano. Não há dúvida que a mente humana passou
por uma riquíssima evolução intelectual, cultural e social ao longo dos
séculos. Porém, por incrível que pareça, essa evolução ocorreu também pela
"revolução branca psicossocial" promovida pelos fenômenos que
realizam a construção de pensamentos. O fenômeno do autofluxo e o gatilho da
memória produzem milhares de pensamentos diários sem a autorização do eu. Todos
esses pensamentos são mesclados com experiências emocionais. Todos eles são
automaticamente registrados na memória gerando uma rica história.
Pensar é o destino inevitável
do Homo sapiens, e não uma opção intelectual. A psique é um campo de
energia que se encontra num fluxo vital contínuo de transformação essencial. A
construção de pensamentos, produzida clandestinamente na psique humana,
retroalimenta a memória.
Há um Homo interpres micro
ou macrodistinto a cada momento existencial., devido à influência de um grupo
de variáveis que atuam nas diversas etapas da interpretação. Esse grupo de
variáveis gera diferenças na interpretação dos fenômenos que observamos.
Traímos freqüentemente a realidade essencial dos fenômenos que interpretamos.
Essas micro ou macrotraições ocorridas no processo de interpretação nem sempre
são preconceituosas, imaturas e intelectualmente superficiais, mas inevitáveis
e inconscientes. Elas geram um sistema de encadeamento distorcido na construção
dos pensamentos e na transformação da energia emocional, o que facilita a
produção de experiências micro ou macrodistintas em relação às do passado.
Estas, uma vez registradas, alavancam o desenvolvimento da história e da
personalidade como um todo.
Assim, concluindo, a
construção de pensamentos, a retroalimentação da história intrapsíquica e o
sistema de encadeamento distorcido ocorrido no processo de interpretação são
três grandes processos intrapsíquicos que promovem uma complexa "revolução
branca psicossocial", que faz um cientista, um escritor, um pintor, um político,
um pai, um estudante, uma criança, etc, produzir contínua e inconscientemente
cadeias de pensamentos micro ou macrodistintos, mesmo diante de um mesmo
estímulo observado em dois momentos distintos.
A cada momento que
interpretamos um fenômeno, tais como o comportamento de uma pessoa, um
fenômeno físico, um fenômeno biológico, uma técnica, um texto literário, uma
teoria científica, um paradigma sociocultural, etc, essa interpretação está
sofrendo um sistema de encadeamento distorcido que enriquece a construção das
cadeias de pensamentos dialéticas e antidialéticas, que retroalimenta a
história intrapsíquica.
A revolução psicossocial
branca promove o desenvolvimento da personalidade, da cultura, das relações
sociais, da ciência, das artes, dos paradigmas socioculturais, enfim, de todo
pensamento humano. Porém, esse desenvolvimento é principalmente quantitativo;
para ser qualitativo, ele tem que ser redirecionado pelo gerenciamento do eu e
estimulado pelo processo socioeducacional. O fato de a construção dos
pensamentos ultrapassar os limites da lógica traz inconvenientes, mas, ao mesmo
tempo, se torna um grande parceiro do desenvolvimento psicossocial humano.
Os cientistas estão
pesquisando em laboratório; os políticos estão arquitetando seus discursos e
seus projetos; os pais estão dialogando com os filhos; os jornalistas estão
produzindo seus textos; os executivos estão dirigindo suas empresas; porém
eles não percebem que estão realizando esse trabalho intelectual não apenas
através do gerenciamento consciente da construção de pensamentos, mas também
através de uma revolução psicossocial clandestina produzida nos bastidores da
mente, que interfere na qualidade dessa construção.
Capítulo 18
A Inteligência Multifocal: Academia de Formação de Pensadores
O SÉCULO XXI PODERÁ NÃO SER O SÉCULO DA FORMAÇÃO DE PENSADORES MAS O SÉCULO DAS DOENÇAS PSÍQUICAS, PSICOSSOCIAIS E PSICOSSOMÁTICAS
As sociedades modernas vivem
grandes e graves problemas psicossociais que impedem a formação de pensadores.
Devido à globalização da informação, a cultura e o pensamento estão cada vez
mais massificados, o belo está cada vez mais estereotipado, o consumismo se
tornou uma droga coletiva e os paradigmas socioculturais engessam cada vez mais
a inteligência humana.
Até a busca da estética do
corpo tornou-se uma paranóia coletiva, pois procura-se ansiosamente por ela,
mas não se importa em ser um engenheiro de idéias que constrói a sabedoria
existencial e a maturidade da inteligência. Por isso, a arte de pensar está
sufocada; o prazer de ser um caminhante nas avenidas do próprio ser e de
trabalhar as angústias existenciais está combalido; a aventura de procurar as
origens da inteligência e de mergulhar no mundo indescritível das idéias
relativas à natureza e ao processo de construção dos pensamentos tem sido um
privilégio de poucos; o mal do logos estéril e a síndrome da
exteriorização existencial têm se tornado doenças psicossociais epidêmicas; a
massificação da comunicação tem produzido uma fábrica de ídolos, onde uma grande
maioria, desconhecendo o espetáculo do funcionamento da mente, ocorrido no
âmago de cada ser humano, superdimensiona o valor de uma pequena minoria,
gravitando em torno dela.
Estas situações indicam que
durante o século XXI, provavelmente, não ocorrerá a revolução da qualidade
de vida psicossocial, uma revolução fundamentalmente mais importante e
valiosa do que a revolução científica e tecnológica ocorrida no século XX. Se
não ocorrer a revolução do humanismo, da cidadania, da democracia das idéias,
da arte de pensar e, ainda, uma profunda revolução no processo educacional, o
século XXI não será o século da formação de pensadores, o século da preservação
dos direitos humanos, mas, ao contrário, ele será o século das doenças
psíquicas, psicossomáticas e psicossociais. Será o século do paradoxo da
informação, pois combinará uma alta incorporação de informações com uma baixa
capacidade de pensar criticamente.
Teremos homens
bem-informados, grandes especialistas, que navegarão cada vez mais pela Internet
e que terão acesso às universidades virtuais e a um rico caldeirão de
informações como nunca ocorreu antes na história humana, mas, ao mesmo tempo,
serão homens que não saberão pensar, duvidar, criticar as convenções do
conhecimento, transformar o conhecimento vigente, interpretar criticamente os
fenômenos, produzir idéias com originalidade, preservar os direitos humanos,
repensar a si mesmo, reciclar o autoritarismo e a rigidez intelectual.
O homem do século XXI tem
grandes possibilidades de não conseguir conquistar as funções mais nobres da
inteligência humana. Por isso, ao que tudo indica, as estrelas do capitalismo
nas décadas vindouras, mesmo diante das futuras crises das bolsas de valores,
serão cada vez mais as indústrias farmacêuticas, principalmente as que produzem
medicamentos tranqüilizantes, antidepressivos, antiestressantes.
O DESENVOLVIMENTO QUANTITATIVO E QUALITATIVO DA INTELIGÊNCIA MULTIFOCAL
É necessário e até urgente
desenvolver não apenas quantitativamente a inteligência, mas também qualitativamente.
A inteligência é produzida espontânea e quantitativamente no cerne da alma
humana, porque, como vimos, o campo de energia psíquica se encontra num fluxo
vital contínuo, que realiza uma leitura da memória e uma rica produção de
cadeias de pensamentos.
Somos uma espécie inteligente
não porque optamos por sê-la, mas porque o fenômeno da autochecagem, da âncora
e do autofluxo produz anualmente milhões de matrizes de pensamentos essenciais
que carregam os arquivos da memória e, ao mesmo tempo, sofrem espontaneamente
uma leitura virtual, gerando os pensamentos conscientes, que, por sua vez,
organizam, pouco a pouco, a complexa arquitetura do mais surpreendente fenômeno
da inteligência, o "eu". O "eu" é o fenômeno que é capaz de
não apenas se conscientizar de si mesmo, mas também do universo que o circunda.
Todos os dias, identificamos se estamos tristes, alegres, deprimidos, bem como
identificamos milhares de itens ao nosso redor. Contudo, raramente alguém se
perturba com a complexidade de ter a consciência de si e do mundo. Dificilmente
também alguém se encanta com a leitura rapidíssima da memória, capaz de
organizar, em milésimos de segundo, experiências existenciais e estruturas
lingüísticas, tais como verbos, sujeitos e substantivos, que não foram
pensados previamente e cujo lócus no córtex cerebral desconhecemos.
Para se processar o
desenvolvimento qualitativo da inteligência e, conseqüentemente, formar
pensadores, é necessário ficar assombrado com o processo de construção da
inteligência, é igualmente necessário compreender o conjunto de variáveis
psicossociais que influenciam essa construção.
A cultura e a escolaridade
(alicerçada na relação professor-aluno), que pouco enfatiza a história
intrapsiquica e a história social na formação do pensamento, que pouco estimula
a tríade de arte intelectual e a compreensão do funcionamento da mente, não
desenvolvem qualitativamente a inteligência, mas apenas quantitativamente.
Esse tipo de escolaridade faz do homem um depósito de cultura, um reprodutor do
conhecimento, um espectador passivo das idéias, que "dança a valsa da
vida com a mente engessada", que não sabe trabalhar seus invernos
existenciais e nem sabe proteger suas emoções nos focos de tensão.
O desenvolvimento qualitativo
da inteligência objetiva muito mais do que melhorar a qualidade de vida
emocional, intelectual e social do homem; ele objetiva expandir a academia de
formação de pensadores, de homens que sejam capazes de provocar a revolução da
cidadania, do humanismo e da democracia das idéias na Psicologia, na
Psiquiatria, na Filosofia, na Sociologia, na Educação, no Direito, nas ciências
naturais, na política, na psicoterapia, nos meios de comunicação, na
tecnologia, no gerenciamento empresarial, nas relações sociais. As escolas, principalmente
as universidades, deveriam se tornar academias de formação de pensadores.
Um dia, em uma das
palestras-treinamento que tenho proferido com o título "A formação de
pensadores num mundo globalizado cultural e economicamente", para uma
platéia heterogênea, formada por cientistas, professores universitários,
profissionais de recursos humanos, psicólogos, perguntei a eles quais eram as
características psicossociais de um pensador. Eles apontaram cerca de seis
características, e entre elas destacaram a capacidade de pensar, a consciência
crítica e a perseverança. Porém, para o espanto deles, disse-lhes que há bem
mais de cem características psicossociais que constituem tanto o processo
deformação como a história existencial dos pensadores, seja nas ciências,
na artes, no desempenho socioprofissional.
Essas características não
esgotam, obviamente, a somatória das características contidas na história de
todos os pensadores. Porém, creio que cada um dos pensadores na história
humana, cada um dos homens que mais honraram a arte de pensar, que mais
brilharam em sua inteligência e que mais viveram com dignidade a condição de
ser um Homo sapiens, ou seja, de pertencer a uma espécie pensante,
tiveram pelo menos algumas das características psicossociais que citarei. Por
exemplo, Sócrates era um indagador, um amante da arte da pergunta, Voltaire
apreciava a arte da dúvida. Porém, não há pensador completo, pois apesar de
cada pensador ter desenvolvido algumas dessas importantes características
psicossociais, eles eram deficientes em muitas outras. As características
desenvolvidas por cada pensador foram os seus segredos intrínsecos, as raízes
que os sustentavam e que nutriam a expansão do mundo das idéias deles.
A ATUAÇÃO DA ÂNCORA DA MEMÓRIA E DO FENÔMENO DA PSICOADAPTAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PENSADORES
Uma das características
fundamentais de um pensador é se colocar como um "eterno" aprendiz na
"curta" trajetória existencial humana. Temos que nos sentir contínuos
e inveterados aprendizes, que procuram conquistar as funções mais nobres da
inteligência; garimpeiros do universo intrapsíquico, que procuram expandir as
potencialidades intelectuais.
A morte de um pensador não
ocorre apenas quando ele morre fisicamente, mas principalmente quando morre
intelectualmente, quando fecha a âncora da memória, restringindo seu território
de leitura através de seu comportamento autoritário e auto-suficiente. Deste
modo, ele exerce a ditadura da verdade e deixa de ser um ávido aprendiz na sua
trajetória existencial, pois passa a compreender o mundo apenas dentro da
órbita do seu conhecimento.
Se não compreendermos que um
dos papéis da memória é abrir ou fechar seu território de leitura diante dos
focos de tensão ou diante da postura ditatorial que assumimos no processo de
observação e produção de conhecimento, teremos grandes chances de sermos
estéreis na arte de pensar.
Ser um pensador não é uma
questão de ter um status de intelectual, de ser originário de uma famosa
universidade ou de um grande instituto de pesquisa, mas de ser um produtor de
conhecimento, de estar num contínuo estado de "gravidez" de idéias.
Um pensador não pode nunca envelhecer no território dos pensamentos e das
emoções. Seu corpo pode estar abatido pelo tempo, mas sua alma está cada vez
mais rejuvenescida com as novas experiências.
A alma pode envelhecer? Sim,
mais rápido que o corpo. Todavia, ela também pode rejuvenescer, algo impossível
para o organismo. Como ela envelhece? Através da atuação inconsciente do
fenômeno da psicoadaptação. Os que usam drogas podem em alguns anos queimar
etapas da vida por depositarem dezenas de milhares de experiências angustiantes
na memória. Tais experiências os levam a se psicoadaptarem à sua condição de
dependentes, fazendo-os perderem o prazer de viver e ânimo para romperem o
cárcere da emoção. Os pensadores também podem envelhecer precocemente. As
atitudes autoritárias, os conflitos, o stress social e os pensamentos
antecipatórios podem depositar milhares de experiências ansiosas no universo
inconsciente da memória, levando-os a se psicoadaptarem aos objetivos
intelectuais alcançados e reduzindo prematuramente o interesse pelos fenômenos
desconhecidos. Por isso, muitos pensadores produziram suas mais brilhantes
idéias na sua juventude.
A cultura acadêmica pode
contribuir para gerar um pensador, mas ela não é uma condição sine qua nom, uma
premissa fundamental, mas uma das inúmeras variáveis presentes no processo de
formação e na história de um pensador. É possível alguém ter status de
intelectual, mas não produzir idéias originais ou transformar e repensar o
conhecimento vigente, não libertar e desenvolver a arte de pensar, não ser um
humanista e nem um democrata das idéias.
Há muitos pensadores que não
tiveram seu trabalho intelectual, seus pensamentos, registrados nos anais da
história humana, que não tiveram a notoriedade social. Esta ausência de
notoriedade ocorreu não apenas por falta de reconhecimento social, mas também
porque consideraram de maior valor o prazer do anonimato do que o status social.
Apesar do anonimato e, às vezes, sem possuir qualquer cultura acadêmica, eles
foram ricos pensadores em sua cultura e meio social, brilharam em suas
inteligências silenciosamente, produziram suas idéias como sementes anônimas,
honraram nossa espécie.
Um exemplo vivo de uma pessoa
que semeou seu pensamento de maneira brilhante, expressou sua inteligência de
maneira ímpar e procurou constantemente o anonimato foi Jesus Cristo. Tenho
gastado tempo para analisar, à luz da Teoria Multifocal do Conhecimento, a
inteligência de alguns pensadores. Ultimamente tenho analisado a complexa e
sofisticada inteligência do mestre de Nazaré. No passado achava que Ele era
apenas um belo fruto da cultura humana e, portanto, uma fantasia inexistente.
Todavia, analisando os seus pensamentos, reações e as entrelinhas dos seus
comportamentos, expressas nas suas quatro biografias (evangelhos), compreendi
que era impossível alguém construir um personagem com as características de
personalidade como as dele. Ele foi o mestre dos mestres da turbulenta e bela
escola da existência, a escola da vida.
Podemos estudar os grandes
pensadores, tais como Platão, Descartes, Max Weber, Hegel, Darwin, Freud,
todavia ninguém teve uma personalidade tão complexa, misteriosa e difícil de
ser compreendida como a de Jesus Cristo. Ele não apenas causou perplexidade nos
homens mais cultos de sua época, mas, ainda hoje, seus pensamentos são capazes
de perturbar a mente de qualquer um que queira estudá-lo livre de julgamentos
preconcebidos. Ele causou a maior revolução da história, entretanto, não desembainhou
uma espada e não usou de qualquer violência. Todavia, a ciência foi omissa e
tímida em pesquisá-lo, deixando essa tarefa apenas para a teologia.
A vida não o poupou; do
nascimento à sua morte, Cristo passou pelas mais amargas situações de
sofrimentos. Todavia, para o nosso espanto, era uma pessoa alegre, segura,
livre e tranqüila no território da emoção. Tinha uma habilidade ímpar para
gerenciar seus pensamentos e trabalhar as suas angústias. Ao investigá-lo,
podemos concluir que a tolerância e a sabedoria habitaram a mesma alma.
Apesar das minhas limitações,
tenho estudado sua personalidade não sob o prisma da sua divindade, mas da sua
humanidade. Tenho estudado seus registros históricos, seu nível de coerência
intelectual, suas idéias, seu ousadíssimo discurso sobre a verdade, seu projeto
para resolver a angústia existencial do homem, sua habilidade em não se
submeter à ditadura do preconceito, sua capacidade de colocar-se no lugar do
outro, de se doar sem esperar a contrapartida do retorno e de superar seus
focos de tensão.
O resultado deste estudo,
talvez único na literatura psicológica, foi publicado na coleção de livros
intitulada Análise da inteligência de Cristo, cujos subtítulos: são:
"O Mestre dos Mestres", "O Mestre da Sensibilidade",
"O Mestre da Vida", "O Mestre do Amor", "O Mestre
Inesquecível".
O mestre da escola da vida
gostava de ser chamado de "filho do homem", apreciava expressar sua
humanidade com naturalidade e inteligência, enquanto, paradoxalmente, muitos
daqueles que o circundavam e dos que hoje o seguem gostam e enfatizam os
espetáculos sobrenaturais.
Um pensador é, antes de tudo,
alguém que procura, em tudo o que faz e crê, respeitar a sua própria
inteligência, ser fiel aos seus pensamentos e desenvolver a consciência
crítica. Alguém que procura ser um inspirado e sensível poeta da existência na
sofisticada e turbulenta vida humana, mesmo quando se frustra, fracassa ou
atravessa seus áridos desertos.
AS CARACTERÍSTICAS PSICOSSOCIAIS FUNDAMENTAIS QUE CONSTITUEM A HISTÓRIA E O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PENSADORES
Para realizar o complexo,
sofisticado e rico processo de formação de pensadores é necessário procurar
conquistar e amadurecer as características psicossociais e as funções mais
nobres da inteligência.
1. Procurar conhecer as
origens da inteligência humana, seus limites, alcance, práxis.
2. Ter consciência de que
pensar é um processo inevitável e impossível de ser interrompido, apenas
direcionado. Saber que o mundo das idéias é a maior fonte de entretenimento
natural do homem, todavia ela pode se transformar na maior fonte de terror
emocional. Portanto, ê imperativo aprender a administrar o fenômeno do
autofluxo e não permitir que ele gere idéias fixas de conteúdo negativo.
3. Aprender a pensar
multifocalmente com liberdade e consciência crítica. Reciclar o fenômeno da
psicoadaptação, objetivando romper a mesmice das idéias e libertar a
criatividade.
4. Aprender a gerenciar os
pensamentos e emoções. Resgatar a liderança do eu nos focos de tensão
psicossocial.
5. Aprender a pensar antes de
reagir. Respeitar a sua própria inteligência e a inteligência do outro. Não
permitir que o fenômeno da autochecagem feche o território de leitura da
memória.
6. Desenvolver a arte da
pergunta, ter consciência da ditadura da resposta e de que cada resposta é o
começo de novas perguntas.
7. Desenvolver a arte da
dúvida e a utilizar como princípio da sabedoria: duvidar de si mesmo, dos seus
paradigmas socioculturais, de sua rigidez intelectual e das convenções do
conhecimento.
8. Desenvolver a arte
crítica. Criticar com liberdade a si mesmo e ao mundo que o circunda. Usar a
arte da pergunta e da dúvida como trilhos da arte da crítica.
9. Aprender a se proteger
emocionalmente filtrando os estímulos estressantes e trabalhando as
contrariedades existenciais.
10. Executar o trabalho
intelectual como um empreendedor criativo, dinâmico, flexível, seguro.
11. Ter prazer nos desafios
intelectuais, sociais e profissionais. Não permitir que o medo trave a
capacidade de pensar, impeça a leitura ampla da memória.
12. Aprender primeiramente a
ser um líder de si mesmo para depois liderar a outros.
13. Estabelecer metas
existenciais, intelectuais e socioprofissionais.
14. Procurar conquistar a
disciplina, a paciência e a perseverança como jóias preciosas da inteligência
para atingir suas metas.
15. Analisar as variáveis
para atingir seus objetivos e procurar prever as intempéries e os obstáculos
que surgirão.
16. Trabalhar as dores,
perdas, frustrações e utilizá-las como alicerces da maturidade da inteligência.
17. Reconhecer e repensar com
inteligência e dignidade as fragilidades, os erros, os fracassos e as
limitações. Ter consciência de que um sábio não é aquele que nunca erra e
fracassa, mas aquele que amadurece diante deles.
18. Refletir sobre a
temporalidade e fragilidade da vida humana e procurar dar um sentido mais nobre
para a existência.
19. Desenvolver a arte da
contemplação do belo não apenas diante dos grandes eventos da existência, mas
principalmente diante dos pequenos estímulos da rotina diária.
20. No binômio entre o
"ter" e o "ser", optar pelo "ser" sem abandonar o
"ter".
21. Conseguir distinguir os
princípios da "matemática da emoção" dos princípios da matemática
financeira. "Ter não é premissa fundamental para ser", é possível ter
pouco e até ser pobre e, ao mesmo tempo, ser um poeta da existência.
22. Ser um amante da
honestidade intelectual: Criticar a simulação e a omissão. Ser fiel ao seu
pensamento.
23. Vacinar-se contra a
paranóia de ser o número 7 e contra a competição selvagem, desumanística e
desinteligente. Assumir sua condição psicossocial com dignidade e procurar
expandir suas possibilidades intelectuais.
24. Valorizar as relações
sociais e procurar ser um agente social, mas não gravitar em torno do que os
outros pensam de nós.
25. Aprender a se colocar no
lugar do outro e perceber suas dores e necessidades psicossociais.
26. Aprender a se doar
psicossocialmente sem esperar a contrapartida do retorno.
27. Aprender a expor e não
impor as idéias. Ter consciência de que um verdadeiro líder expõe suas idéias,
pois sua força está na sua inteligência, mas uma pessoa autoritária as impõe,
pois sua força está nas mais diversas formas de agressividade.
28. Aprender a apreciar a
inteligência do outro e procurar estimulá-la, provocá-la, promovê-la.
29. Procurar realizar o
debate de idéias com as pessoas circundantes (alunos, funcionários, amigos,
familiares) procurando compreender o alcance de suas idéias, respeitá-las e
utilizá-las.
30. Aprender a arte de ouvir.
Ouvir aberta e despreconceituosamente o outro e não ouvir apenas o que se quer
ouvir.
31. Valorizar o processo de
construção de um produto (conhecimento, obra de arte, produto industrial, meta
profissional) tanto ou mais do que o próprio produto.
32. Procurar conhecer e
desenvolver o humanismo a partir do processo de construção de pensamentos, das
origens da inteligência.
33. Procurar conhecer a
democracia das idéias e seus amplos aspectos psicossociais. Aprender a
respeitar a cultura do "outro" e a apreciar a diversidade de
pensamentos.
34. Ter consciência de que
tanto as mais diversas formas de discriminação quanto a supervalorização de uma
pequena minoria de intelectuais, líderes sociopolíticos, artistas, etc, são
procedimentos desinteligentes e desumanísticos, são faces opostas da mesma
doença da interpretação.
35. Ter uma visão multifocal
da espécie humana e da teoria da igualdade a partir do conceito do humanismo e
da democracia das idéias.
36. Expandir o mundo das
idéias através do uso das artes da inteligência (a arte da pergunta, dúvida,
crítica, observação, análise multifocal) e o caos intelectual. Usar o caos
intelectual tanto para evitar as contaminações do processo de interpretação
como para expandir as possibilidades de construção do conhecimento.
37. Vacinar-se contra o
autoritarismo das idéias e a ditadura do discurso teórico produzidos
conscientemente pelo "eu", pois eles engessam a inteligência,
esgotam as possibilidades do conhecimento e estabelecem a ditadura da verdade
na Psicologia, na Filosofia, nas Ciências Naturais, na Política, na Economia,
etc. Ter consciência de que a verdade científica e sociopolítica é inesgotável
e inalcançável.
38. Vacinar-se contra os três
tipos de ditaduras inconscientes ocorridas nos bastidores da construção de
pensamento: a ditadura do preconceito, a ditadura da emoção e a ditadura do
deslocamento dos territórios de leitura da memória.
39. Ter consciência básica de
que o Homo sapiens é um Homo interpres micro e macrodistinto a cada momento
existencial e de algumas variáveis que participam do processo de interpretação.
40. Aprender a gerenciar com
maturidade a inevitável transformação da energia emocional e a incontida
revolução da construção dos pensamentos.
41. Produzir um clima de
cooperação no ambiente social e socioprofissional através da práxis, do
humanismo e da expressão das artes da inteligência e não através da pressão
social ou da imposição das metas e das idéias.
42. Ser capaz de fazer com
que as pessoas que o circundam penetrem em seus sonhos e seus projetos
intelectuais e socioprofissionais, motivando-as a se engajarem neles.
43. Ter mais prazer no
trabalho em grupo, na cooperação social e no exercício da cidadania do que na
busca, da notoriedade e do estrelismo individual.
44. Aprender a se colocar
como um "eterno" aprendiz na "curta" trajetória existencial
humana. Vacinar-se contra a síndrome da exteriorização existencial, contra ser
um passante existencial, alguém que transita pela vida sem criar raízes dentro
de si mesmo.
45. Aprender a falar não
apenas do mundo extrapsíquico, mas também a falar de si mesmo e trocar
experiências existenciais.
46. Balizar com sabedoria
tanto a segurança em suas atividades sociais como a arte da dúvida e da crítica
direcionada aos fundamentos dessa segurança.
47. Aprender a trabalhar o
caos emocional e social e usá-los para expandir as possibilidades de construção
psicossocial.
48. Ser um poeta existencial,
um garimpeiro de idéias, que procura intensamente o enriquecimento
intelectual.
49. Ter consciência de que
qualquer pessoa sabe viver bem nas primaveras da vida (os sucessos, os apoios,
as condições psicossociais favoráveis), mas só os sábios aprendem a conquistar
a dignidade e a sabedoria em seus invernos existenciais (as perdas, os
fracassos, os recuos, as contrariedades, as dores psicossociais).
50. Procurar ser um
engenheiro de idéias que atua com consciência crítica, como agente construtor
da sua história intrapsíquica (personalidade) e social.. Um engenheiro de
idéias que procura desenvolver as características mais nobres da inteligência.
A CRISE DA FORMAÇÃO DE PENSADORES
A crise da formação de
pensadores tem atingido frontalmente as univerdades, por culpa, como tenho
dito, não dos professores e dos pesquisadores, mas de um processo educacional
engessado, unifocal, que pouco estimula o debate das idéias, o desenvolvimento
das artes mais nobres da inteligência, a consciência crítica sofiopolítica. O
sistema acadêmico assistiu passivamente ao surgimento da globalização da
informação pelos meios de comunicação a partir da segunda metade do século XX.
A globalização da informação, apesar dos seus benefícios, trouxe duas das
maiores "drogas" da inteligência humana: a massificação da cultura e
do pensamento. Quando estudamos o conceito de democracia das idéias, vimos que
o Homo intelligens (o homem consciente) vive uma diversidade de
pensamentos dialético e antidialético inevitável devido ao sistema de variáveis
intra-psíquicas ocorrido no Homo interpres (o homem inconsciente). A
massificação da cultura e do pensamento não consegue jamais conter a
diversidade de pensamentos, mas engessa a liberdade, a plasticidade, a
criatividade da construção de pensamentos, encerrando a inteligência humana num
cárcere.
A Educação não tem
introduzido os universitários no centro da história humana. Provavelmente,
muitos universitários, pelo fato de estarem acometidos com o mal do logos estéril,
estejam na periferia da história ou até alijados dela. O fenômeno da
psicoadaptação, que deveria romper o conformismo e animar a criatividade, os
tem conduzido a se adaptarem às misérias sociais. Devido à crise de
interiorização, este importantíssimo fenômeno da inteligência tem embotado os
seus sentimentos e reduzido seus ideais, gerando uma vida vazia, que não tem
por que lutar.
Diversos desses
universitários jamais ouviram falar ou se importaram com o dramático e
indescritível genocídio dos Tutsis em Ruanda, que não foi menos dramático do
que o holocausto judeu. Embora alijados da história, muitos deles estão
inseridos vorazmente no mercado de consumo, no último lançamento da moda, nos
modelos de carros mais incrementados, nos programas de computadores mais
modernos. Ruanda não pertence ao mapa dos seus interesses, os miseráveis da
África não lhes dizem respeito, os conflitos na ex-Iugoslávia não os angustiam,
a fome no nordeste brasileiro não os incomoda, a discriminação dos negros não
os perturba. O desmatamento da Floresta Amazônica, bem como os demais problemas
ambientais, incluindo o efeito estufa, são problemas da próxima geração. O
mundo tem de gravitar em torno dos seus interesses e das suas necessidades,
pois, apesar de incorporarem a cultura acadêmica, eles não têm fome e sede de
cidadania e humanismo.
Felizmente, a psique humana é
complexa e, mesmo na miséria material e social, é possível extrair se riqueza
emocional e dignidade humana, que podem não ser conquistadas quando se une
fartura material e superficialidade intelectual. Como citei, distinguir os
princípios da matemática financeira da matemática emocional é uma das
características multifocais de um pensador. Por exemplo, no interior de
Moçambique, a miséria é tanta que só há milho para se alimentar, mas, mesmo
assim, muitos moçambicanos cantam e dançam ao preparar seus alimentos. Eles são
considerados estatisticamente miseráveis pela ONU (Organização das Nações
Unidas), mas são ricos na arte da contemplação do belo, mais ricos do que
muitos daqueles que são listados pela revista Forbes como os homens
mais ricos do mundo.
Como estimularemos a formação
de pensadores, se na educação clássica não se estimula a arte da pergunta, da
dúvida e da crítica? Como produziremos homens lúcidos, aptos a julgar o mundo
que os circunda, se eles não conhecem o sistema de distorção que ocorre no
processo de interpretação? Como poderemos gerar homens que pensam, se eles não
sabem quais são os tipos e a natureza dos pensamentos que são produzidos no
palco da mente humana e como eles são produzidos? Como produziremos pessoas que
pensam antes de reagir, se nada conhecem sobre o fenômeno do gatilho da
memória? Como produziremos homens saudáveis no território da emoção, se eles
nunca souberam que existe um universo de pensamentos produzidos pelo fenômeno
do autofluxo, sem qualquer autorização do eu, que pode se tornar tanto uma grande
fonte de prazer como de terror? Como produziremos homens sábios, se eles não
aprenderem a intervir no seu mundo psíquico e a gerenciar seus pensamentos e
emoções?
Deveria haver em todas as
escolas cursos que abordassem o processo de construção de pensamentos e de
formação de pensadores humanistas, que promovessem um debate de idéias sobre o
funcionamento da mente e sobre os grandes problemas biopsicossociais da nossa
espécie. Esses cursos deveriam fornecer subsídios aos estudantes para
desenvolverem a arte de pensar e a consciência sociopolítica.
Somos a espécie mais
fantástica da bioesfera terrestre, estamos no topo da inteligência de milhões
de espécies, mas, muitas vezes, a mercadoria que usamos na resolução dos
conflitos humanos é a força, a agressividade ou a omissão, e não a arte de
pensar, de analisar as variáveis, de ouvir despreconceituosamente, de aprender
a ceder quando necessário, de exercitar a tolerância, de reconhecer as
necessidades do outro.
A atitude sociopolítica
coerente e lúcida é mais exigida quanto mais conturbadas e conflitantes forem
as circunstâncias psicossociais; porém, infelizmente, é nessas circunstâncias
que a omissão é cultivada. Na Segunda Guerra Mundial, muitos políticos e
lideranças sociais se calaram diante do holocausto judeu. Optaram pelo
silêncio, um silêncio inaceitável, diante da miséria desse povo. O silêncio
sociopolítico ainda é amplamente praticado diante de muitas misérias humanas.
Muitas vezes esse silêncio só é rompido quando a imprensa mais séria faz eloqüentes
denúncias. A imprensa, às vezes, erra, exagera, conspira contra a privacidade,
mas é ela ainda uma das áreas mais saudáveis e inteligentes da sociedade. Sem
uma imprensa livre e crítica, seríamos uma espécie mais doente, pois a omissão,
a impunidade, a discriminação e muitas outras formas de violação dos direitos
humanos seriam amplamente cultivadas.
Creio que a mais grave doença
da nossa espécie não é a AIDS, o câncer, a depressão, mas a perda generalizada
do sentido psicossocial de espécie, que se torna uma grande fonte de violação
dos direitos humanos.
Somos americanos, alemães,
japoneses, ingleses, franceses, italianos, brasileiros, brancos, negros,
palestinos, judeus, etc, mas não somos psicossocialmente a mesma espécie. Somos
uma espécie dividida, segmentada, dilacerada psicossocialmente. Somos uma
única espécie, mas não honramos a condição de possuirmos o espetáculo
indescritível da construção da inteligência. Conservamos apenas os laços
genéticos, mas perdemos ou, talvez, nunca tenhamos conquistado as
características mais nobres da inteligência capazes de financiar uma macrovisão
da espécie humana, de alicerçar a práxis da teoria da igualdade, de construir
coletivamente os sentimentos globais mais altruístas da psique. Globalizamos a
cultura e a economia, mas não globalizamos a cidadania, o humanismo e a democracia
das idéias; não globalizamos o sentido psicossocial de espécie.
Se compreendêssemos melhor a
natureza dos pensamentos, os papéis da memória, as dificuldades do
"eu" em gerenciar a energia psíquica, o fenômeno da psicoadaptação e
a atuação rapidíssima dos fenômenos inconscientes que constroem as complexas
cadeias de pensamentos, seríamos mais tolerantes e menos havidos a nos
discriminar.
Leis, policiamento, apelo
emocional, não resolverão nossos conflitos sociais fundamentais; servirá apenas
para amenizá-los, pois as raízes dos nossos problemas estão nas origens da
inteligência, nos fundamentos do processo de formação da personalidade, no
funcionamento da mente.
Espero que este livro possa
não apenas contribuir para expandir o mundo das idéias sobre o funcionamento da
mente e a construção de pensamentos e se tornar fonte de pesquisa na
Psicologia, na Filosofia, na Psiquiatria, na Sociologia, na Educação, mas
também contribuir para a formação de pensadores humanistas, de engenheiros de
idéias, de poetas intelectuais, de homens que aprendem a se interiorizar e
procurar na sinuosa e curta trajetória da existência humana as funções mais
nobres da inteligência.
Glossário
Âncora da Memória: Fenômeno intrapsíquico inconsciente que modifica o
território de leitura da memória. A âncora da memória é usada e deslocada pelo
fenômeno da autochecagem da memória, do fenômeno do autofluxo e do eu.
Bastidores da Mente
(Inconsciente): Campo de energia
psíquica inconsciente, onde atua um grupo de fenômenos e variáveis que geram
os quatro grandes processos de construção da inteligência: os processos de
construção dos pensamentos, da consciência existencial, da história
intrapsíquica e da transformação da energia emocional.
Cidadania: Termo que, neste livro, se refere a muito mais do que
o gozo dos direitos e deveres civis e políticos de um cidadão em uma sociedade,
mas também a um compromisso biopsicossocial e a um engajamento em projetos de
preservação e expansão da qualidade de vida do "outro", das
sociedades, da espécie humana como um todo e do ambiente ecossocial.
Fenômeno do autofluxo: Fenômeno intrapsíquico multifocal e inconsciente que
financia psicodinamicamente o autofluxo de transformações da energia psíquica,
através da leitura da memória, das construções contínuas e inevitáveis das
cadeias de pensamentos e das transformações da energia emocional e
motivacional.
Comunicação Social
Mediada: Expressão criada para
indicar que as relações humanas não transcorrem na esfera da transmissão
essencial da energia psíquica, mas através de sistemas de códigos
físico-químicos sensoriais, indicando que não recebemos a essência psíquica do
outro (ex., emoções, pensamentos), mas a reconstruímos interpretativamente.
Consciência do Eu: Refere-se aos amplos aspectos da consciência, ou seja,
a consciência da existência do eu, a consciência da identidade psicossocial da
personalidade, a consciência da capacidade de pensar e do gerenciamento dessa
capacidade, a consciência do mundo intrapsíquico. O eu é gerado pela produção
multifocal de cadeias dialéticas e antidialéticas de pensamentos. Essas
cadeias de pensamentos são produzidas pelo próprio eu e pelos três outros
fenômenos que lêem a memória, indicando que a construção da inteligência é
multifocal.
Consciência Existencial: Sinônimo de consciência do eu.
Consciência Instantânea: É a consciência existencial automática que promove a
identidade básica de nossas personalidades e do ambiente social em que estamos,
tais como nosso nome, profissão, idade, papel social, pessoas circunscritas ao
ambiente, resposta social esperada, etc. A consciência instantânea é uma das
avenidas do eu, porém, não produzida por ela, mas pelo fenômeno da autochecagem
da memória, a partir dos estímulos sensoriais do ambiente e, pela âncora da
memória, a partir da ancoragem nos territórios da memória.
Consciente: Termo que se refere ao universo dos pensamentos
dialéticos e antidialéticos e a todas as derivações intelectuais deles decorrentes,
tais como: a consciência existencial do mundo que somos e em que estamos, a
racionalidade, a capacidade de síntese, de análise, de uso parâmetros
tempo-espaciais.
Democracia das Idéias: Democracia das idéias é um termo psicossocial e filosófico
derivado do conhecimento sobre o Homo intelligens (consciente) e o Homo
interpres (inconsciente), ou seja, do processo de interpretação, da
inatingibilidade da verdade essencial pela consciência humana, do sistema de
encadeamento distorcido que ocorre na construção dos pensamentos. A democracia
das idéias regula o processo de interpretação, pois implica o respeito pela
inteligência do outro, a necessidade vital de expor e não impor as idéias, o
respeito pela diversidade das idéias, a necessidade de analisar o outro e se
colocai' no lugar dele, etc. A democracia das idéias questiona dogmas, recicla
a rigidez de pensamentos, redireciona estereótipos, reorganiza a capacidade de
pensar, expande a consciência crítica e o mundo das idéias. A democracia das
idéias prepara os alicerces humanistas da maturidade das relações humanas.
Fenômeno da Autochecagem
da Memória: Fenômeno intrapsíquico
inconsciente que autocheca, em fração de segundo, os estímulos sensoriais na
memória. O fenômeno da autochecagem da memória produz, invariavelmente, uma
ponte de relação entre os estímulos sensoriais e a história intrapsíquica,
arquivada na memória.
Fenômeno da
Psicoadaptação: Fenômeno
intrapsíquico inconsciente que gera uma adaptação psíquica da energia emocional
ao longo da exposição dos mesmos estímulos, sejam eles prazerosos ou dolorosos.
A adaptação psíquica da emoção produz nela a incapacidade de vivenciar prazer
ou dor ao longo do tempo. Este fenômeno atua na terceira etapa inconsciente do
processo de interpretação.
Fluxo Vital da Energia
Psíquica: Princípio dos princípios
que transforma a energia psíquica, promove o processo de formação da
personalidade e estimula a evolução psicossocial humana. Esse princípio afirma
que a psique ou a mente é um campo de energia que vivência um fluxo inevitável
e contínuo de transformações essenciais: organização, caos psicodinâmico e
reorganização.
Gerenciamento do Eu: É a administração ou controle sobre os processos de
construção dos pensamentos, das emoções e da história existencial arquivada na
memória. Através dele, o homem deixa de ser apenas vítima da carga genética,
das causalidades históricas e das circunstâncias psicossociais, vivenciadas em
seu processo existencial, e se torna, também, agente modificador de sua própria
história psicossocial.
História Intrapsíquica: vide RPSs — Representações Psicossemânticas.
Homo intelligens: Termo que expressa os palcos conscientes da
inteligência, em que é encenada toda a produção dialética e antidialética de
pensamentos.
Homo interpres: Termo que se refere aos fenômenos intrapsíquicos
inconscientes presentes nos bastidores da psique humana. Esses fenômenos
correspondem aos fenômenos que lêem multifocalmente a memória e as outras
variáveis intrapsíquicas que co-interferem para gerar os processos de
construção dos pensamentos. Há um Homo interpres micro ou macrodistinto
a cada momento existencial, pois uma parte destas variáveis flutua e evolue
durante o processo existencial.
Inconsciente: Termo que se refere a toda realidade essencial
existente no campo de energia psíquica e a todos os fenômenos submersos na
história intrapsíquica e nos processos de construção da inteligência, tais
como: o fluxo vital da energia psíquica, a leitura multifocal da memória, as
cadeias de pensamentos essenciais, o fenômeno da psicoadaptação, o fenômeno da
autochecagem da memória, a âncora da memória, o fenômeno do autofluxo, a
essencialidade da energia emocional e motivacional, etc.
Interpretação do Outro: vide Comunicação Social Mediada.
Humanismo: Termo que se refere ao exercício das funções mais
nobres da mente, que objetivam valorizar, respeitar e procurar promover os
direitos humanos e a qualidade de vida psicossocial das sociedades. A produção
das idéias humanistas ocorre, principalmente, a partir da compreensão dos
processos de construção dos pensamentos e das complexas relações do Homo
interpres com o Homo intelligens.
Leitura Multifocal da
Memória: Leitura produzida por quatro
fenômenos intrapsíquicos que constroem as cadeias de pensamentos: a âncora da memória,
o fenômeno do autofluxo, o fenômeno da autochecagem da memória e o eu.
Mal do Logos Estéril:
Doença psicossocial expressa por uma
rica sintomatologia: postura intelectual como espectador passivo da
transmissibilidade do conhecimento; incorporação do conhecimento sem prazer,
sem crítica, sem desafio, sem aventura; redução da capacidade de ser pensador,
um engenheiro da construção de novas idéias; redução da consciência
sociopolítica e da capacidade de engajamento em projetos sociais; utilização do
conhecimento apenas como ferramenta profissionalizante para fins próprios, etc.
Mordomos da Mente: Expressão criada para indicar os três fenômenos que
contribuem diretamente para a formação do eu: a âncora da memória, o fenômeno
do autofluxo e o fenômeno da autochecagem da memória. Eles organizam e orientam
inconsciente e psicodinamicamente o "eu" na sua indescritível tarefa
de gerenciar os processos de construção da inteligência, principalmente no que
tange a ler inconscientemente a memória e construir as cadeias de pensamentos.
Pensamento Antidialético:
Cadeia de pensamento consciente que
tem uma construção psicodinâmica antipsicolingüística, ou seja, que não
mimetiza psicodinamicamente os símbolos da linguagem sonora e ou visual. Eles
são "quadros intelectuais", imagens mentais, que expressam a
consciência existencial das angústias, das fobias, do humor deprimido, do
prazer, da inspiração, das imagens, das relações tempo-espaciais, etc. Têm
natureza virtual e são produzidos a partir da leitura dos pensamentos
essenciais e das emoções e motivações. Os pensamentos dialéticos provocam um
reducionismo intelectual quando definem os pensamentos antidialéticos.
Pensamento Dialético: Cadeia de pensamento consciente que tem uma construção
psicodinâmica psicolingüística, pois mimetiza os símbolos da linguagem sonora e
ou visual. Eles financiam a comunicação social, geram toda a racionalidade
dialética e subsidiam a produção científica e coloquial do conhecimento. Têm
natureza virtual e são produzidos através das leituras dos pensamentos
essenciais.
Pensamento Essencial: Cadeia de pensamento inconsciente (matrizes de códigos
essenciais) produzido pela leitura multifocal da memória. O processo de leitura
virtual dos pensamentos essenciais gera os pensamentos dialéticos e
antidialéticos.
Práxis ou Materialização
do Pensamento: Expressão criada para
indicar a materialização do pensamento essencial. Os pensamentos conscientes
(dialéticos e antidialéticos), por serem virtuais, não se
"materializam", embora possam coordenar a leitura da memória e a
produção dos pensamentos essenciais. O pensamento essencial materializado
produz o trabalho emocional (ex., transformações na energia emocional), o
trabalho intelectual e o trabalho motor (ex., fonação, andar, operações manuais).
Processo de Transmutação:
Expressão criada para indicar a
transformação de energia psíquica em energia físico-química do cérebro e
vice-versa. O processo de transmutação é decorrente da coabitação, da
coexistência e da co-interferência entre a psique e o cérebro. Ele é realizado
através das janelas de transmutação psíquico-cerebrais, gerando, por exemplo,
o trabalho motor e os sintomas psicossomáticos, ou através das janelas de
transmutação cérebro-psíquicas, gerando, por exemplo, a atuação psicodinâmica
das drogas psicotrópicas e dos estímulos sensoriais.
Processos de Construção
da inteligência: Referem-se aos
quatro grandes processos de construção ocorridos na psique humana: os
processos de construção dos pensamentos, da consciência existencial, da história
intrapsíquica e da transformação da energia emocional e motivacional.
Resgate da liderança do
eu nos focos de tensão: refere-se ao
gerenciamento do eu dos pensamentos negativos e das reações emocionais tensas
(ex. reação fóbica ocorrida nos ataques de pânico) detonados pelo gatilho da
autochecagem da memória. Ao resgatar a liderança desses processos, o eu alarga
os territórios de leitura da memória e, assim, expande a liberdade de pensar e
reescreve a história inconsciente.
Revolução da Construção das
Idéias: Expressa a produção contínua
e inevitável das idéias ao longo de toda a trajetória existencial humana. Ela
é gerada pelo fluxo vital da energia psíquica, que conduz a uma leitura da
memória e a uma construtividade multifocal inevitável dos pensamentos.
RPSs — Representações
Psicossemânticas: São representações
psicossemânticas das experiências psíquicas (ex: pensamentos, angústias,
ansiedades) na memória (córtex cerebral). As RPSs são arranjos multifocais
físico-químicos (eletrônicos ou atômicos) na memória. Por isso, elas sempre
representam as experiências psíquicas de maneira limitada, reducionista. As RPS
são diretivas (RPSd), ou seja, ligadas diretamente ao estímulo, ou
associativas (RPSa), ou seja, relacionadas com ele. Elas formam a história
intrapsíquica.
Síndrome da
Exteriorização Existencial: Doença
psicossocial decorrida da crise de interiorização. Esta síndrome tem uma
sintomatologia psicossocial multiforme, expressa pela incapacidade de se
repensar, de se reciclar, de se criticar, de se reorganizar, bem como pela
dificuldade de trabalhar suas dores, perdas e frustrações psicossociais;
dificuldade de tornar-se agente do humanismo e da cidadania, de aprender a se
colocar no lugar do outro e perceber suas dores e necessidades psicossociais.
Solidão Paradoxal da
Consciência Existencial: É a complexa
e sofisticada solidão decorrente da natureza virtual da consciência, que acusa
antidialeticamente e discursa dialeticamente o mundo intra e extrapsíquico, mas
nunca incorpora suas realidades essenciais. Embora possamos nos conscientizar
do mundo intrapsíquico e social, estamos infinitamente distantes da sua
realidade essencial, pois a consciência virtual possui um antiespaço
insuperável em relação à sua essência. Esse antiespaço produz a solidão
paradoxal da consciência existencial. A comunicação intrapsíquica e
interpessoal, a criatividade, a literatura, a pintura, a produção científica, a
tecnologia são tentativas inconscientes e "ansiosas" de superação da
intransponível solidão paradoxal da consciência existencial. Quando essa busca
de superação não tem sucesso, produz-se a solidão emocional, o tédio
existencial, a rotina dos estímulos, a angústia existencial decorrente da
mesmice dos eventos.
Traição Inevitável da
Interpretação: Expressão criada para
referir-se às distorções inevitáveis da interpretação que ocorrem nos
bastidores da mente quando contemplamos os estímulos, tais como os textos de
uma teoria, o comportamento de uma pessoa, o significado das imagens de um
objeto etc. Ela é gerada espontaneamente pelos sistemas de co-interferência
das variáveis intrapsíquicas que flutuam e evoluem, tais como a energia
emocional, o fenômeno da psicoadaptação, a história intrapsíquica etc.
Notas Bibliográficas
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sobre os Fundamentos da Lógica. São Paulo, Edusp, 1975.
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Ser e o Nada - Ensaio de Ontologia. Petrópolis, Vozes, 1997.
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Emocional. Rio de Janeiro, Objetiva, 1995.
9. Durant, Will. História
da Filosofia. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1996.
10. Freud, Sigmund. Os
Pensadores. Rio de Janeiro, Nova Cultural, 1978.
11. Freud, Sigmund. Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago, 1969.
12. Jung, Carl Gustav. O
Desenvolvimento da Personalidade. Petrópolis, Vozes, 1961.
13. Adler, Alfred. A
Ciência da Natureza Humana. São Paulo, Editora Nacional, 1957.
14. Fromm, Erich. Análise
do Homem. Rio de Janeiro, Zahar, 1960.
15. Frankl, V.E. A
Questão do Sentido em Psicoterapia. Campinas, SP, Papirus, 1990.
16. Kaplan, Harold I.,
Sadoch Benjamin, J., Grebbjack, A. Compêndio de Psiquiatria: Ciência do
Comportamento e Psiquiatria Clínica. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997.
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